domingo, 31 de outubro de 2010

Ciências Políticas podem virar disciplina

Projeto de lei prevê obrigatoriedade do ensino de política em disciplina exclusiva na grade escolar

Gzeta do Povo 20/10/2010 | Marina Fabri

Fale conoscoRSSImprimirEnviar por emailReceba notícias pelo celularReceba boletinsAumentar letraDiminuir letraDepois da inclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia na grade escolar em 2008, tramita em caráter conclusivo na Câmara o Projeto de Lei 7746/10, que prevê a entrada de Ciências Políticas no calendário do ensino médio. De acordo com o projeto, de autoria do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), os conteú­dos de Sociologia e Filosofia “não abarcam algumas noções imprescindíveis para a compreensão da realidade política brasileira presentes na área de estudo da Ciência Política.”

A ideia causa divergência entre professores. Maria Auxiliadora Schmidt, que é historiadora e coordena o Laboratório de Pesquisa em Educação e História do Departa­men­to de Teoria e Prática de Ensino (DTPEN) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), discorda da posição do deputado. “As disciplinas surgem das próprias ciências que foram se consolidando, como a Física, a Química, a Matemática, por exemplo. Sociologia é uma ciência séria e necessária para o processo educacional de hoje e ela já inclui noções de Ciências Políticas”, diz.

Mas se o assunto é a prática dentro de sala de aula, o professor Syllas Moreira da Fonseca Neto diz que a situação é diferente. Responsável pelas disciplinas de História e Sociologia do colégio Novo Ateneu, de Curitiba, ele é a favor da mudança proposta pelo projeto de lei. Para ele, a inclusão complementaria o conteúdo atual. “Existe uma gama incrível de assuntos relacionados às Ciências Políticas que temos que deixar de fora por falta de tempo – em duas aulas tivemos que tratar de conceitos como democracia e autoritarismo, o que não é suficiente para formar a consciência dos alunos quanto a isso”, explica.

Alguns desejos do professor, como organizar uma votação simulada e trabalhar mais a fundo autores clássicos como Maquiavel, por exemplo, são ideias para uma grade que reserve um tempo maior para o assunto.

Interdisciplinar

A modificação na grade horária não alteraria os calendários escolares apenas das disciplinas de Sociologia e Filosofia. No Colégio Estadual Padre Claudio Moreli, o professor Luciano Ezequiel Kaminski, responsável pelas duas matérias, diz que há questões referentes à disciplina também em História e Geografia. Para ele, não é necessário o desmembramento da disciplina, contanto que haja um esforço interdisciplinar para a inclusão do tema. “Enquanto em Filosofia tratamos das noções de poder, direito e cidadania, em Sociologia abordamos o papel do Estado. Em História, essas noções devem ser contextualizadas e, em Geografia, colocadas no espaço, por meio da geopolítica”, diz.

Segundo o Projeto de Lei, a disciplina de Ciências Políticas abrangeria temas como história do voto, atribuições dos três poderes e de cada cargo político, história da administração pública e sistemas políticos.

Para o professor Bernardo Kestring, técnico pedagógico da disciplina de Filosofia da Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED), os assuntos são suficientes para um curso de alguns dias ou de um fim de semana, mas não para a inclusão de uma nova disciplina no calendário escolar. Para ele, ainda é cedo para iniciar uma discussão a respeito da alteração na grade horária. “As disciplinas de Socio­logia e de Filosofia são novas. Só vamos notar algum reflexo na atitude dos jovens decorrente dessa nova grade curricular daqui dez anos”, explica.

A proposta do deputado Ronaldo Caiado tramita em caráter conclusivo, ou seja, dispensa a votação do Plenário e depende apenas da aprovação das comissões que irão analisá-la. No caso, são as de Educação e Cultura e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

História
Educação Moral e Cívica

Nem Filosofia, nem Sociologia, nem Ciências Políticas. A disciplina de Educação Moral e Cívica, como explica a professora Maria Auxiliadora Schmidt, foi criada no início do século 20 e compreendia noções ligadas à História e à Geografia, mas em um contexto diferente, como amor à pátria, atos institucionais, datas comemorativas, heróis da nação.

Tanto ela quanto as disciplinas de Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e a de Estudos de Problemas Brasileiros, que foram criadas durante a ditadura militar, foram usadas para transmissão de ideologias de acordo com o contexto da época. A professora explica que, “como a Sociologia tem hoje o papel de fornecer ferramentas para a compreensão da realidade, a Educação Moral e Cívica também tinha – com a diferença de que os livros presisavam ser aprovados pela censura.”

Sonho continuísta

Gazeta do Povo 31/10/2010 | Rubens Ricupero

Continuísmo parece ser a aspiração do país, a julgar pela popularidade do presidente e pelas sondagens eleitorais. Mas será de fato possível sustentar, depois das eleições, a situação de bem-estar que inspira esse humano e natural desejo? E se não for, não se está preparando terrível decepção em curto prazo?

Consumir sem poupar gera satisfação e acaba sempre em lágrimas. Durante anos, os americanos viveram além dos próprios meios até o naufrágio do qual tentam sobreviver poupando como nunca, pagando dívidas, dobrando as exportações em cinco anos.

No Brasil, a sensação de bem-estar não é inédita. Como antes da crise de 1998, ela provém em boa parte do poder de compra de moeda forte, de importações baratas, de viagens ao exterior ao alcance de muitos.

Contudo, o outro lado da moeda forte é o déficit em conta corrente que dobrou em doze meses e a liquidação gradual das exportações de manufaturas.

Como descolar o delicioso consumo do déficit aterrador se o primeiro é a causa do segundo? O déficit corrente não só está explodindo: seu financiamento piorou em qualidade.

Em lugar do investimento produtivo de longo prazo, o que financia o déficit em proporção de dois para um são os recursos estrangeiros de curto prazo, os mais voláteis, cuja saída produz a morte súbita.

A fim de atenuar o impacto do ingresso de US$ 72 bilhões de curto prazo na valorização do real, o Ministério da Fazenda aumentou o IOS e outras taxas.

Sua margem de manobra, no entanto, é limitada, pois, ao relutar em cortar os gastos do governo e reduzir a expansão do consumo, ele se torna refém da dependência de financiamento para o déficit.

Voltamos, assim, ao ponto de partida. O continuísmo, isto é, consumo sem poupança, ganha eleição, mas agrava o déficit corrente.

O financiamento do déficit, por sua vez, precisará de recursos de fora que vão valorizar mais a moeda, sufocar indústria e exportações, aprofundando de novo o déficit até o inevitável mo­­mento do pânico dos mercados e do colapso cambial.

Alarmismo? “Desta vez é diferente”? A análise apresentada pelo Fundo Monetário Internacional à reunião de Washington, duas semanas atrás, chega à mesma conclusão. A inundação de liquidez despejada sobre os mercados pelas autoridades americanas e de outros países vai acabar criando bolhas e pressionando as moedas nos emergentes.

A próxima crise começará em um deles. Os candidatos prováveis são os que já sofrem de valorização aguda da moeda combinada à deterioração fulminante do déficit corrente. Apesar de que o Brasil esteja nessa situação, há quem se tranquilize com o argumento da demanda chinesa pelas commodities e o futuro petróleo.

Poderíamos, assim, como a Austrália e a Noruega antes da produção petrolífera, conviver anos com déficits crescentes que seriam utilizados nos investimentos para desenvolver o pré-sal.

Mas terá a credibilidade dessas duas economias um país onde a megalomania inventa projetos irracionais e irresponsáveis como Belo Monte e o trem-bala?

Essas teriam sido boas questões para o debate eleitoral, mas agora é tarde: a resposta ficará para a contundente lógica da realidade.

Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Teste para a liberdade de imprensa

Autor(es): Agencia o Globo
O Globo - 26/10/2010




São conhecidos os ingredientes do kit de inspiração bolivariano-chavista de cerceamento das liberdades de expressão e, em particular, de imprensa.

Nos mais diversos estágios, o kit é aplicado no Equador, Bolívia e Argentina. No seu lugar de origem, a Venezuela, foi fácil instituir normas restritivas ao trabalho da imprensa depois que a oposição, num enorme equívoco, decidiu não disputar as eleições legislativas de 2005, e permitiu ao caudilho Hugo Chávez controlar o Legislativo. Manietar a Justiça terminou sendo uma decorrência natural.

No Brasil, a primeira parte do método de instituição de mecanismos estatais de vigilância da imprensa independente, profissional, já foi aplicada, na forma da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) — como em outros países —, na qual teatralizou-se a participação da “sociedade” em reuniões regionais para o recolhimento de sugestões de normas de “controle social da mídia”. Na verda de, toda esta mobilização, executada sob os auspícios do Planalto, serviu para que militantes variados — sindicais, partidários, de organizações ditas sociais — defendessem conhecidas teses usadas para justificar a censura sobre a imprensa e a produção cultural, sempre em nome da “democracia”.

Na Argentina, por exemplo, saiu dessas rodadas de “consulta popular” a famigerada Lei de Meios, inspirada pela Casa Rosada com o objetivo de destruir a estrutura empresarial dos dois mais fortes grupos independentes de comunicação do país, “Clarín” e “Nación”. Sob a justificativa de se reduzir a concentração de propriedade na mídia, investe-se contra a diversificação dos grupos, forçando-os a vender canais de TV e rádio, eficiente maneira de restringir a multiplicidade de anunciantes das empresas, razão direta de sua independência.

Quanto menos diversificados os grupos, entre as diversas plataformas de difusão de informações, mais dependentes de verbas públicas — e menos livres. Parte da lei já foi suspensa na Justiça.

A novidade no Brasil é a adoção de sugestões da tal Confecom em alguns estados. Na semana passada, de autoria de uma deputada estadual do PT, Rachel Marques, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou projeto de criação de um conselho, ligado à Casa Civil do governo, para fiscalizar a imprensa, nos moldes da Confecom. Cabe ao governador Cid Gomes (PSB) decidir levar adiante, ou não, a ideia, sem dúvida inconstitucional.

Conselho idêntico está em gestação na Ba-hia estado governado pelo petista Jaques Wagner, reeleito no dia 31. Sua Secretaria de Comunicação, porém, garante não haver intenção de amordaçar a imprensa. (Ora, basta manter a proposta na gaveta). Até em Alagoas, estado tucano, em que o governador Teotônio Villela disputará o segundo turno com Ronaldo Lessa (PDT), existe algo semelhante.

Nem São Paulo escapa: lá também há um projeto em tramitação.

Embora de total fragilidade jurídica, estas investidas regionais são um desafio ao próximo presidente, seja ele Dilma Rousseff ou José Serra, defensores declarados da independência da imprensa, subscritores da Declaração de Chapultepec, carta de princípios em defesa da liberdade de imprensa aprovada por representantes do setor de comunicações das Américas. Os dois sabem que uma das mais importantes missões do jornalismo é fiscalizar as ações do Executivo e do Legislativo.

Portanto, não pode ser controlado por eles.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O panorama da educação

O Estado de S. Paulo - 25/10/2010

O mais recente levantamento comparativo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matéria de educação - o relatório Education at a glance 2010 - revela que, apesar de ter ampliado os gastos com o ensino fundamental na primeira década de 2000, o Brasil ainda investe só 1/5 do que os países desenvolvidos destinam ao setor.

O levantamento cobre todos os ciclos de ensino e leva em conta a educação pública e privada. Segundo ele, enquanto países como Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Noruega, Itália, Islândia, Estados Unidos e Japão investem, em média, US$ 94.589 por estudante durante todo o ciclo do ensino fundamental, no Brasil o gasto médio é de US$ 19.516 por aluno. O resultado é que, em matéria de formação e preparo, os estudantes brasileiros continuam muito longe dos estudantes dos países desenvolvidos.

A pesquisa da OCDE comparou os investimentos no ensino fundamental realizados por 39 países e avaliou os resultados por eles obtidos. Entre outros fatores, ela levou em consideração os salários dos professores, materiais pedagógicos, instalações físicas, acesso à escola, número de estudantes matriculados e o papel dos pais na supervisão e aconselhamento das escolas públicas.

