terça-feira, 24 de julho de 2012

Sobre o aumento de gastos públicos na educação



Autor(es): Maílson da Nóbrega
Veja - 23/07/2012
 
E bem-intencionado o aumento dos gastos públicos em educação para 10% do PIB. aprovado em comissão especial da Câmara. Mas é também um enorme equívoco. Não quebrará o país, como se disse, mas vai exigir maior carga tributária (a margem para novas despesas é ínfima) e pode reduzir o potencial de crescimento. Ou seja, menos emprego, menos renda e menos bem-estar, ao contrário do que parece.

Não é o volume de gastos que melhora a educação. O Brasil já despende 5,1 % do PIB na área, enquanto é de 4,8% a média dos países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), quase todos muito ricos. Segundo as Nações Unidas/Unesco, nossos gastos superam, como proporção do PIB. os de Japão (3,3%), Alemanha (4%), Coreia do Sul (4.5%) e Canadá (4,6%). Mesmo assim, no último teste conduzido pela OCDE/Pisa. ficamos em 53° lugar entre 65 países em leitura, matemática e ciência. À nossa frente estão Colômbia. México, Uruguai. Chile, Tailândia, Turquia e outros países emergentes. A China (Xangai) ficou em primeiro lugar nas três matérias.
Quem faz fé no mérito desse aumento de gastos deveria examinar o caso da China. Lá se despendem menos de 4% do PIB, mas a educação é a alavanca do seu robusto desenvolvimento. Nos últimos vinte anos a taxa de analfabetismo caiu de 22,8% para 5,7% da população adulta (9,7% no Brasil). Para o professor José Pastore, a educação é a arma definida por eles para dominar o mundo, revolucionando a preparação de talentos para ciência e tecnologia. Na última década, o número de jovens chineses nas melhores universidades do mundo cresceu dez vezes. Em 2009, havia 120000 deles em escolas americanas, a maioria em cursos de pós-graduação. Os brasileiros eram 7 500 (3 em pós-graduação). Segundo o Wall Street Journal, em 2011 os chineses compunham quase a metade dos estudantes estrangeiros em cursos mestrado e doutorado nos Estados Unidos.
Com gastos relativamente menores do que do Brasil, a China avançou muito em pesquisa, desenvolvimento, o que requer pessoal de altíssima qualificação. Conforme relatório da Thomson Reuters, em 2011 a China superou os Estados Unidos e o Japão no registro de patentes. Não por acaso. sua economia cresce cada vez mais com em produtos de alta tecnologia, como bens de capital para telecomunicações. Os chineses ganharam da Alemanha a liderança em painéis solares. China é o terceiro país a enviar astronautas ao espaço. Sua estação espacial será concluída em 2020. Há plano de pôr um chinês na Lua até 2025.
O Brasil precisa mesmo é de uma revolução no uso dos gastos públicos em educação: melhorar a gestão dos recursos, aumentar a qualificação dos professores e remunerá-los bem e por desempenho, como acontece nós países bem-sucedidos em elevar a qualidade da educação. Há que abandonar a resistência ideológica à cobrança de mensalidade nas universidades públicas, o que beneficia essencialmente os estratos mais ricos. A propósito, não existe ensino gratuito. Os respectivos gastos são cobertos pelos contribuintes. Cabe lembrar que os pobres pagam, como proporção) sua renda, mais impostos do que os ricos. Na China, a educação superior é paga. O governo subvenciona os alunos talentosos cujas famílias podem custear seus estudos universitários. O Brasil poderia fazer o mesmo.
A proposta da Câmara para aumentar os gastos em educação amplia projeto igualmente inconsequente do Executivo, de elevá- los para 7% do PIB. mais do que em campeões de êxito na educação, que relativamente menos: Suécia (6,7%). Noruega (6.4%) e Finlândia (6.1%). O Brasil perderia para Cuba (13,6%). Lá. até camareira de hotel tem curso superior, mas a educação não evita que o país, reprimido pelo comunismo, continue pobre e sem futuro. I
Entre 2010 e 2050 a população de crianças de até 14 anos diminuirá 42,7%: de 49,4 milhões para 28,3 milhões. Além de estudarem os efeitos da demografia nos gastos em educação, os deputados poderiam ler o excelente texto sobre tema, de Mareio Gold Firmo, no novo livro de Fábio Giambiagi e Armando Castelar Pinheiro (Além da Euforia, Editora Elsevier). Decidiriam melhor.

Educação protege o meio ambiente?



Autor(es): Claudio de Moura Castro
Veja - 23/07/2012
 
Neste ensaio, não ataco, não catequizo. Pergunto e tento responder com o melhor que a ciência tem a oferecer. Talvez o assunto do aquecimento global seja controvertido. Mas há evidência sólida de que o meio ambiente está sendo estragado a um ritmo alarmante. Os recursos naturais são escassos e a voracidade no seu uso só tende a crescer. A conta ecológica não fecha. Tampouco se sustenta a dicotomia entre os ecoirresponsáveis e os ecobobos — esses últimos, com sua romântica tirania de que é preciso preservar tudo. O Caminho do Meio é aprender a usar a natureza com parcimônia e inteligência. E o papel da escola nisso tudo? No caso, falamos de escolaridade, pois é o que se pode medir. Que fique claro, escola não faz mágica. A União Soviética cometeu incontáveis barbaridades contra o meio ambiente (por exemplo, secar o Mar de Arai), apesar de ser, na época, uma das nações mais escolarizadas do mundo. E não é o único exemplo de gente escolarizada pecando contra o meio ambiente. Além disso, sem longo tempo na escola, os avanços se tomam muito difíceis. Assim sendo, parece ser condição necessária, mas não suficiente.
Para entender melhor, podemos pensar que ir à escola traz consequências de dois tipos: cognitivas e afetivas. Ou seja, no entendimento e nos valores. Vejamos uma de cada vez. Não parece ser possível usar os recursos naturais com juízo sem entender os processos e ciclos biológicos. Aliás, tanto quanto sei, apenas demografia rala e tecnologia impotente permitiram a povos primitivos não danificar a natureza. Nossos índios praticavam a coivara (queimar/cultivar/abandonar).
Só não deixaram grandes estragos porque eram poucos. Equilíbrios são delicados. Uma mexidinha aqui estraga algo acolá. Por que as abelhas estão sumindo? E os sapos e as rãs? Em lagos da Nova Inglaterra, os pássaros migratórios escassearam. Eis a razão: o homem matou os lobos e, com isso, a população de veados cresceu, deixando sem comida os passarinhos. E por aí afora.
Sem pesquisa séria não compreendemos os ciclos da natureza e seus acidentes, E, sem um ensino de qualidade para todos, a sociedade não entende as explicações dos cientistas. Sem escola, o entendimento só atinge onde a vista alcança, em assuntos em que muitos problemas não são visíveis a olho nu, como o aquecimento global. Da mesma forma, se eu destruo infinitesimamente. nada acontece. mas, se todos destroem o seu infinitésimo. o somatório é a catástrofe ecológica (caso clássico de falácia de composição). As consequências da educação sobre valores, atitudes, aspirações e hábitos são potentes. Alinho adiante alguns dos resultados mostrados por pesquisas recentes e metodologicamente confiáveis. No espírito do ensaio, apenas constato que quem tem mais escolaridade valoriza mais o futuro e, em prol dele, dispõe-se a abrir mão de gratificações presentes. Pensa mais no filho. no neto e no mundo que deixará para eles. Não é supérfluo lembrar que os mais escolarizados avaliam melhor seus governantes e votam naqueles mais comprometidos com o interesse coletivo.
Pesquisas revelam: a educação reduz a fertilidade. De fato, só há explosão demográfica entre os ignorantes. Também é demonstrado por pesquisas: aumenta com a escolaridade a intolerância para com o ilícito. Apesar de certas manchetes de jomal, o descumprimento da lei ocorre com mais frequência entre os menos educados.
A expressão "capital social" se associa à propensão para a ação coletiva, confiando e colaborando com os outros, sem a certeza de que os outros farão o mesmo. É a disposição voluntarista de investir no que promove o interesse coletivo. Nos assuntos de meio ambiente, esse investimento sem garantia de reciprocidade é essencial, pois é difícil fiscalizar o que cada um faz de bom ou de ruim para o meio ambiente. E. hoje sabemos, quanto mais escolaridade, maior a facilidade de desenvolver capital social.
Há muito a ser feito para mitigar os impactos de um uso desmedido da natureza ou uma demografia excessiva. Mas a tarefa é infinitamente mais árdua, se não impossível, se é pouca e ruim a educação. Pena que a Rio+20 quase se esqueceu dela.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Educação premiada


Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 18/07/2012

Não há dúvida de que a educação no Brasil espelha o fracasso dos governantes. Essa é a avaliação praticamente consensual. Mas pode ser que alguma coisa mudou para melhor e não nos demos conta — nem o governo Dilma Rousseff, atrapalhado com greves nas universidades federais e com o projeto aprovado na Câmara, que dobra para 10% do PIB em dez anos a aplicação de recursos públicos em educação.
Há controvérsia sobre se a qualidade do ensino seja baixa devido à falta de dinheiro. Essa é uma discussão universal. E mesmo aqui não há elementos conclusivos. Um estudo divulgado esta semana nos Estados Unidos, dissecando o último relatório do National Assessment of Educational Progress (Naep) — ou Avaliação Nacional do Progresso em Educação, que serviu de modelo para o nosso Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) —, confunde um pouco mais o que se sabe da questão. Com base em tal estudo, patrocinado pelo Programa de Política de Educação e Governança da Universidade de Harvard, o Brasil ocupa a terceira posição num ranking que lista os países em que a qualidade do ensino mais avançou entre 1995 e 2009 (de 2000 a 2009, no caso brasileiro). Letônia, Chile e Brasil lideram a lista, seguidos de Portugal, Hong Kong, Alemanha, Polônia, Liechtenstein, Eslovênia, Colômbia, Lituânia, Inglaterra, Singapura, Suíça e Grécia.
A pesquisa engloba 49 países. Nos últimos lugares, de baixo para cima, houve retração da qualidade do ensino, no período, na Suécia, Bulgária, Eslováquia, República Tcheca, Romênia, Noruega, Irlanda e França. Anote-se: o desempenho dos alunos brasileiros nas matérias consideradas — matemática, ciência e leitura — continua abaixo dos resultados nesses países. Mas, enquanto houve queda absoluta do grau de acerto em todos eles, o desempenho da educação no Brasil avançou mais rápido que em todos os outros, juntamente com Letônia e Chile.
Intitulado Achievement Growth: International and U.S. State Trends in Student Performance, e assinado pelos professores Eric Hanushek, Paul Peterson e Ludger Woessmann, das Universidades de Stanford, de Harvard e de Munique, da Alemanha, respectivamente, o estudo busca avaliar qual a situação da educação nos EUA. A situação do Brasil, assim como de outros países, é apresentada marginalmente, só como medida de onde está a educação nos EUA. Fato é que não saímos mal.
Do Naesp ao Pisa e IEA
A abrangência da metodologia usada pelos autores reforça e amplia as conclusões, já que o ranking é o resultado da consolidação de três outros sistemas internacionais de avaliação do ensino, além do Naep, administrado pelo Departamento de Educação dos EUA. Por um sistema de conciliação estatística das diferentes bases de avaliação, eles incluíram também o Pisa, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e duas outras medidas de desempenho do ensino, ambas da IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement).
O ranking em que Brasil desponta, assim, é o resultado de quatro métricas conceituadas sobre a capacidade de leitura e conhecimento de matemática de alunos das 4ª e 8ª séries em nível internacional. Ao todo, o estudo considerou 28 testes, aplicados a cada três ou quatro anos conforme a entidade. Foram incluídos países que tenham participado, ao menos, de dois ciclos de testes e excluídos os que não têm resultados para um mínimo de nove baterias de avaliação.
Ao ritmo de 4% ao ano
É assim que os autores chegaram a apenas 49 países, demonstrando o rigor do trabalho, disponível no endereço www.hks.harvard.edu. Para o período analisado, o desempenho dos alunos brasileiros nos testes de proficiência em matemática e leitura cresceu a um ritmo anual de 4,05%, só superado pelas taxas de Chile (4,37%) e Letônia (4,70%).
Nos EUA, o crescimento foi de apenas 1,57% ao ano, um progresso em relação aos anos anteriores a 1995, mas insuficiente, segundo os autores, para atender a necessidade da formação nos tempos atuais. A questão é se tal resultado conversa com a pesquisa conjunta do Instituto Paulo Montenegro e da Ação Educativa, também divulgada estes dias, segundo a qual 38% dos estudantes brasileiros do ensino superior não dominam habilidades básicas de leitura e escrita.
Dinheiro não garante 10
E educação de qualidade depende de dinheiro? O resultado não tem "significância estatística ou substantiva", diz o estudo. Em média, nos EUA, o gasto adicional de US$ 1 mil por aluno é associado a um ganho anual de um décimo de 1% nos exames. Houve aumentos de gasto em educação, diz o estudo, nos estados de Maryland e Massachusetts, e os resultados foram expressivos, mas em Nova York e Wyoming, que também aumentaram a despesa, foram desprezíveis. Mas notável é que houve melhora da avaliação do ensino em estados com o orçamento da educação constante. A polêmica continua.
Quem avalia o professor
A questão da educação de qualidade tem múltiplas facetas, algumas não diferentes do problema vivido pelos EUA, onde a demanda é até maior, sendo uma economia dependente de inovações tecnológicas. Lá e cá as políticas são federais e estaduais, com zonas cinzentas sobre responsabilidades. Uma maneira de clareá-las seria criar um ranking entre os estados, implicando uma sanção moral ao governante relapso. O estudo de Harvard indica quem não faz a lição de casa.
Também cabe legislar sobre a progressão continuada, a causa, para muitos, da formação de analfabetos funcionais. E talvez também do resultado pavoroso da pesquisa sobre a formação dos universitários. Na educação, nada é simples, como a avaliação do professorado, com ou sem prêmio de mérito — fórmula aplicada em Nova York e adaptada em São Paulo e Minas. A questão salarial se insere neste contexto, mas com algo que comprometa o sistema nos resultados dos alunos.

domingo, 15 de julho de 2012

Mais uma catástrofe europeia?

Maílson da Nóbrega - Maílson da Nóbrega
Autor(es): Maílson da Nóbrega
Veja - 09/07/2012

Na Idade Média, a Europa viveu sua primeira grande catástrofe: a peste negra, que dizimou um terço da população. Depois, as guerras seriam a causa da crescente perda de vidas. Quatro milhões morreram nas guerras napoleônicas (1799-1815), uma média de 250000 pessoas por ano, quase a mesma da guerra franco-prussiana (1870-1871). Na Guerra Mundial (1914-1918), a média anual saltou para quase 4 milhões. Na II Guerra (1939-1945), subiu para 10 milhões. Pereceram 27 milhões de soviéticos e 6 milhões de alemães. O nazismo de Hitler imolou 6 milhões de judeus. A devastação da guerra inspirou a ideia de integração. Se todos tivessem os mesmos objetivos — a democracia, a promoção dos direitos humanos e o desenvolvimento — a grande motivação dos conflitos, a conquista territorial, desapareceria. Sonhou-se que a integração levaria à união política: os Estados Unidos da Europa. Três tratados — os de Paris (1951), Roma (1957) e Maastricht (1992) — deram vida ao mais ousado projeto geopolítico da história da humanidade.

