terça-feira, 31 de maio de 2011

Carlo Ginsburg

Francis Fukuyama: "O maior desafio é a segurança"

Autor(es): Wilson Gotardello Filho

Época - 30/05/2011

Pensador elogia a democracia na América Latina, mas alerta contra o avanço do tráfico de drogas

O intelectual Francis Fukuyama já chegou a decretar o fim da história quando o capitalismo venceu o comunismo na Europa. Também acreditou na possibilidade de os Estados Unidos exportarem a democracia para partes do mundo sob ditaduras. Conhecido neoconservador até a guerra no Iraque, distanciou-se do grupo após a invasão de 2003 e passou a alertar para as dificuldades na tentativa de impor mudanças profundas em outras nações. Faz sentido que em seu novo livro, The origins of political order (As origens da ordem política), ele explore a história da construção de instituições sólidas, baseadas na lei. Ou seja, a história da luta pela democracia. Para ele, a América Latina segue no rumo certo, mas o resultado das revoluções árabes ainda é uma incógnita.

ENTREVISTA - FRANCIS FUKUYAMA

ÉPOCA – Como o senhor avalia a evolução das democracias na América Latina?

Francis Fukuyama – A situação das democracias na América Latina é ótima. Três presidentes deixaram o cargo com recorde de aprovação, (Álvaro) Uribe na Colômbia, (Michelle) Bachelet no Chile e Lula no Brasil. Não existe outro lugar no mundo em que você consegue governar por dois mandatos e se manter popular dessa maneira. Eu já fui inflexível com as democracias latino-americanas, mas hoje acredito que as instituições estejam mais fortes. Essa estabilidade é uma das razões do desempenho tão positivo da economia brasileira. Outro aspecto é a diminuição da desigualdade de maneira geral. E isso acontece devido à liberalização da economia e também a políticas sociais bem executadas.

ÉPOCA – O senhor vê a democracia também se consolidando na Venezuela?

Fukuyama – Chávez tem sido um desastre, mas acredito que ele seja mais um sintoma dos problemas da Venezuela. O país tem uma desigualdade profunda, se atrapalhou com o uso dos recursos vindos do petróleo e criou uma situação que deu origem à ascensão de Chávez.

ÉPOCA – Os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, são considerados os grandes aliados de Chávez na região. Como o senhor vê o futuro desses governos?

Fukuyama – Eles são bastante distintos. Correa é um político muito mais inteligente que Chávez. Ele não causou tantos danos ao país até agora como Chávez fez na Venezuela. Já Evo Morales faz algumas coisas que eu não gosto, como essa imposição da identidade indígena. O que vai ajudar a população indígena é a integração e inserção em um mercado de trabalho mais amplo, falando espanhol e se inserindo no mundo. Ficar preso aos idiomas indígenas não vai ajudar em nada. Mas se trata de uma mudança histórica que reflete a realidade. A população indígena que tomou o poder está agora se inserindo no sistema, e isso é positivo.

ÉPOCA – Qual é sua avaliação da situação da democracia na Argentina?

Fukuyama – Precisamos sempre medir o desempenho de um país em relação a seu potencial. E a Argentina tem sido um dos maiores desastres da América Latina. Em termos de recursos naturais, clima e população, a Argentina deveria ser um país como o Canadá, próspero, rico, bem governado e democrático. Mas é uma bagunça.

ÉPOCA – A que o senhor atribui essa bagunça?

Fukuyama – Os Kirchners são apenas os últimos de uma lista de políticos muito ruins, que não administraram a economia da maneira correta e não aprenderam com os erros que cometeram. Eles sempre voltam para as mesmas políticas populistas, desde o governo de (Juan Domingos) Perón. Esse tipo de populismo que eles praticam não ajuda em nada. Por um período, pareceu que eles estavam se tornando um país moderno, mas isso nunca aconteceu de fato.

ÉPOCA – O senhor é um conhecido crítico do clientelismo. O que os países podem fazer para combater essa prática?

Fukuyama – Acredito que o clientelismo seja uma consequência da pobreza e da falta de investimentos em educação. Esse problema também existiu na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, no século XIX. Depois tivemos grupos que limparam o cenário político. Eu vejo que a mesma coisa está acontecendo no Brasil. Estou ciente dos esforços para a criação de leis que condenam políticos e já ouvi falar de políticos que foram condenados no Brasil. Se você é um brasileiro bem instruído ou um empresário com conexões internacionais, não vai querer lidar com esse tipo de político. Então, a melhora de qualidade dos políticos depende do eleitorado brasileiro. Mas é um processo lento.

