sábado, 25 de junho de 2011

África do Sul discute legalização de poligamia para muçulmanos

da BBC Brasil

A Justiça da África do Sul está analisando um caso que deve determinar se casamentos polígamos muçulmanos serão reconhecidos oficialmente no país.

Uma mulher sul-africana entrou com um processo judicial para ter direito à herança deixada pelo marido. Gabie Hassam foi a segunda mulher a se casar com ele.

Até agora, a lei sul-africana reconhece apenas os casamentos polígamos de crenças africanas, não os muçulmanos.

Hassam foi casada por 30 anos e teve quatro filhos com o marido. Mas depois que ele morreu, ela não pode herdar seus bens, porque era a segunda esposa, casada pela lei religiosa islâmica.

Agora, Hassam corre o risco de perder sua casa.

Segundo a especialista em assuntos religiosos da BBC, Frances Harrison, caso a Justiça sul-africana dê ganho de causa a Hassam, a decisão poderá abrir caminho para que milhares de viúvas de casamentos polígamos muçulmanos possam ter direito à herança deixada por seus maridos.

A correspondente da BBC afirma que grupos de defesa dos direitos das mulheres aguardam com expectativa a definição do caso e esperam que a lei seja revista, para incluir também os casamentos islâmicos.

Estima-se que cerca de um milhão de muçulmanos vivam na África do Sul.

Apenas recentemente a Justiça do país passou a reconhecer os casamentos realizados de acordo com as leis islâmicas, mas ainda não reconhece os casamentos polígamos islâmicos.

Em 1998, a Justiça africana passou a reconhecer os casamentos polígamos realizados de acordo com tradições africanas, em uma medida com o objetivo de proteger os direitos de mulheres e crianças em relação a propriedade.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Diploma do ensino médio é passaporte obrigatório para a "festa do emprego"

Valor Econômico - 24/06/2011
A falta de estudo, a procura por um salário melhor dentro da formalidade e o descompasso entre o que as empresas oferecem e exigem e o que os candidatos buscam pode explicar por que 1,5 milhão de pessoas continua de fora da festa do pleno emprego, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego de maio, divulgada anteontem pelo IBGE, que mostrou que a taxa de desemprego continua em 6,4%.Enquanto a população ocupada cresceu 21,9% desde maio de 2003 até o mesmo mês de 2011, a parcela de pessoas empregadas com 4 a 7 anos de estudo caiu 12,4% no mesmo período, enquanto a participação daqueles com 1 a 3 anos de estudo caiu 31,7% em igual comparação. Quem ganhou espaço no mercado de trabalho foi a população que tem 8 a 10 anos de estudo, que aumentou 8,7% em oito anos. Os números refletem uma realidade já consolidada: a falta de estudo funciona cada vez mais como uma barreira ao mercado de trabalho.

No II Feirão do Emprego realizado quarta-feira pela prefeitura de Carapicuíba, cidade da região metropolitana de São Paulo, era constante a reclamação sobre os baixos salários oferecidos e o nível de escolaridade exigido pelas empresas. Muitas pessoas que consideravam-se desempregadas estavam fazendo bicos e haviam deixado seu antigo trabalho em buscas de oportunidades melhores. A maioria das sete mil vagas oferecidas exigia ensino médio, com salários que iam de R$ 545 até R$ 1.500, dependendo do grau de qualificação do candidato. Grande parte dos postos eram destinados às áreas de vendas, produção e telemarketing.

Alessandra Santos, de 32 anos, saiu da feira sem sequer uma carta de encaminhamento. "A maioria dos serviços exige pelo menos a oitava série." Atualmente cursando a sétima série, Alessandra está desempregada há quatro meses, pois saiu do serviço de faxineira em uma clínica dentária para cuidar da filha de dois anos, que contraiu pneumonia. Com remuneração de R$ 750 em seu antigo emprego, não buscava nenhum posto que pagasse menos, porque, além da caçula, tem mais dois filhos.

Edson Carriço de Oliveira, mecânico de 52 anos que estudou até a sexta série, foi ao calçadão do centro de Carapicuíba com uma ideia fixa: queria um emprego de porteiro. "É um serviço sossegado e você não se suja. Ganha quase a mesma coisa que um mecânico e eu já não sou mais tão novo". Oliveira está procurando um trabalho com carteira assinada há dois meses. Saiu da prefeitura de São Paulo em 1999 depois de dezoito anos de trabalho para cuidar da esposa doente e, após uma passagem pela prefeitura de Carapicuíba, há dois anos, não consegue colocação no mercado de trabalho formal, mesmo já tendo feito cursos técnicos para portaria e segurança. "Em um mês você ganha R$ 3 mil e, no outro, nada. É muito incerto."

O caso do carpinteiro Luiz Carlos Cardoso Bessa, 56, é ainda mais raro. Ele faz parte dos 7,6% da população desempregada que busca ocupação há mais de dois anos. Em 2003, este percentual estava em 10,4%. A antiga empresa onde Bessa trabalhava se mudou de Carapicuíba para o bairro paulista de Santo Amaro e demitiu todos os funcionários que alocava na cidade. O carpinteiro abandonou os estudos cedo, na terceira série, para trabalhar e ajudar no orçamento familiar. "Todo mundo procura gente jovem, não dá mais para procurar emprego", lamenta.

Dos entrevistados pelo Valor, os candidatos mais bem-sucedidos foram aqueles com ensino médio completo. Márcio Ronaldo Moreira, de 37 anos, conseguiu uma entrevista na próxima semana para uma vaga de consultor de vendas, com salário inicial de R$ 832, e uma carta que dava possibilidade de readmissão no Pão de Açúcar, empresa onde já havia trabalhado como operador de estoque. "Quero trabalhar em algo fixo. Para mim é mais vantajoso ter o registro, mesmo ganhando um pouco menos, por causa da aposentadoria", diz Moreira, que ganha R$ 900 como ajudante geral em uma gráfica, sem carteira assinada.

Embora não tenha conseguido uma oferta garantida de emprego, Silvana da Silva Souza saiu da feira com ao menos uma proposta de entrevista para a vaga de auxiliar de cozinha, cargo que ocupava há quatro meses. Ela cursou dois anos de direito, mas teve de abandonar por falta de dinheiro. Antes de ingressar na faculdade, porém, o ensino médio completo não impediu que ela ficasse cerca de oito anos sem emprego fixo, alternando entre bicos como doméstica e vendedora no varejo. (*texto produzido no Curso de Jornalismo Valor Econômico)

Ações do documento Quem tem medo da História?

Autor(es): agência o globo:Sílvio Tendler
O Globo - 24/06/2011




Estamos assistindo, perplexos, à enorme conspiração contra a verdade, a História e a memória.

O Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores, dois ex-presidentes da República, políticos de diferentes matizes, se unem para que o Brasil não conheça a sua verdade.

Já é difícil fazer filmes, livros e peças de teatro sobre personagens reais - mesmo os de vida pública -, sem autorização do próprio ou de familiares e herdeiros. Agora, a pá de cal chega com a intenção de trancafiar documentos para que a verdadeira História não se revele.

E quem orquestra essa trama contra o futuro do Brasil? Sim, porque povo sem memória é povo sem futuro, e estaremos sujeitos eternamente a sermos alimentados por contos da carochinha. Mas, afinal, o que querem esconder de nós? Quem bateu, torturou, mandou prender e arrebentar? Quem negou passaportes, quem expedia os tenebrosos atestados ideológicos, que impediam o acesso à escola ou ao emprego?

Querem nos impedir de saber a verdade sobre a Guerra do Paraguai, ao que parece, uma verdadeira carnificina praticada para atender a interesses de poderoso banqueiro inglês.

Resistirão almirantes, generais e marechais à lupa da História? Suas biografias corresponderão às narrativas descritas nas pinturas das grandes batalhas?

Os que nos negam conhecer a verdadeira História do país são cúmplices das carnificinas, dos torturadores, dos alcaguetes a soldo do Estado; dos que ordenaram censurar jornais, revistas, peças de teatro e músicas.

Não podemos nos calar e aceitar como fato consumado essa violência da censura que tentam nos impor. Construir um país livre representa lutar para conhecer a História. Não queremos cultivar falsos heróis e, a partir de hoje, personagens da História oficial estarão sob suspeita, enquanto não nos deixarem conhecer os documentos que abrigam verdades, que, mesmo dolorosas, devem ser reveladas.

Enfim, a chance da História

Autor(es): Leandro Fortes
Carta Capital - 20/06/2011

A verdade é revolucionária.” Quem cita o axioma do ícone marxista Vladimir Ilyich Lenin é um ex-militante da luta armada, o petista José Genoino, assessor especial do Ministério da Defesa. Aos 65 anos, Genoino parece refeito de maus tempos recentes: envolvido no escândalo chamado de “mensalão”, em 2005, tornou-se um dos 38 denunciados no Supremo Tribunal Federal. Desde então, o petista submergiu em um profundo silêncio, do qual raramente abre mão, sobretudo em relação à mídia. Em 2010, não foi reeleito para a Câmara dos Deputados após seis mandatos, mas acabou convocado para auxiliar a presidenta Dilma Rousseff a viabilizar a Comissão Nacional da Verdade.

Finalmente prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei cria condições para o Estado brasileiro, pela primeira vez desde 1964, investigar os crimes de violação de direitos humanos cometidos pela ditadura. Mais ainda: torná-los públicos. O texto do projeto, elaborado no início de 2010, ainda no governo Lula, tornou-se um compromisso de Dilma, disposta a fazer valer no governo o sonho de sua geração: resgatar a verdade factual dos anos de chumbo e organizar a memória da violenta história recente do País. Ponto, aliás, em que o Brasil está muito atrás dos vizinhos do Cone Sul.

Ex-guerrilheiros, ambos torturados por agentes da ditadura, Dilma e Genoino são parte de uma complexa operação política, cercada de cautelas e reuniões reservadas, nas quais aliados e oposicionistas firmaram, ao longo dos últimos três meses, um raro consenso. Basta dizer que um dos parlamentares mais empolgados com a comissão é ACM Neto, do DEM da Bahia, herdeiro político do avô, o falecido Antonio Carlos Magalhães, uma das faces civis da ditadura. Jovem liderança do ex-PFL na Câmara, ACM Neto vê no apoio à aprovação do projeto um passo fundamental para estancar a decadência da sigla e conduzi-la a um eleitorado mais de centro.*



Confira a matéria completa na edição 651 de CartaCapital

Colégios autoritários

Autor(es): Francisco Alves Filho
Isto é - 21/06/2011

Ao ameaçar, fazer vista grossa para agressões em seus pátios e expulsar alunos que tentam reparação judicial, três escolas de elite do Rio dão aula de falta de cidadania e de civilidade

Conhecidas pelo excelente nível de ensino, três escolas do Rio de Janeiro preferidas pela elite deram nas últimas semanas verdadeiras aulas de desrespeito às regras mais básicas de cidadania. Denúncias feitas por alunos de agressões ou constrangimentos graves foram tratadas por esses estabelecimentos de forma arbitrária e só fez aumentar o sofrimento das vítimas e seus pais. No tradicionalíssimo Colégio São Bento, recordista de aprovação no Enem, um aluno de 6 anos foi agredido por um adolescente de 14, a direção da escola escondeu o fato dos responsáveis e se mostrou mais preocupada com o agressor. Na Escola Alemã Corcovado, depois de levar empurrão de um professor, um aluno de 12 anos, seu irmão e seus pais foram excluídos do estabelecimento. No pH, a adolescente Jannah Nebbeling, 15 anos, acusa coordenadoras de ameaçá-la por conta de uma comunidade virtual na qual discutia conteúdos curriculares. "Iniciei uma ação contra o colégio por coação, constrangimento e ameaça, além de danos morais", diz Andréa Coelho, mãe de Janna. Os outros dois casos também foram parar nos tribunais. Para piorar, diretores criticaram direta ou indiretamente os pais que foram à Justiça, como se nos limites da escola vigorasse uma lei diferente da do restante do País.

