quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sete décadas depois, a revisão da história

Correio Braziliense - 28/07/2012

Favelas do Rio, como a Rocinha, foram ocupadas pelo tráfico, mas recentemente retomadas pela polícia, reacendendo a imagem de pacificação, tão presente em Brasil, país do futuro

Setenta e um anos separam o Brasil que Zweig percorreu em 1941 e o Brasil dos dias de hoje. No início dos anos 1940, o Brasil possuía 41 milhões de habitantes. Hoje, tem quase cinco vezes mais – 190 milhões. Entre 1940 e 2012, a expectativa de vida do brasileiro quase que dobrou, passando de 42,7 anos para 73,1 anos, segundo as últimas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De uma nação que mal havia começado a entrar na era industrial e cuja maioria da população ainda vivia no campo, o Brasil é hoje a sexta economia mundial, embora a crise econômica europeia esteja começando a mostrar seus reflexos por aqui também. No campo político, o Brasil alternou períodos de ditadura com experiências democráticas. Embora problemas como a corrupção não estejam ainda sob controle, o Brasil é hoje um Estado democrático consolidado. Não seria o caso de se perguntar, então, se o futuro imaginado por Zewig finalmente não chegou?

Para o sociólogo Rudá Ricci, diretor do Instituto Cultiva, não se pode dizer que o futuro chegou integralmente, pois o país tem problemas sérios de eficiência no setor público e na sua infraestrutura, como apontou estudo sobre a competitividade do Brasil no mundo elaborado pela escola de admistração suíça IMD (ver artigo nas páginas 22 a 24). Por outro lado, com base no mesmo estudo, ele entende que, para algumas áreas o futuro chegou, ainda que com percalços. "Caminhamos para ser o quinto maior mercado consumidor do mundo, temos uma população majoritariamente de classe média, somos o terceiro país do mundo em acesso às redes sociais e o quinto em atração de investimento produtivo externo. Mas caminhamos aos solavancos. Nossas instituições políticas são arcaicas e se ressentem de seus vícios de origem, como o Senado, que foi criado para dar lugar às oligarquias rurais regionais (como nos EUA) e não para, efetivamente, representar os estados que compõem nossa federação", afirma Rudá.

A mesma visão tem o antropólogo Luiz Eduardo Soares, que foi secretário nacional de Segurança durante o governo Lula. Para ele, o país avançou muito a partir de 1994, com o Plano Real, que, segundo ele, estendeu para a economia e a administração pública as condições indispensáveis para a vigência da institucionalidade democrática que havia sido recentemente conquistada e fora formalmente consagrada na Constituição de 1988. "Os governos FHC e Lula, a despeito de seus problemas e limites, e sem prejuízo de suas diferenças, contribuíram para a consolidação democrática, a redução das desigualdades e a retomada do crescimento."

Porém, segundo Luiz Eduardo Soares, os problemas a serem superados para que o país chegue ao futuro ainda são muitos. "A representação política está deteriorada, a confiança popular está profundamente abalada, a desigualdade no acesso à Justiça permanece abissal, corroendo sua credibilidade, o racismo ainda não foi reconhecido como um dos mais dramáticos problemas nacionais, a violência não foi enfrentada com racionalidade, nos marcos da legalidade, a homofobia e a brutalidade contra a mulher intensificam-se, violações aos direitos humanos prosperam em todo o país e a pobreza tem sido criminalizada como nunca." Em resumo, segundo Luiz Eduardo Soares, o Brasil continua sendo o "casamento perverso entre o atavismo regressivo e o progressismo inspirador, dançando na corda bamba entre avanços e recuos, sombras e luzes. Somos o país do passado e do futuro", define.

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega considera que o futuro chegou não pelas razões apontadas por Stefan Zweig: extensão territorial e recursos naturais. "O futuro chegou porque construímos as instituições básicas que geram a prosperidade: democracia, Judiciário independente – que garante direitos de propriedade e respeito aos contratos – e imprensa livre e independente. Ainda não está assegurada nossa integração ao mundo rico, mas dificilmente voltaremos aos tempos de instabilidade política e inflação sem controle", afirma Maílson, que é autor do livro O futuro chegou, editado em 2005.