O erro foi criar o euro antes do tempo (1999). Muitos estudiosos previram o seu fracasso. Não havia instituições para sustentar a moeda única. A Europa precisava construir o que os economistas denominam “área monetária ótima". Além do Banco Central Europeu e das metas de déficit e endividamento públicos, estabelecidos antes da partida, seria preciso muito mais. Uma união fiscal de transferências minimizaria as assimetrias de produtividade entre os países. Organizações supranacionais formariam uma união bancária para regular o sistema financeiro e lidar com crises de liquidez e falências de bancos.

O principal motor da extemporânea decisão teria sido a queda do Muro de Berlim (1989) e a conseqüente reunificação alemã (1990). Ressurgiram temores. Afinal, a Alemanha se havia envolvido nas últimas três grandes guerras europeias. François Mitterrand (1916-1996), então presidente da França, exigiu o compromisso com a criação do euro para que seu país apoiasse a reunificação. O chanceler Helmut Kohl concordou: o destino Alemanha é a Europa, afirmou.

A união monetária demandaria elevada solidariedade na região. Acontece que ainda não existem europeus, mas alemães, franceses, italianos, espanhois... Os operosos alemães não aceitam pagar impostos para salvar países tidos como menos esforçados. Eles se aposentam aos 67 anos, mas na França o novo presidente diminuiu essa idade para 60 anos. A resistência de Angela Merkel a moderar a autoridade fiscal e rever os compromissos de reforma é uma resposta às demandas de seus eleitores.

A saída da Grécia da zona do euro é vista como inevitável por muitos analistas. Alguns acreditam que assim o país adquiriria competitividade via desvalorização da antiga moeda, a dracma. Ocorre que não é tão simples assim. O abandono do euro provocaria uma corrida bancária, o colapso do crédito e uma depressão que traria o caos social, econômico e político à Grécia. Sua ainda jovem democracia (1974) dificilmente resistiria. Viria a pergunta óbvia: qual será o próximo? Portugal? Espanha? Itália? O contágio se espalharia. Estudos mostram que as economias são muito mais interligadas em tempos difíceis do que em boas épocas.

O abandono do euro pela Grécia e outros países tenderia a ser desordenado. Os seus efeitos negativos superariam os da quebra do banco Lehman Brothers (2008). Poderia haver uma depressão mundial como a dos anos 1930. Extremismos políticos tenderiam a se manifestar em muitos lugares. A revista The Economist lembrou que Hitler foi mais um produto da depressão do que da hiperinflação alemã dos anos 1920. O nazismo é, pois, a tragédia a ser lembrada na promoção dos esforços para preservar a moeda única. A Alemanha tenderá a ceder, como começou a fazer na reunião de cúpula do fim do mês passado. Mais de 40% das suas exportações vão para a zona do euro, cuja desintegração não lhe interessa. Em resumo, os benefícios de manter o euro são muito maiores do que os custos. Há riscos, a crise está longe de ter sido resolvida, mas uma nova catástrofe europeia — mesmo que sem a perda de vidas – não é o cenário mais provável.

A nada secreta fórmula da boa Educação

O Globo - 12/07/2012

A série de reportagens do GLOBO com as ilhas de ensino público de qualidade em áreas de extrema pobreza oferece argumentos irrespondíveis contra o mito de que a Educação brasileira patina em índices medíocres de avaliação por conta, principalmente, de insuficientes dotações orçamentárias. Com base neste falso pressuposto, desfraldam-se bandeiras em defesa de mais verbas para a rubrica. O movimento mais visível nesse sentido é a mobilização política que leva água para a reivindicação de se dobrar, até 2022, o percentual destinado ao sistema educacional do país, dos atuais 5,1% para 10% do PIB.

Defende-se a duplicação dos valores destinados à Educação com uma premissa enganadora - a de que, sem a alocação de mais recursos nas escolas, não se melhora a qualidade do que ali se ensina. A realidade de estabelecimentos escolares públicos em áreas carentes do país que, com orçamentos minguados, dão excelente formação a seus alunos, como relatado nas série de reportagens, derruba a lenda. Os exemplos apresentados pelo jornal comprovam que não é o montante de recursos que determina a excelência da sala de aulas. O comprometimento da comunidade escolar (direção, professores, alunos e o envolvimento direto da família) é que faz a diferença no aprendizado.

Há o caso de uma escola estadual no município de Eurinepé, a 1.200 quilômetros de Manaus, no interior do Amazonas, com alunos (80% beneficiários do Bolsa Família) que moram em palafitas, cujo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) pulou de melancólicos 2,7 em 2005 para 8,7 em 2009 (a média dos países desenvolvidos é 6). No Rio, duas escolas cujo corpo discente também está na base da pirâmide social, uma na Zona Sul e outra na Zona Oeste da cidade, têm performance semelhante: alto rendimento na medição do Ideb e baixos valores no caixa. Ao todo, o país tem pelo menos 82 desses pontos de excelência educacional que desafiam a pobreza e os baixos orçamentos.

Mas há outro viés que ajuda a desfazer a utopia da melhoria do ensino pelo simples manejo da chave do cofre. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube de países industrializados, mostra o Brasil com uma despesa de US$ 18 mil por aluno entre 6 e 15 anos. Comparativamente, é investimento alto para um retorno desproporcionalmente baixo. É uma alocação, por exemplo, que supera em quase 45% a dotação orçamentária da Turquia - mas, no exame do Programa Internacional de Avaliaçao de Alunos (Pisa), o país fica 52 pontos acima do nosso. Nações como Estados Unidos, Noruega e Suíça gastam mais de US$ 100 mil por aluno, mas com resultados abaixo dos obtidos por Coreia do Sul e Finlândia, com investimentos mais modestos.

De resto, no caso brasileiro, injetar mais recursos num sistema que gasta mal corresponde apenas a aumentar o fluxo de dinheiro pelo ralo (ou, não raro, a ampliar os buracos por onde são vazadas, para bolsos particulares, as verbas públicas destinadas à Educação). O quadro se repete em outros setores, como Saúde, também vítima de uma estrutura em que parte das deficiências se deve à maneira incorreta como eles são empregados. Uma questão de mau gerenciamento.

Dissertação - você tem de fazer uma! E agora?

Autor(es): Alexandre Barros
O Estado de S. Paulo - 13/07/2012

Escrever uma tese ou dissertação para um curso de pós-graduação é um dos processos mais desgastantes da vida de uma pessoa. Primeiro, orientadores costumam ser vaidosos e autoritários: fazem demandas desnecessárias, trabalhosas e desgastantes para gente que só quer cumprir seus requisitos e seguir com a vida. Segundo, a preocupação com a dissertação permeia todo o curso e todos os orientadores dizem ao candidato que tem de fazer uma dissertação, raramente explicam como chegar lá.

Alguns dizem: "Vá à biblioteca, olhe algumas teses e você verá como é". Orientação tão útil quanto dizer a qualquer um de nós que pergunte a alguém como fazer um computador e receber esta resposta: "Tire a tampa, olhe lá dentro e você saberá como fazer um computador". É claro que tais respostas não levam a nada. Ver um produto pronto não nos diz como aquele monte de metal ou de plástico virou um automóvel ou como uns pozinhos químicos misturados e comprimidos viram remédios que curam desde uma dor de cabeça até uma complexa hepatite C.

