sexta-feira, 31 de agosto de 2012

"Só punindo os torturadores a tortura acaba"

Autor(es): Ângela Mendes de Almeida
Isto é - 27/08/2012



Ex-mulher do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto pela ditadura em 1971, a cientista social comemora as primeiras decisões judiciais contra o major Ustra, e diz que esse tipo de violência ainda existe no Brasil

por Rachel Costa

Julgar e condenar os agentes do Estado como responsáveis pela violência cometida durante a ditadura militar é um objetivo antigo de sobreviventes e familiares de vítimas do regime. Por décadas, porém, esse foi um sonho distante. A realidade, agora, parece mudar após duas decisões recentes da Justiça relativas ao major Brilhante Ustra, oficial que esteve à frente do Destacamento de Operações de Informações, o DOI-Codi, da ditadura, entre 1970 e 1974, e que se tornou conhecido pela frieza e crueldade com que comandava sessões de tortura. Em caso inédito no Brasil, o oficial foi condenado em primeira instância a indenizar os familiares do jornalista Luiz Eduardo Merlino por sua morte em 1971. Também foi mantida, em segunda instância, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a condenação do major pela tortura da família Teles, ocorrida em 1972. À frente da ação sobre o caso Merlino está sua ex-companheira e ex-militante do Partido Operário Comunista (POC), a cientista social Ângela Mendes de Almeida, 74 anos. A indenização é estimada em R$ 100 mil. "Não queremos esse dinheiro. Queremos que outros torturadores vejam que podem vir a pagar pelos crimes que cometeram", afirma.

Istoé -Recentemente, em duas ações diferentes, a Justiça responsabilizou o major Ustra por abusos cometidos durante a ditadura. Por que é importante que haja a responsabilização pessoal e não do Estado?

Ângela Mendes de Almeida - Na maior parte dos casos, a opção por mover ações tendo como réu o Estado ocorreu porque não se conhecia o nome dos torturadores. Poucos estão identificados e um desses poucos é o coronel Brilhante Ustra, que era o comandante do DOI-Codi à época e não escondia isso de ninguém.

Istoé -Na ação de vocês, pela primeira vez um agente da ditadura é condenado a indenizar familiares de mortos pelo regime. Como foi a decisão de entrar com o processo?

Ângela Mendes de Almeida - Para nós, era terrível não poder fazer nada. Parecia que já se havia explicado a morte dele e não mais se falaria sobre isso. Decidimos entrar com a ação em 2007, tomando como exemplo o processo da família Teles, também contra o Ustra, e que foi agora referendado pelo TJ-SP. No caso deles, o casal, a cunhada e as crianças foram sequestrados, levados para o DOI-Codi e barbaramente torturados, em 1972, um ano após a morte do Merlino. Tentamos fazer o mesmo, mover uma ação declaratória (na qual seria declarada a responsabilidade dele, porém não haveria indenização), mas, diferentemente da família Teles, não deu certo conosco.

Istoé -Por que não deu certo com vocês?

Ângela Mendes de Almeida - Em 2008, os advogados do coronel Ustra propuseram ao Tribunal de Justiça um embargo à ação, alegando que o coronel estava coberto pela Lei da Anistia e que eu não tinha direito de entrar com o processo, pois não era formalmente casada com o Merlino. Esse embargo foi julgado e decidiu-se pela extinção do processo.

Istoé -Foi a partir daí que vocês decidiram pela ação indenizatória?

Ângela Mendes de Almeida - Sim. Nesse julgamento, os desembargadores sugeriram, não formalmente, que seria o caso de uma ação por danos morais. Sempre vacilamos em mover uma ação desse tipo porque não temos interesse no dinheiro. Mas não tínhamos alternativa. No Brasil, há uma interpretação da Lei da Anistia – e digo interpretação porque isso não aparece na própria lei – que impede que se movam processos criminais contra os torturadores. Por isso os processos que temos, como nos casos do Vladmir Herzog e do Manoel Fiel Filho, são processos na área cível, não na área criminal. Ganhamos a ação em primeira instância. O coronel, porém, recorreu e agora aguardamos o julgamento em segunda instância, sem data marcada.

Istoé -A decisão do TJ-SP sobre a família Teles dá mais segurança de que a condenação de Ustra no caso Merlino também será mantida?

Ângela Mendes de Almeida - No Poder Judiciário não existe 100% de certeza, mas a condenação em segunda instância no caso da família Teles é, certamente, um passo importante para o nosso processo.

Istoé -O advogado do coronel alegou, no caso Teles, que o correto seria a situação ser avaliada pela Comissão da Verdade. Qual a opinião da sra. sobre essa estratégia?