ÉPOCA – Mas o senhor enxerga uma solução para o problema?

Fukuyama – Sim, e a solução não está apenas ligada à prosperidade econômica do país. Está ligada à modernização, ao investimento em educação e ao desenvolvimento de uma classe média forte.

ÉPOCA – Qual é o maior desafio para as democracias na América Latina hoje?

Fukuyama – Eu acredito que seja a segurança dos cidadãos. Hoje nós temos o tráfico de drogas, que está se espalhando cada vez mais. Se não resolvermos esse problema, não teremos democracias bem-sucedidas na região.

ÉPOCA – No mundo árabe, qual deverá ser o resultado a longo prazo das revoluções em países como Tunísia e Egito?

Fukuyama – Acredito que as pessoas vão se decepcionar. Existe um grande fervor das pessoas, mas não há organização. Aqueles que realmente querem democracia na Tunísia e no Egito não estão bem organizados, e os organizados não necessariamente querem democracia. Então vai levar um tempo para que as coisas se resolvam. Acredito que a Tunísia esteja melhor que o Egito, porque lá o Exército e o islã estão mais fracos. Mas pelo menos esses dois países não têm os mesmos problemas tribais e étnicos que outros têm na região.

ÉPOCA – Qual deverá ser o papel dos grupos islâmicos, em especial a Irmandade Muçulmana, nesse processo de reconstrução dos dois países?

Fukuyama – Até agora eles estão fazendo um papel democrático, mas isso foi o que (o aiatolá) Khomeini dizia na Revolução Iraniana. Tenho certeza de que parte da Irmandade Muçulmana gostaria de sequestrar essa revolução e criar um Estado islâmico, assim como outros talvez estejam realmente interessados em democracia. Eu consigo imaginar um final muito bom e um final muito ruim para essa história.

ÉPOCA – Podemos ver alguma revolução na China?

Fukuyama – A China tem um modelo muito poderoso, de muito sucesso, autoritário, que está passando por um processo de modernização. Acredito que eles possam vir a enfrentar resistências por parte da população, mas não acredito que isso vá acontecer em breve. Eles estão crescendo muito rápido, há muitas oportunidades para todo mundo, e a população percebe isso.

ÉPOCA – A Europa passa por uma crise econômica e política. Quais são os maiores desafios para as democracias europeias?

Fukuyama – As reações aos imigrantes ilegais é um grande desafio, pois podem levar a políticas populistas. Mas eles também têm pela frente a renegociação dos contratos sociais, porque o estado de bem-estar social da maioria dos países europeus não é sustentável.

QUEM É

Americano de 58 anos, casado e com três filhos, Fukuyama é Ph.D. em ciências políticas pela Universidade Harvard e professor da Universidade Stanford (EUA)

O QUE FEZ

Criou a tese do “fim da história”, baseada na vitória do liberalismo, após o fim do comunismo na Europa

O QUE PUBLICOU

O fim da história e o último homem (1992), Construção de Estados (2004) e Depois dos neoconservadores (2006), entre outros

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Depoimento de uma professora


"A escola virou um depósito de crianças"


Autor(es): Claudia Jordão

Isto é - 30/05/2011









Professora do Rio Grande do Norte ganha fama ao enfrentar deputados e expor a situação precária da educação no País







Oito minutos. Foi o tempo necessário para a professora potiguar Amanda Gurgel roubar a cena, dias atrás, numa audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Com apenas 1,57 m de altura, mas postura de gigante, ela proferiu um discurso no qual dizia, com ideias bem amarradas e rara transparência, receber salário de R$ 930 por mês (“menos do que os deputados gastam em suas indumentárias”), que os professores vivem uma crise de identidade e estão doentes. A condição indigna dos docentes não é novidade, mas o vídeo com a sincera fala de Amanda correu o País com intensidade impressionante e colocou em foco esse profissional, sobre quem está depositado o futuro do Brasil. Duas semanas depois de o vídeo do discurso ser postado na rede, havia sido visto quase 1,6 milhão de vezes.