Para Cláudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, o futuro imaginado por Stefan Zweig em 1941 está longe de se concretizar. "Um país que se acostumou à cópia, à repetição acrítica de tudo o que soa popular e à supressão do contraditório. Esse é o Brasil do século 21, no qual a invenção é vista como contravenção e a imaginação só é permitida quando a serviço da embromação mercadológica. Tudo é imagem, ficando a substância das coisas soterrada sob a complacência generalizada de quem teria o dever da crítica. É verdade que a mediocridade brasileira não resulta de alguma transformação recente. Excetuando-se talvez a música, a sociedade brasileira jamais produziu algo de original. Consumidores para sempre: esse é o futuro do Brasil", afirma Cláudio Weber Abramo.

Bem menos pessimista é a avaliação do jurista Ives Gandra, especialista em direito tributário. Para ele, o Brasil é, ao mesmo tempo, um país do passado, do presente e do futuro. "Como país do passado, mantém estruturas políticas arcaicas, concepção de que a autoridade é mais importante que o cidadão, departamentos burocráticos anacrônicos, sem ter adotado, salvo exceções, a burocracia profissionalizada, e não ter ainda modernizado seu sindicalismo e sua legislação trabalhista e previdenciária. É um país do presente com um sistema financeiro e eleitoral melhor que das nações desenvolvidas e, graças ao setor privado e não aos governos, um país economicamente estável e emergente. E é um país do futuro, pois ainda há muito a mudar para destravar os quatro gargalos da nossa economia: excesso de tributos, excesso de encargos trabalhistas, excesso de burocracia e excesso de corrupção, a que acrescento escassez de patriotismo em nossos políticos."

O empresário Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), também entende que no Brasil dos dias de hoje, o presente e o futuro caminham juntos. "Soubemos, sim, aproveitar todo o potencial que Zweig via em nosso país e, a partir dele, construir o que é hoje uma grande democracia e a sexta maior economia do mundo. Moderna e inovadora, inclusiva e transformadora". Para Robson Andrade, seguir adiante é o desafio do Brasil de hoje, "em um mundo em constante e acelerada evolução e asfixiado por grave crise econômica e financeira". Nesse sentido, ele considera como maior obstáculo a ser vencido o de trabalhar pelo aumento da produtividade e da competitividade da economia. "Como fez Zweig em seu diagnóstico premonitório, essa é uma indeclinável convocação à sociedade brasileira, o que, mais uma vez, implica perscrutar o futuro para definir como agir no presente", afirmou Robson Andrade.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-reitor da Universidade Nacional de Brasília (UnB) e profundo conhecedor da obra do escritor austríaco, analisa a utopia de Stefan Zweig por um outro ângulo. Para o senador, o cenário ideal imaginado por ele há 70 anos é outro, embora muitos países, entre os quais inclui o Brasil, estejam trabalhando para se tornarem peças ativas deste mesmo cenário. "Nesse mundo que está aí, dessa civilização industrial predatória, não seremos o país do futuro. Somos emergentes tardios. Emergimos para um mundo em extinção, que é o mundo do consumo, da depredação ambiental. Estamos apenas imitando o ocidente e não construindo uma alternativa. Quem não constroi alternativa, não é futuro. É rabeira. Vai atrás dos outros. Para ser futuro, tem que trazer novidade", afirmou Cristovam Buarque, para quem o cenário futuro de descrito por Zweig não existe mais. "O futuro também morre. E aquele futuro morreu".

A professora emérita também UnB Bárbara Freitag lembra que o livro Brasil, país do futuro, foi escrito para dois públicos distintos: o europeu e o brasileiro. O europeu poderia ter a chance de superar iniciar uma vida nova sem os traumas do nazismo. Para os brasileiros, que não tiveram a vivência da guerra e dos campos de concentração, a promessa de felicidade consistia, segundo Freitag, em sair da pobreza, da ignorância, da fome e do desemprego. Para ela, nos últimos 60 anos, a situação mudou para melhor, tanto para os europeus que vieram para o Brasil, quanto para os próprios brasileiros, "que hoje buscam sua sorte, em liberdade, dentro e fora do país". Ela afirma que não se importa com o fato de que o futuro sonhado por Stefan Zweig para o Brasil possa ser interpretado com uma utopia: "A utopias existem para serem perseguidas".

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