O estudo também comparou os benefícios sociais e econômicos resultantes da educação de qualidade, em termos de aprendizagem dos estudantes, condições de empregabilidade e níveis salariais.

Segundo a pesquisa, os níveis de despesa com educação variam consideravelmente entre os 39 países analisados, tanto em termos absolutos como relativos. Países como Dinamarca, Israel, Islândia e Estados Unidos, por exemplo, gastam em todos os níveis de ensino o equivalente a cerca de 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Países como a Rússia e a República Eslovaca gastam 4,5%. Destinando ao setor educacional 5,2% do PIB, o Brasil se encontra numa posição intermediária.

O estudo também mostra que, entre os países mais ricos, 90% do investimento em ensino fundamental e médio vem do poder público. Quanto ao ensino superior, em países como a Finlândia, Noruega e Coreia do Sul, 75% dos investimentos são privados. A prioridade do gasto público é dada, assim, à formação básica.

A pesquisa revela ainda que, em pelo menos 8 dos 39 países pesquisados, as instituições públicas cobram dos pais uma contrapartida média de US$ 1,5 mil por ano. Como se vê, nesses países, o ensino público não é inteiramente gratuito.

Entre os países mais desenvolvidos, o ensino de redação, literatura, matemática e ciências representa quase 50% do tempo de instrução obrigatória, para os alunos com idade entre 9 e 11 anos, e 40%, para os estudantes na faixa etária entre 12 e 14 anos. Nos demais países, o tempo gasto com essas atividades básicas varia de 16% a 30%.

Evidentemente, isso faz diferença no aproveitamento e no preparo dos estudantes. Esse também é um dos fatores que os levam, quando adultos, a continuar estudando durante toda sua vida profissional. Por isso, mostra a pesquisa, quanto melhor é a qualidade da formação básica dos alunos, mais valor darão ao ensino superior e aos cursos de pós-graduação, o que os torna menos vulneráveis ao desemprego causado pelas crises econômicas. Entre 1997 e 2007, segundo o estudo, a taxa média de desemprego anual de quem tem nível superior ficou em torno de 4%, em média. Entre os que somente concluíram o ensino básico, a taxa média de desemprego ficou acima de 10%, nos 39 países pesquisados.

O estudo da OCDE mostrou ainda que os países desenvolvidos têm 20 alunos por turma no ensino fundamental. No Brasil, embora o tamanho das turmas tenha diminuído em relação a 2000, o número é de 30 estudantes, nas turmas de 5.ª a 9.ª série do ensino fundamental. É um número alto, o que dificulta o trabalho dos professores.

A pesquisa da OCDE registra avanços na educação brasileira, como a universalização do ensino fundamental. Mas, comparativamente, a formação dos nossos estudantes, de modo geral, continua muito longe de um padrão aceitável.

sábado, 23 de outubro de 2010

Educação, caso de política ou de polícia?

Autor(es): Frei Betto
Correio Braziliense - 22/10/2010


O IBGE divulgou, a 17 de setembro, a Síntese de Indicadores Sociais 2010. O IBGE é um órgão do governo federal. Portanto, não está a serviço da oposição nem dos detratores do governo Lula. Felizmente, é sério e isento. Os dados concernentes à educação no Brasil são estarrecedores.

Em 2009, 14,8% dos jovens de 15 a 17 anos se encontravam fora da escola. E 32,8% daqueles que tinham entre 18 e 24 anos deixaram os estudos sem completar o ensino médio. (Haja mão de obra desqualificada e candidatos ao narcotráfico...).

Comparado aos demais países do Mercosul, o Brasil tinha a maior taxa de abandono do nível médio — 10% dos alunos. Na Argentina, 7%; no Uruguai, 6,8%; no Chile, 2,9%; no Paraguai, 2,3%; e na Venezuela, 1%.

Por que nossos jovens abandonam a escola? Os principais fatores são a falta de recursos para pagar os estudos e o reduzido número de escolas públicas; o desinteresse; a constante repetência, provocada por pedagogias ultrapassadas, desmotivação e frequente ausência de professores; a dificuldade de transporte e a necessidade de ingressar precocemente no mercado de trabalho.

Para se ter um aluno empenhado em fazer um bom ensino médio é preciso que a motivação seja despertada na pré-escola e no ensino fundamental. Ora, como alcançar esse objetivo se nossas crianças ficam, em geral, apenas quatro horas por dia na escola? A média latino-americana é de seis horas!

Apesar disso, houve avanços nos últimos 10 anos, quando quase dobrou o número de jovens de 18 a 24 anos que concluíram o ensino médio ou ingressaram na universidade. Se em 1999 apenas 29,6% dos alunos terminaram o ensino médio, em 2009 o índice subiu para 55,9%. Em 1999, 21,7% tinham 11 anos de estudos (tempo suficiente para completar o ensino médio). Em 2009, 40,7% frequentaram a escola durante 11 anos. Em 1999, 7,9% ingressaram na universidade; em 2009, 15,2%.

Em 2009, 30,8% dos jovens entre 18 e 24 anos concluíram algum curso de qualificação profissional. Em 2004, apenas 17,2%. Esse avanço se deve ao empenho do governo em multiplicar o número de escolas técnicas, bem como o Sistema S (Senai, Senac etc.), e as bolsas de estudos concedidas via ProUni.

Por trás dos dados positivos se escondem desigualdades gritantes. Em 2009, 81% dos jovens de 15 a 17 anos entre os 20% mais pobres estavam na escola. Entre os 20% mais ricos, o índice subia para 93,9%. Graças ao sistema de cotas e ao ProUni, dobrou o número de universitários com mais de 25 anos que se declaram negros: 2,3% em 1999 e 4,7% em 2009. Já o índice dos que se declaram brancos é quatro vezes maior: 15%.

O Brasil conta com 3,6 milhões de crianças com menos de quatro anos de idade e é ínfimo o número de creches para elas. O que significa que estão sujeitas a graves desvios pedagógicos por longo tempo de exposição à TV, permanente convivência com adultos ou idosos, muitas vezes entregues a vizinhos enquanto os pais cumprem o horário de trabalho. A Constituição assegura, no Capítulo II — Dos Direitos Sociais, “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas”. Quantas empresas cumprem?

Segundo o IBGE, até 14 anos de idade há, no Brasil, uma população de pouco mais de 54 milhões de pessoas. Dessas, 5 milhões, ou 10,9% do total, vivem em situação de risco, em moradias sem água tratada, rede de esgoto e coleta de lixo. O Nordeste concentra a maior parte dessas crianças: 19,2%. E o Maranhão e o Piauí lideram essa estatística. A pesquisa apontou ainda que quase 39,4% dos alunos do ensino fundamental frequentam escolas sem rede de esgoto e 10% delas não contam nem com água potável.

Falta muito a fazer. Enquanto a educação brasileira não alcançar o nível mínimo de qualidade, continuaremos a ser uma nação desigual, injusta, subdesenvolvida e dependente. Também, pudera; embora a Constituição exija que sejam aplicados 8% do PIB na educação, o investimento do governo na área não chega a 5%. E o orçamento do Ministério da Cultura para 2011 é inferior a 1%.

Não é de estranhar o nepotismo na Casa Civil e os Tiriricas na corrida eleitoral. Além de educação, falta ao Brasil vergonha na cara. Desse jeito, o descaso da política para com a educação acaba virando caso de polícia, tamanho o crescimento da violência urbana.

Escritor, é autor de Alfabetto - autobiografia escolar (Ática), entre outros livros

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Repasses do MEC ao ensino básico cresceram 180% em 5 anos

Valor Econômico - 19/10/2010


A evolução da qualidade da educação brasileira, principalmente nas pequenas cidades, depende cada vez mais do dinheiro do Ministério da Educação (MEC). Em cinco anos, os repasses dos três principais programas de apoio ao ensino básico aumentaram mais de 180% em termos nominais.

Neste ano, os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que injeta verbas na conta corrente da unidade escolar para melhorias de infraestrutura e gestão, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) somam R$ 5 bilhões. Em 2005, Estados e municípios receberam cerca de R$ 1,8 bilhão. Considerando outros seis programas importantes, entre os mais de 20 gerenciados pelo MEC, os recursos federais repassados a governos estaduais e prefeituras em 2010 superam a marca de R$ 15 bilhões.

"Não se trata de uma relação de dependência, é o nosso papel. Está na Constituição: a União tem obrigação de complementar e colaborar técnica e financeiramente com Estados e municípios", afirma a secretária de educação básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda.

O secretário de Educação de Teresina, José Ribamar Torres, disse ao Valor que os recursos federais respondem por quase 80% do orçamento total da pasta, que chegou a cerca de R$ 240 milhões neste ano. "É dinheiro para pagamento de salários, reformas, merenda. A capital do Piauí tem arrecadação baixa, logo os recursos federais são decisivos para fazer qualquer política de educação."

Ele sugere que a política salarial da educação municipal seja federalizada. "O maior problema que enfrentamos é a rotatividade de professores. Muitos se licenciam, fazem outros concursos para ganhar mais e não temos autonomia para pagar bons salários e abrir contratações sempre que precisamos", afirmou Torres.

Em Cuiabá, no Mato Grosso, o secretário da Educação, Permínio Pinto Filho, diz que os repasses federais do MEC estão perto de R$ 90 milhões. "É uma parcela importante, entre 40% e 45% de tudo que investimos na capital." Sueli Maia, secretária da Educação de Santos, cobra mais recursos federais para o setor. "O antigo Plano Nacional de Educação não conseguiu atingir suas metas por falta de investimento, não adianta traçar metas se não falar em maiores e novas fontes de investimentos. A União tem papel importante nisso, principalmente com a perspectiva das receitas que virão do pré-sal - 50% devem ser destinadas à educação."

Ela destaca o aumento do orçamento do MEC nos últimos anos. Os recursos administrados pela pasta triplicaram em termos correntes entre 2003 e 2010: de R$ 19 bilhões para R$ 60 bilhões.

Segundo Sueli, a ampliação dos investimentos federais já surte efeito na qualidade. Criado em 2007 para unidades educacionais com baixo desempenho no Ideb, o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) teve seus recursos incrementados de R$ 49,5 milhões para R$ 370,1 milhões em três anos. A secretária diz que "60,9% das escolas priorizadas pelo programa apresentaram resultados melhores no Ideb 2009 em relação à nota de 2007. Dessas, 40% apresentaram resultado igual ou maior à média nacional."

Qualidade de ensino evolui mais no ciclo fundamental

Autor(es): Luciano Máximo | De São Paulo
Valor Econômico - 19/10/2010


O mais importante indicador educacional do país mostra que a qualidade da educação nos últimos anos avança mais rapidamente no ciclo fundamental e apresenta melhora limitada no ensino médio. Mais de 3,5 mil cidades brasileiras superam - com folga em muitos casos - a atual meta (nota 4) do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais da vida escolar.

Esses municípios apostaram em uma combinação de políticas públicas que inclui reforma e construção de escolas, renovação maciça de material pedagógico e compra de equipamentos, elaboração de planos municipais, planejamento e monitoramento, incentivo à formação e atualização de professores, atenção ao transporte de alunos, aumentos salariais e adoção do modelo de educação em tempo integral.

Embora longe da gestão, o Ministério da Educação (MEC) aumentou o controle sobre o ensino básico, ampliando os convênios e programas dirigidos aos municípios e também elevando os repasses de recursos, muitas vezes feitos diretamente na conta corrente da escola. "Nos últimos anos, o MEC começou a intensificar iniciativas de articulação com os municípios, com dinheiro e apoio técnico. Isso acontece menos com os governos estaduais, porque a relação política tende a ser mais tensa. O contato com as prefeituras é diferente, elas precisam mais do MEC", analisa Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

A nota média do Ideb das escolas públicas do primeiro ciclo do ensino fundamental, de competência das prefeituras, subiu de 3,6, em 2005, para 4,4 no ano passado. Na esfera estadual, a nota do nível médio variou num ritmo bem menos intenso no período, de 3,1 para 3,4, pouco acima da meta de 3,2. O Ideb é calculado a cada dois anos, a partir do cruzamento de dados de aprovação e evasão com avaliações de proficiência em português e matemática. A partir das notas de cada biênio, o governo traça metas para os dois anos seguintes. O objetivo é chegar em 2021 com Ideb de 6 - patamar educacional da média dos países da OCDE.

Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC, reconhece que, atualmente, a organização e o currículo do ensino médio estão defasados. "Costumo dizer que são alunos de uma geração digital para uma escola analógica. Os que estão no ensino médio hoje entraram numa escola completamente diferente há dez anos e sabemos que leva tempo para os indicadores começarem a mostrar melhoria, que chega primeiro nos anos iniciais e vai chegando como onda nos ciclos finais", explica.

Citando o Enem e o programa Ensino Médio Inovador (EMI), Maria do Pilar ressaltou que o MEC mantém políticas concretas para o último ciclo da educação básica. "Repassamos R$ 100 milhões por meio do EMI para as secretarias estaduais reforçarem suas ações, aumentando em 20% a carga horária das aulas, criando disciplinas optativas e atividades extracurriculares, com ênfase na leitura, e incentivando a dedicação exclusiva dos professores."

O programa tem hoje adesão de 350 escolas e deve ser ampliado em 2011. O professor Avalarse diz que os maiores desafios do ensino médio estão no atendimento. "O país consegue matricular bastante no primeiro ano, mas perde muita gente no decorrer do ciclo. O Ideb não vai melhorar, se a evasão continuar."

Tida como uma arma para melhorar a educação pública, o ensino integral já é realidade em 377 municípios brasileiros, entre eles Santos, no litoral de São Paulo, Cuiabá (MT) e Teresina (PI). Todos recebem recursos do programa federal Mais Educação e se destacaram no Ideb. "[O ensino integral] É uma tendência mundial, uma resposta para os problemas concretos da educação", diz Terezinha do Nascimento, diretora da Escola Municipal Padre Waldemar Martins, em Santos.

Aberta no ano passado, a escola recebe 290 alunos de 1ª à 5ª série, das 7h30 às 17h30. Fora do horário regular de aulas, as crianças têm cinco refeições diárias e participam de oficinas de línguas e artes, fazem atividades físicas na quadra e na piscina, cuidam de uma pequena horta comunitária e têm tempo para brincar no pátio e no playground.

"Gosto mais daqui do que da outra escola que estudava, fico triste porque não venho no fim de semana", conta João Felipe, de oito anos, na 3ª série. Sua professora, Renata Benetti Cunha destaca a convivência. "A oportunidade de aprendizagem é maior, porque a estrutura permite e o convívio é muito melhor, trabalhamos mais o senso de cooperação", diz.

Com 20 anos de experiência na rede pública tradicional, a diretora se surpreendeu com o rendimento dos alunos. "Nosso Ideb só sai em 2011, porque a escola é nova, mas as avaliações internas estão ótimas", complementa Terezinha. No total, Santos conta com seis novas escolas de ensino integral. As outras 36 escolas regulares da rede municipal, por falta de recursos e estrutura adequada, foram convertidas ao modelo graças a parcerias com clubes, igrejas e associações de bairro. Os alunos dessas unidades também têm atividades paralelas fora do horário de aulas em 22 núcleos espalhados pela cidade .

Sueli Maia, secretária municipal da Educação, está convencida que a maior permanência do aluno na escola é uma das respostas para o avanço acima da média do Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal de Santos, que subiu de 4,4 para 5,3 entre 2005 e 2009. "Dados mostram que aulas de teatro ou a prática do xadrez contribuem para melhorar o desempenho em português e matemática", exemplifica. Ela cita outras políticas implementadas pela prefeitura, que ajudam a melhorar o ensino, como a abertura das escolas nos fins de semana, o pagamento acima do piso nacional e a oferta de bolsas de estudo para professores.

A melhora da educação pública de Teresina também chama atenção. A nota do Ideb para o ciclo final do ensino fundamental cresceu de 3,9, em 2005, para 4,7 no ano passado, ficando bem acima da meta do MEC (4,1). O secretário da Educação da capital do Piauí, José Ribamar Torres, conta que o desempenho é consequência de pelo menos 20 anos de trabalho focado no planejamento e monitoramento da atividade pedagógica da rede.

"Equipes da secretaria visitam as escolas diariamente e avaliam e discutem a performance dos professores na sala de aula. A partir daí definimos estratégias específicas de capacitação", conta Torres. Os professores com defasagem frequentam semanalmente um centro de treinamento, onde participam do Horário Pedagógico. "São oficinas focadas nos problemas identificados em sala de aula", relata o secretário, que comanda uma rede com 147 escolas, 85 mil alunos e 2,5 mil professores.

Em Cuiabá, no Mato Grosso, além da adoção progressiva da escola em tempo integral, o avanço do Ideb é atribuído a políticas de gestão e à formação dos professores. "Aprovamos nosso plano municipal de educação (PME) em 2007, desde então percebemos que as coisas estão andando, embora haja muito a ser feito", assinala Permínio Pinto Filho, secretário municipal da Educação. O PME da capital mato-grossense, diz ele, está centrado em três pilares: gestão, currículo e formação. "Cada escola tem um plano de gestão, que trata da questão da infraestrutura aos problemas sociais dos alunos e suas famílias. Os currículos são atualizados anualmente e não temos professores sem diploma de curso superior desde 2005, incluindo a zona rural", conta o secretário.

Em Parintins, segunda maior cidade do Amazonas, as iniciativas que ajudaram a melhorar o Ideb são estruturais, explica Maildson Fonseca, titular da Secretaria Municipal da Educação. "Fizemos os investimentos corretos, nos últimos três anos. Foram construídas 4 escolas na zona urbana e 16 na zona rural, e a maioria das 143 unidades educacionais foram reformadas e ampliadas. Também melhoramos o sistema de transporte da grande maioria dos alunos, que vai de barco para a escola." Segundo Fonseca, a maioria desses investimentos é custeada por convênios firmados com os governos federal e estadual.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

País precisa investir na educação para crianças até 4 anos, diz professor da FGV

Autor(es): Vera Saavedra Durão | Do Rio
Valor Econômico - 15/10/2010

A proposta do professor é da criação de programas de educação precoce pelo governo nas suas mais diversas esferas - federal, estadual e municipal - capazes de propiciar às crianças mais pobres um acompanhamento de qualidade, reduzindo o fosso que separa os estudantes brasileiros ao ingressarem no ensino básico. "Isso vai garantir maior retorno para o crescimento econômico sustentado, com maior distribuição de renda, nos próximos 20 anos", disse Araújo ao Valor.

O tema "Educação e Desenvolvimento Econômico" foi o escolhido por Araújo para palestra que fará na abertura do seminário que comemorará os 80 anos da faculdade de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na segunda-feira. Ele adiantou que ampliar a faixa da educação no Brasil é um desafio, pois a maior parte das crianças brasileiras é de famílias com renda inferior a cinco mínimos, geralmente as que têm maior número de filhos. "Já tivemos uma vitória com a aprovação pelo Congresso, no ano passado, da obrigatoriedade do ensino para crianças dos quatro anos até os 17 anos. Temos agora, de imediato, que garantir um acompanhamento para a faixa de zero a três anos".

Segundo seus cálculos, os gastos para tocar um investimento deste tipo não são muito grandes. Hoje, o país conta com uma população de crianças de zero a quatro anos de 13,4 milhões (10,6 milhões de zero a três anos), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2009. Para atingir pelo menos 20% deste contingente infantil seria necessário aos cofres públicos gastar o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), estimado por ele em R$ 4 trilhões para 2011, o que daria cerca de R$ 20 bilhões.

Araújo propõe a criação de creches especializadas, principalmente nos maiores bolsões de pobreza assistidos pelo Bolsa Família para desenvolver o trabalho em convênio com universidades, pois a educação, como destaca, está muito associada à renda. As creches devem ser diferentes de muitas das atuais que existem apenas para "guardar" as crianças para mães que trabalham. "É preciso creche de qualidade, com pouca criança por adulto e que incentive o relacionamento com as mães, pois o lado psicológico, emocional da criança deve ser preservado."

Nesse quesito, Araújo sugere ainda que sejam incentivados programas em associação com o Ministério da Saúde para garantir assistência pré-natal às mães nos bolsões de pobreza e assistência de médicos de família no acompanhamento de crianças até um ano.

Os estudos do professor da FGV foram inspirados nos trabalhos do prêmio Nobel de economia de 2000, James Heckman, um dos primeiros a se debruçar sobre o tema da educação infantil nos primeiros anos da criança. Heckman implantou o ensino precoce nos Estados Unidos, na época do presidente Lyndon Johnson, nos anos 60, quando foi implantado um programa para combate à pobreza. As crianças que participaram dos programas especiais de pré-escola não só tiveram indicadores de comportamento social melhores, como menores índices de gravidez na adolescência e de encarceramento, além de melhores salários.

Ele citou ainda Cuba, como país cujo programa de educação precoce foi bem sucedido. O investimento em educação infantil em Cuba é o maior da América Latina. A performance de Cuba em testes internacionais é do nível da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Aloísio Araújo atribui a redução da disparidade de renda no Brasil em boa parte a um nível menor de desigualdade educacional dos adolescentes de 18 anos. Se a este avanço for garantido acompanhamento educacional até os quatro anos, o aproveitamento será melhor ainda para o futuro do país.





Aloísio Araújo, economista, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), defende a inclusão, na agenda do próximo governo, de investimento público para sustentar programas de educação infantil para crianças nos primeiros anos de vida. "Segundo a neurociência é de zero a quatro anos que se forma o cérebro humano", alerta.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Professores não se sentem preparados para inclusão

Gazeta do Povo

Ponta Grossa - O Paraná, e de modo geral o Brasil, ainda estão dando os primeiros passos para a inclusão de alunos com deficiência nas escolas normais. Conforme os próprios professores, é preciso aparar arestas. É o que sugere uma pesquisa feita via internet pelo Tribunal de Contas do Estado para elaborar o parecer prévio das contas do governo estadual referente ao ano passado. Os professores elencaram os motivos que dificultam a inclusão: falta de capacitação profissional, escassez de material didático e salas de aula superlotadas.

Dos 1.623 professores da rede estadual que responderam aos questionários, 75% dizem que não se sentem preparados para dar aulas para alunos deficientes. No curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), por exemplo, os acadêmicos têm apenas 68 horas-aulas – o equivalente a duas aulas por semana – de educação inclusiva e a mesma quantidade de aulas sobre linguagem de sinais, chamada de Libras. A disciplina deveria ser aplicada em todas as licenciaturas, mas por enquanto, está restrita à Pedagogia. A Secretaria Estadual de Educação e as secretarias municipais promovem cursos de capacitação aos professores já formados. “Muitos professores não fazem os cursos, não se especializam”, diz Julia Maria Morais, da direção de educação especial da APP-Sindicato.

Em segundo e terceiro lugares na lista de queixas dos professores estão a falta de material didático (63,6%) e salas muito cheias que impedem o atendimento individualizado ao aluno com deficiência (56,3%). Além disso, os portadores de deficiência ainda têm de enfrentar barreiras físicas nas escolas (52,5%) e o preconceito de outros alunos e dos pais dessas crianças (52,3%).

Para a chefe do departamento de educação especial e inclusão educacional da Secretaria Estadual de Educação e presidente do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa com Deficiência, Angelina Mattar Matiskei, os números não podem ser analisados sozinhos, mas dentro do contexto da educação inclusiva. “Estamos fazendo um processo de inclusão que é gradativo e crescente”, aponta. Em 2004 foi feito o primeiro concurso para contratar professores de educação especial. Angelina afirma que há uma década a realidade era outra. “Nenhum professor estava capacitado, não havia rede de apoio.” Das 2.126 escolas, a maioria foi construída há muitas décadas, quando ainda não se discutia acessibilidade.