Amanda, 28 anos, começou a dar aula aos 21. Há três, foi diagnosticada com depressão, afastou-se da escola e retornou em funções fora da sala de aula. Hoje, dá expediente na biblioteca de um colégio estadual e no laboratório de informática de um municipal. Além dos R$ 930, seu salário do município, recebe R$ 1.217 pelo Estado. Amanda decidiu lecionar ainda adolescente, mesmo sabendo que a remuneração era baixa. “Só entendi de fato o que isso significava quando tive de me sustentar e comprar meu primeiro quilo de feijão”, conta. Órfã de pais desde menina, ela nasceu em Natal e foi criada pelos tios. Estudou em escolas públicas e privadas, no interior do Estado. Solteira, sem filhos, tem uma rotina puxada. Mora sozinha numa quitinete, acorda às 5 horas, pega três ônibus para ir trabalhar e volta para casa somente às 22 horas.







ISTOÉ – O que mudou na sua vida desde a divulgação do vídeo?

Amanda Gurgel – Minha rotina está temporariamente alterada. A repercussão do vídeo gerou um assédio nacional e esse é um momento que eu quero divulgar os problemas da educação no País e ser uma porta-voz de meus colegas. Então, estou me doando.



ISTOÉ – Pensa em se candidatar a algum cargo público?

Amanda – Olha, não me vejo agora fazendo outra coisa. Sei que o meu lugar é na classe trabalhadora, no chão, na escola, junto com os meus colegas. Sou filiada ao PSTU desde o ano passado, mas sempre fui militante, primeiro no movimento estudantil, depois pela causa da educação. Mas, nunca pensei em me candidatar a nada. É uma discussão futura.



ISTOÉ – Como gasta seu salário?

Amanda – Não tenho luxo, só gasto com o essencial, como alimentação, moradia, vestimentas e plano de saúde. Quase não tenho acesso a lazer. A última vez que fui ao cinema foi em 2010.



ISTOÉ – Por que se afastou da sala de aula?

Amanda – Houve um tempo em que eu trabalhava em três horários, estava na rede privada, acabei assumindo o município e tinha uma média de 600/700 alunos. Comecei a dar aula em 2002, tinha 21 anos, estava eufórica, topando tudo. O ápice do problema de saúde foi de 2007 para 2008, quando percebi que estava estafada. Estava em sala de aula com alunos pouquíssimos proficientes. Alunos de sexto ano que não sabiam ler palavras básicas como bola, pato, entendeu? Comecei a me desesperar diante da realidade, não sou alfabetizadora. O que vou fazer se nada do que estou preparada para oferecer eles estão preparados para receber? Sou professora de língua portuguesa e literatura portuguesa e brasileira de alunos dos ensinos fundamental II e médio.



ISTOÉ – Por que as crianças não aprendem?

Amanda – O aluno de 6 anos está em uma sala de aula superlotada e não há condição de alfabetizar ninguém dessa forma. Fala-se muito em democratização do ensino básico, mas se cada etapa do processo de aprendizado não é trabalhada de forma adequada, não há democracia. A escola virou um depósito de crianças, que é o que os políticos querem. Eles querem ter um lugar para deixar a criança enquanto os pais vão trabalhar e nada mais.



ISTOÉ – Foi o início da sua crise?

Amanda – Foi. Fiquei um tempo de licença e voltei em adaptação de função. Minha última aula como professora de português foi em 2008.



ISTOÉ – Quais funções você desempenha em cada escola?

Amanda – A resposta revela um sério problema de infraestrutura. Na escola do Estado, onde trabalho de manhã, estou na biblioteca. Na escola do município, passei por diversas funções. Passei pela coordenação e pela biblioteca e agora estou no laboratório de informática. Apesar de os computadores terem chegado há cinco anos na escola, só agora eles começaram a funcionar.



ISTOÉ – Por quê?

Amanda – Por várias questões. Primeiro, a instalação das máquinas foi muito demorada. Para isso, é necessário um técnico da secretaria porque a escola perde completamente a garantia daquelas máquinas se acontecer qualquer coisa errada. Depois de instaladas, foi um longo processo para a chegada de um técnico para fazer funcionar a internet e outro extenso período para a instalação do ar-condicionado na sala. Foram cinco anos que nós passamos com os computadores na caixa e com aquela sala fechada, apesar de toda a carência que se tem de espaço.