O imbróglio mais comentado foi a abordagem dada pelo São Bento, escola com 153 anos de existência, a uma sequência de agressões sofrida pelo aluno de 6 anos. Ele apanhou de outro, de 14 anos, no dia 26 de maio. Para justificar aos pais os ferimentos na cabeça e na testa do menino, a diretoria da escola informou que tudo não passara de um "acidente" causado por simples brincadeira. A verdade logo veio à tona, mas a posição do colégio continuou inadequada. O agressor foi punido com apenas um dia de suspensão. "Eu e meu marido reivindicamos a expulsão dele, até para garantir que meu filho tivesse segurança para ir à escola. Isso não aconteceu e resolvemos procurar a polícia para denunciar o colégio", explica a advogada Viviane de Azevedo, mãe da vítima. A reação do estabelecimento de ensino foi equivocada. "Estão querendo transformar um acidente educacional em um fato criminal", reclamou Mário Silveira, supervisor administrativo do São Bento, que tem mensalidades em torno de R$ 2 mil. Silveira ainda se referiu ao agressor como alguém que estaria "sendo mais punido do que o acidentado". "Num contato com a direção, ouvi que aquela era a maneira de agir do São Bento e quem não estivesse satisfeito estaria livre para sair", recorda Viviane. "Entendi o recado e tirei meu filho de lá."

Na Escola Alemã Corcovado – onde, para ingressar, os pais têm que desembolsar R$ 8 mil, além das mensalidades de R$ 2 mil –, a agressão teria partido de um mestre. Um estudante de 12 anos reclama que, durante uma aula realizada no ano passado, foi empurrado pelo professor alemão Jens Wiemer, que berrava palavrões. O menino caiu e bateu com a cabeça e as costas no chão. Os pais do garoto só souberam da agressão um mês depois. Foram à polícia e ao Ministério Público. O professor foi suspenso e voltou para a Alemanha. Algum tempo depois, os pais da vítima passaram a notar que o menino era avaliado na escola "com rigor exagerado e diferenciado em relação aos colegas de sala", segundo relata a ação. Depois de novo protesto, veio a decisão mais surpreendente: tanto o aluno denunciante quanto seu irmão e seus pais souberam há três meses que foram excluídos da escola. "Essa decisão decorreu exclusivamente das várias violações aos estatutos cometidas pela família", relata nota da escola à ISTOÉ. "Não decorreu do exercício legal e regular da família de seu direito de denunciar o que achasse devido às autoridades competentes." Sob qualquer aspecto, uma total inversão de valores.

No caso do curso pH, o diretor de ensino Rui Alves argumenta que não houve ameaça à menina e, segundo ele, a comunidade virtual que distribuiria uma "cola" associava o colégio a palavrões. "A mãe tem todo o direito de ir à Justiça, mas isso é um assunto pedagógico", diz Alves. Doutor em pedagogia, o professor Henrique Sobreira critica as escolas: "São atitudes de quem promete uma educação para a cidadania e faz algo bem diferente", diz ele. A lição é a pior possível. "Quando escolas se acham acima da lei, é compreensível que os alunos também passem a pensar da mesma forma", avalia o especialista.

Ações do documento Atentado contra a história

Isto é - 21/06/2011

Levantando suspeitas não comprovadas de que o Brasil teria cometido erros no passado, os ex-presidentes e hoje senadores José Sarney e Fernando Collor de Mello agridem a democracia e tentam impedir que os brasileiros conheçam o próprio passado

Lúcio Vaz e Claudio Dantas Sequeira

O Brasil está andando na contramão da história. Por sugestão dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL), a presidente Dilma Rousseff decidiu rever o projeto de lei de acesso a informações públicas, admitindo a tese obscurantista de que alguns fatos e documentos merecem sigilo eterno. A atitude agride um princípio capaz de qualificar as democracias. A história de um país é de interesse público e deve ser tratada da forma mais transparente possível, pois pertence a todos os cidadãos. É inaceitável que apenas um determinado grupo de plantão no poder tenha acesso às informações sobre o passado de sua nação. Muito menos que esse grupo decida qual documento deve ou não ser divulgado. Em todo o País historiadores se declararam perplexos com a posição do governo. “É um imenso retrocesso”, afirma José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras. A mudança do projeto de lei evoca um tempo de sombras. No mundo atual, é cada vez maior a pressão para trazer a público o que os governantes tentam esconder. Um bom exemplo veio recentemente dos Estados Unidos, que divulgaram 40 volumes de arquivos secretos da guerra do Vietnã. Quatro décadas atrás, o governo americano processava jornais que vazavam esses documentos.

Os ex-presidentes Collor e Sarney argumentam que a divulgação de informações sigilosas teria impacto prejudicial à diplomacia brasileira, aos serviços de inteligência e à segurança nacional. Fatos históricos sobre a Guerra do Paraguai e a tomada do Estado do Acre foram apresentados como justificativa. Na quinta-feira 16, Collor divulgou uma lista com as mudanças que pretende impor ao projeto que chegou da Câmara. O texto original estabelece o prazo de 25 anos para a manutenção do sigilo de informações ultrassecretas, com a possibilidade de apenas uma prorrogação. Assim, após 50 anos, no máximo, todo e qualquer documento público estaria disponível aos interessados. A regra atual, definida no fim do governo Fernando Henrique, estabelece um prazo de 30 anos, renovável indefinidamente, para os documentos ultrassecretos.

A ideia de Collor é semelhante. Estabelece a renovação contínua para o prazo de 25 anos previstos no texto do projeto de lei da Câmara. Essa iniciativa fez com que toda a discussão sobre a abertura de arquivos, inclusive os da ditadura, voltasse à estaca zero. E o pior é que a medida teve o apoio imediato do governo, que até então defendia o contrário. Depois do impacto negativo, a nova ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, tentou reparar o erro, afirmando que a lei em discussão no Senado não valeria para os documentos da ditadura. Mas, havendo o sigilo eterno, será difícil convencer o Exército a tornar públicos os crimes cometidos em nome do regime militar.

Questionado por ISTOÉ, o presidente do Senado, José Sarney, alegou que abrir todos os arquivos seria uma espécie de “oficialização do WikiLeaks, em alusão ao vazamento de documentos diplomáticos dos EUA. “Abrir a porta e liberar tudo não pode. Fui presidente (da República) e sei disso”, disse Sarney, que recentemente tentou impedir que o impeachment de Collor figurasse em uma exposição sobre a história do Senado. Para se defender, lembrou que essa era a proposta contida no projeto de lei encaminhado ao Congresso, em 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O Collor me alertou que o projeto do Lula tinha sido todo alterado na Câmara”, afirmou. Collor, que preside a Comissão de Relações Exteriores do Senado, procurou Sarney em maio com um relatório preparado por sua assessoria. Esse dossiê teria sido entregue também ao então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, e a Luiz Sérgio, que ainda ocupava a Secretaria de Relações Institucionais. Há duas semanas, Collor encaminhou o documento à presidente Dilma. “Ela se mostrou sensibilizada e disposta a encontrar a melhor solução”, disse o ex-presidente.

O projeto da Câmara chegou a ser aprovado em duas comissões técnicas do Senado: Comunicações e Direitos Humanos. Até então, a orientação do Palácio do Planalto era para aprovar o projeto que saiu da Câmara, segundo o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Sem conseguir explicar os motivos, Jucá reconheceu que a postura oficial agora é outra. “Precisamos discutir mais”, alegou. A votação do projeto no Senado, portanto, deve ficar para o segundo semestre. O que não encerra o problema. Caso seja modificado, o texto deve retornar à Câmara, onde poderá ser refeito. O presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS), antecipou que está preparado para a briga. “O povo tem de conhecer sua história. Vamos recompor o que for modificado”, disse Maia. Caberá, então, à presidente Dilma vetar as modificações, especialmente o polêmico artigo que prevê o prazo de 25 anos para documentos ultrassecretos, com apenas uma prorrogação. Considerando seu passado de luta pela democracia e o discurso pela instauração da Comissão da Verdade e a abertura dos arquivos da ditadura, Dilma cometerá, no mínimo, uma enorme contradição se adotar a tese do sigilo eterno. “Duvido que a presidente Dilma coloque a digital dela nisso”, aposta o senador Walter Pinheiro (PT-BA), que relatou o projeto na Comissão de Comunicação do Senado.

Em conversas reservadas com senadores, Collor e Sarney insistem em defender a versão de que há documentos comprometedores a respeito da anexação do Acre, antigo território da Bolívia, e sobre a Guerra do Paraguai. A lei atual determina que questões que afetem a soberania, a integridade territorial, além de planos militares, econômicos e projetos de pesquisa científica, devem levar a chancela de ultrassecretos. De acordo com o Decreto 4.553/2002, a classificação desses documentos é de competência do presidente, do vice, dos ministros de Estado e dos comandantes militares, além de chefes de missões diplomáticas. Talvez Collor e Sarney não lembrem, ou não queiram lembrar, que no início da década de 1990 o Itamaraty criou uma seleta comissão de acadêmicos com a missão de analisar seus arquivos históricos, inclusive os da Guerra do Paraguai. Ao término do trabalho, o grupo de especialistas concluiu que não havia, nos milhares de páginas emboloradas, nenhuma informação que pudesse criar suscetibilidades ou reacender disputas bilaterais. Ato contínuo, o chanceler Celso Lafer autorizou a abertura do arquivo para consulta. “Foi um gesto de grandeza compatível com qualquer nação realmente democrática”, afirma o imortal José Murilo de Carvalho. “Examinamos tudo e vimos que não havia qualquer coisa que desaconselhasse a abertura dos documentos”, diz.