Ângela Mendes de Almeida - Isso é uma bobagem que não tem tamanho. Se a Comissão da Verdade investigar os casos em que o Ustra foi um ator preponderante, isso só vai piorar a situação dele. É uma coisa sem nexo. Não é o Ustra quem vai se valer dos resultados da comissão.

Istoé -Só a ação cível é pouco?

Ângela Mendes de Almeida - Sim. Nós gostaríamos que esses torturadores fossem identificados e julgados pelos crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos. Ninguém está pedindo para torturar os torturadores. Nós queremos que os casos sejam investigados e sejam aplicadas a eles as leis que se aplicam a todas as pessoas que cometem esses crimes.

Istoé -A sra. conhece outras famílias que estão tentando mover ações contra torturadores do regime militar?

Ângela Mendes de Almeida - Famílias, se existem, a gente não conhece, mas há algumas iniciativas do Ministério Público.

Istoé -Como a família soube da morte de Merlino?

Ângela Mendes de Almeida - Tudo indicava que ele seria mais um desaparecido do regime militar. No atestado de óbito, diz-se que ele havia sido levado para uma reconstituição de cena no Rio Grande do Sul, fugido e se suicidado sob um caminhão na BR-116, na altura de Jacupiranga (SP). A família não foi avisada de nada. Por sorte, o Adalberto, marido da Regina, irmã do Merlino, era delegado de polícia e recebeu um telefonema avisando sobre a morte. A família, que vivia em Santos, veio então a São Paulo e foi ao Instituto Médico Legal. Lá, o diretor disse que não havia nenhum corpo com esse nome. Por ser delegado, o Adalberto conseguiu entrar pelos fundos e foi abrindo porta por porta das geladeiras até que em uma delas ele encontrou o cadáver com sinais evidentes de tortura. Só então o corpo foi entregue à família, em um caixão lacrado. Adalberto foi o único familiar a ver o Merlino morto.

Istoé -Como vocês descobriram o que de fato ocorreu?

Ângela Mendes de Almeida - A partir da audição de sete testemunhas foi possível reconstituir diversos momentos que fechavam uma história sobre o que ocorreu. Merlino foi preso no dia 15 de julho de 1971 e, segundo as testemunhas, torturado no pau de arara, tendo, em seguida, recebido choques elétricos por quase 24 horas. A partir daí ele foi jogado em uma solitária e depois retirado, pois estava com as pernas gangrenando. No testemunho do Otacílio Cecchini, outro militante do POC, ele diz que estava em uma sala com o major Ustra quando o militar recebeu um telefonema do hospital. Na conversa, perguntavam ao comandante se era para consultar a família do preso porque, para salvá-lo, seria preciso amputar suas duas pernas. E o major Ustra respondeu para não avisar a família, ou seja, ele decidiu pela morte do Merlino.

Istoé -A sra. encontrou o major Ustra durante o julgamento?

Ângela Mendes de Almeida - Não, nunca o encontrei pessoalmente. O réu não é obrigado a comparecer e ele não compareceu.

Istoé -A sra. sabe quem entregou o nome de Merlino aos militares?

Ângela Mendes de Almeida - Sei, mas eu procurei esquecer, porque tenho certeza de que a pessoa falou isso também sob tortura. Era um militante sem nenhuma importância dentro do POC e que, por um acaso, sabia o nome do Merlino.

Istoé -A morte dele foi uma surpresa?

Ângela Mendes de Almeida - Sim. Ele havia trabalhado na "Folha da Tarde", não estava na clandestinidade e muita gente que o conhecia nem imaginava que ele militava. Também havia o fato de que o POC não era uma organização visada, pois não fazíamos ações armadas mais ostensivas. Foi uma surpresa para todos.

Istoé -A sra. considera que a atuação da presidenta Dilma Rousseff na elucidação dos crimes cometidos na ditadura tem sido satisfatória?

Ângela Mendes de Almeida - Não. Ela está muito aquém do que deveria. Houve um pequeno avanço quando ela proibiu os quartéis de comemorar a data do golpe militar, porém ela poderia ter feito mais. E, de uma forma particular, acho que ela não tem demonstrado nenhuma sensibilidade com a tortura que acontece nos dias de hoje. A ONU tem incentivado um protocolo que permitirá a grupos de pessoas entrar em locais onde há tortura, sem pré-aviso, para poder detectar e dificultar a tortura. A Dilma deveria ser a primeira a abraçar essa proposta, mas tem feito justamente o contrário e dificultado o trâmite.

Istoé -A Comissão da Verdade, do modo como funciona, é um avanço?