ISTOÉ – Qual o principal problema da educação no País?

Amanda – Se for para eleger um apenas, eu diria a falta de investimento. Como pode um País que deveria investir 5% do seu PIB em educação e investe 3%, paga esse salário irrisório aos professores e deixa a estrutura da escola chegar a um estágio de precarização que precisa ser interditada, como aconteceu numa escola no interior do Rio Grande do Norte, na cidade de Ceará Mirim?



ISTOÉ – Por que foi interditada?

Amanda – O corpo de bombeiros interditou a escola porque nada mais funcionava lá. O teto estava para desabar, a instalação elétrica estava precária, oferecendo risco à integridade física dos alunos e dos professores. Todos esses problemas estão relacionados à falta de investimento. Com um salário digno, o professor poderia ficar na escola, preparando as aulas, conhecendo os alunos, poderia evitar casos como o do atirador Wellington de Menezes. Como um professor vai ser capaz de observar algo se ele tem 600 alunos e não é capaz de, quando chega em casa, visualizar quem são todos? Não temos como mudar essa realidade se não tivermos um investimento imediato. Não estou falando de daqui a dez anos. Há a necessidade de se investir 10% do PIB do País em educação.



ISTOÉ – A que você credita a sua educação?

Amanda – É uma junção de coisas. Desde muito novinha, sempre fui metida. Comecei a ser alfabetizada e já corrigia as pessoas. Também acho que o funcionamento das escolas no interior é bem diferente do da capital. Nas cidades pequenas, onde estudei, funciona melhor. O fato de o professor ter acesso direto aos pais dos alunos coloca a criança e o adolescente na situação de “eu não posso sair da linha, senão o professor vai falar para a minha mãe”. Então, há mais disciplina. Minha educação de base foi de fato muito boa.



ISTOÉ – Se algum aluno disser a você que quer ser professor o que diria?

Amanda – Depende do dia. Acho que fiz certo, mas tenho meus momentos. Já cheguei a dizer ‘não quero mais’, mas em outros momentos, como hoje, estou me sentindo cheia de energia para estar na sala de aula e trabalhar com o aluno. Quando a gente é adolescente, tem uma estrutura familiar por trás. Sempre soube que professor ganhava mal, mas só entendi de fato o que isso significava quando tive de me sustentar e comprar meu primeiro quilo de feijão.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Educação na mídia

16 de maio de 2011 Valor Econômico

Opinião: O monopólio do quadro-negro

Melhorar a Educação é uma das formas mais claras dos governos deixarem um impacto econômico positivo duradouro

* Raghuram Rajan e Brian Barry

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, assim como muitos líderes ocidentais atuais, incluiu a melhora na Educação entre as principais promessas aos eleitores em sua campanha eleitoral.

Outras questões domésticas - reforma da assistência médica, batalhas sobre o orçamento e alto desemprego -, no entanto, acabaram ganhando mais espaço. E os EUA não estão sozinhos: a reforma educacional também está parada no Reino Unido e Europa continental.

Melhorar a Educação é uma das formas mais claras dos governos deixarem um impacto econômico positivo duradouro. Um sistema educacional que funcione bem é a forma mais eficiente de ajudar a equipar as pessoas com o conhecimento e capacitação necessários para aumentar a renda e concorrer na economia globalizada.

Isso significa também levar em conta o papel de sindicatos de professores - uma questão que produz reações muito diferentes da esquerda e direita.

À esquerda, muitos se preocupam que o presidente Obama, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, o primeiro-ministro da Suécia, Fredrik Reinfeldt, e outros líderes, se concentram para aumentar a prestação de contas: veem com suspeita qualquer reforma que trate os professores como parte do problema.

À direita, frequentemente a impressão é a oposta: qualquer política - como a de vales educacionais - deve ser boa se os professores se opõem a ela.

Pode ser difícil encontrar algo em comum nesse tipo de debate, onde ambos os lados discordam ferozmente sobre princípios básicos. A concorrência, no entanto, é um princípio que deveria merecer amplo apoio político, pelos benefícios que proporciona às pessoas comuns.

Muitos à esquerda atualmente parecem sentir-se especialmente confusos sobre as vantagens da competição e a abordagem de muitos progressistas para a Educação é um exemplo excelente disso.