Autor de uma competente biografia de dom Pedro II, ele lembra que as questões sobre os limites do País também passaram pelo crivo de um embaixador especializado em negociação de fronteiras. O diplomata também não fez restrições, reiterando que todos os acordos fechados pelo Barão do Rio Branco são atos jurídicos perfeitos e não estão sujeitos a contestações. Francisco Doratioto, que é autor do livro mais consistente sobre a Guerra do Paraguai já publicado, teve acesso aos arquivos revisados por Murilo de Carvalho e acrescenta que boa parte das informações já era de domínio público no fim do século XIX. “De inédito havia umas 20 cartas do Solano López sobre o estado de saúde de suas tropas”, afirma. Doratioto pondera sobre a possibilidade de existirem detalhes não conhecidos sobre a anexação do Acre, mas também acha difícil que novas informações possam comprometer a segurança nacional. “Isso é assunto pacificado. Só serve para atiçar alguns grupos no Paraguai e na Bolívia que usam isso para pressionar o governo brasileiro”, afirma.

O embaixador Celso Lafer concorda e alerta para a postura irresponsável dos ex-presidentes Collor e Sarney. “Esse tipo de argumento só serve para levantar suspeitas sem fundamento e cria preocupações desnecessárias para nossos vizinhos”, disse à ISTOÉ. Lafer, que em sua gestão aprovou duas portarias regulamentando a classificação de documentos, acha que o sigilo eterno é inconstitucional e tende a manchar a imagem do Brasil no cenário internacional. “O que caracteriza uma democracia é o exercício público do poder comum. A nossa Constituição estabelece a publicidade dos atos como regra. O segredo é exceção”, afirma. Em sua gestão à frente do Itamaraty, o embaixador lembra que era responsável por determinar o nível de classificação de sigilo dos ofícios, relatórios e memorandos por ele assinados. Mesmo assim, garante não ter classificado um só documento de ultrassecreto. “Tudo que escrevi em meu trabalho, até as coisas mais sensíveis, poderiam ser divulgadas sem o menor problema dentro de dez ou 15 anos”, afirma. “Nenhum documento, por mais sensível que seja, pode ficar indefinidamente guardado nas arcas do Estado.” É o que se espera.

O ENSINO DIGITAL FUNCIONA

A lição digital

Autor(es): Camila Guimarães. Com Letícia Sorg

Época - 20/06/2011









Do computador à lousa digital, pesquisas inéditas mostram quando e como a tecnologia realmente funciona na escola







Poucos segundos depois de bater o sinal que anunciava o início da aula de ciências, os alunos do 6º ano começaram a entrar na classe da professora Leika Procopiak, cada um carregando seu próprio laptop, trazido de casa. Ao se acomodar nas mesas, nenhum deles tirou da mochila um caderno ou um livro. Abriram seus computadores, conectaram-se à internet (sem fio e de alta velocidade) e estavam prontos para aprender a lição do dia: fotossíntese. “Cada dupla decide quais das atividades fará hoje”, disse ela, no início da aula.



Sem usar a lousa e movimentando-se pela sala, Leika passou os 80 minutos seguintes orientando pesquisas em bancos internacionais de dados on-line sobre fontes de energia. Ajudou a fazer simulações gráficas de como variações da luz e da temperatura podem afetar o resultado da fotossíntese. Corrigiu exercícios propostos a partir de vídeos a que os alunos assistiram em sites especializados na web. Depois, cada dupla de alunos produziu um relatório, compartilhado com os colegas e com a professora pelo serviço de arquivos on-line Google Docs. O sinal marcando o fim da aula bateu e nenhum caderno saíra das mochilas.



Essa aula aconteceu na Graded School, uma das melhores escolas de São Paulo. É o tipo de atividade com que sonham pais deslumbrados com a parafernália tecnológica que atualmente é alardeada por colégios particulares. Escolas que muitas vezes cobram mensalidades mais altas por isso. Há mais de 25 anos tenta-se comprovar a eficácia do uso da tecnologia no ensino. Mas depois de tanto tempo, e de tanto marketing, ainda resta a pergunta: usar tecnologia para ensinar faz os alunos aprender mais?



A resposta é sim. Dois estudos inéditos demonstram como a tecnologia ajudou a melhorar as notas de alunos da rede pública. A Fundação Carlos Chagas (FCC) acaba de concluir uma avaliação dos alunos de todas as escolas públicas do município de José de Freitas, no interior do Piauí, que desde o início de 2009 estudam com o apoio de lousas interativas, laptops individuais e softwares educativos. De acordo com o estudo, esses alunos melhoraram sua média de matemática em 8,3 pontos, enquanto os que não usaram a tecnologia avançaram apenas 0,2 ponto. O segundo estudo, da Unesco, braço das Nações Unidas para a educação, avaliou o desempenho de alunos de escolas públicas de Hortolândia, em São Paulo, que usaram salas de aula com lousa digital e um computador por aluno. O avanço foi de duas a sete vezes em relação aos colegas em salas de aula comuns.



O sucesso, porém, depende de como a tecnologia é usada. Não adianta trocar o caderno por notebook ou tablet sem ter estratégias e conteúdo para usá-los. Isso ficou claro em alguns fracassos no uso dos computadores. O Banco Mundial divulgou, no fim do ano passado, a avaliação de um programa do governo colombiano que distribuiu máquinas para 2 milhões de alunos. O impacto nas notas de espanhol e matemática foi próximo de zero. Em alguns casos, as notas até pioram depois da chegada dos aparelhos. Em 2007, uma pesquisa do Ministério da Educação do Brasil mostrou que alunos que estudaram, por três anos, em escolas com computador estavam pelo menos seis meses atrasados no aprendizado em relação aos outros. Em ambos os casos, os pesquisadores se limitaram a contar se havia computador na escola. Não avaliaram se as máquinas eram usadas para dar algum conteúdo, além dos cursos de processadores de texto e planilhas.



É por isso que, nos países mais adiantados na implantação de tecnologia, a discussão hoje é como usar a tecnologia da melhor forma. Nos países ricos, a questão do acesso às máquinas foi superada. Cerca de 97% da rede pública americana tem um computador por aluno. Na Alemanha, mais de 30 mil escolas estão equipadas desde 2001. Mas, depois de tanto tempo usando computador na sala de aula, as estatísticas de aprendizado nacionais não melhoraram significativamente. A pergunta é como usar a tecnologia de um jeito diferente. A Inglaterra criou um departamento só para pesquisar e avaliar o uso inovador da tecnologia em sala de aula. Na Coreia do Sul, o governo percebeu que, sem um conteúdo curricular fortemente relacionado à tecnologia, ela teria pouco efeito. Começou a produzir novos materiais didáticos para os computadores. “Ainda tendemos a conceber o papel da tecnologia como algo a que basta o aluno ter acesso que as coisas vão melhorar”, afirma o americano Mark Weston, estrategista educacional da fábrica de computadores Dell. “Essa era a ideia há 30 anos, mas agora sabemos que também é preciso ter boas práticas de ensino.” A seguir, cinco práticas que ajudam a tecnologia a ensinar.



1. Saber para que usar a tecnologia

A tecnologia precisa ser usada com um propósito. A professora Leika, da Graded School, planejou a aula descrita no começo desta reportagem porque queria que os alunos aprendessem na prática a teoria que ela tinha ensinado, do jeito tradicional, na aula anterior. “Planejei em casa e pesquisei as melhores fontes para que isso acontecesse”, diz. Na sala de aula, quem domina a estratégia é o professor, mas também é decisão da escola, ou até de uma rede inteira, como usar determinada tecnologia.



Em segundo lugar, o conteúdo tecnológico deve ser complementar ao transmitido da forma tradicional. “Não adianta dar para o aluno ler no computador o mesmo texto que ele leria no livro didático ou na apostila. Isso não o fará aprender mais ou melhor”, afirma Marcos Telles, diretor da Dynamic Lab, uma empresa de tecnologia de educação.



Essa integração entre a tecnologia e o conteúdo das aulas é o maior desafio das escolas. As escolas municipais de Matinhos, no Paraná, tinham uma demanda específica: melhorar as notas de português e matemática de todos os 3 mil alunos da rede, com equidade. Foram atrás de um software educacional feito sob medida para isso. No computador, o aluno faz atividades interativas e evolui para as mais difíceis, de acordo com seu ritmo de aprendizado. “Alunos aprendem de jeitos diferentes e, no ensino tradicional, os que estão para trás acabam fadados ao fracasso por não receber acompanhamento adequado”, afirma Betina von Staa, pesquisadora da Positivo Informática, que faz os softwares educativos. Marcos Vinicyus de Oliveira, de 7 anos, poderia ter sido um deles. Em 2010, estava no 2º ano e ainda não conseguia ler nem cumprir tarefas mais simples, como copiar a lição da lousa. “Agora consigo juntar as letras no computador”, diz. Marcos aprendeu a ler e a escrever depois de começar a usar o programa.



2. Transformar o jeito de dar aula

Para usar qualquer tecnologia, da câmera digital ao computador, é preciso abandonar a geografia tradicional da sala de aula, aquela que coloca o professor na frente do quadro e os alunos enfileirados anotando tudo. Uma das tecnologias mais antigas em prática nas escolas brasileiras e que dá certo é a robótica. Ela reforça a ideia de ensinar de forma diferente: são aulas em que os alunos, sempre em grupo, precisam executar um projeto: programar e montar um robô. “Aprendi a trabalhar em equipe e a prestar atenção em pequenos detalhes”, diz César Henrique Braga. Ele acabara de terminar seu primeiro robô, um jipe lunar, com outros três colegas do 6º ano do colégio COC Vila Yara, em Osasco, São Paulo. “O aluno precisa aprender a usar o conhecimento para criar”, diz Paulo Blikstein, professor da Escola de Educação da Universidade Stanford.



Blikstein ensina professores da rede pública dos Estados Unidos a ensinar em ambientes com tecnologia. Para ele, a vocação da tecnologia é ajudar no ensino por projetos. Essa estratégia parte dos conteúdos do currículo tradicional, como escrita e matemática, para desafiar os alunos a executar tarefas criativas, como fazer um filme. E essas habilidades dificilmente são ensinadas nas aulas tradicionais.



3. Mudar a relação entre professor e aluno

Segundo Blikstein, um dos maiores desafios na hora de usar tecnologia é mudar a prática e a mentalidade dos professores. Isso aconteceu no início do projeto em Hortolândia, estudado pela Unesco. Ele foi elaborado e executado por especialistas em educação da fabricante de computadores Dell e da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. O objetivo era melhorar o aprendizado de português e matemática de 5.500 alunos do 6º e 7º ano do ensino fundamental e 1º e 2º ano do ensino médio, de 23 escolas estaduais. As salas de aula ganharam um computador por aluno e lousa digital, com material didático digital desenvolvido por educadores da Universidade de São Paulo (USP).



Foi preciso um ajuste de cara. As aulas não estavam durando o tempo planejado. O material fora criado para aulas de 50 minutos. Mas elas acabavam em apenas 20. Isso porque os professores usavam a lousa digital como se fosse um quadro-negro tradicional. “Eles não davam espaço para os alunos interagirem com a lousa”, diz Marcos Menezes, diretor da área de educação da Dell para o Brasil.