Ângela Mendes de Almeida - Tenho bastante preocupação com a comissão. Quando ela foi formada, analisaram-se as emendas do DEM e do PSDB, mas não se deu nenhuma atenção às propostas dos familiares de mortos e desaparecidos.

Istoé -Que propostas são essas?

Ângela Mendes de Almeida - Um exemplo é o período definido para a atuação da comissão, de 1946 a 1988. Ninguém entende por que essa definição. Esse período é um absurdo. Por que 1946? Deveríamos então retornar até 1937, que é o período da ditadura varguista. Ou, ainda mais sensato, estabelecer que as investigações fossem a partir de 1964. Só que o Exército não queria essa menção direta ao golpe militar, pois eles queriam que a Comissão da Verdade estudasse os crimes da ditadura e os crimes da esquerda. Só que os crimes da esquerda não foram cometidos por agentes do Estado.

Istoé -Por que fazer a diferenciação entre os crimes dos militares e os da esquerda?

Ângela Mendes de Almeida - As pessoas têm de pôr na cabeça que crime de lesa-humanidade é aquele cometido por agentes do Estado. Vamos abandonar a questão de que morreram pessoas dos dois lados, tanto militares quanto militantes de esquerda. Não é essa a questão. A questão são os crimes cometidos em nome do Estado.

Istoé -Por que julgar os torturadores é importante?

Ângela Mendes de Almeida - Além de fazer justiça a nós, familiares, a punição dos torturadores serve para a sociedade entender que a tortura é um crime. Ainda torturamos, só que hoje quem pratica essa violência é a polícia e o foco não são mais os militantes políticos, mas, sobretudo, os pobres. Só punindo os torturadores a tortura acaba.

Istoé -O Brasil é um país tolerante à tortura?

Ângela Mendes de Almeida - Sim, e não vem só da ditadura, vem da escravidão. Os castigos públicos estão inseridos na mentalidade brasileira. A sociedade precisa entender que os policiais são funcionários públicos e não têm o direito de torturar e matar, mesmo que estejam diante de criminosos. A ditadura acabou, mas o terrorismo de Estado não, porque a polícia continua torturando e matando.

domingo, 19 de agosto de 2012

Ditadura: Nova versão para morte de Anísio Teixeira é investigada

Anísio Teixeira, morte sob suspeita
Autor(es): » RENATO ALVES » GIZELLA RODRIGUES
Correio Braziliense - 18/08/2012

Professor baiano diz que o ex-reitor da Universidade de Brasília teria sido sequestrado, torturado e morto por agentes da repressão em 1971 — e não caído acidentalmente em um poço de elevador, no Rio, segundo a versão oficial. O caso será investigado pela Comissão da Verdade da UnB.

Comissão de Memória e Verdade da UnB investiga nova versão sobre o fim da vida do ex-reitor da instituição. Segundo depoimento, ele teria sido sequestrado e torturado por agentes da repressão antes de ser morto

Anísio Teixeira morreu a pancadas, após ser sequestrado, levado para uma unidade da Aeronáutica e torturado por agentes da ditadura, em 1971. A nova versão para a morte do ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) é investigada pela Comissão de Memória e Verdade, criada pela instituição de ensino superior. Na história oficial, contada pelos militares, ele perdeu a vida após cair acidentalmente no poço do elevador de serviço do prédio onde morava o amigo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

A recente explicação foi apresentada à comissão da UnB pelo professor João Augusto de Lima Rocha, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Biógrafo de Anísio Teixeira, ele disse saber do assassinato por meio de duas fontes. Uma é o ex-governador baiano Luís Viana Filho (1967-1971), acionado pelos familiares de Teixeira após ele desaparecer, em 11 de março de 1971. "A família do ex-reitor entrou em contato com o então governador da Bahia pedindo ajuda para encontrá-lo. Viana Filho foi informado por agentes do Rio de Janeiro que o educador estava detido na Aeronáutica", contou Lima Rocha.

Essa detenção nunca havia sido revelada pelos militares, pelo ex-governador nem pelo professor, apesar de Viana Filho e Lima Rocha terem publicado biografias de Anísio Teixeira. Outra fonte do professor é o também docente e crítico literário Afrânio Coutinho. "Em uma entrevista para o livro (a biografia de Teixeira), ele me contou ter presenciado a necropsia do corpo do ex-reitor. Disse ter visto quase todos os ossos quebrados, o que indica a tortura", lembrou Lima Rocha. Teixeira ainda teve traumatismo na cabeça e no ombro, devido a pancadas com objeto de forma cilíndrica, possivelmente feito de madeira, de acordo com o apurado por seu biógrafo.