Nos EUA, por exemplo, a esquerda hoje vê com estima o "New Deal", de Franklin Roosevelt - e o governo "grande", que o conduziu durante a Grande Depressão e posteriormente.

A esquerda, contudo, deveria também prestar atenção aos eventos anteriores no século XX, durante a Era Progressista, quando a "caça aos monopólios" era a última moda.

Melhorar o sistema educacional é uma das formas mais claras de os governos deixarem um impacto econômico positivo duradouro e de prepararem eficientemente as pessoas para concorrer em um mundo cada vez mais globalizado.

Um dos motivos para as grandes empresas serem consideradas uma ameaça naquela época era seu poder monopolista sobre ativos cruciais para muitos americanos comuns. Os agricultores não queriam pagar preços muito altos para transportar suas colheitas ao mercado e se ressentiam do poder de mercado das ferrovias.

Da mesma forma, os trabalhadores queriam que os empregadores competissem pelos seus serviços oferecendo maiores salários e melhores condições. Eles lutavam contra alianças de grandes empresas que ameaçavam monopolizar o acesso ao capital físico: as fábricas, máquinas e equipamentos que os trabalhadores precisavam para ser mais produtivos.

A arena política importava tanto quanto as políticas de governo: quando seu poder de preços era combinado com influência política, o poder das grandes empresas parecia ficar ainda mais ameaçador.

O medo de que as grandes empresas estivessem prejudicando o bem-estar geral ao coibir a concorrência - e de que fossem politicamente poderosas o suficiente para arraigar seu poder de monopólio - permitiu que reformistas de esquerda e direita encontrassem algum terreno comum.

Os progressistas modernos, analisando o cenário político e econômico dos últimos anos, veem potencial para outra investida sobre as grandes empresas, casando a indignação populista com a força política da esquerda organizada, como os sindicatos. Mas, embora sua antipatia pelas grandes empresas pareça honrar suas raízes intelectuais, os progressistas perderam o fio da meada no que se refere à competição.

Diferentemente de um século atrás, quando o acesso ao capital era a forma mais óbvia de ampliar a produtividade e renda do trabalhador, o ativo mais importante do trabalhador comum hoje é a Educação.

Ainda assim, em vez de encorajar Escolas e professores a concorrer entre si, em nome dos estudantes (os trabalhadores de amanhã), muitos insistem em defender o monopólio dos professores ao acesso à Educação - ou seja, ao acesso a investimentos em capital humano impulsionador de renda.

Da mesma forma que com os primeiros empresários industriais, sindicatos de professores em muitos países têm influência política suficiente para resistir a reformas que corroam seu poder de monopólio.

Alguns sindicatos vêm compreendendo a necessidade de mudança, ou pelo menos fazendo concessões. Em Illinois, os sindicatos de professores apoiaram projeto de lei que incluía regras dificultando greves e facilitando a demissão de professores com mau desempenho. O Chicago Teachers Union, no entanto, posteriormente retirou seu apoio.

É claro, apenas afrouxar o poder dos sindicatos sobre as políticas e encontrar formas de queprofessores e Escolas concorram para ver quem pode oferecer a melhor Educação não proporcionará o conhecimento e capacitação que os trabalhadores modernos precisam.

Os reformistas também precisarão continuar experimentando para encontrar a forma correta de medir padrões - para certificar que os professores concorram nas dimensões corretas - e proporcionar os vários outros tipos de inovações organizacionais e apoio que Escolas,professores e estudantes precisam.

Mais concorrência, contudo, claramente parece ser parte do caminho para se avançar. Ao aceitar isso, progressistas poderiam construir um consenso com centristas e ajudar a trazer melhores resultados para um público central: o trabalhador comum. Chegou a hora de eles reconhecerem que vêm erroneamente defendendo um monopólio poderoso que limita as possibilidades para esses trabalhadores.

* Raghuram Rajan e Brian Barry lecionam na Booth School of Business, da University of Chicago, onde Barry é diretor executivo da Iniciativa sobre Mercados Globais.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Em contexto: Mais horas de aula melhoram a nota?