A prática do professor também está ligada a sua relação com o aluno e a seu domínio sobre a classe. A concentração dos alunos na aula é um dos fatores mais determinantes para que eles de fato aprendam. Várias pesquisas e estudos já foram feitos sobre isso, mas não existe uma fórmula mágica que garanta que garotos se interessem mais por cálculos de raiz quadrada do que por bater papo com um colega. Mas alguns especialistas dizem e pesquisas demonstram que, usada da maneira correta, a tecnologia pode sim ajudar a prender a atenção. “Como é uma linguagem que o aluno conhece, o professor se aproxima com mais facilidade”, diz Maria Elizabeth Almeida, professora do programa de pós-graduação em educação curricular da PUC de São Paulo.



4. Formar e treinar os professores

No Brasil e no mundo, a maioria dos professores ainda não consegue justificar o uso da tecnologia na classe. “Eles não têm a formação adequada para isso”, diz Weston, da Dell. Não por acaso, o projeto de Hortolândia foi executado pela Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo. “Não adianta colocar tecnologia na escola sem dar a formação adequada aos professores”, diz Vera Cabral, diretora da escola. O próximo passo é levar o projeto para toda a rede e treinar professores em grande escala.



Há duas maneiras de fazer a formação dos professores. A primeira é colocar os formadores, monitores especializados na tecnologia e no conteúdo, dentro das salas de aula, como fez um projeto conjunto do Estado do Piauí, do município de José de Freitas, e da Positivo. Francisca das Chagas Lopes da Silva dá aula no 4º ano de uma escola estadual da cidade. Formada em pedagogia, ela não sabia como fazer o planejamento diário de suas aulas, nem aprendeu na faculdade a avaliar seus alunos de outra forma a não ser as tradicionais provas bimestrais. Ao participar do projeto, Francisca passou a dar aulas acompanhada por monitores. O planejamento das atividades fazia parte do treinamento, assim como fazer o registro de tudo o que acontecia em classe para avaliar melhor o desenvolvimento dos alunos. “Aprendi a ensinar usando a tecnologia, mas também aprendi a planejar. Se eu for planejar uma aula qualquer, do jeito tradicional, farei isso melhor do que antes”, diz.



A segunda estratégia para formar os professores é mais comum nas escolas particulares. Ali, a formação acontece mais por iniciativa de cada professor do que em cursos oferecidos pelos gestores. No Beit Yaacov, colégio particular de São Paulo, a estratégia adotada foi deixar a cargo dos professores quando e qual tecnologia usar. Os profissionais são estimulados a pesquisar por conta própria novas tecnologias e as maneiras de usá-las, inclusive no ensino infantil. A partir da experiência de cada um, o que dá certo é adotado pelo resto da escola e o que deu errado é aperfeiçoado. “Sem o envolvimento de todos os professores, não há como criar e fortalecer uma cultura digital dentro da escola”, afirma Silvana Del Vecchio, coordenadora de tecnologia do colégio.



5. Reformar a cultura da escola



Nem a tecnologia mais avançada conseguiu ainda o feito de mudar a cultura escolar. Mas uma escola pública de Nova York resolveu tentar. A Quest to Learn foi criada pela designer de games Katie Salen, que escreveu vários livros sobre o uso de jogos na educação. Os alunos aprendem o conteúdo curricular criando e jogando videogames. Em funcionamento há um ano e meio, a escola foi moldada sob conceitos muito diferentes: os alunos não passam de ano, mas de fase – como nos jogos –, e não ganham notas, mas classificações de acordo com sua habilidade. “Acreditamos que aprender a programar e a lidar com mídias serão habilidades centrais para que os jovens se expressem e sejam competitivos ao entrar na universidade e no mercado de trabalho”, diz Katie.



A cultura do ensino pela tecnologia está na prática diária dos professores da Quest to Learn. “Eles são treinados para criar experiências nas quais os alunos possam aprender fazendo, tentar soluções e dividir o conhecimento”, diz Katie. Até agora, os alunos da escola não mostraram notas melhores nos testes tradicionais, que não medem as tais “habilidades do futuro”. Se derem certo, porém, experiências como essa podem e devem ser usadas como alternativas para melhorar o ensino para todos.



Mark Weston: "A tecnologia serve como mediadora"



O especialista na área de tecnologia na educação diz que trocar o caderno por artefatos modernos é ineficiente se o jeito de ensinar não mudar

Letícia Sorg

O consultor Mark Weston, estrategista educacional da Dell, dedicou os últimos 36 anos de sua vida a melhorar o ensino usando inovações tecnológicas. Depois de participar de projetos promovidos pelo governo dos Estados Unidos, em vários Estados americanos e em outros países, chegou a algumas conclusões sobre como a tecnologia pode ser usada na sala de aula para melhorar o aprendizado dos alunos. Nesta entrevista, Weston revela o potencial pedagógico da tecnologia e alerta para as suas limitações: “Se um livro não funciona para um aluno, trocá-lo por um livro digital não vai resolver o problema”.



ÉPOCA – Por que o senhor diz que a tecnologia foi reprovada na educação?

Mark Weston – Depois de mais de 15 anos de experiência em reforma na educação, cheguei à conclusão de que mais do mesmo esforço não daria resultado. Em geral, o sistema educacional atual funciona, na melhor das hipóteses, para duas em cada três crianças. Uma parte desse esforço tem sido a entrada de tecnologia nas escolas, mas é evidente que nem o uso de tecnologia conseguiu mudar a estatística principal de que o sistema falha com a maioria.





ÉPOCA – Há alguma certeza sobre como usar a tecnologia na educação?

Weston – Se o objetivo é educar melhor todas as crianças, e a pergunta é se isso é possível, a resposta é sim. Há evidências de práticas pedagógicas que conduzem todas as crianças a aprender mais. A questão é como fazer. Uma das dificuldades tem a ver com a forma como concebemos o papel da tecnologia na educação. Ainda tendemos a pensar na tecnologia como algo a que o aluno quer ter acesso. Você dá um computador, ele tem acesso e isso muda as coisas. Mas está bem claro que não é o acesso que assegura os resultados, mas as práticas das quais as tecnologias fazem parte.





ÉPOCA – Os tablets ou as lousas interativas substituem antigas práticas de ensino ou podem de fato mudá-las?

Weston – Se um livro não funciona para um aluno, trocá-lo por um livro digital não vai resolver o problema. Está havendo um nível de automatização ou refinamento, mas o problema fundamental do aprendizado não é atacado. A tecnologia tem de servir como mediadora para estilos de aprendizado, estudantes, professores, pais e conteúdos.





ÉPOCA – Por exemplo?

Weston – Hoje, o aluno é visto como um participante passivo, que recebe a informação. Então, mesmo numa classe com uma lousa interativa, eu não me surpreenderia de ver o professor no quadro. Se o papel do estudante tivesse mudado, os alunos deveriam estar no quadro, ou fazendo coisas com outros alunos ou com o professor. O que muda é a pedagogia usada e como estudantes e professores veem seus papéis.





ÉPOCA – Como preparar os professores para essa mudança?

Weston – É preciso ter uma nova formação para os professores. No sistema atual, cada professor é responsável por desenvolver como dar cada conteúdo. Cada um pensa individualmente num esquema de fazer seu trabalho. Uma alternativa é criar um esquema coletivo que funcione para a escola toda, em que cada professor ajude a refinar os métodos do outro e se beneficie.

A promessa e a realidade da revolução digital na educação

Época - 20/06/2011

Carta do diretor de redação Helio Gurovitz


"Funciona! Funciona!", gritava um aluno do 6° ano da escola COC, em Osasco, na Grande São Paulo. A razão da felicidade era um protótipo de jipe lunar que ele acabara de montar com seus colegas num curso de robótica, parte da grade curricular obrigatória. Na aula, as crianças se dividiam em grupos que competiam para armar seus robôs num período de tempo cronometrado. Além de negociar as peças necessárias para a montagem, de aprender a dividir tarefas e de entender na prática conhecimentos de matemática e física, elas se divertiram para valer. "No final, a gritaria era tanta que lembrava a comemoração de um campeonato de futebol", diz a repórter especial Camila Guimarães. "Eles vibravam como se estivessem não numa aula, mas em pleno recreio."

Camila acompanhou essa e várias outras aulas em que a tecnologia é usada na escola, para tentar responder a uma pergunta que tem desafiado os pesquisadores nos últimos anos: até que ponto o uso de computadores, internet, lousas digitais ou softwares educativos melhora mesmo a qualidade do ensino? Costuma haver, por parte dos pais, um encantamento tão frequente quanto irracional com as novidades digitais na sala de aula. Que diferença faz ler o mesmo texto no papel, na tela do micro ou no tablet? Ou fazer os mesmíssimos cálculos com um giz tradicional, um pincel atômico ou na lousa digital? Até agora, havia poucos resultados mensuráveis para comprovar a eficácia desses materiais para transmitir algo que, no fundo, é imaterial: o conhecimento.

Na investigação dessa questão, cujo resultado está na reportagem da página 80, Camila obteve acesso a estudos inéditos e independentes que, pela primeira vez, dão uma resposta à pergunta. E ela é positiva. Sim, o uso da tecnologia na sala de aula ajuda a melhorar as notas dos alunos, tanto em português quanto em matemática. Mas há muito que os professores e escolas precisam aprender para tirar proveito das benesses da era digital. De nada adianta usar o computador para repetir as mesmas práticas. É preciso, como mostra a aula de robótica descrita por Camila, ter a ousadia de inovar também nos métodos de ensino.

O exemplo mais radical desse tipo de inovação foi adotado na escola pública nova-iorquina Quest to Learn. Num experimento que vem sendo estudado com atenção, a designer digital Katie Salen, autora de vários livros sobre o uso de jogos na educação, transformou suas aulas em verdadeiros videogames, em que as crianças, quando demonstram ter atingido determinadas habilidades, mudam de fase em vez de fazer provas. Esse tipo de experiência talvez pareça ousada demais para um país como o Brasil. Mas é inegável que uma medida simples, como ligar todos os alunos na internet, abriria as portas de um universo de conhecimento a que muitos não têm acesso em suas casas. Para despertar todo o potencial da revolução digital no ensino brasileiro, poderíamos começar por aí.

Quantidade e qualidade da educação

Autor(es): Ignez Martins Tollini
Correio Braziliense - 22/06/2011


Mestre em educação brasileira (UnB) e em ciências da educação (Universidade de Purdue, Indiana, EUA), Ph. D. em educação (Universidade de Londres, Reino Unido)

As medidas nacionais de matrícula indicam que a escolaridade média da população, no período entre 1990 e 2010, aumentou de 5,6 para 7,2 anos. Sem dúvida, temos de comemorar esse resultado, que coloca o Brasil em posição de vanguarda em relação a outros países. Esse artigo, ainda que superficialmente, pretende levantar questionamentos sobre possíveis peculiaridades que ainda possam estar ocultas nos atuais índices nacionais de melhoria da educação.

Por exemplo, qual seria a porcentagem de alunos matriculados que estão atualmente na escola? As discrepâncias entre a oferta de educação básica entre regiões do país e entre a área urbana e a rural ainda estão presentes? A porcentagem de professores leigos e o analfabetismo continuam mais concentrados no Norte e no Nordeste e nas áreas rurais do país? Essas questões se justificam porque os atuais resultados numéricos também têm a função de legitimar políticas governamentais para a educação.