Na opinião da pesquisadora e doutora em educação Esméria de Lourdes Savelli, o caminho está errado. “Do meu ponto de vista existe um equívoco muito grande. O aluno especial tem direito à inclusão no ensino regular, mas da maneira como ela acontece é irresponsável porque é preciso ter professores especializados. Eu sou a favor de o aluno especial ter aula no ensino regular, mas em uma turma menor e com professor especializado”, aponta. O professor Luiz Alberto Guimarães, que atua nessa área, diz que as escolas não estão preparadas para atender aos alunos com deficiência. “Acho difícil ter uma solução em curto prazo porque primeiro é preciso melhorar a estrutura física das escolas e segundo que todo profissional precisa abraçar essa causa, sendo que a oferta de cursos de capacitação tem que partir do estado ou das redes municipais”, opina. Hoje, a rede estadual do Paraná tem 37.086 alunos especiais.

População brasileira passa por "superenvelhecimento", diz Ipea

Autor(es): Juliana Ennes | Do Rio
Valor Econômico - 14/10/2010




A expectativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é que a população brasileira atinja sua expansão máxima em 2030, com aproximadamente 206,8 milhões de pessoas, e passe a se contrair depois disso, caso a taxa de fecundidade não volte a crescer. Com isso, nos próximos 20 anos, deverá haver um "superenvelhecimento" da população, o que deverá modificar as políticas públicas dos próximos governos.

Com a continuidade da dinâmica da fecundidade e da mortalidade iniciada no século passado, a expectativa do Ipea, ao analisar dados do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que, em 2040, o contingente populacional brasileiro seja de 204,7 milhões.

Em comparação com a Europa, o movimento de passagem dos estágios de taxas de mortalidade e de fecundidade elevadas para o de mortalidade e fecundidade baixas estaria acontecendo no Brasil numa velocidade acelerada, aponta o estudo.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) mostram a manutenção do valor da taxa de fecundidade total nos níveis observados em 2007 e 2008, que estão bem abaixo dos de reposição, com média de 1,8 filho por mulher.

Os grupos populacionais abaixo de 30 anos de idade já estão experimentando taxas negativas de crescimento. A partir de 2030, os únicos grupos populacionais que deverão apresentar crescimento positivo serão os com idade superior a 45 anos.

A população em idade ativa (PIA), acima dos 15 anos, também crescerá até 2030 e, a partir daí, deverá diminuir. A participação do grupo jovem, entre 15 e 29 anos, atingiu seu pico no ano 2000 e espera-se que decline substancialmente a partir de 2010. Segundo o estudo, a estimativa é que a participação relativa da PIA adulta, entre 30 e 44 anos, permaneça aproximadamente estável até 2040, mas com acréscimo em valores absolutos.

Além do envelhecimento da população total, a proporção da população acima dos 80 anos também está aumentando, alterando a composição etária no próprio grupo de idosos, ou seja, a população idosa também envelheceu. A sua participação na população brasileira passou de 0,9% para 1,6%, entre 1992 e 2009. São 2,9 milhões de brasileiros com 80 anos ou mais.

De acordo com o estudo do Ipea, "em termos de políticas públicas, pode-se esperar um aumento na demanda por cuidados de longa duração e por serviços de saúde, além de requerer pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais por um período de tempo mais longo".

O processo de envelhecimento é muito mais amplo do que a modificação de pesos de uma determinada população, dado que altera a vida dos indivíduos, as estruturas familiares e a sociedade. Segundo o Ipea, o envelhecimento da população modifica também a demanda por políticas públicas e a pressão pela distribuição de recursos na sociedade. "Por isso, suas consequências têm sido, em geral, vistas com preocupação, por impor desafios ao Estado, ao mercado e às famílias", salienta o estudo.

As principais políticas sugeridas para a população idosa são de renda, para compensar a perda da capacidade de trabalho, saúde, habitação, infraestrutura e acessibilidade.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

MEC admite mau resultado do programa

Autor(es): Agencia o Globo
O Globo - 11/10/2010



O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, André Lázaro, admite que o Brasil Alfabetizado teve um impacto menor do que o esperado na redução do analfabetismo.

Mas considera excelente o formato do programa e defende maior participação do Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento oftalmológico e na distribuição de óculos para a população iletrada: A queda (do analfabetismo) não é proporcional aos nossos esforços.

Segundo ele, 80% das turmas do Brasil Alfabetizado funcionam no Nordeste.

Essa seria a explicação para a diminuição mais acentuada do analfabetismo entre a população de 15 anos ou mais na região: de 22,43%, para 18,7%, de 2004 para 2009.

No Brasil, a redução foi de 11,45% para 9,7%.

Lázaro reconhece que as taxas de analfabetismo permaneceram no mesmo patamar em três regiões: no Sudeste, a variação foi de 6,62% para 5,7%, entre 2004 e 2009; no Sul, de 6,28% para 5,5%; e no CentroOeste, de 9,18% para 8%. E, no Nordeste, ela tem caído em ritmo menor do que o desejado.

Isso significa que a gente não tem conseguido alcançar os analfabetos.

Para ele, porém, o Brasil Alfabetizado tem muitos pontos positivos: Temos um excelente programa. O desenho é bom, porque dá autonomia aos parceiros. E o foco no Nordeste tem apresentado resultados. Na região urbana, a taxa de analfabetismo de 15 a 29 anos (1,76%) já é bastante reduzida. Os nossos maiores desafios estão na população idosa e rural.

Lázaro aposta nas parcerias com prefeituras e governos estaduais. Para ele, o MEC não teria como tocar sozinho um programa da magnitude do Brasil Alfabetizado, que não conta sequer com uma rede de escolas. Segundo o secretário, 30% das turmas funcionam na casa dos alfabetizadores, igrejas e salas comunitárias.

Ele acredita que o Brasil cumprirá a meta das Nações Unidas, que prevê chegar a 2015 com taxa de analfabetismo de 6,7%. E, embora evite criticar o IBGE, diz que espera o resultado do censo para saber o tamanho do problema, pois a Pnad é feita por amostragem e pode conter erros.

Sem treinamento para dar aula

Autor(es): Agencia o Globo
O Globo - 11/10/2010



Pedagoga contratada não fez o curso de formação previsto pelo MEC




Passar creme hidratante nas mãos faz parte da lição numa turma do Brasil Alfabetizado, em Brasília. Os 18 alunos trabalham em áreas como limpeza, lavanderia ou jardinagem. E alguns penam para segurar um lápis. Ou melhor, penavam, porque as aulas, iniciadas em março, já dão resultado.

Quem leva o creme hidratante é a alfabetizadora Marilene Sacramento. Formada em Pedagogia, ela está desempregada.

Antes, trabalhava como auxiliar administrativa terceirizada num ministério.

Marilene recebe R$ 250 por mês nem metade de um salário mínimo.

Faço por amor diz Marilene.

Aos 52 anos, ela nunca lecionou no ensino regular. Sua experiência resumiase a dar aulas como voluntária num centro espírita. Ao ser selecionada pelo governo do Distrito Federal, este ano, ela conta que não recebeu orientação pedagógica nem participou do curso de formação inicial previsto pelo MEC.

Marilene alfabetiza funcionários do Minas Brasília Tênis Clube. Eles são dispensados do serviço na hora de estudar.

As aulas vão de terça à sexta-feira, das 15h30m às 17h50m, numa área coberta com vista para o Lago Paranoá. O clube também serve lanche. Ainda assim, na última sexta-feira, estavam presentes só 12 dos 18 matriculados. Quando estão de folga, eles não costumam ir às aulas.

O governo do DF decidiu reformular sua participação no Brasil Alfabetizado.

De olho num contrato futuro, a organização não-governamental Alfasol está prestando consultoria gratuita para as turmas do programa no DF. Isso inclui um encontro semanal de Marilene com especialistas da Alfasol.

Uma das atividades postas em prática pela alfabetizadora foi a simulação de uma eleição, na semana passada. Os alunos fizeram a vez de candidatos, e a turma lidou não só com conceitos de voto e democracia, como também com números, nomes e cargos.

A riqueza da alfabetização de jovens e adultos está nisso: vai muito além das letras diz a supervisora de pedagogia da Alfasol em Brasília, Clélia Rabelo.

A lavadeira Marlene Maria Alves de Sousa, de 49 anos, conta que aprendeu a assinar o nome com as filhas. Mas, ao receber o contracheque do clube, todo mês, ela não sabia preencher o espaço reservado à data. Aprendeu no Brasil Alfabetizado.

Antes de trabalhar na lavanderia do clube, Marlene atuava no setor de limpeza.

Ela diz que poderia ter sido promovida para a portaria. Mas foi barrada por não saber ler e escrever.

Funcionário da náutica, onde limpa lanchas, Messias Sousa da Silva, de 37 anos, diz que é um pouco vergonhoso ser analfabeto. Ele já trabalhou como cozinheiro e lembra que precisava da ajuda de colegas para ler o cardápio.

Nascido na zona rural de São Benedito (CE), Messias conta que seu pai só valorizava o serviço na roça: Meu pai dizia: não tem caneta melhor do que o cabo da enxada.

Rede de ensino técnico ganha mais autonomia

Autor(es): Luciano Máximo | De São Paulo
Valor Econômico - 11/10/2010

Decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim de setembro dá autonomia financeira e orçamentária para toda a rede federal de educação profissional e tecnológica, atualmente composta por mais de 300 institutos de ensino técnico de nível médio e superior que vão administrar um orçamento de R$ 5,2 bilhões em 2011.

Em plena fase de expansão - foram abertos cerca de 200 institutos nos últimos cinco anos -, a rede federal se beneficia com a medida porque passa a ter mais mobilidade de caixa para financiar projetos e obras e fazer compras, contratar professores e funcionários, e abrir mais vagas, o que responderia à forte demanda nacional por mão de obra qualificada.

O principal aspecto do decreto é a autorização às unidades de ensino para acumular sobras orçamentárias de um exercício e utilizá-las no seguinte - dotação não empenhada por uma unidade orçamentária ao longo de um ano é devolvida aos cofres da União ou transferida para a rubrica restos a pagar, e não pode ser acessada imediatamente.

Nas palavras do supervisor da rede federal de educação profissional e tecnológica, Alexandre Vidor, a "autonomia é quase uma quebra do princípio de anualidade do orçamento". "É um avanço na política de gestão, permite que cada instituto planeje com mais racionalidade o cumprimento de sua missão institucional e que não haja perda de recursos em função da limitação do tempo, mantendo sempre o recurso na educação e o fomento do ensino profissional e tecnológico", avalia Vidor.

O decreto 7.313, de 22 de setembro deste ano, também prevê o aumento de dotações orçamentárias aos institutos com base em uma série de critérios de eficiência acadêmica, como o número de matrículas, ingressantes e concluintes, a relação entre a quantidade de alunos para cada docente, a existência de laboratórios de inovação tecnológica, a indicação de solicitação de patentes e os projetos de extensão dos institutos. "Quando há agilidade, o instituto pode exercer sua autonomia para responder às demandas da economia e do mercado e ampliar o acesso à população", complementa Vidor.

Responsável por um orçamento de R$ 14 milhões - já descontada a folha salarial -, Sérgio Gaudêncio, reitor do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), está satisfeito porque não precisará interromper investimentos. "Esse vaivém de verba sempre foi um grande calo para nós gestores, tínhamos que gastar tudo até o fim do exercício, porque o que não era gasto interrompia o investimento. Agora um planejamento já traçado não será prejudicado, teremos fluxo e tempo para gastar melhor", explica.

Para exemplificar, Gaudêncio conta que correu o risco de perder uma parceria com a Petrobras para formar técnicos na área de petróleo e gás. O acordo envolvia repasse de R$ 6 milhões por parte da estatal para o instituto conceder 1.403 bolsas de estudo mensais. Sem o decreto, na virada do ano orçamentário o IFPE teria que devolver para a União parte dos recursos da Petrobras que não foram usados, pois haveria uma sobra já que os R$ 6 milhões estão previstos para cobrir as bolsas e outros custos até o fim do programa, no ano que vem. "A gente ia levar dois, três meses para retomar o pagamento das bolsas, o que eu iria dizer aos estudantes? Isso seria um grande absurdo, porque há um certo desespero por profissionais qualificados no campus de Ipojuca, onde fica o complexo portuário de Suape", relata Gaudêncio.