Depois de ver o sofrimento de inúmeros estudantes com esses processos e tentar ensinar-lhes o pulo do gato, descobri que o alcance que eu podia ter era muito limitado. Durante a vida posso ter influenciado algumas centenas de estudantes, mas não acredito ter chegado ao primeiro milhar.

Conversei com alunos de várias universidades do mundo e lhes perguntei: "Alguém ensinou a vocês como fazer uma dissertação?" Resposta unânime: "Não, disseram-nos que nós tínhamos de fazer uma, mas nunca ninguém nos explicou como chegar lá".

Há algum tempo eu só conhecia o YouTube (que tem só 7 anos de idade) de referências, ou de receber links para gatos que tocavam piano ou violino, ou bebês fazendo acrobacias que rivalizam com Carlitos. Um dia me perguntei: por que não? Se escrever um livro gastarei muito tempo e, com muito sucesso, venderei 5 mil exemplares, mas só com muita sorte. O impacto que o livro poderá ter será minúsculo. Que tal testar o YouTube? Gravei um vídeo simples, há pouco mais de dois anos. Será que isso compete com gatos que tocam piano? Claro que não. Agora completou 20 mil exibições. Nada comparado a bebês acrobatas, mas, certamente, muito mais do que um livro. Benefícios adicionais: é grátis, todos podem ver, é infinitamente repetível. Não gasta papel nem tinta.

Recebi muitas mensagens, a maioria de estudantes agradecidos porque o vídeo lhes tirou um grande peso das costas. Nem todos gostaram. Uma moça me disse que punha o vídeo para adormecer seu bebê, de tão chato que era. Serendipity: feito para facilitar a vida de quem tinha de escrever uma dissertação, servia também para adormecer bebês! Como tudo o que se diz, escreve ou publica, cada um lê, ouve ou usa como bem lhe parece.

Após um ano, resolvi fazer um segundo. O primeiro era sobre como se relacionar com o orientador. O segundo, sobre como organizar ideias e material, enfatizando principalmente que quem ia escrever a dissertação tinha ideias e elas eram boas, o que raros orientadores dizem a seus estudantes. O propósito era duplo: ensinava e dava uma injeção de otimismo e segurança psicológica.

Também dei aulas sobre o método. Durante uma aula, um estudante me disse: "Professor, do jeito que o senhor ensina fica tão fácil que parece até conto do vigário". Respondi: "É fácil mesmo. Os orientadores complicam para resolver problemas psicológicos deles, pouco importando o dano que isso possa causar aos alunos".

Testei outra ideia: muitas cabeças pensam melhor e mais criativamente que poucas. O método era baseado em livre associação de ideias. Um aluno questionou: "Professor, o senhor acha que funcionaria se cada um de nós, perante a turma, dissesse sobre o que pretende fazer a sua dissertação e ouvisse as ideias dos colegas?" Ponderei que nunca tinha tentado, mas não custaria experimentar. Foi um sucesso. Cada um chegava lá, dizia seu tema e os colegas eram convidados a escrever em diversos papéis soltos os vários aspectos que abordariam se tivessem de fazer uma dissertação sobre aquele tema. Cada aluno saiu com uma pilha de ideias fornecidas pelos colegas e o trabalho dali para a frente era pôr todas aquelas ideias em ordem, usar as importantes e descartar as supérfluas.

Todos os estudantes fizeram isso e a produtividade aumentou muito. Princípio básico do capitalismo: se cada um contribuir um pouco, o produto final pode ser melhor e maior.

Tecnologias modernas podem ser um complemento para tecnologias antigas. Testar inovação, sobretudo se o preço for barato ou tender a zero, como é o custo de fazer e colocar um vídeo no YouTube, vale. Esta é a beleza do mercado: milhares de pessoas tomarão decisões independentemente de procurar, achar, decidir se vão ou não ver um vídeo, gostar ou não gostar, aproveitar ou não. Cada uma verá com os seus olhos, através de suas lentes, e fará o uso que bem entender.

Guttenberg não estava fazendo uma revolução quando inventou a imprensa, apenas produzindo um modo diferente de disseminar ideias. Outros usaram como bem entenderam e a imprensa trouxe progresso. James Watt também não estava fazendo uma revolução quando descobriu que o vapor podia ser usado para tocar máquinas. O mercado adaptou, para melhor. Depois chamou aquilo de Revolução Industrial, um nome mais elegante para um conjunto de técnicas que tornaram a vida das pessoas melhor.

Não tenho essa ambição, apenas fico feliz por saber que alguns estudantes estarão sofrendo menos porque decidi testar uma tecnologia nova para um propósito que me pareceu razoável. Se deu certo, tanto melhor, reforça o meu sentimento de ser um otimista a respeito do futuro da humanidade.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Somos todos um pouco trapaceiros

Autor(es): Danilo Venticinque

Época - 09/07/2012

Desde o início, atesto minha inocência." A frase foi dita num discurso pelo senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) antes que o pedido de cassação de seu mandato fosse encaminhado ao Senado. Mas não causaria estranhamento na voz de qualquer um dos grandes trapaceiros da história. Acusado de envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, ele seguiu a regra clássica de quem é pego na trapaça: dizer-se inocente até o fim e, se possível, acreditar nisso. Para provar quanto a prática é antiga, basta lembrar outro Demóstenes - o político grego (384-322 a.C.), que, acusado de distribuir e receber propinas, morreu sem admitir sua culpa. Seu contemporâneo, o filósofo Diógenes de Sínope (412-321 a.C.), andava pelas ruas com uma lamparina, dizendo estar à procura de um homem honesto. Não há notícias de que o tenha encontrado.

A trapaça originou-se muito antes na Grécia Antiga. Em seu livro O gene egoísta, o biólogo Richard Dawkins afirma que a desonestidade é um comportamento incentivado pela seleção natural. O desejo de levar vantagem sobre nossos semelhantes nos torna mais aptos a sobreviver. desde que o segundo homem das cavernas roubou a primeira pedra lascada - para a indignação do primeiro homem das cavernas -, os genes da trapaça prosperam entre os homens. Os honestos, aos poucos, foram se tornando tão escassos que nem a lamparina de Diógenes conseguia encontrá-los. A tendência natural do homem para a trapaça é tão difundida entre os teóricos que o cientista Edward O. Wilson, um dos poucos a dizer que somos altruístas por natureza, foi contestado numa carta que 130 biólogos renomados enviaram à revista Nature com questionamentos aos resultados das pesquisas divulgados em seu livro recente, The social conquest of Earth (A conquista social da Terra).

Embora nossa natureza trapaceira seja quase um consenso, o mecanismo da trapaça é objeto de discussões. Segundo o modelo tradicional de custo-benefício, toda vez que nos encontramos numa situação em que a trapaça é possível, calculamos intuitivamente se os benefícios que teríamos justificam o risco de sermos pegos. E então decidimos se vale a pena estacionar naquela vaga proibida, tentar driblar a Receita Federal ou baixar aquela música na internet. Apesar de lógico, esse modelo deixa de fora um fator importante: nosso desejo de parecer honestos, para os outros e para nós mesmos. Mesmo que seja para ter o direito de reclamar das trapaças dos outros, como faz o senador Demóstenes e como fazia sua contra-parte grega há dezenas de séculos.

