sábado, 3 de abril de 2010

Vaticano: padre compara crítico a antissemita

Sinais trocados na Sexta-Feira Santa

Autor(es): Agência O Globo/
O Globo - 03/04/2010

O pregador oficial do Vaticano comparou, na Sexta-Feira Santa, as críticas à Igreja pelos abusos sexuais de menores à perseguição antissemita. Após repercussão negativa, o portavoz da Santa Sé disse que essa era uma opinião pessoal do padre.

Pregador do Vaticano trata Igreja como vítima enquanto cardeais reconhecem falhas sobre abusos

CIDADE DO VATICANO

Em uma das datas mais importantes do cristianismo — a Sexta-Feira Santa, que relembra o sofrimento e a morte de Jesus Cristo no calvário — a Igreja Católica deu sinais trocados em sua reação aos escândalos de abusos sexuais de menores por religiosos que a envolveram num turbilhão de polêmicas nas últimas semanas. Por um lado, o pregador oficial do Vaticano colocou a Igreja na posição de vítima, comparando os ataques que a instituição vem recebendo ao sofrimento dos judeus, perseguidos durante milênios. Por outro, importantes cardeais reconheceram as falhas cometidas no tratamento dos abusos por parte da cúpula eclesiástica, chamando abusadores de “traidores do Evangelho”, defendendo tolerância zero com os criminosos e exortando a Igreja a “um novo início”.
Na tradicional missa da Sexta-Feira Santa na Basílica de São Pedro, o reverendo Raniero Cantalamessa — no posto de pregador da Casa Papal desde 1980 — aproveitou o púlpito para rebater os ataques que a cúpula do catolicismo vem recebendo desde que estourou a recente onda de denúncias de abusos, semanas atrás. Em vários países, bispos e arcebispos têm sido acusados de acobertarem ou fazerem vista grossa a casos de pedofilia por parte de subordinados. Na presença do Papa Bento XVI — também sob críticas por ter deixado um padre acusado de abusos retornar ao serviço quando era arcebispo de Munique, na década de 1980, e mais tarde por reforçar uma determinação da Igreja de manter os casos em segredo — Cantalamessa evocou a perseguição ao povo judeu ao longo da História.
— Eles sabem por experiência o que significa ser vítimas de violência coletiva e também por isso são rápidos em reconhecer os sintomas recorrentes — disse.
Ele alegou estar fazendo referência a uma carta de solidariedade à Igreja recebida de um amigo judeu, e citou parte do texto: “Estou acompanhando os violentos e concêntricos ataques contra a Igreja, o Papa e os fiéis por todo o mundo. O uso dos estereótipos, a passagem da culpa e responsabilidade pessoal para a culpa coletiva me lembram os aspectos mais vergonhosos do antissemitismo”.

Vaticano desautoriza comparação

Mais tarde, sob uma onda de críticas desatada pelo sermão, o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, procurou afastar a Santa Sé dos comentários de Cantalamessa, dizendo que eles representavam apenas a visão pessoal do pregador da Casa Papal, e que o Pontífice nada teve a ver com a elaboração do texto lido na missa.
— Não achei uma comparação apropriada — disse.
Nos EUA, o reverendo Thomas Reese, especialista em Vaticano da Universidade Georgetown, em Washington, ressaltou a importância da declaração de Lombardi, mas também criticou a homilia de Cantalamessa, dizendo que palavras do tipo “não ajudam”.
— Seria bom que as pessoas no Vaticano tivessem pelo menos alguma ideia de como o que elas dizem será percebido por um público fora do clero — enfatizou.
Bento XVI não fez menções aos escândalos de pedofilia nas cerimônias de que participou ontem. À noite, na procissão da Via Sacra ao redor do Coliseu, em Roma, disse que “da traição pode nascer a amizade” e “do ódio, o amor”.
Por sua vez, o cardeal Robert Zollitsch, chefe da Igreja Católica da Alemanha — país no centro dos atuais escândalos de abusos — fez um meaculpa em termos inusitadamente diretos ontem.
Zollitsch afirmou que os crimes por parte de religiosos enchem a Igreja “tristeza, horror e vergonha” e que os clérigos erraram ao não ajudarem as vítimas dos abusos “por um desejo errôneo de proteger a reputação da Igreja”. Segundo o arcebispo, a Igreja tem agora de enfrentar a “dolorosa realidade”.
— Feridas foram causadas que dificilmente se poderão curar — reconheceu.
— Espero que a Sexta-Feira Santa possa ser para a Igreja um novo começo, tão urgentemente necessitado.
O cardeal Karl Lehman, arcebispo da cidade alemã de Mainz, fez eco a Zollitsch nas críticas e atacou os religiosos que abusaram de menores.
— Eles enfraquecem e traem o Evangelho de Jesus Cristo, que pôs uma ênfase especial nas crianças.
No outro lado do Atlântico, o cardeal Norberto Rivera, arcebispo da Cidade do México, afirmou que não tolerará nenhum ato de pedofilia e apelou aos religiosos para que façam “uma revisão exaustiva em suas áreas de atuação para garantir que não haja nenhum caso de abuso sem resolução e, caso haja algum, este seja denunciado às autoridades civis e eclesiásticas”.
Rivera defendeu o Papa, alegando que o chefe da Igreja Católica tem sido alvo de “difamações e ataques cheios de mentira e vileza”, causados pelo comportamento de “alguns sacerdotes desonestos e criminosos”.
Na Áustria, o grupo Plataforma dos Afetados pela Violência da Igreja, que iniciou recentemente uma linha direta para receber denúncias, disse já ter registrado cerca de 50 novos casos.
Já na Itália, o promotor Pietro Forno, encarregado de crimes sexuais em Milão, afirmou ao diário “Il Giornale” que há uma longa lista de padres sob investigação por supostos abusos, e enfatizou: “Nos muitos anos em que tenho trabalhado nessa área, nunca recebi uma única reclamação por parte de bispos ou padres.Isto é meio estranho”.

"ESSA GENTE É DESCARADA!"

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