A família do ex-reitor da Universidade de Brasília admite a versão contada pelo professor Lima Rocha, que a apresentou à Comissão de Memória e Verdade da universidade na semana passada. Anísio Teixeira morreu em 13 de março de 1971. Oficialmente, o educador teria sofrido uma queda acidental no fosse do elevador no momento em que subia ao apartamento do amigo Aurélio Buarque de Holanda.

"Subversão"

A Comissão da Verdade da UnB reúne documentos para apurar a morte de Anísio Teixeira, como o relato de Afrânio Coutinho, registrado nos arquivos da Academia Brasileira de Letras. "Por lei, só poderíamos ter acesso a esse documento em 2021, mas, com as prerrogativas da comissão, vamos tentar uma cópia dele o mais rápido possível", explicou o professor José Otávio Nogueira Guimarães, do Departamento de História da UnB e integrante do grupo.

Quando desapareceu, Anísio Teixeira estaria com documentos do Partido Comunista, do qual o filho fazia parte. "Isso foi relatado pelo filho dele (do Anísio). Ele contou ainda que o pai vinha sendo ameaçado de morte", disse Lima Rocha. "Os depoimentos revelados até agora confirmam que a hipótese de ele (o ex-reitor) ter sido morto pelos ditadores é plausível", afirmou Guimarães.

A UnB formou a própria Comissão da Verdade após série de reportagens do Correio, publicada em abril. Elas mostraram como os militares atuaram na instituição de ensino superior. Entre outras revelações, o jornal comprovou que o governo continuou a espionar a comunidade universitária durante a democracia. Mostrou ainda que, para os agentes da repressão, os primeiros reitores da UnB nomeados pelos militares não tinham pulso firme para conter as ações contra a ditadura no câmpus. Mais de uma vez, os espiões pediram a troca de comando na instituição e foram atendidos.

Então diretor da Faculdade de Medicina Ribeirão Preto (SP) e ex-secretário de Saúde do estado de São Paulo, o médico Zeferino Vaz foi o primeiro reitor da UnB nomeado pelo governo. Ele tomou posse em 13 de abril de 1964, após o regime extinguir o mandato de Anísio Teixeira. Para justificar tal mudança, os militares se basearam em relatórios do SNI.

Entre outras observações e conclusões, os arapongas afirmam que, na gestão de Teixeira, "chegou-se a preparar, no próprio câmpus, a mobilização da luta armada. A população foi conclamada a estruturar-se numa frente estudantil-operária-camponesa". Diante desse quadro, em 9 de abril de 1964, nove dias após o golpe militar, tropas do Exército e da PM de Minas invadiram a UnB sob a alegação de investigar denúncias de "subversão e indisciplina".

Perfil

Pioneiro na educação Como educador, o baiano Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) viajou à Europa e aos Estados Unidos para observar os sistemas escolares. No Brasil, defendeu o conceito de escola única, pública e gratuita como forma de garantir a democracia. Foi o primeiro a tratar a educação com base filosófica. Instituiu na Bahia, em 1950, a primeira escola parque, que procurava oferecer à criança uma escola integral. Fundou a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) da UnB.

Repressão na academia

Com o golpe instaurado em 1964, os militares aterrorizaram a UnB

9 de abril de 1964
Nove dias após o golpe militar, tropas do Exército e da PM de Minas Gerais invadem a UnB sob a alegação de investigar denúncias de "subversão e indisciplina". Prendem 12 professores para interrogatório. No mesmo mês, a ditadura extingue o mandato do reitor, Anísio Teixeira. No lugar dele, é nomeado o médico Zeferino Vaz.

8 de setembro de 1965
Professores entram em greve por 24h em resposta à demissão dos colegas Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas, afastados por "conveniência da administração". Dias depois, os alunos aderem ao movimento. O reitor, Laerte Ramos de Carvalho, pede o envio de tropas ao câmpus.

11 outubro de 1965
As tropas chegam durante a madrugada e cercam as entradas do câmpus. Alunos e professores são impedidos de ter acesso aos prédios. Os soldados também proíbem qualquer agrupamento de pessoas.

18 de outubro de 1965
Pedem demissão 223 dos 305 professores da UnB, após a publicação de lista de desligamento de 15 colegas. Zeferino Vaz renuncia e o professor de filosofia Laerte Ramos de Carvalho assume a reitoria.

28 de março de 1968
Comandados por Honestino Guimarães, cerca de 3 mil alunos da UnB protestam contra a morte do estudante secundarista Edson Luis, morto por PMs no Rio de Janeiro. Sete universitários acabam detidos, entre eles, Honestino (foto), que seria dado como desaparecido após ser preso por militares da Marinha, no Rio, em 1973.