Além da autonomia financeira e orçamentária, os institutos da rede federal de educação profissional e tecnológica foram autorizados a contratar professores e funcionários sem a anuência do Ministério da Educação (MEC) ou do Planejamento. "Essa iniciativa impede buracos no atendimento no momento em que um docente se aposenta ou sai de licença ou desiste do trabalho. A reposição passa a ser mais rápida, menos burocrática, e não prejudica o aluno", afirma Caio Bueno, reitor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).

MEC GASTA R$ 2 BILHÕES E NÃO ALFABETIZA

Brasil Alfabetizado gasta, mas não alfabetiza
Autor(es): Demétrio Weber
O Globo - 11/10/2010



Em seu oitavo ano, o programa Brasil Alfabetizado já gastou R$ 2 bilhões, mas teve impacto pequeno na redução do analfabetismo. O índice de iletrados, na faixa de 15 anos ou mais, só caiu de 11,6%, em 2003, para 9,7%, em 2009.




Criado há oito anos, programa do governo Lula já custou R$ 2 bilhões, mas índice de iletrados caiu menos de 2%

O faxineiro Edvaldo Félix Bezerra limpa banheiros no setor de transporte e garagem da Câmara dos Deputados.

Entra às 7h e começa o dia sujando o polegar de tinta. Aos 53 anos, Edvaldo é analfabeto e preenche a folha de ponto com a impressão digital. Principal meta do Ministério da Educação (MEC) no início do governo Lula, a erradicação do analfabetismo está longe de virar realidade.

Em seu oitavo ano, o programa Brasil Alfabetizado já gastou R$ 2 bilhões, em valores atualizados, e matriculou milhões de jovens e adultos. Mas o índice de iletrados, na faixa de 15 anos ou mais, caiu menos de dois pontos percentuais: de 11,6%, em 2003, para 9,7%, em 2009, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.

O número absoluto de analfabetos está na casa de 14 milhões desde 2006, segundo a Pnad. No ano passado, eram 14,1 milhões.

Até o fim de 2010, o Brasil Alfabetizado deverá atingir a marca de 14 milhões de matrículas, considerando-se a quantidade de alunos atendidos a cada ano.

Em 2010, a previsão é atingir 2,2 milhões de jovens e adultos. A maioria das turmas, porém, só começará nos próximos meses, avançando sobre 2011.

Coincidentemente, o total de vagas oferecidas pelo Brasil Alfabetizado (14 milhões) está perto de igualar o número absoluto de iletrados. Ou seja, podese afirmar que o programa do MEC criou condições de atender um número equivalente ao de jovens e adultos analfabetos no país. Os dados da Pnad sugerem, porém, que a iniciativa não surtiu o efeito desejado.

Teste para aferir aprendizado só foi criado em 2009 Outro problema é que o MEC desconhece a eficácia do Brasil Alfabetizado. Só em 2009 o ministério instituiu um teste para aferir a aprendizagem ao final do curso. Como o programa é realizado em parceria com governos estaduais e prefeituras, não é o MEC que aplica a avaliação.

Além disso, cabe aos parceiros informar os resultados. E muitos deixam de fazer isso.

No ano passado, ao renovar as parcerias, o MEC cobrou informações sobre o desempenho das turmas de 2007, quando ainda não havia um teste padronizado.

De 1,3 milhão de alunos supostamente atendidos naquele ano, pelo menos 927 mil teriam concluído o curso e 666 mil teriam sido alfabetizados, segundo as informações que chegaram ao MEC. Como nem todos os parceiros continuaram no programa, os resultados desses alunos não foram enviados.

O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, André Lázaro, diz que a evasão no Brasil Alfabetizado gira em torno de 30%. Embora a Pnad informe que a idade média do analfabeto brasileiro era de 54 anos, o país tinha 5,4 milhões de iletrados com menos de 50 anos, em 2009. A maioria vivendo em áreas urbanas: 3,2 milhões nas cidades e 1,8 milhão no campo.

O faxineiro Edvaldo não é o único analfabeto no setor de transporte e garagem da Câmara.

Raimundo Oliveira, de 53 anos, também usa o dedo para assinar o ponto. Ele abandonou a escola para servidores da Câmara. Edvaldo, que nasceu em Pesqueira (PE), conta que abandonou a escola ainda criança, pois não gostava de estudar e só queria trabalhar na roça: Me arrependi muito porque não estudei quando era novo.

A pessoa que sabe ler conhece muita coisa e pode arrumar um serviço melhor diz Edvaldo, que recebe R$ 600 por mês, somando salário e benefícios.

Até no MEC há analfabetos.

Embora seja capaz de assinar o nome e, com algum esforço, ler até frases, Almir Alves Rodrigues, de 37 anos, está no limiar entre o analfabeto absoluto e o funcional, aquele que lê, mas não entende. Almir é faxineiro terceirizado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência do MEC responsável pela pósgraduação.

Nascido no Distrito Federal, ele diz que terminou a 4ªsérie do ensino fundamental, mas largou a escola para ajudar a mãe, trabalhando como vendedor de balas e engraxate.

Sei ler muito pouco. O mais difícil são aquelas letras enganchadas diz Almir.

O Brasil Alfabetizado não apareceu na propaganda eleitoral da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. O motivo é simples: o programa, que já foi reformulado uma vez, ainda não consegue funcionar direito. Até 2006, os convênios eram celebrados também com organizações não-governamentais. O MEC acabou com a parceria com ONGs, passando a firmar convênios apenas com prefeituras e governos estaduais.

Um dos objetivos era atrair professores da rede pública para atuarem como alfabetizadores.

A meta era que, pelo menos 75% dos alfabetizadores fossem docentes. Segundo André Lázaro, porém, o percentual de professores gira em torno de 15%. Eles recebem R$ 250 por mês para dar quatro aulas por semana.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) foi ministro da Educação no primeiro ano do governo Lula e lançou o Brasil Alfabetizado. Ele critica a mudança de prioridade no MEC.

No início de 2004, logo após a demissão de Cristovam, erradicar o analfabetismo deixou de ser meta do governo: O nível de analfabetismo no Brasil é uma dívida que continua depois dos governos de Fernando Henrique, de Lula e de 25 anos de democracia. Uma vergonha nacional diz.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Burcas, minaretes, crucifixos e Estado laico

Gazeta do Povo Publicado em 07/10/2010

garantia da liberdade religiosa e do plu­­ralismo não permite vedações como as que ocorreram na França, já que im­­pe­­diriam, no caso do véu das muçulmanas, o cum­­pri­­mento de preceito religioso que não é ofen­­sivo nem à moral, nem à ordem pública

Recentemente, o Senado francês aprovou lei proibindo o uso, na França, da burca e do véu integral, indumentárias tradicionais e com caráter religioso, das mulheres muçulmanas. No ano passado, a Suíça, em referendo nacional, proibiu a construção, em território suíço, de minaretes, aquelas tradicionais torres de templos muçulmanos. Também em 2009, a Corte Europeia de Direitos Humanos proibiu a manutenção, em escolas italianas, de crucifixos nas salas de aula. O interessante são os argumentos que fundamentaram tais decisões.

No caso da proibição de símbolos religiosos islâmicos, um dos argumentos que se usou foi o da preservação dos valores culturais europeus. Com efeito, enquanto na Arábia Saudita se veda a construção de igrejas e até a celebração da missa, nos países cristãos da atualidade, até os casos suíço e francês, não se teve notícia dessa reciprocidade negativa. Outro argumento, que se aplicou ao caso dos crucifixos, seria o da laicidade do Estado. Pergunta-se: procedem os fundamentos e as vedações mencionadas?

Nas relações entre Igreja e Estado, a história nos tem mostrado basicamente três posições: a) a da confusão entre o espiritual e o temporal, que se dá no Estado confessional, o qual assume uma religião como oficial e admite, ou não, a prática de outra em seu território, como ocorre, por exemplo, com o Irã, a Grécia e a Inglaterra; b) a da absoluta separação, que pode chegar ao antagonismo, como ocorreu nos países comunistas, em que, começando pela colocação do fator religioso como algo a ser vivenciado exclusivamente no âmbito privado, caracterizando o laicismo, chega-se à perseguição religiosa do Estado ateu; c) a da separação com colaboração entre o Estado e a Igreja, próprio do Estado laico, que reconhece a religião como elemento constitutivo dos valores humanos, culturais e sociais, a ser apoiada, respeitada a liberdade e o pluralismo religioso. Essa última posição, de equilíbrio aristotélico, parece ser a que melhor resolve o problema.

Ora, se, por um lado, os símbolos religiosos ligados à tradição cultural de um povo, como representativos de seus valores mais elevados, merecem ser resguardados e mantidos nos locais em que figuravam desde a constituição da civilização que o ostenta, como é o caso dos crucifixos em repartições públicas em países de tradição cristã, por outro, a garantia da liberdade religiosa e do pluralismo não permite vedações tais como as que ocorreram na França e Suíça, já que impediriam, no caso do véu das muçulmanas, o cumprimento de preceito religioso que, a rigor, não é ofensivo nem à moral, nem à ordem pública.

Em 2009, a assinatura, pelo presidente da República e pelo Papa Bento XVI, do Acordo Brasil-Santa Sé de regulação das relações da Igreja e do Estado no Brasil, veio a solver muitas dessas questões em nosso país.

Portanto, concluímos que os argumentos esgrimidos pelos organismos legislativos e judiciais europeus acabaram violentando inclusive os direitos humanos que propalavam defender, já que um dos direitos humanos fundamentais é o da liberdade religiosa e da valorização do fator religioso na vida humana.

Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, é membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

terça-feira, 5 de outubro de 2010

JORNALISMO & HISTÓRIA A História do Brasil em grandes reportagens

Por Deonísio da Silva em 14/9/2010

Brasil: uma história – cinco séculos de um país em construção, de Eduardo Bueno, 478 pp., Editora Leya, São Paulo, 2010; R$ 69,90

Há dois belos livros na praça, indispensáveis para entender o Brasil. Não foram escritos por historiadores, mas por jornalistas. Um é 1822 (Nova Fronteira), de Laurentino Gomes, autor de outra publicação deliciosa, 1808, que já vendeu 600 mil exemplares. Recentemente lançado, 1822 já vendeu 100 mil exemplares em três dias.

O outro é Brasil: uma História – cinco séculos de um país em construção, de Eduardo Bueno, que a editora Leya acaba de relançar em nova edição, consideravelmente ampliada e com revisões indispensáveis. São 478 páginas do mais puro deleite.

Neste artigo vou me ocupar do livro de Eduardo Bueno, deixando a obra de Laurentino Gomes para a próxima semana. Os dois são muito bem-vindos à galáxia Gutenberg, onde pontificam historiadores que, se mais precisos, não conseguem despertar o interesse do grande público por uma questão de linguagem. Muitos deles são frutos de dissertações e teses e foram engessados pelo jargão universitário, obrigatório em bancas examinadoras, para as quais o sujeito é tanto melhor quanto mais diz alguma coisa segundo alguém que a dissera antes. Infelizmente é esta a realidade na maioria das defesas, que costumam interessar apenas aos membros da banca. Apesar de serem proclamadas como defesas públicas, o público está ausente nessas horas.

Uma chance de contar a história de modo diferente

Também a história das palavras nos ajuda a entender esses livros que buscam entender o Brasil. Somos mais ou menos como o porquinho-da-índia. O animalzinho não é porco, é roedor. E é originário das Américas Central e do Sul, não da Índia. O sufixo "eiro", próprio de ofícios – pedreiro, ferreiro, marceneiro etc. – serviu para designar o habitante do Brasil. Por causa do nome de um pau, o pau-brasil, o brasileiro não é braziliense, como quis o patrono da imprensa brasileira, Hipólito da Costa, no celebérrimo Correio Braziliense. E aqui jamais houve índio algum! Aqui não é a Índia. Este, aliás, foi engano dos próprios descobridores da América e do Brasil. Ainda assim, tivemos a Companhia das Índias Ocidentais, por oposição às Índias Orientais.