Autor(es): Camila Guimarães

Época - 09/05/2011

Para enxergar além dos fatos

O tempo em que os alunos brasileiros passam dentro da escola deve aumentar. Na semana passada, o Senado aprovou um projeto de lei que eleva de 800 para 960 horas a carga horária mínima anual dos ensinos fundamental e médio. O texto ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e pela sanção presidencial. Se for aprovado, o Brasil passará a ser um dos países com maior número de horas no ano letivo do mundo a partir de 2013.

A iniciativa é relevante. Várias pesquisas mostram que o tempo que a criança passa na escola tem efeito positivo sobre seu desempenho. No entanto, a carga horária está longe de garantir, por si só, uma melhora na aprendizagem dos alunos. Em países como a Finlândia e a Coreia do Sul, campeões do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a carga horária escolar é menor que a brasileira.

Para os alunos aprenderem mais, o uso do tempo dentro da sala de aula também precisa melhorar. Um levantamento feito pela Fundação Lemann, organização que atua para melhorar o ensino público no país, usando dados do Pisa, mostra que mais de um terço dos alunos acha que o professor demora muito para começar a aula. “É preciso olhar a sala de aula para melhorar”, diz Paula Louzano, consultora da Fundação. Há claros sinais de mau uso do tempo. Em uma pesquisa que avaliou, em 2005, a eficiência das aulas de matemática nas redes públicas do Brasil, Chile e de Cuba, o pesquisador da faculdade de Educação de Stanford, Martin Carnoy, descobriu que os alunos brasileiros gastam até oito vezes mais tempo na hora de copiar os problemas da lousa. Uma opção seria receberem parte das questões já impressas.

Há ainda a questão da ausência de professores. Os docentes brasileiros faltam demais, atrapalhando o ritmo das aulas. Há estimativas de que dez dias de falta de um professor podem diminuir em até 5%, em média, a nota do aluno em matemática. No Estado de São Paulo, a média de faltas é de 16 dias por ano (dados de 2008). Manter o aluno na escola é importante, mas ter professor assíduo e com habilidade para usar bem o tempo é ainda melhor.

O que o Brasil quer ser quando crescer?

Autor(es): Gustavo Ioschpe

Veja - 09/05/2011

Você sabe qual é o plano estratégico do Brasil? Quais são as nossas metas, aonde queremos chegar? Que tipo de país queremos ser no futuro? Eu confesso não saber. Os slogans e prioridades dos últimos governos não apontam para um programa positivo, sobre nossos anseios e planos, mas sim para uma agenda negativa: sabemos aquilo que não queremos ser. Não queremos ser um país excludente, mas sim “um país de todos”. Queremos a perseverança – “sou brasileiro e não desisto nunca” –, apesar de não estar claro qual o objetivo da persistência. Dilma agora fala na “erradicação da miséria” como seu grande objetivo. Ainda que nobre, tampouco aponta um rumo, apenas indica o que não queremos ser. Há inúmeras maneiras de ser um país de todos e em que não há miséria. A Suécia dos dias que correm, por exemplo. A Alemanha também seria boa candidata. Mas esses dois países são bastante diferentes, e chegaram a esse ponto por caminhos distintos. Qual será o nosso? Seremos o celeiro do mundo? Tentaremos quebrar a escrita e nos tomar a primeira nação a alcançar o patamar do Primeiro Mundo através da exportação de commodities? Seremos um centro industrial? De baixa tecnologia ou alta? E a nossa economia política? Manteremos essa pseudossocial-democracia que vem imperando por inércia? Que nível de desigualdade de renda toleraremos, que peso o estado terá? Sucumbiremos ao apelo do consumismo, à la EUA, ou privilegiaremos o tempo livre e a exploração cultural, como faz a França? As questões se acumulam e eu, pessoalmente, não conheço nenhuma liderança política ou intelectual que tenha esboçado um projeto completo de país para a geração de nossos filhos e netos. Pode ser que esse improviso dê certo. Pode ser que tropecemos no modelo ideal à medida que fizermos o caminho. Mas creio que estamos mais propensos a validar o antigo ditado chinês segundo o qual não há bons ventos para quem não sabe aonde quer chegar.

Uma das áreas que mais sofrem com essa indecisão é a educação. Há uns cinco anos, fiz uma consultoria para o Ministério da Educação em que analisei o trajeto de países que, no passado ou atualmente, tiveram grandes avanços em sua educação. Foram examinados dez países que podiam dar algumas lições ao Brasil: Alemanha, Argentina, Austrália, Coreia, Chile, China, Espanha, Irlanda, Inglaterra e Tailândia.