O bom resultado numérico da permanência na escola também serve para amenizar padrões muito frágeis de autonomia local, isto é, circunstâncias nas quais os estados e municípios têm posição fraca em relação à política educacional do Estado central. Hoje, mais do que nunca, escolas e universidades estão expostas a fatores perversos, tais como crimes, drogas, corrupção, ausência de cultivo de valores para formação dos alunos, salários inadequados, presença de ideologias falidas no ambiente escolar. Além disso, muitos professores se interessam mais pela militância política do que por sua missão de educar. Como consequência, alguns professores e alunos contrários a esse comportamento sentem sua liberdade de pensar manietada pelo pensamento único advindo da ideologia. Esses fatos não têm tido lugar nos debates educacionais.

Portanto, quando a expansão da escolaridade é comemorada, há que se levar em conta a qualidade da expansão. O aumento de vagas nas universidades e escolas é considerado uma benesse do governo para os que sonham entrar nessas instituições públicas e gratuitas. Em vista disso, é lícito perguntar se é justo oferecer vagas na universidade para pessoas que alegam pobreza ou discriminação racial sem levar em conta a qualidade de seu desempenho educacional anterior.

É consensual entre estudiosos que o Brasil tem necessidade premente de formar profissionais competentes em todos os ramos do saber para que venha a ser um país desenvolvido. Já é tempo de os professores em sala de aula e acadêmicos nas universidades se darem as mãos, com a convicção de que quanto melhor for a qualidade da formação dos professores nas universidades, melhor será a educação básica em nosso país. Desse modo, pessoas menos favorecidas, por várias razões, poderão entrar na universidade por mérito e vocação.

Conciliar quantidade e qualidade na educação não é um problema somente brasileiro. É um problema mundial. Alguns países conseguiram realizar a façanha. Hoje, a ciência oferece meios para mudar cenários educacionais que, durante muitas décadas, resistiram à mudança. Recentemente, um grupo de analistas acadêmicos do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra conceberam um modelo teórico, fruto de longas observações de sistemas educacionais resistentes à mudança. Assim, eles conseguiram provar que a mudança somente é possível quando os níveis nacional, estadual e municipal do governo têm um foco sistêmico em relação à educação. Países como Coreia do Sul, Singapura e Finlândia devem seu sucesso na educação, em parte, a esse modelo.

Finalmente, é necessário e prazeroso registrar recentes casos no Brasil nos quais o aumento da escolaridade aparece ligado à qualidade da educação em cidades interioranas de regiões pouco dotadas economicamente. São escolas de excelente qualidade no Vale da Ribeira, Nova Horizonte, Sud Menucci e Arealva, no estado de São Paulo. Além disso, escolas de alto nível no interior do Piauí. Segundo recentes pesquisas, o traço comum nessas escolas é a notável competência dos diretores e professores, aliada à clara vocação para a tarefa de educar.

Educação faz a diferença

Autor(es): Ana D"angelo, Victor Martins e Sandra Kiefer

Correio Braziliense - 19/06/2011


Egressos das camadas mais baixas de renda sobem na vida à custa de muita dedicação e estudo. Especialistas cobram melhora no ensino

Da favela para um bairro nobre de Belo Horizonte. De uma renda familiar menor que um salário mínimo para R$ 27 mil mensais. Da base para o topo da pirâmide social. No caminho, muito estudo. “É diferente de ganhar na Mega-Sena. A mudança não é do dia para a noite nem tampouco está vinculada ao que a gente é capaz de consumir, mas sim ao que é capaz de produzir que seja duradouro”, ensina o procurador de Minas Gerais José dos Passos Teixeira de Andrade. Hoje, ele usa terno Hugo Boss comprado em Nova York e é dono de um carro Honda Civic ano 2009.

O menino que chegou há 34 anos à favela Beco do Cíntia aos 8 de idade, com a mãe e quatro irmãos, coleciona méritos conquistados, um por um em seus 42 anos de vida — desde os bicos de office-boy e de ajudante de pedreiro à aprovação num dos cursos mais concorridos do país, na Universidade Federal de Minas Gerais, aos 24 anos. Tudo alcançado após um ano e meio de estudos solitários em casa, pois não havia dinheiro para pagar faculdade particular. Ser aprovado no concurso de procurador do estado, um dos melhores cargos da área jurídica, premiou uma pessoa que enfrentou esgoto a céu aberto em passagens estreitas nas ruas e só passou a ir à escola aos 12 anos.

Caminho semelhante pretende seguir Elias Mateus da Silva, 31 anos, que, na semana passada, viveu os seus últimos dias como lavador de carros, atividade que exerce desde os 14, tirando cerca de R$ 800 em média de renda. Neste mês, ele conclui o curso de direito, que frequenta à noite. Em seguida, pretende prestar exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Ele pretende ascender rapidamente da classe D para a C, já trabalhando como advogado. Seu sonho é integrar o grupo dos que ganham mais. “Só sei que não vou parar de estudar. Quero melhorar o amanhã, mudar de vida”, planeja.

“A educação é o fator de diferenciação social. Quanto maior a escolarização, maiores as chances de ascensão”, destaca a antropóloga Luciana Aguiar, diretora da consultoria Plano CDE. Segundo ela, apesar da concentração em bens de consumo, a escalada da classe média foi, em parte, acompanhada do acesso a serviços como plano de saúde e escola particular para os filhos. As famílias passaram a comprometer parte da renda com esse tipo de despesa, além da compra de bens de consumo.


Escolaridade

Segundo Luciana Aguiar, uma marca da nova classe média é ter os filhos com mais anos de escolaridade do que os pais. Enquanto nos segmentos mais altos, A e B, a diferença é de apenas um ano em média entre pai e filho, na base da pirâmide, ela chega a quatro anos. Pesquisas da Plano CDE mostram que a classe C é o segmento que tem o maior número absoluto de universitários, 1,8 milhão, acima dos 1,3 milhão da classe B e dos 784 mil da A.

O estudo tornou-se prioridade para José Marcelino da Silva, 42 anos, quando conseguiu deixar a profissão de vigilante para virar servidor público do governo do Distrito Federal. Com a melhora na renda, começou a faculdade de gestão pública. “Foi um avanço e tanto”, comemora. Mas o orçamento ainda é apertado. “Algumas pessoas gastam mais do que podem. Tenho consciência de que há coisas que não posso comprar.”

Poder pagar plano de saúde para os filhos é uma das principais conquistas que Onorina Bezerra Souto, 59 anos, destaca, desde que conseguiu abrir um salão de beleza. A nova fonte de renda juntou-se à do marido, servidor público, e a família já reformou a casa. “Hoje, compro mais sapatos e roupas”, empolga-se. Entusiasmada com o sucesso do negócio e o momento econômico, já abriu uma filial.

Na periferia do Distrito Federal, em uma casa que é parte de madeira, parte de alvenaria, Sandreci Dias, 39 anos, mora com o marido, a irmã e três crianças. A família celebra as paredes levantadas depois que a renda do marido, carpinteiro, dobrou de R$ 400 para R$ 800 em três anos. A rua na Vila Estrutural não tem asfalto, mas já não falta mais água. Sandreci e o marido planejam terminar a casa. Apesar da vida ainda

muito difícil, a irmã Clausete, 27 anos, termina, no fim do ano, o curso superior de administração. “Espero conseguir um emprego na minha área”, diz.


Bolha

Apesar dos diversos casos de sucessos dos membros da classe média que miraram o estudo como meio de ascensão social, os especialistas estão céticos quanto à continuidade da tendência. “Interpreto esse momento mais como uma bolha, pois não está havendo planejamento de longo prazo, que melhore a capacidade dessa população para ter acesso ao mercado de trabalho cada vez mais exigente. Temo que possamos estar queimando essa oportunidade, que pode ser apenas um episódio e não um processo”, alerta o sociólogo Marcel Bursztyn, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ele, a China tem combinado o robusto crescimento econômico com melhoria no sistema produtivo e na capacitação da mão de obra. “Tenho dúvidas se conseguiremos manter as taxas de crescimento econômico se não houver ações de governo voltadas para o desenvolvimento tecnológico e melhoria do sistema de educação”, diz.

O geógrafo Aldo Paviani, também da UnB, concorda. “Existe uma lacuna, que é a qualidade do ensino, principalmente na parte intermediária, entre o ensino fundamental e o médio”, afirma. “É fundamental, para a economia, um ensino médio mais robusto, com escolas que preparem os alunos, não só para o vestibular, mas para a vida profissional. A qualidade do trabalho é o grande desafio para a década que se avizinha e talvez não estejamos preparados para oferecer ao mercado o que ele precisa.”

Tortura foi ''arma política'' para ditadura, diz relatório

Autor(es): Jamil Chade -

O Estado de S. Paulo - 22/06/2011


O regime militar teria usado a tortura como uma "arma política" e desenvolvido uma série de "técnicas científicas" de repressão com vistas a sufocar a dissidência que existia no País. Documentos mantidos por anos nos arquivos do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, revelam os bastidores do que ocorreu no Brasil durante os anos de chumbo.

Relatórios, testemunhas, cartas, informações de dissidentes e dezenas de acusações fazem parte de três caixas de documentos entregues ao Brasil na semana passada para que possam ser estudados e eventualmente, como espera a ONU, sirvam de base para processos. Os originais, porém, foram mantidos em Genebra, onde o Estado teve acesso às suas mais de 3 mil páginas.

Um dos documentos mais detalhados do arquivo é um relatório produzido em Genebra pela Comissão Internacional de Juristas, em julho de 1970, no auge da repressão no Brasil. O relatório iria ser publicado e enviado para a imprensa. Mas acabou não sendo difundido e foi mantido nos arquivos.

O documento foi preparado a partir de relatos de dissidentes e vítimas, além de documentos coletados por relatores, que tiveram os nomes mantidos em sigilo. A comissão, em colaboração com outras organizações, enviou em 1971 as evidências à Comissão de Direitos Humanos da ONU.

No documento de 1970, os relatores classificam a situação no País como de "guerra civil", com existência de um aparelho de Estado montado para reprimir e "esquadrões da morte" que atuavam fora dos limites da lei.

No total, o documento estima que havia 12 mil prisioneiros políticos no Brasil naquele ano e revela as negociações frustradas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para ter acesso aos detentos. Segundo o documento, o governo não autorizou a entrada da entidade nas prisões brasileiras. O então presidente Emílio Garrastazu Médici chegou a convocar uma coletiva de imprensa para anunciar que não havia presos políticos no País. Seu ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, seria favorável à entrada da Cruz Vermelha. Mas sua autorização foi anulada pelos militares.