Em seu livro A mais pura verdade sobre a desonestidade (Elsevier, 260 páginas, R$ 69,90), o psicólogo israelense Dan Ariely propõe uma nova explicação para o funcionamento da trapaça. Autor dos best-sellers científicos Previsivelmente irracional e Positivamente irracional, que exploram a irracionalidade de alguns aspectos do comportamento humano, Ariely sugere um modelo mais passional e menos calculista que a análise de custo-benefício. Segundo ele, são poucos os trapaceiros patológicos, capazes de seguir seus impulsos toda vez que se veem em condições de levar vantagem sobre os outros de forma ilícita. Em compensação, todos nós somos capazes de pequenas trapaças ocasionais e acumulamos algumas vantagens ao longo dos anos, sem que sejamos obrigados a encarar nossa desonestidade. Trapaceamos aqui e ali. Mas, como seguimos as regras na maior parte do tempo, continuamos nos achando honestos. Há, dentro de cada um de nós, um pequeno Demóstenes, que permanece dormente, mas mostra as garras de tempos em tempos.

Para quem se acostumou a execrar os grandes trapaceiros sem colocar em dúvida a própria honestidade, a ideia causa indignação. “Pensei em chamar meu livro de ‘Por que todos são um pouco desonestos, menos você’, mas achei que as pessoas precisavam refletir sobre seu comportamento”, disse Ariely a Época. “O fato de nos considerarmos honestos mostra como a trapaça ocorre de forma irracional e quão pouco conhecemos nossas personalidades.” A seu convite, decidi fazer um breve e vexatório exame de consciência. Até a chegada do iTunes ao Brasil, meu computador era repleto de músicas de procedência duvidosa. Na escola e na faculdade, participei de pequenas e inocentes fraudes acadêmicas ao lado de meus colegas. Menti algumas vezes para minhas namoradas (todas, menos a atual), nem sempre por motivos nobres. Os pontos em minha carteira de motorista denunciam desobediências ocasionais às leis de trânsito. Por sinal, consegui a habilitação em circunstâncias inusitadas: o examinador me confundiu com um dos inúmeros alunos que haviam comprado a carteira, e confesso não ter me esforçado muito para convencê-lo do contrário. Acabei fazendo uma prova muito mais fácil do que esperava. Apesar desses deslizes, não me considero uma pessoa desonesta nem perdi a capacidade de me indignar diante de grandes trapaças. O que explicaria essa atitude?

Como resposta a essa pergunta, Ariely propõe o que chama de “regra dos 15%”. Segundo ele, pessoas comuns tendem a trapacear em 15% das oportunidades. Elas se sentem mais à vontade quando a trapaça rende pequenas recompensas, não grandes vantagens. É mais fácil manter uma imagem honesta de si mesmo sem desrespeitar os instintos trapaceiros. Ariely chegou à regra depois de repetir uma série de experimentos sociais em diferentes países. No experimento mais simples, os voluntários eram convidados a resolver uma série de problemas de matemática e avisados de que receberiam um bônus em dinheiro para cada resposta certa. Candidatos cujas provas eram verificadas e corrigidas por um professor resolviam, em média, quatro de cada dez exercícios, ganhando um total de US$ 4. Noutro grupo, os professores davam aos candidatos uma folha de resultados para conferir suas próprias respostas e, em seguida, dizer quantas perguntas acertaram. A média de acertos - e de ganhos - subiu para quase seis. Alguns trapaceavam muito, mas a maioria se sentia satisfeita com uma pequena dose de desonestidade. “Conseguimos nos sentir bem conosco quando dirigimos a uma velocidade 15% acima do limite de velocidade, ou quando pagamos 15% a menos do que deveríamos no Imposto de Renda, ou até mesmo quando comemos 15% a mais do que planejávamos numa dieta”, afirma Ariely.

Para o economista e filósofo Eduardo Giannetti, autor do livro Autoengano, nossa tendência a esconder de nós mesmos essas pequenas falhas pode ser explicada pela influência da seleção natural na maneira como nos comportamos. “O trapaceiro que engana a si mesmo é mais eficiente que o trapaceiro que age de caso pensado”, afirma Giannetti. “Cada pessoa é desonesta num grau diferente, mas, quando conseguimos nos convencer de que somos honestos apesar dessas pequenas trapaças, é muito mais fácil convencer os outros de que somos honestos.”

Numa situação normal, sem grandes estímulos à trapaça, nossos mecanismos de autoengano funcionam bem quando seguimos a regra dos 15%. Mas há fatores que nos tornam capazes de trapacear ainda mais sem manchar nossa boa imagem. Nossas pequenas trapaças se tornam maiores quanto menor for o esforço para explicá-las de modo racional. Nos experimentos feitos por Ariely, os níveis de trapaça aumentavam muito quando as pessoas viam outros trapaceiros em ação - é a desculpa do “todo mundo faz”, eternizada na política brasileira pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de ser acusado no escândalo do mensalão de usar caixa dois em sua campanha na eleição de 2002. Outro fator social que pode nos tornar mais trapaceiros é a vingança. Se, por algum motivo, nos sentimos ofendidos por alguém, as chances de sermos honestos com essa pessoa diminuem quando houver a oportunidade de trapaça. Num teste de honestidade feito num restaurante da Califórnia, 45% das pessoas avisaram o garçom e devolveram o troco quando receberam dinheiro a mais do que deveriam. Porém, quando o garçom interrompia os pedidos para falar ao celular e não pedia desculpas ao cliente, a percentagem diminuía para 14%. Numa escala maior, isso explica por que muitos se sentem mais à vontade para pagar menos impostos ou desrespeitar as leis do trânsito quando não estão satisfeitos com o governo. Das intrigas individuais à indignação com grandes instituições, a vingança é um combustível para a desonestidade em todas as instâncias.

Além dos fatores sociais, há características pessoais que nos tornam mais propensos à trapaça. Pessoas mais criativas tendem a trapacear mais - não só por ter mais facilidade para criar justificativas racionais para seus deslizes, mas também pela capacidade de inventar novas maneiras de quebrar as regras. Quem enfrenta vários conflitos de interesse no cotidiano tem mais chance de trapacear e, por isso, está mais exposto ao risco da desonestidade. Quem trabalha em profissões estressantes também tende a ser mais desonesto. O motivo é o esgotamento: como, para manter a honestidade, é preciso fazer o esforço de conter nossas tendências desonestas, o cansaço mental enfraquece nossas defesas. No teste aplicado por Ariely com os problemas de matemática, os participantes cansados trapaceavam até 20% a mais que a média.

A importância da primeira trapaça também é grande para definir nossa capacidade de fugir dos deslizes futuros. Quem já trapaceou uma vez tem uma chance maior de repetir a mesma trapaça, muitas vezes em uma escala mais ampla. É o que Ariely chama do efeito “que se dane”. A explicação que usamos para a primeira trapaça se consolida em nossa mente, e a partir daí o conflito moral passa a ser ignorado. É um comportamento análogo ao de quem não consegue se controlar quando está de dieta. Depois do primeiro pedaço de bolo, aumenta muito a chance de comermos o bolo inteiro e deixarmos a salada para a próxima segunda-feira. Com base nisso, Ariely afirma que práticas desonestas consideradas “aceitáveis” pela sociedade podem nos tornar mais trapaceiros em outros setores da vida. Um jovem que baixa músicas ilegalmente na internet, por já ter ignorado uma regra da sociedade, tem mais chance de colar numa prova ou de mentir para um professor do que um jovem contra a pirataria.