Uma das conclusões do estudo (disponível na íntegra em twitter.com/gioschpe) foi que, nos países em que os saltos educacionais acompanharam saltos de desenvolvimento, a modelagem do sistema educacional estava profundamente atrelada ao projeto estratégico da nação. Isso se dá de duas maneiras.

A primeira é que a visão de futuro que essas nações perseguem é o elemento primeiro e fundamental a nortear as ações de governantes e lideranças da sociedade civil da área educacional. Assim como a infraestrutura, a tributação, as relações exteriores e muitas das demais áreas que são responsabilidade de governantes, a educação não funciona autonomamente: ela se subordina a um projeto de país.

A segunda é que não apenas o objetivo educacional está atrelado ao objetivo econômico-estratégico, mas também o tipo de educação priorizada é determinado pelo caminho escolhido pelo país pára atingir seu objetivo de crescimento. Esse modelo de crescimento, por sua vez, deriva de uma série de características e vantagens comparativas específicas do país em questão. Tanto a China quanto a Irlanda buscam se desenvolver, mas optando por caminhos bastante distintos. A China, com seu enorme território e população, quer ser a fábrica do mundo, começando pelos itens de baixo valor agregado e gradualmente subindo os degraus necessários rumo às indústrias mais desenvolvidas. Seu sistema educacional acompanha e abastece a empreitada: a educação básica da província de Xangai recentemente ficou em primeiro lugar no mundo no teste Pisa, e nas universidades o governo faz um esforço concentrado para repatriar os cientistas de origem chinesa que hoje trabalham nas grandes universidades ocidentais. A China preserva sua indústria, interfere no câmbio e exporta para o mundo. A educação chinesa é rígida, tradicionalista, competitiva.

Já a Irlanda é um país pequeno demais para adotar estratégia semelhante. No fim dos anos 80, transformou-se em uma nação de grande abertura para o mundo e com baixos impostos. Valeu-se de um ativo importante - falar inglês - para atrair empresas globais. Preocupou-se em ter uma população qualificada em todos os níveis: até hoje, tanto no ensino secundário quanto no universitário, o aluno pode escolher entre uma escola acadêmica, que leva à universidade, e uma escola vocacional profissionalizante, que leva, também no ensino superior, a institutos técnicos. O jovem sai do sistema educacional com uma educação de ponta, quer ele vá ser cientista e advogado ou gerente de banco e agente de viagens. Poderá trabalhar, com competência e criatividade, nas empresas estrangeiras que adotam a Irlanda como base europeia.

No Brasil, que tem um dos piores sistemas educacionais do mundo, as coisas são ao contrário. Não temos um projeto de país e a educação é desconectada do país. Não é percebida como uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento, mas como um fim em si mesmo, como um direito do cidadão e ponto. Quando os educadores se referem à sociedade, o objetivo mais frequente não é perscrutar-lhe os anseios, mas reclamar. Não fossem os malditos pais dos alunos (que não cooperam, são incultos, bebem, mimam seus filhos, divorciam-se deixando famílias desestruturadas...), a escola brasileira produziria os resultados de uma Finlândia. Pior ainda, o pensamento educacional brasileiro é tão original e autóctone quanto a arquitetura que recria o neoclássico parisiense no topo de espigões às margens de rios fétidos. Somos o pior tipo de colonizados: formalmente livres, mas intelectualmente amarrados às antigas metrópoles, incapazes de pensar sozinhos. Nossa teoria educacional é importada de outros países, porque o que dá gabarito é estar inserido na discussão dos temas candentes na Europa ou nos EUA, mesmo que seja a respeito dos problemas deles, que não têm nada a ver com os nossos.

A sociedade civil precisa recuperar nossa educação e subordiná-la aos interesses nacionais. Precisamos criar uma geração de pensadores que se esqueça dos simpósios em Madri e pense no que funcionará para alfabetizar as crianças de Madureira. E precisamos de um projeto de país - criado aqui, tendo em mente nossa cultura, recursos e instituições - que oriente e catalise todo esse esforço. Enquanto esse projeto não chega, nossa escola deve se mobilizar para construir o primeiro passo, comum a qualquer projeto futuro: toda criança plenamente alfabetizada ao fim da 2ª série.