O relatório também fala dos grupos de oposição, com a estimativa de que existiriam entre 600 e 800 pessoas atuando "nas forças clandestinas" pelo País. Segundo o documento, essas pessoas viviam em "apartamentos com 5, 10 ou 15 pessoas, com suas armas, seus mimeógrafos, seus medicamentos e às vezes seu equipamento de comunicação". "Uma única pessoa mantém contato com o mundo exterior, não sai senão à noite, abastece o grupo e recruta entre as pessoas que não podem ser suspeitadas pelos órgão de repressão", diz o documento.

Em 23 de março de 1971, grupo de entidades, entre elas a Comissão Internacional de Juristas, o Conselho Mundial de Igrejas e Pax Romana entregaram à ONU um relatório sobre a tortura no Brasil revelando que haveria "um padrão consistente de violações de direitos humanos" no Brasil. "As alegações não podem mais ser ignoradas pela ONU", imploravam as entidades.

Festa macabra

DEMÉTRIO MAGNOLI e ADRIANO LUCCHESI


O Estado de S.Paulo - 23/06/11



"Há uma percepção crescente de que a aritmética da Copa do Mundo é um tanto instável", escreveu o Times de Johannesburgo um mês depois do triunfo da Espanha nos campos sul-africanos. "Temos estádios em excesso para nosso próprio uso. Talvez devêssemos exportar estádios para o Brasil, que fará sua Copa do Mundo?". A constatação estava certa; a sugestão, errada. O Brasil, país do futebol, terá o mesmo problema que a África do Sul, país do rúgbi. Aqui, como lá, a festa macabra da Fifa é um sorvedouro implacável de recursos públicos.

Mafiosos usam a linguagem da máfia. Confrontado com evidências de corrupção na organização que dirige, Sepp Blatter avisou que tais "dificuldades" seriam solucionadas "dentro de nossa família". As rendas de radiodifusão e marketing da Fifa ultrapassaram os US$ 4 bilhões no ciclo quadrienal encerrado com a Copa da África do Sul. O navio pirata já se moveu para o Brasil, onde a Fifa articula com seus sócios a rapina seguinte.

O brasileiro João Havelange planejou a globalização do futebol, expandindo a Copa para 24 seleções, em 1982, e 32, em 1998. Blatter concluiu a transformação, rompendo a regra de rodízio de sedes entre Europa e América. Como constatou a Sports Industry Magazine, sob um processo milionário de licitação do direito de hospedagem, as ofertas nacionais assumiram "a forma de promessas de mais e mais pródigos novos estádios para os jogos e novos hotéis luxuosos para uso dos dirigentes da Fifa e de fãs endinheirados". A Copa é um roubo: as despesas são pagas com dinheiro público, de modo que a licitação "constitui, de fato, um esquema de extração de renda concebido para separar os contribuintes de seus tributos".

O saque decorre da conivência de governos em busca de prestígio e de negociantes em busca de oportunidades. Na Europa a rapinagem é circunscrita por uma cultura política menos permeável à corrupção e pela existência prévia de modernas infraestruturas hoteleiras, esportivas e de transportes. Por isso a Fifa seleciona seus próximos alvos segundo critérios oportunistas de vulnerabilidade. Encaixam-se no perfil África do Sul e Brasil, países emergentes que ambicionam desfilar no círculo central do mundo, assim como a semiautoritária Rússia, sede de 2018, e a monarquia absoluta do Qatar, que bateu a Grã-Bretanha na disputa por 2022.

Antes das Copas, consultores associados às redes mafiosas produzem radiosas profecias sobre os efeitos econômicos do evento. Depois, quando emergem os resultados efetivos, eles já estão entregues à fabricação de ilusões no porto seguinte. A África do Sul gastou US$ 4,9 bilhões em estádios e infraestruturas, que gerariam rendas imediatas de US$ 930 milhões derivadas do afluxo de 450 mil turistas, mas só arrecadou US$ 527 milhões dos 309 mil turistas que de fato entraram no país.

O verdadeiro legado positivo da Copa de 2010 foi a mudança de paradigma no sistema de transporte público urbano, pela introdução de ônibus, em corredores dedicados, e do Gautrain, trem rápido de conexão com o aeroporto de Johannesburgo. Os ônibus enfrentavam selvagem resistência dos sindicatos de operadores de peruas, superada pelo imperativo urgente do evento esportivo. O Gautrain serve exclusivamente à classe média, com meios para adquirir bilhetes cujos preços excluem a população pobre. Mas o argumento de que sem uma Copa, não se realizariam obras necessárias de mobilidade urbana equivale a uma confissão de incompetência da elite dirigente.

Eventos esportivos globais tendem a gerar ruínas urbanas, mesmo em países mais inclinados a zelar pelo interesse público. Japoneses e sul-coreanos ainda subsidiam a manutenção das arenas da Copa de 2002. As dívidas contraídas para as obras da Olimpíada de Atenas e da Eurocopa de 2004 aceleraram a marcha rumo à falência da Grécia e de Portugal. A África do Sul incinerou US$ 2 bilhões na construção e reforma das dez arenas da Copa. Todas, com exceção do Soccer City, de Johannesburgo, usado para jogos de rúgbi e shows, figuram hoje como monumentos inúteis, conservados pela injeção de dinheiro público. A Cidade do Cabo paga US$ 4,5 milhões ao ano pela manutenção da arena de Green Point, erguida ao custo fabuloso de US$ 650 milhões e usada apenas 12 vezes depois da Copa. Lá se desenrola um melancólico debate sobre a alternativa de demolição do icônico estádio, emoldurado pela magnífica Table Mountain.

O Brasil decidiu ultrapassar a África do Sul. Aqui, serão 12 arenas, a um custo convenientemente incerto, mas bastante superior aos dispêndios sul-africanos. As futuras ruínas já drenam vultosos recursos públicos, mal escondidos sob as rubricas de empréstimos do BNDES e subsídios estaduais e municipais. O governo paulista prometeu não queimar o dinheiro do povo na festa macabra da Fifa, mas o alcaide Gilberto Kassab assinou um cheque público de US$ 265 milhões destinado ao estádio do Corinthians. São 16 centros educacionais, para 80 mil estudantes, sacrificados por antecipação no altar de oferendas às máfias da Copa. O gesto de desprezo pelas necessidades verdadeiras dos contribuintes reproduz iniciativas semelhantes adotadas, Brasil afora, por governos estaduais e municipais.

Segundo a lógica perversa do neopatriotismo, a Copa é um artigo de valor só mensurável sob o prisma da restauração do "orgulho nacional". De fato, porém, a condição prévia para a Copa é a cessão temporária da soberania nacional à Fifa, que assume funções de governo interventor por meio do seu Comitê Local. O poder substituto, nomeado por Blatter, já obteve o compromisso federal de virtual abolição da Lei de Licitações e pressiona as autoridades locais pela revisão das regras de concorrência pública. Malemolentes, ao som dos acordes de um verde-amarelismo reminiscente da ditadura militar, cedemos os bens comuns à avidez dos piratas.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Se união gay é cidadania,por que poligamia não?

13/6/2011 19:55, Por CMI Brasil



Por Cimberley Cáspio 13/06/2011 às 22:26



Se os gays conquistaram direitos oficiais de cidadania,como até receber pensão por morte do companheiro;e já lutam até pra ter o direito oficial de adoção de crianças,direitos que para nós,brasileiros,são inéditos no país,por que o governo mantém patriarcas e esposas de famílias polígamas,como marginais?Sem direitos oficiais de cidadania?



Os gays conquistaram até agora, direitos públicos de cidadania que em outros tempos jamais se poderia pensar.Porém a poligamia é crime no Brasil.Aí é que a coisa fica esquisita!Já que o país passou a tolerar e agora os direitos dos homossexuais são legais,por que a poligamia continua como crime?O hétero não pode ter o direito de ter quantas famílias quiser,quantas esposas assim ele se achar na condição de ter?Viajei há pouco pro nordeste e pude observar que em algumas cidades do interior,ali,se pode observar homens vivendo com duas,ou mais esposas,porém tais esposas não tem direitos oficiais,porque a poligamia no Brasil é crime.

Se os gays conquistaram direitos oficiais de cidadania,como até receber pensão por morte do companheiro;e já lutam até pra ter o direito oficial de adoção de crianças,direitos que para nós,brasileiros,são inéditos no país,por que o governo mantém patriarcas e esposas de famílias polígamas,como marginais?Sem direitos oficiais de cidadania?A poligamia além de ser uma prática antiga ,tem suas vantagens:a mais extrema em todas elas,é quando um dos cônjuges,ou outro membro da família, baixa hospital.Não só as outras esposas quantos os filhos,se reservam no acompanhamento do convalecido na enfermaria,dividindo assim,os sacrifícios,que em uma família monogâmica de 2 a 3 filhos,fica exaustivo.Pois alguém tem continuar a cuidar do trabalho,manutenção e sustento da família,independente da condição do membro da família doente no hospital.Só quem já passou por tal experiência em hospital,sabe o que quero dizer.

A outra vantagem é que as mulheres que aceitam voluntáriamente as regras do patriarca,conseguem se adaptar e conviver harmonicamente.Pois para que tudo siga de maneira perfeita,a aceitação voluntária das mulheres,é primordial.Caso contrário,o patriarca não desposa tal mulher.

Outra vantagem,é a proteção.Todos os membros se protegem mutuamente e não há solidão.Mesmo que o patriarca não esteja em casa por qualquer motivo,os membros de tal família,sempre estarão assistidos,tanto pelas esposas,quanto pelos filhos…se a união gay está legalizada e tolerada,por que a poligamia continua discriminada e marginalizada?Não é justo!Se um gay pode receber pensão por morte do companheiro,por que uma esposa polígama,e vista como criminosa? Se o gay conquistou direitos oficiais de cidadão,um patriarca polígamo também tem o direito de ser visto como um cidadão,inclusive suas esposas e filhos.

É lógico que há que ter regras,como por exemplo:para a formação de novas famílias,o patriarca,teria que ter no mínimo,30 anos de idade e a nova esposa 21.E o governo monitoraria tais famílias,observando se há tratamento desigual por parte do patriarca a alguma família,o que se fosse confirmado,tal patriarca,sofreria as sanções da lei.

Dessa forma,bloquearia a intromissão religiosa na lei.Pois onde a religião se mete,só causa confusão na melhor das hipóteses.Porém tais famílias poderiam ser religiosas,ou não.A religião,ou não das famílias,não importaria,desde que a lei fosse praticada e seguida a risca.

Se o patriarca morresse,tais esposas estariam livres para contraírem novo matrimônio,ou não;fosse matrimônio polígamo,ou monogâmico,sem perder direitos conquistados no matrimônio anterior.

Numa família monogâmica,o sacrifício de uma esposa dar a luz a filhos,como 5,6,7,ou mais…como era antigamente,era letal;e muitas morriam no parto,enquanto que o patriarca,seguia a vida viúvo trabalhando e educando os filhos daquela que morreu.Causando assim,depressão,tristeza e solidão.Quem já viveu essa experiência,sabe o quanto isso é triste e arrazador.E aí,quando o pai,fica doente e morre,os filhos ficam sozinhos e mesmo já estando adultos,não conseguem se refazer psicológicamente da falta dos pais.Não é fácil…é muito difícil soportar.O que numa família polígama,tal sofrimento é muito bem soportado,devido a ausência da solidão e a harmonia com os demais membros e irmãos.