Os deliciosos causos de Eduardo Bueno sobre a História do Brasil podem começar a ser degustados pelo étimo de causo. Seus causos são casos com causas. Ele nos explica de modo saboroso como se deu a nossa história.

Os estudantes que tiveram aulas aborrecidas e aborrecentes de História do Brasil deem uma chance a Eduardo Bueno para lhes contar outra vez e de modo diferente como se deram os causos. Vejam como ele narra a partida da poderosa frota de Pedro Álvares Cabral. "Era domingo, e Lisboa, capital ultramarina da Europa, estava em festa. Os treze navios da frota mais poderosa já armada em Portugal balouçavam nas águas reluzentes do Tejo."

Um guia turístico de cinco séculos

João da Barros, testemunha ocular da célebre viagem, deu a trilha sonora da partida: "O que mais elevava o espírito eram as trombetas, atabaques, tambores e gaitas." Bah, tchê, Bueno começa um festival de detalhes imperdíveis: "Pedro Álvares Cabral, filho, neto e bisneto de conquistadores, mais um militar do que propriamente um navegador, rezava, silente. Aos 32 anos, estava pronto para a sua primeira missão em além-mar."

Encantam-me esses detalhes, dados com ar de descuido, algo que o autor ia cortar do texto, talvez, mas que à última hora deixou passar. Sim, como é importante saber a idade de Pedro Álvares Cabral. Tinha apenas 32 anos e aquela foi sua última viagem. Caiu em desgraça, talvez por ter voltado com apenas seis das treze embarcações, ainda que carregadas de especiarias, inaugurando o primeiro superfaturamento da História do Brasil e a primeira vez que o 13 deu azar! A pimenta, o cravo e a canela trazidos da Índia chegaram a ser vendidos por até dez vezes mais.

Cabral comandava 1.500 homens, dos quais 1.200 eram militares. Portugal era um Estado guerreiro, religioso e mercante. Vieram também dezesseis frades. Os Lusíadas, a obra-prima de Luís de Camões, fez dos audazes navegadores personagens eternos. E o pintor catarinense Victor Meirelles mostrará Frei Henrique de Coimbra solenemente paramentado e portugueses vestidos dos pés à cabeça numa calorão danado, ao lado de índios pelados no memorável quadro "A Primeira Missa no Brasil".

Eduardo Bueno é guia turístico numa viagem de mais de cinco séculos. Começa em 1500 e termina em 2010. Seu livro é a melhor e mais bem escrita síntese da História do Brasil.

Votar, perder e culpar

Diário dos Campos 05/10/2010

Porque agora liberou geral declarar voto póóóóde! E porque é importante deixar público e claro ao novo grupo no poder que se respeita, sim, a regra do jogo, mas nem por isso busca-se um buraco na cerca para passar, sorrateiramente, e compartilhar os cajuzinhos da vitória, eis aí o primeiro ato: meu voto foi para o senador Osmar Dias, PDT, e nessa decisão está incluída a torcida e a colaboração fora do expediente, tal qual o presidente Lula nos ensinou.

E perder uma eleição, o segundo ato da trilogia do título dessa coluna, é experiência dolorosa, caprichosa e definitiva. Porque não adianta chorar sobre os votos derramados nas urnas com o nome do adversário. Semelhante depressão só é parecida com o gol tomado na Copa do Mundo, com o agravante de que o time do outro lado vai influir na nossa vida nos próximos 4 anos. Não é bolinho, não, e se isso diverte os adversários, que se deleitem. Também é do jogo.

Mas humano, também, é culpar alguém pelo acontecido e esse é o terceiro ato, que se estende desde o ator principal, o candidato, até o sujeito que, por dinheiro ou esperança, segurou bandeira nas esquinas em dia de sol quente. Todo perdedor tem um culpado favorito, às vezes vários, e por mais incrível, o peso da responsabilidade não recai sobre o adversário, mas sim sobre os mais próximos, aqueles que se dedicaram dia e noite à batalha. Semelhante contradição acontece para resguardar a alma do mal maior, a de assumir que a vantagem aconteceu porque o lado de lá foi mais eficiente. Seria, então, perder mais uma vez e aí já é demais pro cabeção. Desde o começo da noite de Domingo, eu e 2 milhões 645 mil e 112 paranaenses que votamos em Osmar Dias lambemos a ferida aberta pela derrota eleitoral. Mas logo passa porque a vida é isso aí!

Pesquisas & Dúvidas
Nem bem terminou de beber o primeiro Moet & Chandon pela vitória nas urnas e o governador eleito do Paraná, Beto Richa, PSDB, já estava se explicando sobre a estratégia da campanha de censurar 9 pesquisas dos três principais institutos, (Datalhafolha, Ibope e Vox Populi), nos 15 dias que antecederam o 3 de outubro. E vai continuar se explicando por um bom tempo porque abriu um precedente, através da Justiça, que vai consumir páginas e páginas de debates e opiniões daqui pra frente. Ética eleitoral e liberdade de informação à parte, o candidato tucano foi o vencedor da eleição de 2010 depois que conseguiu proibir todas as pesquisas no exato momento em que teve a diferença para Osmar Dias, PDT, de 16 pontos reduzida para 5 pontos. Se a tendência continuasse, matematicamente Osmar Dias poderia comemorar a virada em questão de dias. Sem pesquisas, todo mundo jogou na roda a sua própria versão e deu no que deu. A dúvida aí está. E os Institutos de Pesquisa que se cuidem. Se a moda pega...

Políticos reclamam de pesquisas

Gazeta do Povo 05/10/2010

Fechadas as urnas, ontem foi dia de vencedores e perdedores nas eleições reclamarem das divergências entre os números das pesquisas e os resultados da votação. Eleito para a Câmara dos Deputa­­­dos pelo PPS, Rubens Bueno disse já está articulando com a bancada federal uma investigação sobre a conduta dos institutos de pesquisa em todo país. “Não podemos tolerar números completamente distorcidos da realidade”, afirmou Bueno, que também pretende levar o assunto à executiva nacional do PPS, com quem se reúne hoje. O deputado Abelardo Lupion (DEM), reeleito à Câmara Federal, prometeu apresentar um projeto de lei para impedir a divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes do pleito.

Da Assembleia Legislativa também partiram ataques aos institutos de pesquisa. Na retomada dos trabalhos da Casa, depois de 20 dias de recesso branco, o deputado Ademar Traiano (PSDB) subiu à tribuna para reclamar dos resultados apresentados pelos levantamentos realizados por institutos nacionais. “O Ibope acabou tirando uma vaga do Senado, que poderia ser do Gustavo [Fruet]”, disse, em referência à pesquisa Ibope divulgada no último sábado.

A reclamação de Traiano foi acompanhada pelo presidente estadual do PSDB, Valdir Rossoni. O deputado voltou a afirmar que a decisão de contestar na Justiça as pesquisas eleitorais foi do partido e que não se arrependia da medida. A campanha do governador eleito Beto Richa recorreu à Justiça Eleitoral e conseguiu impedir a divulgação de sete levantamentos de intenção de voto durante a campanha eleitoral.

Richa, que já havia criticado as pesquisas eleitorais no domingo, voltou a fazer ataques ontem. Durante coletiva de imprensa, o tucano disse ainda ter sido prejudicado pelas pesquisas nas eleições de 2002 e 2004. “Pergunto para vocês: o que atrapalha a democracia? A nossa atitude, que foi comprovada na prática, ou a divulgação de pesquisas erradas que podem induzir o eleitor ao erro?”.

O principal alvo de críticas dos parlamentares e do próprio Richa foi a última pesquisa Ibope para o governo do estado e ao Senado. O levantamento foi contestado pela campanha tucana e liberado na noite de sexta-feira por uma liminar do ministro Marco Aurelio Mello do Tribunal Superior Eleito­­­ral. Os dados, que foram recolhidos entre 30 de setembro e 2 de outubro, indicavam um empate entre Beto Richa (PSDB) e Osmar Dias (PDT), com 49% dos votos válidos cada um, o que poderia levar a um segundo turno. Richa levou a eleição no primeiro turno com 52,4% dos votos válidos.

Na avaliação da cientista política Luciana Veiga, da Univer­­­sidade Federal do Paraná (UFPR), neste caso o resultado da pesquisa não ficou distante da realidade. “Não me parece que a pesquisa tenha errado tanto para governador. Para mim, a de senador parece um pouco mais problemática”, diz.

Para o Senado, a pesquisa Ibope mostrou Gleisi Hoffmann a frente com 33% das intenções de voto válidos, o ex-governador Roberto Requião (PMDB) em segundo lugar com 31% e Gustavo Fruet (PSDB) com 18%. O resultado nas urnas confirmou a vitória de Gleisi, mas mostrou uma situação muito mais apertada entre Requião e Fruet: 24,8% conta 23,1%, respectivamente. De acordo com Luciana, numa eleição como a deste ano, em que são escolhidos dois senadores, fica mais complicado para os institutos preverem o resultado. Isso porque também é mais complicado para o eleitor fazer a escolha.

Gustavo Fruet (PSDB) diz acreditar que o resultado do Ibope influenciou na sua derrota para o Senado. Na avaliação dele, o porcentual negativo nas pesquisas desmotiva quem está envolvido na campanha, causa perdas de apoios políticos e também influencia no voto de alguns eleitores, que acabam optando pelo candidato que está a frente, com o intuito de “não perder” o voto – o chamado “voto útil”.

Metodologia:

A pesquisa Ibope entrevistou 2.002 eleitores entre 30 de setembro e 2 de outubro. A margem de erro é de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos. A pesquisa foi registrada no TRE-PR sob o protocolo: 22.938/2010 e no TSE: 33.339/2010.

Entrevista
Entrevista Márcia Cavallari, diretora do Ibope.

No Paraná houve muita reclamação em relação ao resultado das pesquisas. Uma das reclamações é que os números para o governo e o Senado não bateram com os resultados das urnas. Como explicar as diferenças?

É importante observar que ninguém no Paraná viu a evolução das pesquisas. Não foi observada a tendência. E em pesquisas o que vale é a tendência. Não o número exato, absoluto. Porque a pesquisa não é infalível, ela não é oráculo. Em relação à pesquisa de véspera para governador, ela mostrava um empate acirrado das duas candidaturas [Beto Richa e Osmar Dias]. A pesquisa de boca de urna já mostrava uma vantagem para o Richa, que foi confirmada nas urnas. Os resultados estão dentro da margem de erro da pesquisa.

Mas a diferença para a eleição para o Senado entre os candidatos Gustavo Fruet (PSDB) e Roberto Requião (PMDB) ficou bem acima da margem de erro, por quê?

O Senado é uma eleição muito difícil, são dois candidatos a serem votados. Mas as pesquisas já mostravam que a curva do Requião era uma curva de queda. Também mostravam uma ascensão do Gustavo Fruet e do Ricardo Barros (PP). Além disso, a pesquisa de véspera ainda tinha um índice muito elevado de indecisos. Na pesquisa da véspera, o Gustavo estava com 18% [dos votos válidos], na pesquisa de boca de urna com 22% e ele obteve 23%. Estava dentro da margem. O movimento de crescimento dos candidatos não termina quando eu termino de fazer a minha pesquisa. As pessoas continuam decidindo o seu voto, eu que interrompo o meu processo de perguntar.

Os políticos do estado reclamaram que o resultado da pesquisa de véspera teria influenciado na derrota de Gustavo Fruet. Qual avaliação a senhora faz disso?

Não existe nenhum estudo sobre essa influência direta das pesquisas na decisão de voto do eleitor. Não necessariamente o eleitor decide votar em determinado candidato porque as pesquisas estão mostrando ele à frente. Tanto é que, se fosse assim, quem sai na frente nas pesquisas acabaria sempre na frente. E não é isso que ocorre.