Isoladas, as pequenas trapaças parecem inofensivas. Somadas, elas causam prejuízos tão graves quanto a ação de um grande trapaceiro. No livro, Ariely cita a investigação do sumiço de US$ 150 mil no balanço de uma rede de lojas de lembrancinhas em museus americanos. A busca pelo responsável pelo desvio do dinheiro não teve sucesso, até que os investigadores depararam com um vendedor que roubara US$ 60. A investigação revelou que o rombo fora causado por centenas de pequenos furtos, feitos por vários dos jovens e idosos que trabalham como voluntários no local. Se todos fossem punidos, mais da metade dos quase 300 funcionários teria de ser dispensada. A solução foi implantar controles mais rigorosos no acesso aos caixas. Numa escala maior, não seria surpreendente se o impacto de pequenas incorreções nas declarações de imposto de Renda de milhões de “trapaceiros ocasionais” fosse tão prejudicial aos cofres públicos quanto as trapaças dos grandes sonegadores.

Embora sejam poucos os trapaceiros patológicos, que tentam levar vantagem sobre os outros em todas as oportunidades, uma série de más escolhas e condições favoráveis à desonestidade pode transformar qualquer um em grande trapaceiro. “Essa afirmação pode parecer chocante para uma pessoa normal que se considera honesta, mas os grandes trapaceiros de hoje também não imaginavam essa possibilidade”, afirma Ariely. “E, provavelmente, muitos deles se consideram honestos até hoje.”

A busca por uma sociedade mais honesta está longe de ser inviável. Admitir nossa tendência natural à trapaça e ao autoengano é o primeiro passo para que busquemos maneiras de evitar falhas. “Quanto mais entendermos o que nos torna desonestos, mais fácil será o esforço para mantermos a honestidade”, diz Ariely. Se soubermos em que condições temos mais chances de trapacear, é possível fazer um exercício de autocontrole e evitar essas situações. Podemos abrir mão de tomar decisões morais difíceis quando estamos cansados ou de preencher a declaração de imposto de Renda quando estamos muito irritados com a ineficiência do governo (ninguém disse que seria fácil...). Sabendo da influência que a primeira trapaça tem sobre nossas decisões futuras, podemos lutar para combater pequenos deslizes, como baixar músicas na internet ou parar numa vaga proibida. E, conhecendo o funcionamento do efeito “que se dane”, é mais fácil retomarmos a consciência antes de comermos o segundo pedaço de bolo, piratearmos o álbum novo de uma banda que admiramos ou tomarmos mais uma multa por estacionar num local proibido.

Da mesma forma que a soma das pequenas trapaças de pessoas normais pode ter um impacto negativo maior que a ação de um grande trapaceiro, a soma dos pequenos esforços individuais para manter a honestidade pode ter um impacto positivo maior que uma “faxina” entre os políticos corruptos. “Quando as leis não têm a adesão das pessoas, não há esforço governamental capaz de impor a honestidade”, afirma o filósofo Eduardo Giannetti. Eliminar a trapaça por completo seria uma utopia - sobretudo na vida pessoal, quando muitas vezes temos de mentir para seguir regras básicas de convívio. “Um homem nunca deve ser 100% honesto na hora de dizer à mulher se ela parece mais gorda”, diz Ariely. “Mas, nos negócios e na política, não haveria prejuízos à sociedade se a trapaça fosse eliminada.” Se nosso instinto natural para pequenas trapaças fosse usado apenas para evitar situações embaraçosas na vida pessoal, o mundo teria menos grandes trapaceiros. E nós, apesar de nossas falhas, poderíamos criticá-los sem correr o risco de sermos desmascarados - como aconteceu com grandes personagens da história e muitos políticos brasileiros.

Investimento na educação de qualidade

Autor(es): Carlos José Marques
Isto é - 09/07/2012

Brasileiros voltam a discutir se vale o Estado gastar/investir mais em educação ou não. O teto, revisto para cima, para os desembolsos públicos na área alcançaria 10% do PIB anual até 2022. E nos próximos cinco anos oscilaria na faixa de 7% do Produto Interno Bruto. Hoje esse número gira em torno de 5,1% do PIB. Já foi de meros 3,9% do PIB no final dos anos 90. A questão principal é se esse aumento gradual de investimento na educação equivaleria a uma melhor qualidade do ensino e geraria, por tabela, uma população mais bem formada. A equação não é tão simples. De uns tempos para cá, o ensino público, por exemplo, inverteu a mão. Apostou mais em quantidade de estudantes atendidos e deixou de lado a qualidade do aprendizado. O índice de repetência dos alunos nesse âmbito cresceu vertiginosamente, como também a evasão escolar. Custou mais ao Estado patrocinar a retomada da educação para esses estudantes do que a despesa necessária para o aprimoramento de técnicas e didática de ensino e para a qualificação do corpo docente. No caso valeria a máxima de que prevenir sairia muito menos dispendioso, e mais vantajoso, do que remediar. E esse é apenas um dos aspectos que ilustram a complexidade do tema. O desafio de transformar investimento em bom aprendizado passa necessariamente pela gestão eficiente dos recursos. O Plano Nacional de Educação (PNE), que foi referendado pela Câmara e vai ainda a votação em plenário, põe em lados opostos os defensores de melhoria nas verbas e os que pregam a reorientação disciplinada dos recursos já disponibilizados. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, em meio à discussão disse que um gasto de 10% do PIB com a educação “quebra o País”. O PNE propõe ações bem mais amplas que o mero reforço orçamentário. Trata da ampliação de vagas nas creches, equiparação salarial dos professores à de outros profissionais diplomados, erradicação do analfabetismo e adoção do ensino integral em metade da rede de escolas públicas. Todas elas medidas fundamentais. A princípio, ninguém em sã consciência pode ser contra o investimento na educação, mas é preciso olhar com muito critério a destinação e o retorno que esse dinheiro terá, para que o plano não vire mero cabo eleitoral de políticos oportunistas loucos por verbas adicionais para desviar.

Sem educação formal, irmãos ganham prêmios

Fora de escola desde 2006, os jovens estudam em casa apenas os temas que lhes interessam e não pensam em cursar faculdade
26 de maio de 2012 | 21h 44

Ocimara Balmant e Fernanda Bassette, de O Estado de S. Paulo


Davi e Jônatas estão com as malas prontas para a primeira viagem ao exterior: vão para a Califórnia em agosto. Ganharam as passagens e a estadia para a Campus Party americana após vencerem um concurso na edição brasileira do evento.

Por aqui, eles concorreram com mais de 7 mil "nerds", egressos dos cursos de Engenharia e Ciência da Computação. O currículo dos campeões, no entanto, é bem mais modesto. Eles abandonaram a escola antes de concluir o ensino fundamental.

Os dois foram educados pelos próprios pais, em casa. "Se eu estivesse no colégio, estaria entrando na universidade. Em casa, foquei apenas no que gosto. Não perdi tempo nas disciplinas que não me interessam", diz Davi, de 19 anos. Jônatas, um ano mais novo, alfineta: "Mesmo porque o melhor é ter uma boa ideia. Depois, se for preciso, coloco um engenheiro para programar".

A cada afirmação, os dois olham de soslaio para o pai, sentado no sofá ao lado e se segurando para ele mesmo não responder a todas as perguntas. A cada prêmio dos filhos - só nos primeiros quatro meses deste ano eles já ganharam cerca de R$ 30 mil em concursos - Cléber Nunes se convence ainda mais da decisão tomada no fim de 2005, quando Jônatas e Davi terminaram a 5.ª e a 6.ª série.