É um tema que precisa ser debatido.Há famílias vivendo de forma polígama no nordeste e não é justo que sejam marginalizadas e não tenham direitos oficiais de cidadania.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A filosofia dos professores multiuso no país

Autor(es): agência o globo:Demétrio Weber e Letícia Lins

O Globo - 13/06/2011

Déficit de profissionais no ensino médio é agravado pela inclusão de novas disciplinas, como sociologia e música

BRASÍLIA e RECIFE. Professora há 22 anos e licenciada em história, a pernambucana Letícia Oliveira de Assunção Nascimento é hoje um dos muitos professores multiuso existentes no país: dá aulas não só de história, mas também de filosofia e sociologia no escola estadual Leonor Porto, em São Lourenço da Mata, a 22 quilômetros de Recife:

- Ensino também em outros colégios, e perco tempo pesquisando e estudando filosofia e sociologia, quando poderia estar planejando melhor minhas aulas de história. A qualidade do ensino cai muito.

Leis aprovadas pelo Congresso acrescentaram quatro disciplinas aos currículos do ensino médio nos últimos anos: filosofia, sociologia, música e espanhol. Mas, se já faltam professores para disciplinas tradicionais como física e química, para as novas o problema é pior ainda.

Sem professores de sociologia e filosofia, secretarias de Educação ouvidas pelo GLOBO informaram que recorrem a docentes de outras áreas, como história e pedagogia. É o que ocorre em estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Há ainda contratações em regime temporário, em estados que não fizeram concursos públicos específicos.

Diretora do MEC admite déficit

A diretora de Currículos e Educação Integral do Ministério da Educação (MEC), Jaqueline Moll, admite que faltam professores para as novas matérias, incluindo música e espanhol. Mas defende a atuação do Congresso, afirmando que há esforço conjunto de União, estados e municípios para reverter o quadro:

- Nada em educação ocorre de um dia para o outro. As leis nascem de uma vontade, uma necessidade e vão fazendo com que a realidade seja construída.

Filosofia e sociologia são obrigatórias e devem ser oferecidas separadamente. Música, também obrigatória, foi incluída como novo componente de artes, dividindo a carga horária com artes plásticas e cênicas. Espanhol só é obrigatório em escolas, que têm de oferecê-lo. A matrícula é opcional.

A lei que torna o ensino de filosofia e sociologia obrigatório foi aprovada em 2008. O Conselho Nacional de Educação orientou que a oferta se iniciasse no 1º ano, em 2009; no 2º, em 2010; e no 3º, em 2011.

Dados do Inep, órgão do MEC, mostram que, com base no censo escolar de 2010, 84% dos alunos frequentavam escolas com filosofia na grade; em 2008, eram 49%. No caso de sociologia, o percentual estava em 80%; e, em 2008, era de 29%. Na rede estadual, o percentual em 2010 era 85% em filosofia e 82,5% em sociologia. Curiosamente, os índices de oferta das duas disciplinas eram menores na rede privada: 78% (filosofia) e 69% (sociologia).

A lei que tornou o ensino de música obrigatório foi aprovada em 2008, com prazo de três anos para implementação, e vale para toda a educação básica. Segundo o Inep, só 59% dos alunos de ensino médio tinham artes no currículo ano passado. Em tese, o percentual de turmas com ensino de música seria menor. O Inep diz também que só 41% das escolas ofereciam espanhol, obrigatório desde 2005.

Em nota, a Secretaria de Mato Grosso do Sul diz que a falta de professores atinge todo o país. A titular da pasta, Maria Nilene Badeca da Costa, é presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Educadores divergem sobre a conveniência de novas disciplinas. Do Conselho Nacional de Educação, onde foi relator das recém-aprovadas Diretrizes Nacionais do Ensino Médio, José Fernandes de Lima critica:

- Uma coisa é o Congresso definir que determinado assunto tem de ser tratado nas escolas. Outra é dizer que temos de criar uma disciplina, o que requer profissional com licenciatura na área. Vai contra a ideia da LDB (Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional), de que as escolas precisam organizar seu projeto.

O presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul, Jaime Teixeira, considerou positiva a inclusão de filosofia e sociologia no currículo. Mas afirma que a falta de professores levou a rede sul-matogrossense a chamar até universitários para lecionar:

- Escola não é só para aprender a ler e escrever. É para aprender a pensar.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Pra pobre analfabeto... tae kwon do!

Autor(es): Gustavo Ioschpe

Veja - 06/06/2011

Em um livro publicado por mim em 2004, idealizei um índice cuja aplicação permite dar notas de zero a 10 às escolas públicas com base em informações sobre o aprendizado dos alunos e suas taxas de aprovação medidas pelo Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. No mês de maio, tive a oportunidade de acompanhar uma equipe do JN no Ar - Blitz da Educação. Em cada cidade, escolhida por sorteio, visitei com a equipe do Jornal Nacional a pior e a melhor escola pública classificadas segundo aquele índice. Passamos por Novo Hamburgo (RS), Vitória (ES), Caucaia (CE), Goiânia (GO) e Belém (PA). Não se pode dizer que essas dez escolas visitadas são uma amostra representativa da educação brasileira, visto que a seleção não foi totalmente aleatória, mas creio que se aproximam bastante do quadro geral do país. As visitas não trouxeram nenhuma grande surpresa para quem é familiarizado com a educação brasileira, mas adicionam uma concretude que às vezes falta nas pesquisas citadas nestas páginas. Por isso, gostaria de compartilhar alguns aprendizados e experiências, resumidos abaixo.



A importância da direção/gestão – Quando falamos em educação, focamos na figura do professor, que é o ator principal do processo e é quem tem contato direto com os alunos. Mas, assim como em qualquer organização humana, por trás dos talentos individuais é preciso haver uma gestão que oriente os esforços e dê um sentido ao todo. Nas escolas, é o diretor. É impressionante como é possível notar grandes diferenças entre as escolas através de pequenas diferenças de discurso dos diretores. Nas escolas ruins, os diretores normalmente não sabiam quantos alunos estudavam lá. Diziam coisas como “uns 700”, “na faixa de 350”. Nas escolas boas, o diretor sabia o número exato e respondia sem titubear. Nas escolas ruins, há uma certa frouxidão sobre aquilo que deve ser ensinado e como. Os diretores, invocando a “democratização” ou o “processo coletivo” da “construção do saber”, deixam os professores à vontade para que definam o que é melhor para seus alunos. Nas escolas boas, há disciplina – sem repressão, apenas ordenamento. Nas ruins, é uma balbúrdia.



Envolvimento dos pais – As escolas boas se esforçam para atrair os pais para dentro da rotina escolar. Na escola de Novo Hamburgo alunos (E.M. Jacob Kroeff Neto), as reuniões com pais eram marcadas para as 7 da noite. Muitos pais faltavam. A diretora ligou para os faltantes para descobrir o porquê da ausência. Ouviu que as reuniões eram feitas muito cedo, não dava tempo de chegar do trabalho. As reuniões então passaram a acontecer uma hora mais tarde. O quórum aumentou. Na escola boa de Goiânia (E.M. Francisco Bibiano de Carvalho), a diretora espera os pais todos os dias, no portão da escola, tanto na entrada quanto na saída dos alunos, e conversa com quem ali estiver. Desde o 1º ano, a família recebe um boletim com notas e comentários extensos ao fim de cada bimestre. Na escola ruim de Belém, ao contrário, há um total descaso para com os pais. As reuniões são marcadas durante a manhã ou à tarde, horários impossíveis para qualquer trabalhador. A direção e os professores comunicam eventuais problemas dos filhos por bilhetes – mesmo sabendo que a maioria dos pais é de semianalfabetos. Cumprem os rituais, mas é só.



Cultura do sucesso versus tolerância ao fracasso – Já dizia Ambrose Bierce que o dicionário é o único lugar em que sucesso vem antes de trabalho. As boas escolas obtêm desempenhos mais altos porque trabalham duro para isso. E o primeiro passo dessa caminhada é ter a expectativa do sucesso, com metas ambiciosas. Os diretores e professores das escolas que funcionam esperam que seus alunos aprendam. Quando o aluno não aprende, eles chamam os pais, criam aulas de reforço, insistem. Chamam para si a responsabilidade. Já as escolas fracassadas aceitam o insucesso como normal – quando não põem a responsabilidade sobre um ente externo, fora do controle da escola. Pode ser “o sistema”, os políticos, os pais, os alunos ou a sociedade. Nunca é com eles. A terceirização da responsabilidade produz indolência. Na escola com Ideb baixo de Goiânia, os alunos estão praticamente analfabetos – no 4° ano! Perguntei se faziam algum trabalho de reforço. “Sim, três horas diárias!”, disse-me orgulhosa a diretora. Pedi para ver a aula. Ela era ministrada em área semicoberta por um tatame e compartilhada pelos alunos com alguns instrumentos musicais. Não havia lousa nem material didático. Perguntei pelo arranjo peculiar e me disseram que metade do tempo de aula era usada para lições de tae kwon do. Devotar metade da aula a atividade esportiva, com alunos analfabetos no 4° ano, é uma confissão de abandono.



Uso do material didático – Nas boas escolas, professor e alunos usam o material didático como apoio, o que dá uma organização ao processo de ensino. Na escola boa de Caucaia (E.M. Celina Sá Morais), usa-se um material de um programa do governo do estado para alfabetizar alunos na idade certa. Professor e alunos são conduzidos por um caminho que dá certo, sem a necessidade de reinventar a roda a cada dia. Nas más escolas, ou o material didático não é usado ou o professor o utiliza para substituir a aula. Na mesma Caucaia, na escola ruim, a atividade dos alunos consistia em ler o livro didático e responder às perguntas do próprio livro. A professora ficava ali olhando. Na escola ruim de Novo Hamburgo, o professor se limitava a entregar jornais aos alunos. A menina sentada ao meu lado ficou olhando as propagandas de clínicas de emagrecimento...



Monitoramento e avaliação – Nas boas escolas, há avaliação constante e formal.



O poder do bom professor – É impressionante a diferença que um professor faz, mesmo nas condições mais precárias. Em Vitória, entrei na turma do 1º ano, de uma professora chamada Alecsandra. Ela escrevia na lousa em ótima caligrafia. Falava baixo e atenciosamente com os alunos. Engajava-os, fazendo perguntas a todos. Com três meses de aula, muitos já estavam demonstrando sólidos sinais de alfabetização. Qualquer professor que culpe “o sistema” deveria passar por uma aula assim para voltar a acreditar em si mesmo.