Abstenções influenciam na diferença dos resultados da pesquisa e o das urnas?

Quando a gente está fazendo a pesquisa, entrevista todo mundo porque o voto é obrigatório. Agora, o que a gente vê é que, se a abstenção não ocorre de forma homogênea nos vários segmentos, ela pode ter um efei­­to. Por exemplo, o eleitor do Requião é um eleitor muito menos urbano, de menor renda. Então, se há um nível de abstenções maior desse perfil de elei­­torado e não no eleitorado do Gustavo, isso pode ter um efeito sim. (CO)

sábado, 2 de outubro de 2010

Estratégias Múltiplas

REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 161

Características e necessidades regionais exigem a adoção de um cardápio variado de soluções para a educação brasileira. No entanto, não é possível negligenciar o que não é priorizado


Marta Avancini




Em época de campanha eleitoral, a educação volta à cena de duas maneiras aparentemente contraditórias: como solução para as grandes questões do Brasil e como um problema que permanece. É nesse cenário que surgem as promessas de grandes mudanças e de superação dos históricos gargalos e entraves de atendimento e aprendizagem.

A experiência, contudo, demonstra que, muitas vezes, as respostas para os desafios da Educação Básica brasileira passam bem longe da retórica e dos discursos generalizantes. Em todo o país, escolas e redes de ensino têm realizado ações concebidas a partir de necessidades e características específicas.

Um dos fatores que possibilitam isso é a implantação, ocorrida nas duas últimas décadas, de instrumentos diagnósticos como o Censo Escolar, Prova Brasil, Saeb e Ideb, que permitem perceber particularidades regionais. Com suas características e objetivos específicos, eles fornecem um retrato do país, das redes estaduais e municipais, chegando ao nível mais micro das escolas e dos alunos. Evidenciam avanços, mudanças, bem como deficiências e desafios a serem enfrentados.

Assim, quem atua no dia a dia das escolas e dos sistemas de ensino sabe que não existem fórmulas prontas ou globais, mas que as mudanças e melhorias são construídas no cotidiano e, por isso, os caminhos a serem percorridos não são (e não devem ser) os mesmos.

O problema que se coloca no Amazonas não é o mesmo do Rio Grande do Sul. No primeiro estado, as longas distâncias e a dificuldade de locomoção remetem à necessidade de se implementar estratégias que assegurem que o aluno chegue à escola e tenha condições de frequentá-la. Investir na educação a distância foi a saída encontrada pela secretaria estadual de Educação.

No Rio Grande, as avaliações mostraram fragilidades na aprendizagem de língua portuguesa e matemática no final do primeiro ciclo do ensino fundamental. Então, o foco da Secretaria de Estado da Educação local foi fortalecer a alfabetização das crianças, por meio de um programa que combina a oferta de três métodos distintos de alfabetização às escolas, com capacitação de professores e acompanhamento contínuo.

A diversidade de estratégias e modos de atuação também caracteriza municípios que estão conseguindo melhorar seus indicadores, segundo um estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Uma das estratégias em Palmas, capital do Tocantins, se deu no campo do financiamento: foi criada uma rubrica específica para a educação, o que gerou um aumento de 2% do montante aplicado na área entre 2005 e 2006, chegando a 27,3% do orçamento municipal naquele ano.

Em São João do Sabugi, município de 6 mil habitantes no Rio Grande do Norte, o prefeito nomeou uma secretária para cuidar exclusivamente da educação após o mau desempenho no Ideb de 2005 (2,1). A gestão exclusiva apostou em novas práticas de planejamento na áreas administrativa e pedagógica. Em 2007, o resultado foi 4,4 e em 2009, 5,3.

Desafios e prioridades
A diversidade de práticas, caminhos e soluções se delineia a partir do mapa construído por meio da Prova Brasil e do Saeb. Ele sinaliza para alguns problemas centrais: a precariedade da aprendizagem (que tende a ficar mais evidente conforme os alunos avançam na escola) e a desigualdade entre as regiões e, muitas vezes, dentro do próprio sistema de ensino. "A desigualdade está no nosso DNA", constata o coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game), Francisco Soares, que também leciona na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"São vários pacientes com vários tipos de doenças", complementa Mozart Ramos Neves membro do Conselho de Governança do movimento Todos pela Educação. "Não há equidade no diz respeito à aprendizagem. São vários brasis", conclui.

Análise realizada pelo movimento demonstra, por exemplo, que na região Norte, 13,1% dos alunos têm desempenho adequado à série em que estudam nas avaliações do MEC, enquanto no Sul e no Sudeste, a proporção chega a 31,6%. Tais números, além de revelarem as discrepâncias regionais, apontam para a necessidade urgente de se investir em ações para promover a aprendizagem, já que apenas uma minoria sabe o mínimo esperado.

Embora os indicadores sejam ruins, as avaliações sinalizam para uma "progressiva e lenta melhora" principalmente nos anos iniciais do fundamental, analisa a educadora Guiomar Namo de Mello. Isso é bom, mas remete a um questionamento: "O que isso realmente significa em termos de aprendizagem? Alguns municípios atingiram 6 ou 7 no Ideb, mas, mesmo que cheguemos a esse patamar, nós não seremos a Finlândia", provoca.

"Enquanto estamos perseguindo o nível dos países desenvolvidos, estes já estão trabalhando com um patamar mais avançado." Ou seja, nesse passo e norteando-se apenas por índices, a educação brasileira não vai dar o salto de qualidade necessário. "O foco tem de ser a melhoria, não o simples cumprimento da meta", conclui Guiomar.

A ênfase nos índices também remete ao problema da desigualdade, pois de maneira geral eles traduzem uma média (da rede de ensino, de uma escola) que não traduz a situação das pontas, os melhores e os piores. "Muitos municípios têm uma boa média, mas há uma ou duas escolas que não estão bem. O Ideb do município não vai mostrar isso, mas é fundamental que o gestor olhe e trabalhe com estas escolas. O objetivo é a educação de qualidade para todos", defende Francisco Soares, da UFMG.

É por isso que, na opinião da coordenadora de Educação do Unicef, Maria de Salete Silva, toda e qualquer ação tem de ter como foco a redução das desigualdades - seja entre os alunos de uma mesma escola, seja entre as escolas de uma mesma rede. "As redes de ensino são, na verdade, redes de aprendizagem. Então, não interessa se o sistema atinge a meta, mas não reduz as desigualdades."

Considerando esse cenário, organização, estruturação e planejamento surgem como palavras-chave. Isso envolve diversos aspectos relacionados às ações para melhorar a aprendizagem e o desempenho dos alunos, como o fortalecimento da gestão, o aprimoramento da formação e das condições de trabalho dos professores e a melhoria do currículo.

No que diz respeito às prioridades do momento atual, os especialistas ouvidos destacam o fortalecimento da alfabetização, a correção da distorção idade-série, a qualificação dos professores, a ampliação do tempo de atividades, a melhoria da qualidade da aprendizagem e as mudanças curriculares. A lista não para por aí: o aumento do volume de recursos destinados à educação e a melhoria da qualidade do gasto, além da continuidade das políticas em diferentes governos, também são desafios mencionados.

Embora os problemas e desafios sejam muitos e bastante diferentes entre si, não basta atacar alguns aspectos isoladamente. "Não há nenhuma ação isolada que resolva o problema da educação do Brasil", afirma a
coordenadora Salete, do Unicef.

Alfabetização
Fazer com que as crianças sejam efetivamente alfabetizadas até nos dois primeiros anos do ensino fundamental é um desafio central. Sem isso, não se consegue melhorar a aprendizagem, nem garantir a permanência do aluno na escola. Por isso, as ações voltadas para a melhoria da alfabetização estão entre as prioridades das redes estaduais de ensino de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

"Mesmo com os resultados apresentados nas avaliações oficiais, a aprendizagem da língua escrita na escola ainda está num nível muito baixo", analisa Magda Becker Soares, professora titular emérita da UFMG, especializada no tema.

Para ela, o problema tem origem na falta de clareza do que se entende por alfabetização. Até os anos 1980, considerava-se alfabetizado o aluno que sabia ler e escrever, ou seja, sabia codificar e decodificar. "Isso dava tranquilidade para o professor avaliar se a criança estava alfabetizada ou não."

Com a mudança para o conceito de letramento - que pode ser sintetizado na capacidade de utilização da leitura e da escrita -, alargou-se o entendimento do que é alfabetização, que se diluiu em várias competências e habilidades. A professora Magda aponta que esse processo está relacionado às demandas sociais de nossa sociedade, que é centrada na escrita, e às recentes descobertas no campo da linguística e da psicologia cognitiva sobre os processos de aprendizagem e uso da linguagem escrita.

Nesse cenário, ela vê como positiva a iniciativa da secretaria estadual de Educação do Rio Grande do Sul, onde foi implantado um programa que prioriza a alfabetização, por meio da oferta de três tipos de métodos que podem ser escolhidos pelas escolas, acompanhado de formação e assessoria às escolas.

A rede estadual de Minas Gerais é outra que dá atenção especial à questão da alfabetização. Há quatro anos, foi implantado um programa para fortalecê-la e assegurar que todas as crianças tenham domínio dos processos básicos de leitura e escrita até os 8 anos.

O coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais também considera que a falta de clareza sobre o que é alfabetização prejudica a aprendizagem, mas pondera que independentemente do método adotado e dos critérios de avaliação do professor é importante trazer para o debate público a questão da redução das metas relativas ao domínio da leitura e da escrita.

Na opinião de Soares, a meta de que a criança esteja alfabetizada aos 8 anos é "pouco desafiadora". "Seria importante trazer para o debate público a discussão da mudança desse patamar para os 7 anos", postula. Para ele, essa discussão deve se vincular a uma "ênfase maior na alfabetização". "Se a criança não aprende a ler, terá dificuldade a vida toda."

Soares também enfatiza a necessidade de reforçar a aprendizagem em matemática. "Esta é uma linguagem que faz parte da sociedade moderna e as escolas costumam dar pouca ênfase ao conhecimento matemático".

Reforma curricular
O currículo é outro nó a ser desatado. Essa é a questão que se coloca nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Guiomar Namo de Mello, que integrou o Conselho Nacional de Educação no final dos anos 1990 e foi relatora das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental, avalia que parte das dificuldades existentes hoje nessa área - e que acarretam, por exemplo, a elevada evasão de alunos - está relacionada à maneira como as mudanças curriculares foram implementadas à época.

Reavaliando a história, ela considera que o país viveu um período de anomia, referindo-se à opção feita pelo Ministério da Educação de então de distribuir os novos parâmetros curriculares diretamente às escolas. "Hoje, vejo que talvez tivesse sido melhor trabalhar os parâmetros com as secretarias estaduais e municipais, que cuidariam de especificar o currículo."

Declarando-se contra um currículo nacional, Guiomar reitera que os profissionais das escolas tiveram de lidar com drásticas mudanças em curto espaço de tempo, saindo de um currículo excessivamente fragmentado para um contexto de grande abertura para definir o quê e como ensinar. O resultado foi indefinição. "Acabaram usando os parâmetros como currículo quando, na verdade, eles devem funcionar como uma indicação."

Passada essa fase e diante dos resultados das avaliações oficiais, o momento é de formatar currículos com mais clareza dos objetivos e metas a serem alcançados. Francisco Soares segue a mesma linha de raciocínio e defende que o currículo seja estruturado. É nesse contexto que ambos veem como positiva a adoção de sistemas de ensino prontos e fechados, elaborados por grupos privados, pela rede pública de ensino - o que já vem acontecendo em algumas localidades do Estado de São Paulo.

Os currículos polivalentes, em que um único professor assume disciplinas afins, são outra possibilidade, na visão de Guiomar. Isso ocorre em algumas escolas particulares, como o colégio Vera Cruz de São Paulo.

Na rede pública, esse tipo de iniciativa não é tão comum, mas já começam a surgir iniciativas, como a da rede estadual de São Paulo que, com base nos resultados das avaliações locais, implantou novos padrões curriculares e definiu um novo currículo para o ensino fundamental.