P.S.: o artigo do mês passado foi para a gráfica no dia da tragédia de Realengo. Pensei em abordar o tema neste mês, mas não há nenhum aprendizado para o país: foi o ato de um doente mental. Lamento muito a trágica e estúpida perda de vida de doze crianças, mas acho que devemos nos ocupar mais dos milhões de anônimos de nossas escolas, que são diariamente massacrados e intelectualmente amputados por um sistema que, sem estardalhaço, lhes suga a possibilidade de uma vida plena e digna.

sábado, 7 de maio de 2011

PAC e PPA excluem educação, diz pesquisador

Autor(es): Luciano Máximo
De Brasília

Valor Econômico - 06/05/2011





O tema educação tem pouco peso nos principais projetos de desenvolvimento atualmente em vigor no país, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano Plurianual (PPA 2008-2011). A conclusão é do professor Romualdo Portela, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que buscou verificar o papel das demandas educacionais nos instrumentos nacionais de planejamento, que também incluem avaliação do documento Brasil 2022, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e da Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (CDES), ambos de 2010.



O estudo "Desafios da educação para o desenvolvimento brasileiro", apresentado ontem no encerramento de seminário realizado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em Brasília, mostra que os planos analisados geralmente indicam a educação como um componente fundamental para o processo de desenvolvimento do país, mas a formalização dessa intenção "não se desdobra em uma clara priorização de investimento como materialização dessa prioridade", observa Portela. O estudo também aponta a falta de integração entre ministérios na formulação sistemática de políticas e uma fragmentação entre os diferentes planos, que nem sempre destacam os mesmos objetivos. Há ainda, na interpretação do acadêmico, descompassos entre o que é promovido pelo governo e as metas estabelecidas.



"Um exemplo: a educação sequer aparece no primeiro PAC, enquanto no plano plurianual é definida como um dos eixos estruturantes, mas os investimentos não acompanham essa transformação", diz Portela. Na primeira edição, o principal programa sequer faz menção a esforços na área de ensino. Já no PAC 2 as demandas de educação foram contempladas: prevê-se investimento federal de mais de R$ 7,5 bilhões para a construção de 6 mil creches e pré-escolas e quadras esportivas na rede de escolas públicas.



O secretário de Educação Especial do Ministério da Educação, Carlos Augusto Abicalil, argumentou que o diálogo em torno do PAC 1, no início de 2007, "provocou" a criação do Projeto de Desenvolvimento da Educação (PDE), meses depois. "A ausência da visão sobre educação no PAC foi criticada e acabou tratada no momento seguinte com um projeto específico. Agora, a partir do PAC a União se compromete a construir creches, assumindo uma responsabilidade que nunca havia tido. É uma verdadeira mudança no papel do governo no olhar de desenvolvimento."



No conjunto dos documentos avaliados, o professor Portela enxerga persistência do Brasil em tomar a educação apenas como meio para o desenvolvimento econômico. Essa ideia foi bastante disseminada nos anos 1950, 1960 e 1970, quando se creditava ao ensino técnico a resposta para o avanço da economia no pós-guerra.



"Desenvolvimento hoje não se resume mais à economia, outras necessidades têm de ser incorporadas: preocupação com o ambiente, redução das desigualdades, sustentabilidade e desenvolvimento humano", diz Portela. Assim, a educação apresenta novas demandas, como formação sólida em linguagem, matemática e língua estrangeira e uma abordagem curricular menos segmentada e estanque, que privilegie a capacidade de resolver problemas da realidade. "A educação básica de qualidade substitui a formação técnica instrumental, como fundamento da qualificação, e passa a ser pressuposto para a formação técnica."



Na lista de objetivos de governo no PPA, a referência ao ensino resume-se a "propiciar o acesso da população brasileira à educação e ao conhecimento com equidade, qualidade e valorização da diversidade". "O PPA poderia apresentar respostas estruturais e políticas integradas, olhar na ponta: qualquer um sabe da importância estratégica da nanotecnologia e da biotecnologia. Isso deve ser pensado desde a educação básica para a formação sólida, que vai criar condições para termos diferenciação no ensino médio, pós-médio e até no profissional", diz Portela. Abicalil informa que a educação será coberta de forma mais ampla no PPA 2012-2015, em fase de formulação.