PS. As escolas públicas do país deveriam ser obrigadas por lei a pôr seu Ideb em placa de 1 metro quadrado ao lado da porta principal, em uma escala gráfica mostrando sua nota de zero a 10. Na placa deveria aparecer também o Ideb médio do município e do estado. A maioria dos pais e professores hoje não sabe se a escola do filho é boa ou ruim, e, se esperarmos que consultem o site do MEC, seremos o país do futuro por mais muitas gerações. Mande um e-mail para seu deputado e exija essa lei.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Madagascar Thomas Kunh

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Só a escola tira da pobreza

06 de junho de 2011 | 0h 00



Carlos Alberto Sardenberg - O Estado de S.Paulo
Não se mede o sucesso de um programa tipo Bolsa-Família pela quantidade de pessoas beneficiadas. É certo que o programa tem o objetivo imediato de aliviar a pobreza corrente e oferecer um mínimo de conforto para as famílias mais necessitadas. Mas isso não retira as pessoas dessa condição. Elas continuam dependendo do dinheiro do governo. Nesse caso, trata-se de assistência social, não de um programa de redução e eliminação da pobreza. Como esse objetivo poderia ser atendido?

A medida essencial está no progresso escolar das crianças atendidas. A ideia básica para esses programas, desenvolvida no âmbito do Banco Mundial, partiu do seguinte ponto: as famílias mais pobres transmitem a pobreza a seus filhos porque não têm recursos para mandá-los para a escola ou porque precisam do rendimento do trabalho dessas crianças. Sem educação formal, estas não encontram bons empregos e, assim, não têm como escapar da pobreza.

Daí o nome técnico do programa - Transferência de Renda com Condicionalidades (Conditional Cash Transfer) - e sua regra básica: a mãe recebe uma renda mínima e mais dinheiro conforme o número de crianças na escola. Trata-se de cobrir aquilo que o menino ou a menina poderiam ganhar trabalhando.
A ideia de entregar o dinheiro partiu da constatação do fracasso de programas antigos, como a distribuição da cesta básica. Em todos os países os problemas se repetiam: corrupção na compra pelo governo, erros na composição da cesta, perdas na distribuição. Auditorias mostravam que, a cada R$ 1 alocado para o programa, menos da metade chegava na casa das famílias pobres.

Que tal dar o dinheiro à família? Muitos tecnocratas diziam que isso daria errado, pois as pessoas gastariam tudo com bobagens ou, pior, com bebida, cigarro e jogo. Um equívoco. A prática provou que as famílias sabem cuidar de si, especialmente quando o dinheiro é entregue para a mãe, como é o caso dos atuais programas.

A segunda ideia boa foi exigir uma condição. A bolsa está condicionada basicamente à presença da criança na escola e, mais que isso, ao seu progresso na educação (frequentar aulas, passar de ano, etc.).
No México Oportunidades, o primeiro programa de âmbito nacional na América Latina, iniciado em 1997 e hoje considerado o mais bem implementado, a bolsa paga por criança aumenta na medida em que esta progride na vida escolar. Vai de US$ 10 (mensais), para alunos do ensino primário, a US$ 58, para os rapazes no 3.º ano do ensino superior, com até 22 anos.

As meninas recebem bolsa maior (US$ 66 no ensino universitário) porque são retiradas da escola com mais frequência, para ajudar na casa e no cuidado com os irmãos. Além disso, o México Oportunidades ainda paga uma caderneta de poupança para alunos do ensino médio. Concluindo o curso, eles podem usar o dinheiro para iniciar um negócio ou financiar os estudos universitários.

No Brasil, o Bolsa-Família atende crianças de até 15 anos. Eis, pois, um caminho para aperfeiçoar o programa brasileiro, sobretudo porque há um problema grave de evasão escolar e atraso no ensino médio. Outro ponto que se poderia copiar do México: o programa é auditado por uma instituição independente.

Resumo da ópera: o programa pode atender 1/4 da população, como ocorre no Brasil e no México, mas fracassará se as crianças não estiverem avançando na escola. Vai daí que a melhora do ensino público é uma condição essencial.

É preciso prestar atenção no foco, porque há sempre uma visão político-clientelista, dinheiro em troca de votos, como, aliás, denunciava Lula em suas campanhas eleitorais antes de ganhar. Ele atacava a distribuição de cesta básica e tíquete de leite, definida como prática eleitoral para ganhar o povo pela barriga. Dizia mais o candidato Lula: "Eles (dirigentes) tratam o povo mais pobre da mesma maneira que Cabral tratou os índios, distribuindo bijuterias e espelhos para ganhar os índios. Hoje, eles (da elite) distribuem alimentos... Tem como lógica manter a política de dominação".

Isso vale para o Bolsa-Família, se o programa for apenas, ou principalmente, de distribuição de dinheiro aos pobres. Há até um argumento econômico a favor dessa distribuição: os beneficiados gastam o dinheiro e movimentam o consumo, de modo que, quanto mais dinheiro dado, melhor. Os pobres continuam pobres, mas gastando o dinheirinho recebido das mãos dos políticos no governo e... votando neles. O que muda tudo é o foco na educação, o efetivo progresso escolar das crianças.

Paternidades. O programa Transferência de Renda com Condicionalidades, desenvolvido no Banco Mundial, foi testado no início dos anos 90 em Honduras.

No Brasil, a primeira experiência nasceu em Campinas, em 1994, numa iniciativa do prefeito José Roberto Magalhães. Era um Bolsa-Escola. Um ano depois, o então governador Cristovam Buarque introduziu o programa em Brasília.

Buarque batalha a ideia desde os anos 80. Colaborou com pesquisadores do Banco Mundial e a Unicef, que estiveram em Brasília, e ajudou o prefeito Magalhães.

O primeiro programa nacional em larga escala começou no México, em 1997. O Brasil foi o terceiro país, com o Bolsa-Escola de 2001, governo FHC, numa iniciativa do Comunidade Solidária, de Ruth Cardoso, que participara dos estudos no Banco Mundial. Em 2002, o Bolsa-Escola e outros programas semelhantes atendiam mais de 4 milhões de famílias.

No início de 2004, depois do fracasso do Fome Zero, o presidente Lula criou o Bolsa-Família, juntando todos aqueles programas. E ampliou o número de famílias beneficiadas para 12,5 milhões.

O risco, hoje, é afrouxar o controle da vida escolar das crianças, tolerar as faltas à escola e acabar levando o programa mais para a distribuição de dinheiro do que o apoio à educação. Ao anunciar a ampliação do Bolsa-Família na semana passada, a presidente Dilma pouco falou da escola.

JORNALISTA


domingo, 5 de junho de 2011

Ciranda da Bailarina


Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho*
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Procurando bem
Todo mundo tem...

A educação e o lucro das estatais

O Estado de S. Paulo - 05/06/2011
Em busca de novas fontes de recursos para o setor educacional, os 27 deputados da comissão especial responsável pelo projeto do novo Plano Nacional de Educação (PNE) começarão a discutir, nos próximos dias, uma emenda que destina 5% do lucro líquido das empresas vinculadas à União para investimentos em transporte escolar, instalação de laboratórios de informática, laboratórios de ciências, construção de bibliotecas e compra de livros. Segundo os levantamentos mais atualizados do Ministério do Planejamento, em 2009 as mais de cem empresas estatais sob controle da União tiveram um lucro líquido consolidado de R$ 56,115 bilhões.

A proposta foi apresentada na última terça-feira pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação - entidade que reúne cerca de 200 movimentos sociais, organizações não governamentais, fundações e grupos universitários - e foi bem recebida pelos membros da comissão. Segundo eles, como o crescimento dos gastos com educação deixou os municípios e os Estados sem recursos para investir em outras áreas, agora seria a hora de obrigar a União a financiar a infraestrutura da rede escolar pública, principalmente nas regiões mais pobres, onde os indicadores educacionais são muito ruins e o gasto anual por aluno é baixo, em comparação com as regiões mais ricas.

Uma das metas do Plano Nacional de Educação é elevar progressivamente os investimentos públicos em educação a até 7% do Produto Interno Bruto, até 2020.

Hoje, o gasto corresponde a 5%. As entidades do setor reivindicam 10% - pretensão que os Ministérios da Fazenda e do Planejamento consideram irrealista. Para a equipe econômica do governo, 7% do PIB já seriam suficientes para modernizar o sistema educacional e os recursos viriam com o aumento da arrecadação da União - tese contestada pelas ONGs da área educacional e pela maioria dos deputados que integram a comissão especial que examina o Plano Nacional de Educação.

Segundo essas entidades e esses parlamentares, a proposta que destina para a educação 5% do lucro líquido das estatais federais colocaria a União, os Estados e os municípios numa "posição de equidade", em termos de financiamento educacional - além de atribuir novas "responsabilidades estratégicas" para a administração indireta. As entidades também afirmam que, se uma parte do lucro das empresas públicas controladas pela União já é destinada para compor o superávit primário, nada impediria que outra parte fosse repassada ao ensino público.

Essa pretensão, contudo, esbarra em dois graves obstáculos. O primeiro é de natureza jurídica. Como as estatais já pagam Imposto de Renda e recolhem a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a obrigatoriedade de repassar 5% do lucro líquido para a educação configuraria mais uma tributação com base num mesmo fato gerador - o que é expressamente proibido pela Constituição.

Além disso, muitas empresas vinculadas à União são sociedades de economia mista e várias têm capital aberto. Têm, portanto, suas decisões submetidas à apreciação de conselhos de acionistas, precisam destinar parte do lucro para compor reserva patrimonial, são obrigadas a distribuir dividendos e têm de se adequar às exigências da Lei das Sociedades Anônimas. Outras estatais, contudo, têm seu capital integralmente controlado pelo poder público. Dada essa multiplicidade de formatos jurídicos nas empresas vinculadas à União, a imposição a todas elas do repasse de 5% do lucro líquido para o setor educacional acabaria sendo questionada judicialmente.

O segundo obstáculo a essa proposta é de natureza política. Nos últimos anos, ficou evidente que os problemas da educação pública não decorrem da escassez de recursos, mas, acima de tudo, da maneira como os recursos disponíveis são gastos.

As últimas trapalhadas do MEC - as confusões com o Enem, o controvertido kit anti-homofobia e a aquisição de livros didáticos que enfatizam a pedagogia da ignorância, admitindo que "é certo falar errado" - são prova disso.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Duerme Negrito


Duerme, duerme, negrito
Que tu mama está en el campo, negrito
Duerme, duerme, mobila
Que tu mama está en el campo, mobila
Te va traer codornices
Para ti.
Te va a traer rica fruta
Para ti
Te va a traer carne de cerdo
Para ti.
Te va a traer muchas cosas
Para ti.
Y si el negro no se duerme
Viene el diablo blanco
Y zas le come la patita
Chacapumba, chacapumba, apumba, chacapumba.
Duerme, duerme, negrito
Que tu mama está en el campo,
Negrito
Trabajando
Trabajando duramente, (Trabajando sí)
Trabajando e va de luto, (Trabajando sí)
Trabajando e no le pagan, (Trabajando sí)
Trabajando e va tosiendo, (Trabajando sí)

Para el negrito, chiquitito
Para el negrito si
Trabajando sí, Trabajando sí

Duerme, duerme, negrito
Que tu mama está en el campo
Negrito, negrito, negrito.