Mas mexer no currículo de maneira isolada não é a solução; na verdade, os analistas consideram que a qualificação do professor pode fazer a diferença, mesmo que o currículo seja inadequado. "Se o professor fosse mais bem formado, teria condições de trabalhar melhor o currículo e os conteúdos", analisa Soares.

Formação de professores
A qualificação e as condições de trabalho do docente são encaradas como o ponto central a ser atacado para que a educação brasileira consiga avançar na qualidade.

"É preciso reconhecer que é necessário encarar de maneira séria a questão do docente", afirma o professor da USP, Romualdo Portela. No campo da formação, ele defende a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia. No campo da carreira, o foco deve ser a melhoria geral das condições de trabalho. "E não adianta utilizar as políticas de estímulo por meio de bônus. À luz do direito da educação, qualquer ação tem de ser voltada para todos."

A melhoria dos cursos envolve um conjunto de ações, no sentido de mudar o foco da formação e valorizá-la. "Os cursos de pedagogia estão muito atrasados em relação à cultura do mundo do trabalho do século 21. O professor tem de aprender a fazer, não a reproduzir", propõe o professor Portela.

Além da qualidade da formação, Mozart Ramos Neves considera problemático o acesso aos cursos de nível superior, principalmente no Norte e no Nordeste. "No Sul e no Sudeste, os profissionais acabam tendo mais acesso à formação, ainda que ela não seja a ideal. Isso não ocorre no Amazonas, por exemplo, onde a educação a distância é utilizada para formar docente, além de facilitar o acesso de crianças e jovens à Educação Básica."

Neves também aponta a necessidade de fortalecer as políticas e ações de nível nacional para a formação docente, como já ocorre por meio do Plano Nacional de Formação de Professores de Educação Básica (Parfor). Embora o sistema ainda não esteja funcionando a pleno vapor, em locais como a Bahia, onde a situação é crítica - 80% dos 93 mil professores das redes municipais não têm formação - a iniciativa está dando bons resultados.

O quadro de precariedade da formação se replica em outras regiões: no Mato Grosso, o município de Colniza - que integra o grupo de municípios de menor Ideb do país e por isso recebem assessoria do MEC mediante a formulação do Plano de Ações Articuladas (PAR) - também está se valendo do Parfor e outros programas do governo federal para fortalecer a formação docente. O município também se comprometeu a realizar concurso público para regularizar a situação dos professores. Lá, dos 168 professores da rede, somente 48 são efetivos.

Gestão e recursos
Sem dinheiro e planejamento muito pouco se pode fazer em educação. "Não tem como separar gestão de financiamento", afirma o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. O recado vale principalmente para os municípios. "Muitos municípios têm uma arrecadação muito baixa e dependem dos repasses e recursos do governo federal, seja via Fundeb, salário-educação ou programas do PDE."

Assim, não se trata apenas de ampliar a arrecadação: a questão é como os recursos são utilizados. O município de Castro, no Paraná, teve o terceiro maior avanço do Ideb em 2009 no estado, resultado que os dirigentes locais atribuem à chamada gestão em rede e ao planejamento das ações em articulação com as demandas e necessidades da área pedagógica, entre outras iniciativas.

Palmas, no Tocantins, ao aumentar as verbas para a educação, conseguiu um avanço significativo no Ideb entre 2005 e 2007. Medidas destinadas a aprimorar o fluxo, como os programas de correção de distorção idade-série, adotados em várias partes do país, como no Estado do Tocantins, colaboram para uma melhor gestão dos recursos.

Melhorar o planejamento ajuda, mas ainda assim é necessário aumentar o volume de recursos para a educação, defende o professor Portela, da USP. "O Brasil aplica 4,7% do PIB, pouco menos do que os Estados Unidos. A diferença é que os Estados Unidos têm um sistema estável e nós ainda não. Temos necessidades enormes a suprir", avalia.

Por isso, na visão dele, seria necessário que o país assumisse uma postura semelhante à a da Coreia, que investiu 10% do PIB em educação durante duas décadas e conseguiu se tornar uma das potências mundiais nesse campo. "O Brasil investe pouco e mal", sintetiza.

A loteria do ensino público

Época - 27/09/2010

Professores que não ensinam e sorteios para entrar numa escola decente. O novo documentário do diretor de Uma verdade inconveniente expõe o desastre da educação americana e traz lições também para o Brasil
Marcelo Bernardes, de Nova York, e Camila Guimarães

Anthony estuda em uma das piores escolas públicas do país. Ele se esforça. É um dos melhores alunos de sua turma, de 5o ano. Nem sempre foi assim. Anthony nunca conheceu a mãe, e seu pai era viciado em drogas. Até o 2o ano, que repetiu, não tinha nenhum interesse pela escola. Com o incentivo e a ajuda dos avós, Anthony passou a estudar e agora sonha em ir para a faculdade. Para que meus filhos tenham melhor educação do que eu, diz. É um sonho difícil de realizar. Seu sucesso está ameaçado não só pela qualidade da escola que frequenta, como também pela vizinhança onde mora violenta e dominada pelo tráfico de drogas.
©Paramount Vantage
BINGO
Famílias pobres dos Estados Unidos em sorteio de vagas para escolas de alto desempenho. Futuro decidido na sorte

Essa é a realidade de vários estudantes das grandes capitais do Brasil. Mas Anthony mora em Washington, nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo. Sua trajetória é contada em Waiting for Superman, o novo documentário de Davis Guggenheim, o mesmo diretor de Uma verdade inconveniente, que levou o Oscar em 2007 (e chamou a atenção de quem ainda não acreditava no aquecimento global). O filme estreou na semana passada nos Estados Unidos e promete causar burburinho ainda maior que seu trabalho anterior. A questão da educação é encarada como um dos maiores problemas do país e guarda uma surpreendente semelhança com o ensino público no Brasil.

O filme conta a história de Anthony e mais quatro crianças, a maioria de mesma origem pobre e todas com os mesmos ideais de boa educação, que tentam uma vaga para estudar nas escolas charter, escolas públicas que têm algumas regras diferenciadas e costumam ter melhor desempenho que a média do ensino público. É uma loteria. Literalmente. Pais e filhos torcem para que a bola colorida que sai de uma esfera aramada, numa cerimônia anual, tenha o mesmo número que o papel que lhes foi entregue. Em algumas charter, a chance de conseguir uma vaga é de menos de 5%. O suspense do sorteio é guardado para o final do filme. Não dá para sair do cinema sem ser afetado pelas expressões de esperança e desapontamento nas centenas de crianças.

Enquanto os alunos esperam para definir seus destinos, Guggenheim discorre sobre o que chamou de as idiotices dos adultos: as falhas do ensino público americano que, mesmo gastando por aluno mais dinheiro que qualquer outro país do mundo, não consegue ficar à frente de outros países ricos em rankings internacionais de matemática, leitura e ciências. Desde a década de 70, as médias dos americanos do ensino básico mal saíram do lugar. Guggenheim entrou nas salas de aula para descobrir por que os alunos não estão aprendendo. Viu professores que, em vez de dar aula, leem jornal. Aí estava a resposta. Professores ruins, mal formados e mal treinados reinam nas escolas, protegidos pelo poder dos sindicatos mais preocupados em garantir privilégios trabalhistas, como estabilidade de emprego e promoção por tempo de serviço.

Do lado dos mocinhos do filme estão os reformadores, educadores e gestores públicos que tentam driblar a rigidez dos sindicatos. Em uma das entrevistas que concedeu para a imprensa americana, Guggenheim que é sindicalizado afirmou que não dá mais para os sindicatos protegerem os maus professores. Está na hora de ajudar os bons.

Os problemas e as soluções mostrados por Guggenheim são em grande medida também brasileiros. Nos Estados Unidos, como no Brasil, há escolas inseridas em comunidades pobres, onde alunos e suas famílias estão expostos a violência, crimes, carências nutritivas, afetivas e culturais. Há um abismo que separa os que podem dos que não podem pagar por uma educação privada. Nos Estados Unidos, 90% dos alunos do ensino básico estão em escolas públicas. Aqui, são 86%.

E lá, como aqui e no resto do planeta , está-se chegando ao consenso de que a questão central da qualidade do ensino é a eficiência do professor. Assim como os Estados Unidos, o Brasil não tem políticas públicas fortes de valorização da carreira de professor, jargão exaustivamente repetido em greves de docentes que pedem aumento de salário. Salário é, sim, importante (no Brasil, um professor pode ganhar até 60% menos que um profissional de outra área com a mesma escolaridade), mas não o suficiente para dar o prestígio que a carreira tem de ter. É preciso investir na formação do professor e em um plano de carreira pautado no mérito, e não em tempo de serviço, diz Mozart Ramos, presidente do movimento Todos Pela Educação. Carreira de professor tem de ser objeto do desejo.

Esse foi o caminho adotado pelos países top em rankings internacionais de educação, como a Coreia do Sul e a Finlândia. Neste último, dar aula dá tanto prestígio que 100% dos professores se formaram nas faculdades entre os 30% com as melhores notas. Nos Estados Unidos, apenas 9% do terço que tira as melhores notas opta por ser professor. No Brasil, um sinal do desprestígio da carreira é que só 3% dos melhores alunos querem ser professor. Entre os 20% com as piores notas, 16% (cinco vezes mais) ambicionam dar aula.
©Paramount Vantage
ESPERANÇA
Anthony em sua classe, em Washington, uma das piores do país. Ele sonha com a faculdade

A atração permite a seleção dos melhores. Na Finlândia, só 1 de cada 15 candidatos a ser professor (que já eram todos excelentes) consegue passar no concurso público. No Brasil, professores assumem turmas mesmo sem tirar nota suficiente em provas que nem sequer medem sua aptidão para ensinar. Os concursos medem se o candidato conhece a Constituição, em vez de cobrar técnicas de sala de aula, afirma Maria Helena Guimarães, ex-secretária de Educação do Estado de São Paulo.

O que fazer com os professores que já estão dentro das escolas e não conseguem ensinar? O que tem dado certo nos Estados Unidos e em outros países da Europa é separar os bons dos ruins, treinar os ruins e, se ainda assim seu desempenho não melhorar, demiti-los. É aí que o embate com os sindicatos começa. No filme, Guggenheim compara a taxa de demissões em várias profissões. Entre médicos, 1 em cada 57 é demitido por ineficiência. Entre advogados, a taxa é de 1 para cada 97. Entre professores, só 1 a cada 2.500.

Em uma das cenas mais contundentes, a secretária de Educação de Washington, Michelle Rhee que há anos tenta driblar a regra da estabilidade de emprego para conseguir se livrar dos professores ruins , propõe ao sindicato um acordo: em troca de um considerável aumento de salário, os professores abririam mão da estabilidade e concordariam em ter parte de sua remuneração atrelada ao desempenho dos estudantes. Durante dois anos, o sindicato local nem sequer se mobilizou para votar a proposta (que passou depois do fim das filmagens). Pelo menos 12 Estados americanos criaram leis que relacionam o desempenho dos alunos à avaliação de professores. O Brasil tomou a mesma direção e criou avaliações nacionais e estaduais de desempenho dos alunos mas elas estão ligadas às escolas, não aos professores individualmente.
Na Finlândia, exemplo de boa educação, os melhores alunos querem ser professor. Aqui, os piores

Os sindicatos brasileiros, assim como os americanos, defendem acirradamente a estabilidade e a equidade salarial (que diz que todo professor deve ganhar o mesmo, independentemente de sua eficiência). Somos a favor de acabar com qualquer política de bônus, afirma Maria Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo. A bonificação (oferecida pelo governo de São Paulo) arrebentou com a carreira do professor. Porque, quando ele se aposenta, não leva esse benefício com ele.

Se há muitas semelhanças, porém, o Brasil é ainda pior que os Estados Unidos em um ponto crucial. O investimento em educação aqui é pífio. O Brasil investe por aluno um décimo do que investem os europeus e um terço a menos do que investem nossos vizinhos Chile e Argentina.