29 de agosto de 1968
A UnB é invadida pelas polícias Militar, Civil, Política (DOPS) e do Exército. O estudante Waldemar Alves é baleado na cabeça e passa meses em estado grave no hospital.

25 de maio de 1976
Doutor em física e oficial da Marinha, José Carlos de Almeida Azevedo assume a reitoria. Recomeçam as manifestações. Alunos protestam contra a má qualidade do ensino, a ociosidade e a falta de professores.

1977
A UnB sofre três invasões militares no ano. Em 31 de maio, estudantes decidem entrar em greve por tempo indeterminado. O reitor, José Azevedo, chama a PM para intimidar os universitários. A reitoria pune 64 estudantes com expulsão ou suspensão de prazos diversos.

1984 e 1985
Em maio de 1984, a comunidade universitária elege o professor Cristovam Buarque para reitor. Mas ele toma posse apenas em 26 de julho de 1985. Nesse período, os militares tentaram empossar no cargo um nome escolhido pelo presidente João Figueiredo, o último ditador no poder. Professores resistiram e criou-se o impasse por meses.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Religião e história nutrem conflito sírio

Autor(es): Por Bill Spindle e Sam Dagher | The Wall Street Journal
Valor Econômico - 14/08/2012

Muçulmanos sírios e libaneses fazem oração, enquanto um líder salafita prega a favor do Exército Livre da Síria, um dos principais grupos rebeldes a combater o regime do presidente Bashar al Assad

Perto da cidade síria de Aleppo, a Igreja de São Simeão Estilita comemora o asceta do século V que se tornou uma celebridade antiga ao viver no topo de uma coluna por décadas para demonstrar sua fé. O Krak dos Cavaleiros, castelo imponente nas proximidades de Homs, foi uma fortaleza da ordem dos Cavaleiros Hospitalários em sua missão de defender um reino das Cruzadas. Seydnaya, um imponente mosteiro na cidade de mesmo nome, foi provavelmente construído no tempo de Justiniano.

Uma freira desse mosteiro falou recentemente sobre a atual crise da Síria em uma alcova à luz de velas, cercada por ícones votivos de mil anos, doados por fiéis russos ortodoxos, e pingentes de prata com formas de partes do corpo que os suplicantes procuravam curar: pés, cabeças, pernas, braços e até um par de pulmões e um rim.

"Não é algo de pequenas dimensões o que estamos enfrentando", disse ela, se referindo tanto à situação do país quanto de sua religião. "Nós simplesmente desejamos que a matança cesse."

Poucos lugares são tão centrais como a Síria na longa história do cristianismo. Saulo de Tarso fez sua conversão aqui, supostamente na Rua Chamada Direita, que ainda existente em Damasco. Foi nessas terras que ele praticou suas primeiras missões com a meta de atrair não judeus para a nascente fé.

Um século atrás, o Levante tinha uma população possivelmente 20% cristã. Agora, está mais próxima de 5%. A Síria hoje hospeda comunidades vibrantes, embora minguantes, de diversas antigas seitas: sírios ortodoxos, sírios católicos, gregos ortodoxos, gregos católicos e armênios ortodoxos.

Mas as comunidades cristãs na Síria estão sendo severamente testadas pela revolta que angustia o país há mais de um ano. Elas relembram o ano de 636, quando o imperador bizantino cristão Heráclio viu seu exército ser derrotado pelas forças muçulmanas ao sul da atual Damasco. "A paz esteja contigo, Síria. Que bela terra serás para os nossos inimigos", lamentou o imperador, antes de fugir para a Antioquia. No Século VIII, uma famosa igreja em Damasco foi demolida para dar lugar a uma mesquita omíada, hoje um dos lugares mais sagrados do Islã.

Não poucos cristãos na moderna Síria temem que a atual crise possa terminar da mesma maneira, para eles, se Bashar al Assad e seu regime forem derrotados pela insurgência rebelde.

Conflito torna-se cada vez mais sectário e oprime algumas das mais antigas comunidades cristãs na Terra

Sob muitos aspectos, é uma preocupação estranha. Cristãos e muçulmanos viveram lado a lado com um mínimo de atrito durante as décadas em que a família Assad esteve no poder. Historicamente, comunidades cristãs locais por vezes acolheram até mesmo senhores muçulmanos, quando os libertaram da mão pesada de Constantinopla ou de Roma. Em muitos lugares, os dois grupos continuam, ainda hoje, a estender as mãos uns aos outros. Até mesmo extremistas rebeldes dizem também nada ter contra os cristãos.