"Mas, mesmo com todos esses prêmios, ainda dizem que neguei educação para os meninos", diz o pai, referindo-se ao crime de abandono intelectual pelo qual ele e a mulher, Bernadeth Nunes, foram condenados em 2010. Também teriam de pagar uma multa, estimada hoje em R$ 9 mil, pela condenação em um processo na área cível por descumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "Não quitamos porque temos certeza de que nossos filhos receberam instrução adequada", afirma a mãe.

Quem a vê tão convicta nem imagina que ela era terminantemente contra a decisão do marido. Tanto que, na primeira tentativa de Cleber, no fim de 2004, Bernadeth vetou a ideia. Para convencer a mulher, ele foi aos Estados Unidos, conheceu famílias que praticavam o ensino domiciliar e trouxe uma mala cheia de material sobre o tema.

Começava aí seu processo de "doutrinação" que só tem ganhado adeptos. A mais nova convertida é a pequena Ana, a caçula da família. Aos 5 anos, ela já sabe ler e escrever, é fluente em inglês e, apesar de nunca ter frequentado uma escola, tem uma opinião formada sobre o que se aprende na instituição: "Nada".

Informal. A sala de aula da menina é um cantinho do escritório coletivo que fica no térreo do sobrado em que a família vive, no município mineiro de Vargem Alegre. No espaço, as bonecas ficam junto dos livrinhos de tecido costurados por Bernadeth.

Enquanto a mãe ensina a menina a ver as horas, Jônatas desenvolve um software para informatizar as mercearias do município, e Davi é capaz de se esquecer de comer só para programar os códigos que darão origem a um programa capaz de ajudar os candidatos a vereador e a prefeito a mapear redutos eleitorais e traçar estratégias de comunicação.

Creditam todo o aprendizado à técnica implementada pelo pai, autodidata que saiu da escola no 1.º ano do ensino médio.

Assim que os tirou da colégio, Cléber os ensinou lógica, argumentação e aritmética, base a partir da qual eles poderiam estudar o que lhes conviessem. Davi e Jônatas decidiram ignorar disciplinas como química, biologia e geografia. "Por que eu deveria saber o que são rochas magmáticas?", questiona Jônatas.

Das disciplinas oficiais, ficou somente o inglês. Para estimular a fluência, Cléber comprava cursos de informática em inglês e pedia que os filhos legendassem documentários.

Atualmente, cada um faz seu currículo e seu horário. Mas nunca são menos de seis horas diárias, seis dias por semana. Jônatas, webdesigner, dispersa fácil, tanto que decidiu sair do Facebook para não perder tempo. Davi, programador, é mais centrado, cumpre à risca a grade horária colada no mural do seu quarto, ao lado de onde se vê um versículo bíblico em hebraico, idioma que ele aprendeu sozinho com o intuito de compreender melhor textos do livro sagrado.

Motivação. A retirada dos filhos da escola coincidiu com a decisão da família por uma vida mais simples e de retorno a padrões morais descritos na Bíblia.

Cléber abriu mão de sua empresa de produtos de aço inoxidável, como troféus e placas de honra, para fabricar as peças no quintal de casa. Bernadeth, que era decoradora e cursava Arquitetura, abandonou o curso e, desde então, dedica-se a cuidar da casa e a alfabetizar a filha.



Por fim, trocaram a cidade de Timóteo, com 80 mil habitantes, pela pequena Vargem Alegre, de apenas 7 mil moradores e quase nenhuma opção de lazer. "O pai nos comunicou sobre a mudança. No começo, estranhamos, mas agora já me acostumei com o passeio na pracinha da igreja", diz Davi.

Vez ou outra, jogam futebol com os vizinhos e viajam a Timóteo para encontrar os primos e os ex-amigos de escola. No dia a dia, e sem TV em casa, os cinco estudam, trabalham, fazem as refeições e divertem-se assistindo a vídeos do Youtube. Mas não cansa ficar tanto tempo juntos? Pelo jeito, não. Como acompanhantes da viagem à Califórnia, os meninos não hesitaram: vão levar o pai e a mãe.

Educadores divergem sobre metodologia de ensino fora da escola

Profissionais da educação divergem sobre a possibilidade de pais educarem seus filhos em casa, fora do ambiente escolar. A pedagoga Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade Católica de Petrópolis, fez uma pesquisa de pós-doutorado analisando a prática no Brasil e em Portugal. Aqui, a legislação não permite. Lá é liberado, dentro de algumas regras - entre elas, avaliação periódica.

"Apesar de ser um tema envolto em preconceito, que ainda recebe muitas críticas, as mudanças estão começando e mostram que existem outras maneiras de educar as crianças que não seja na escola", diz Maria.

Para o pedagogo Fábio Stopa Schebella, diretor pedagógico da Associação Nacional de Ensino Domiciliar, o preconceito contra o método é falta de informação. Ele, que já deu aulas em escolas regulares, hoje presta consultoria pedagógica para algumas famílias que ensinam os filhos em casa.

"Há uma crença equivocada de que as crianças que são educadas em casa não se socializam ou não aprendem direito. E isso é um erro. Elas têm rendimento até melhor, tanto na parte intelectual quanto social", afirma.

Equívoco. Quem tira os filhos da escola lhes rouba a oportunidade de se desenvolver integralmente, diz a professora Silvia Colello, da Faculdade de Educação da USP. "Nem a baixa qualidade e a falta de segurança das escolas justificam uma opção radical como essa. Esse tipo de ensino pode preparar a pessoa para o trabalho, mas não para o mundo."

Além disso, segundo Silvia, há um problema curricular. Em casa, muitos pais optam por privilegiar os temas de interesse do filho em detrimento de outras disciplinas. "É interessante que a família esteja atenta para captar os interesses e aptidões, mas cabe aos pais abrir perspectivas para novos interesses. Como é que o adolescente diz que não gosta de física, se ele nunca estudou a disciplina?"

O argumento de que é direito dos pais decidir o modelo mais apropriado de ensino é rebatido pelos educadores contrários à educação domiciliar: o direito da criança de frequentar a escola é que deve prevalecer.

A aceitação dos filhos a esse modelo de ensino, argumenta a pedagoga, tem mais relação com a falta de opção do que com a satisfação. "A maioria das crianças ou nunca foi à escola ou dela foi tirada muito cedo. Não têm parâmetros para comparar porque não conheceram o lado de cá."

Leis brasileiras não permitem ensino em casa

A legislação brasileira em vigor determina que os pais ou responsáveis matriculem as crianças na rede regular de ensino - o que torna ilegal, portanto, a prática do ensino domiciliar.

O artigo 6 da lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases) diz que "é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos 6 anos de idade, no ensino fundamental". Já o artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que os pais ou o responsável têm a obrigação de matricular os filhos ou pupilos na rede regular de ensino.

O Código Penal, em seu artigo 246, diz que é crime de abandono intelectual "deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar".

As famílias que defendem a educação fora da escola se baseiam no artigo 26.3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um tratado internacional ratificado pelo Brasil, que diz "que os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos".

O Ministério da Educação informou, por meio de sua assessoria, que não se manifesta em relação ao tema, pois se trata de uma questão jurídica/legal.

Permissão. Embora a legislação não permita a prática, há um projeto de lei do deputado Lincoln Portela (PR-MG) em tramitação na Câmara dos Deputados pedindo a regulamentação da educação básica domiciliar. O ensino deve ser realizada pelos pais, mas com supervisão e avaliação periódica.

Educação em casa ou na escola?

