quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ex-presidentes da Bolívia sondam asilo

Ex-presidentes da Bolívia já sondam asilo no Brasil
Autor(es): Marcos de Moura e Souza, de São Paulo
Valor Econômico - 22/04/2010




Os três últimos presidentes da Bolívia - e um ex-vice-presidente - podem se asilar no Brasil para evitar uma longa temporada na cadeia. Eles negam publicamente, mas já sondam autoridades brasileiras sobre os procedimentos de asilo.

Três ex-presidentes da Bolívia e um ex-vice-presidente podem se ver compelidos a pedir asilo no Brasil para evitar a prisão. Os acusados negam publicamente, mas já sondam autoridades brasileiras sobre como seria o processo de obtenção de asilo.
Eduardo Rodríguez Veltzé (presidente de 2005 a 2006), Carlos Mesa (de 2003 a 2005), Jorge Quiroga Ramírez (de 2001 a 2002) e Víctor Hugo Cárdenas (vice-presidente de 1993 a 97) estão sendo acusados em casos controversos, que envolvem crimes de responsabilidade e de traição à pátria.
Os quatro são críticos do atual presidente, Evo Morales.
As acusações contra os três ex-presidentes foram formuladas pelo próprio Morales, quando ele ainda era deputado. A acusação contra o ex-vice foi feita pelo ex-ministro de Hidrocarbonetos de Morales, Andrés Soliz Rada.
Recentemente, Morales se referiu aos quatro como membros de um "sindicato de delinquentes". E, mesmo tendo tomado lado na questão, ganhou o direito de indicar os juízes que decidirão os processos.
O advogado Carlos Alarcón, que assessora os ex-mandatários disse que os quatro estão sendo vítimas de perseguição política e que o objetivo do governo é criar uma situação tão desfavorável que eles acabem tendo de fugir do país para evitar a prisão.
Mesa e Quiroga são acusados de terem assinado contratos com petroleiras sem a devida autorização do Congresso. Rodríguez é acusado num nebuloso caso em que militares americanos desativaram e retiraram da Bolívia 28 mísseis chineses. Cárdenas é acusado de ter assinado um acordo supostamente irregular entre uma estatal boliviana e a falida americana Enron.
Segundo Alarcón, a pena média a que a seus clientes podem ser condenados é de 10 anos.
"O governo criou uma engenharia legal destinada a conseguir a condenação dos ex-presidentes", disse Alarcón à reportagem por telefone na terça-feira. Ele é advogado de Mesa e colaborador da defesa dos outros três acusados. Alarcón foi vice-ministro da Justiça no governo Mesa.
O advogado se refere a uma lei já aprovada pelos deputados que autoriza Morales a designar juízes para decidir os casos. O fato de poder indicar magistrados cria uma situação injusta, critica o advogado, uma vez Morales é autor das acusações e pode escolher quem dará o veredito sobre elas.
Nenhum dos quatro acusados diz considerar ainda a possibilidade de asilo, segundo Alarcón. No mês passado, o ex-ministro do Interior Guillermo Fortún pediu asilo ao governo Peru para fugir a uma acusação de apropriação indébita de fundos públicos. O Peru negou o pedido.
"O governo fica encantado com a possibilidade sairmos do país. O governo quer que deixemos o país, mas isso significaria que somos culpados", disse à reportagem por telefone o ex-presidente Carlos Mesa.
Perguntado se acredita na possibilidade de que o processo acabe levando-o para a cadeia, Mesa respondeu: "Claro que sim. Sou inocente, mas não confio no mecanismo judicial da Bolívia". Mesmo assim, diz ele, "vamos lutar judicialmente, vamos fazer denúncias e possivelmente vamos apelar à comunidade internacional".
Por e-mail, Rodríguez disse que tampouco considera a possibilidade de asilo. "Tenho absoluta convicção sobre minha inocência em relação a todas as essas acusações que fizeram contra mim, assim que não recorrerei a nenhum pedido de asilo", escreveu ele.
Mas, como Mesa, Rodríguez se diz preocupado "com a desordem institucional na qual se manipulam os tribunais, se produzem as leis e a mesquinharia dos políticos que usam a justiça para seus fins e não para encontrar a verdade", escreveu ele.
O Valor apurou que dois dos acusados sondaram a possibilidade de pedir asilo ao Brasil na hipótese de se verem na iminência de uma longa pena de prisão. A vinda ao país seria um último recurso.
Apesar de relação amistosa entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Evo Morales, o Brasil, não é tão alinhado com La Paz quanto outros sul-americanos, como Venezuela e Equador. No governo da Argentina também não haveria, de antemão, disposição de acolher os acusados num hipotético pedido de asilo.
No mês passado, os quatro acusados emitiram uma nota dizendo que os julgamentos aos quais o governo quer submetê-los viola direitos humanos e convenções internacionais. Apesar de não terem sido diretos sobre isso, essa argumentação os avalizaria como candidatos a asilo político.
Eles criticaram a chamada Lei de Responsabilidade, apoiada pelo Executivo, e já aprovada pelos deputados. O texto retira privilégios de presidentes, vice-presidentes e membros do Judiciário; nega direito a recursos; permite ao atual presidente da República indicar juízes para atuar nos processos; e, em casos de corrupção, as novas regras valerão retroativamente.
O texto ainda precisa passar pelo Senado, onde o governo também tem maioria.
As acusações contra os quatro ex-mandatários estão pendentes no Congresso e seriam retomadas no âmbito da nova lei.
Se um ou alguns dos acusados vierem a pedir proteção no Brasil, a relação do país com a Bolívia poderia sofrer um esfriamento, depois dos vários gestos feitos pelo governo Lula nos últimos de apoio ao governo Morales. Mas, se os acusados forem presos em condições jurídicas discutíveis, após terem feito gestões frustradas junto ao Brasil, o ônus político para o governo Lula seria grande, ainda mais se isso ocorrer num ano eleitoral.
O Brasil tende a aparecer como uma escolha mais lógica numa hipótese de asilo, em primeiro lugar, pelo seu peso regional e pelas relações que manteve com os governos bolivianos anteriores a Morales. Depois, porque um pedido de asilo a Colômbia, por exemplo, poderia levar os ex-presidentes a serem vistos como próximos dos EUA - que têm em Bogotá seu principal aliado na região. No caso do Chile, ainda há feridas políticas abertas decorrentes de uma guerra no século XIX. Argentina, Venezuela e Equador parecem também estar fora de cogitação.

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