Mas, à medida que o conflito no país assume contornos sectários cada vez mais acentuados, pois a maioria dos cristãos se posiciona a favor do regime ou pelo menos não se opõe ativamente a ele, algumas das mais antigas comunidades cristãs da Terra estão se sentindo oprimidas.

"Levamos uma vida que tem sido inveja de muitos", diz Isadore Battikha, que até 2010 foi arcebispo de Homs, Hama e Yabroud para a Igreja Católica greco-melquita. "Mas, hoje, o medo é uma realidade."

O padre Battikha é um dos muitos apoiadores ferrenhos do presidente Assad.

Desde o início do atual conflito, história e religião têm desempenhado um papel fundamental no fomento das paixões em ambos os campos na Síria. E isso tornou-se mais pronunciado à medida que o conflito foi se arrastando, tornando-se mais sangrento e perverso.

Uma das afirmações frequentemente repetidas feitas pelo regime sírio explora com eficácia antigas rivalidades. O conflito, alega-se, é uma tentativa de neo-otomanos na Turquia e ultraconservadores muçulmanos de ambições expansionistas na Arábia Saudita, conhecidos como wahhabitas, de conquistar terreno na Síria.

Essa narrativa, segundo a qual uma maioria de muçulmanos sunitas domina e reprime as minorias, é agora matéria de noticiários noite após noite na televisão estatal síria. O regime sabe que essa mensagem repercute bem entre os cristãos e outras minorias.

Os otomanos, turcos que governaram a Síria de 1516 até a Primeira Guerra Mundial, relegaram os cristãos a um status de cidadãos de segunda classe. Eles foram autorizados a praticar sua religião e a governarem-se em assuntos que não diziam respeito aos muçulmanos. Mas também foram obrigados a pagar impostos especiais e havia muitas restrições a eles no que dizia respeito a interações com os muçulmanos. O wahhabismo, a forma ascética e fortemente conservadora do islamismo praticado na Arábia Saudita, é ainda mais duro em relação aos cristãos.

Os rebeldes facilitaram, para o regime, a manipulação desse tipo de temor. Num esforço para inspirar seus próprios combatentes e obter favores e apoio de estrangeiros, principalmente da Arábia Saudita e do Catar, o único outro país onde o wahhabismo é a religião estatal, alguns caracterizam o conflito como uma luta para restaurar as glórias dos califados islâmicos e resgatar a Síria do domínio dos infiéis.

Isso transparece claramente nos nomes adotados para identificar as brigadas do Exército Livre da Síria - a frouxa articulação de milícias locais e desertores do Exército. Muitas das milícias receberam seus nomes em homenagem a figuras reverenciadas por muçulmanos sunitas como o terceiro califa Umar ibn al -Khattab, cujo título principal era al Farouq, que significa "aquele que distingue verdade de falsidade", e o guerreiro islâmico e comandante militar Khalid ibn al Walid.

Foi Ibn al Walid, combatendo pelo califa Umar, quem derrotou o imperador Heráclio em 636, durante a primeira onda da conquista muçulmana proveniente da Península Arábica nos anos que se seguiram à morte do profeta Maomé.

O principal alvo dos rebeldes de inclinação mais sectária não são os cristãos. São os alauitas, grupo minoritário ao qual pertence a família Assad. Os alauitas, que compõem cerca de 12% da população da Síria, praticamente o mesmo percentual dos cristãos, são uma seita heterodoxa que ramificou-se do Islã. São considerados heréticos por extremistas muçulmanos, muito piores do que os cristãos.

O regime sírio frequentemente explora com eficácia antigas rivalidades religiosas

Apesar disso, muitos cristãos temem que um governo que venha a substituir o regime de Assad possa ser dominado por grupos como a Irmandade Muçulmana, que poderiam devolvê-los à condição de cidadãos de segunda classe. Eles também temem que suas comunidades possam ser devastadas pelo fogo cruzado entre a insurgência predominantemente muçulmana sunita síria e o bem armado regime alauita, da mesma maneira que os cristãos no vizinho Iraque muito sofreram durante as guerras sectárias lá nos últimos dez anos.

A expansão do conflito a Damasco e Aleppo, as duas maiores cidades sírias, amplificou os temores dos cristãos. Eles estão sob pressão tanto do regime como dos rebeldes para que tomem partido e declarem suas alianças. Aqueles que querem evitar tomar partido estão deixando o país.

Por ora, muitos refugiados - tanto cristãos como muçulmanos e outros - mudaram-se para áreas onde se sentem mais seguros na Síria ou no vizinho Líbano. Até agora, não emergiu o padrão visto no Iraque, onde muitos cristãos emigraram definitivamente para países ocidentais.

Os exemplos mais claros de adesão de cristãos ao regime ocorreram em Homs. Na cidade de Qusayr, a sudoeste de Homs, uma família cristã ajudou as forças de segurança pegando em armas e operando postos de controle. O resultado foi uma reação contra todos os cristãos, e a cidade ficou praticamente esvaziada de cristãos a partir de então.

Em Wadi al Nasara - o Vale dos Cristãos, outro enclave em meio a cerca de 30 aldeias a oeste da cidade de Homs -, uma família de cristãos pró-regime combateu ao lado de elementos leais a alauitas, dizem moradores que recentemente fugiram da área. Cristãos pro-regime tomaram, no belíssimo vale, dois palácios de propriedade de diplomatas árabes do Golfo, disseram eles.

Perto dali, combatentes sunitas estabeleceram uma base no Krak dos Cavaleiros, castelo que é um marco histórico do Século XII e pertencia às cruzadas. "Agora é impossível para um muçulmano descer até o vale", disse um morador da área.

O padre Paulo Dall"Oglio, sacerdote jesuíta italiano que viveu na Síria durante três décadas, mas foi expulso pelo regime em junho, diz que muitos membros da igreja têm velhos laços com o regime e com os serviços de inteligência, o que moldou sua posição.

"Muitos cristãos na Síria acreditam não haver alternativa ao regime de Bashar al Assad", diz o padre Dall"Oglio.

Alguns cristãos, porém, estão se esforçando para superar esse fosso, tentando um diálogo com a oposição e os rebeldes, ou pelo menos lançando uma ponte sobre o abismo sectário que cada vez mais os separam.

Basilios Nassar, um sacerdote ortodoxo grego da cidade central de Hama, foi baleado e morto por franco-atiradores do governo em janeiro, enquanto ajudava a evacuar os feridos em confrontos em um bairro, dizem ativistas cristãos.

Eles dizem que os franco-atiradores provavelmente o confundiram com um combatente islâmico por causa de sua barba e vestes negras. Sua igreja disse que ele foi morto por "um grupo terrorista armado".

Caroline, uma ativista cristã que pediu para ser identificada apenas por seu primeiro nome, foi presa pelas forças de segurança em abril, em Damasco, enquanto distribuía ovos de Páscoa para filhos de cristãos, de sunitas e de famílias alauitas expulsas pelos combates em Homs.

Tiras de papel com passagens do Alcorão e da Bíblia acompanhavam os ovos. Caroline disse que esse ato fazia parte de suas tentativas de eliminar gradualmente as barreiras que agora separam os grupos religiosos na Síria devido ao conflito.

Anteriormente, ela fez questão de ajudar as esposas e filhos de homens mortos em combate na cidade predominantemente sunita de Douma, nos arredores de Damasco, distribuindo provisões de comida e envelopes com dinheiro.

Ela também procurou realizar reuniões com líderes eclesiásticos para pedir-lhes que "não impusessem uma posição em relação a todos os cristãos". Ela disse que a maioria a repreendeu por ser contra o regime ou não quiseram dialogar com ela.

O padre Nawras Sammour, um jesuíta de 44 anos de idade originário de Alepo, dirige um programa de assistência em todo o país, denominado Serviço Jesuíta para Refugiados. O grupo está atualmente prestando assistência a 6.000 famílias sírias em todo o país que deixaram suas casas, afetadas pela violência: muçulmanos sunitas e xiitas, drusos, alauitas e cristãos.

Ele acredita que somente mediante diálogo entre diferentes grupos religiosos os cristãos continuarão sendo uma presença vibrante nessas antigas terras. Ele admite os problemas e diz compreender as preocupações dos cristãos.

"Veja o Iraque, veja o Egito", diz ele, listando os países vizinhos onde turbulência política e a substituição de um governante autoritário por uma ressurgência islâmica impactou comunidades cristãs há muito estabelecidas. "Mas, apesar disso, temos de construir pontes. Esses são os princípios do Evangelho. Não podemos simplesmente escolher um lado e aderir a ele".

Alexandre Haddad, um residente com 66 anos de idade na aldeia serrana de Maalula, está preocupado com o destino de sua antiga comunidade cristã, mas assume uma perspectiva de longo prazo. Como outros moradores no vilarejo, ele fala uma variante do aramaico, a língua falada pelo próprio Jesus.

"Muitas pessoas passaram por este país - bizantinos, muçulmanos, tamerlanos, mongóis, otomanos", disse Haddad, sentado à sombra do convento de Santa Tecla, heroína da lenda bíblica "Os Atos de Paulo e Tecla".

"Jesus era originário de [uma região] um pouco ao sul. São Paulo esteve em Malula ", diz ele. "O cristianismo é muito forte aqui"

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Depois da euforia (IV): educação



Autor(es): Fabio Giambiagi
Valor Econômico - 08/08/2012
 

Este é o quarto artigo acerca do meu livro com Armando Castelar ("Além da euforia", Ed. Campus) referente aos problemas da nossa realidade e que serão um obstáculo para a continuidade do crescimento. Depois de um primeiro texto geral, os artigos posteriores trataram da nossa baixa produtividade e da poupança doméstica e hoje iremos abordar o tema da educação. O desenvolvimento sustentável, para além da "etapa fácil" da ocupação de capacidade ociosa e da redução da taxa de desemprego, se constrói sobre alicerces que, no Brasil, deixam a desejar - realidade essa que, se não for modificada, irá conspirar contra nosso êxito no longo prazo.
O capítulo sobre educação foi escrito por Marcio Gold Firmo, cujas informações acerca do tema são aqui sintetizadas. A tabela é um bom indicador para medir nosso atraso relativo. É verdade que entre 2000 e 2010 o número de anos médios de escolaridade da População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil aumentou 1,1 ano. Ocorre que:
i) na década anterior, tinha aumentado 1,9 anos;
ii) na primeira década deste século, a escolaridade média se elevou também 1,1 ano nos países selecionados da periferia europeia e nos "tigres" asiáticos e em 0,9 anos nos maiores países da América Latina exceto Brasil; e
iii) no conjunto de países da tabela, em 2010 o Brasil fica muito atrás em qualquer comparação feita.
Estamos mal na foto - e o filme não chega a ser animador. O Brasil evoluiu, mas o resto do mundo também. Consequentemente, nosso atraso relativo permanece. Uma realidade similar se observa em diversos indicadores. Na nota de matemática do Programme for International Student Assessment (Pisa), hoje o melhor "termômetro" comparativo da qualidade da educação em diversos países, mesmo considerando o avanço recente, ficamos atrás não apenas dos países desenvolvidos, mas também de países como Argentina, México, Chile, Uruguai e também atrás de Rússia, Sérvia, Turquia e Cazaquistão. No mesmo PISA, em 2009, o percentual de alunos com desempenho abaixo do adequado em matemática foi de 8% na Coreia do Sul, 22% na média dos países da OCDE, 23% nos EUA, 30% na Grécia, 42% na Turquia e constrangedores 69% no Brasil. Nos exames do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o percentual de alunos com desempenho em Matemática considerado adequado à sua série já é baixo no 5º ano do Ensino Fundamental (apenas 33%) e cai ainda mais, para apenas 15%, no 9º ano e para 11% no 3º ano do Ensino Médio.
Alguém poderia alegar que o problema é de escassez de verbas. Essa é uma questão controversa, mas objetivamente: a) o gasto em educação no Brasil passou de 3,9% para 5% do PIB entre os anos de 2000 e 2010; e b) neste último ano, o gasto em educação no Brasil como fração do PIB, pelos dados da OCDE, era maior do que nos EUA e do que a média da OCDE, além de ser também superior ao de Polônia, Holanda, Canadá, Espanha, Coréia do Sul, Alemanha, Austrália, Chile e Japão.
País prioriza o ensino direcionado à formação do cidadão, ao invés de ensinar matemática e português
Parte do nosso atraso vem de longa data e resulta da opção que as elites dirigentes fizeram há décadas ao adotar um modelo fortemente concentrador de renda e com escassas preocupações com a melhora de oportunidades para os filhos das famílias mais humildes, através da priorização da educação. A Coreia do Sul fez exatamente o contrário a partir dos anos 50, com resultados espetaculares.
Parte do problema, porém, deriva de escolhas recentes, como aquelas associadas a certo tipo de ensino voltado para a formação do cidadão, em oposição à priorização do aprendizado de matemática e português. Sem uma base forte nessas disciplinas, é impossível esperar que o aluno tenha um bom desempenho nas demais. Cabe destacar, como um bom sinal, o empenho do setor privado e da academia em favor do avanço da avaliação da eficácia de diferentes tipos de intervenções educacionais, a despeito da resistência de parte do setor de educação pública. É imperativo que os governos assumam o papel de multiplicadores das experiências inovadoras de sucesso.
Na educação, o Brasil tem hoje uma atitude oposta à que assume no futebol, no qual o segundo lugar é visto como uma derrota. Comparativamente, a autocongratulação em relação aos resultados educacionais de nossas crianças e jovens é de uma complacência inadmissível. Aspirar a um crescimento sustentável de 5% ao ano, desse jeito, é apenas um sonho.
Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus), escreve mensalmente às quartas-feiras.