Autor(es): Paulo Nathanael Pereira de Souza
Correio Braziliense - 09/07/2012

Presidente da Academia Paulista de Educação

No Brasil, a preocupação do poder público com as regras do politicamente correto chega a tais minúcias que as regulamentações dos comportamentos individuais e sociais se sucedem com velocidade incalculável. Regula-se tudo por aqui e chego a desconfiar que disso a população em nada se beneficia, eis que o excesso de proteção do Estado acaba não raro em detrimento dos protegidos.

A propósito de melhorar a vida das pessoas, o que se faz de fato é continuamente invadir sua privacidade e obrigá-las a submeter-se a procedimentos nem sempre condizentes com a sua liberdade de escolher e de agir. Corre-se o risco de, em breve, alguém inventar uma lei ou um decreto que proíba e puna os que escolherem o suicídio como forma de morrer! Não que ao poder público não caiba competência para combater excessos prejudiciais ao direito de terceiros, mas isso não significa invadir em demasia os limites de cada um. Dentro desses, a liberdade deve ser respeitada, não cabendo ao Estado nela intervir, como se toda a população fosse composta de imaturos e irresponsáveis.

Essas observações me assaltam a propósito da leitura de uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo ("Sem educação formal, irmãos ganham prêmio", 27/5/2012), em que se informa o bom resultado de uma educação caseira ministrada pelos pais aos três filhos, na cidade mineira de Vargem Alegre. Impressionam-me alguns comentários de educadores e autoridades, segundo os quais o processo educativo nacional, tal como está regulamentado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), proíbe os pais de educarem os filhos em casa, em vez de enviá-los para a escola.

Tenho mais de meio século de intimidade com a legislação do ensino neste país e não estou convencido de que cometem crime os pais que educam crianças e jovens no seio da família, em substituição às escolas. As duas leis citadas pelos entrevistados tratam de casos de omissão dos pais e, principalmente, dos governos, que têm o dever de assegurar educação a todas as crianças e jovens, na rede escolar. Tanto que essa matéria é abordada no capítulo da LDB que cuida de um direito público subjetivo, isto é, o direito da criança de ter sempre matrícula garantida na idade escolar apropriada (artigo 5º). Tanto que os parágrafos desse artigo estipulam as formas de o poder público desempenhar com sucesso essa sua competência.

O próprio artigo 6º, que diz ser dever dos pais efetuar a matrícula dos menores na escola, visa mais a obrigar os omissos (geralmente chefes de famílias das camadas mais excluídas da sociedade) a fazê-lo, não implicando necessariamente em crime para os que (talvez até mesmo por excesso de consciência de sua responsabilidade em relação à boa formação dos filhos) prefiram educá-los em casa. E o fracasso escolar da educação básica brasileira nos últimos tempos até que justifica amplamente essa tomada de decisão, a qual, aliás, diga-se de passagem, caracteriza casos de absoluta exceção e não chegam a comprometer a regra, que é a da matrícula da prole no ensino formal.

O ECA, por sua vez, o que visa é à defesa da criança e do jovem quanto ao exercício de seu direito à educação, o que, por sinal, não ocorre com aqueles, cujos pais optam por educá-los no recesso do lar. São casos incomuns de educação esses patrocinados pelos pais, e que poderiam, no meu modo de ver, ser praticados livremente e sem crime, eis que as situações que a regra da lei quer prevenir referem-se sempre aos perigos de negação de cumprimento do dever de educar. Ao contrário, no lugar da escola está-se optando por outra educação, quiçá até mais qualificada do que essa que o ensino brasileiro está a oferecer, no momento, a todas as crianças e jovens.

A mesma reportagem publicada com tanto destaque pelo jornal paulista refere-se também a um possível projeto de lei de um deputado federal, que pretende regulamentar a matéria da educação básica domiciliar. Uma discutível iniciativa, acho eu. Primeiro, porque se trata de casos excepcionais e, depois porque a própria LDB (artigo 30, §2º) prevê exames destinados a aferir e reconhecer "conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais", o que nos induz a entender não haver crime em ser alguém educado fora do ensino formal.

Quiçá valesse a pena prever uma emenda a esse dispositivo, diminuindo a idade limite, para que jovens com menos de 15 e 18 anos possam formar-se respectivamente nos conhecimentos correspondentes aos ensinos fundamental. De qualquer forma, o tema, dada a atualidade, mereceria inspirar seminários de aprofundamento a serem levados a cabo por universidades, faculdades e conselhos de educação.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Demografia ajuda educação

Política
Autor(es): Cristiano Romero
Valor Econômico - 04/07/2012

Além de demagógica, a decisão da Câmara dos Deputados de aumentar para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) os gastos públicos com educação ignorou as transformações demográficas em curso no país. Com o envelhecimento da população, o número de pessoas em idade escolar está diminuindo. Apenas entre 2009 e 2011 houve queda de 1,8 milhão de matrículas na rede pública do ensino fundamental. Há mais de uma explicação para essa redução. A mudança demográfica é uma delas.

O economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a diminuição da população de crianças e jovens em razão da transformação demográfica facilitará a tarefa de melhorar a educação brasileira nos próximos anos. "Em 2010, havia 47,1 milhões de pessoas em idade escolar, mas, em 2020, haverá 41,5 milhões, uma redução de 5,6 milhões", diz ele.

Arbache faz um cálculo revelador. Nos últimos oito anos, a economia brasileira cresceu, em média, 4,3% ao ano. Neste momento, por causa da crise mundial, está crescendo bem abaixo disso, mas a tendência dos próximos anos é voltar a avançar numa velocidade mais próxima do chamado PIB potencial. Se isso ocorrer e se o setor público (União, Estados e municípios) mantiver o atual nível de gasto com educação - 5,08% do PIB em 2011-, será possível aumentar o investimento por aluno em 45% entre 2010 e 2020, já descontada a inflação.

Envelhecimento da população e expansão do PIB ajudam educação

"Juntas, economia e demografia farão os investimentos públicos em educação por aluno saltarem de 20% para 25% do PIB per capita no mesmo período, taxa elevada para padrões internacionais", observa o professor da UnB. "É óbvio que quem conhece o Brasil e tem algum bom senso apoia a substancial melhoria da qualidade da educação, mas acho que o caminho sugerido [o aumento puro e simples do gasto para 10% do PIB, uma espécie de número mágico] poderá trazer mais problemas que soluções."

O Brasil vem elevando já há algum tempo o dispêndio do Estado com educação. É só lembrar que em 2003 o gasto era equivalente a 3,9% do PIB. Em 2007, a educação pública já consumia 4,3% do PIB; em 2009 chegou a 4,7% do PIB e, no ano passado, a 5% do PIB.

O aumento dos investimentos certamente contribuiu para dois ganhos importantes nesse período: a universalização do ensino básico e a melhora dos salários dos professores. O que não acompanhou o ritmo de mudanças foi a qualidade do ensino, apontada de forma unânime por especialistas, à direita e à esquerda do espectro político, como o calcanhar de Aquiles da educação no Brasil.

A elevação do gasto público com educação para 10% do PIB, no espaço de dez anos, foi aprovado no âmbito do Plano Nacional de Educação (PNE), que está em discussão no Congresso Nacional. O Ministério da Educação estima que, para viabilizar esse aumento de despesa, o governo teria que retirar R$ 85 bilhões do orçamento anual de outros ministérios da área social.

Tirar esse dinheiro de outras rubricas obrigaria o governo certamente a sacrificar programas sociais de combate à miséria bem-sucedidos, como o Bolsa Família. Inviabilizaria também o financiamento de orçamentos importantes, como o da previdência e assistência social.

Jorge Arbache chama a atenção para o fato de que o envelhecimento da população obrigará o governo a destinar mais recursos, nas próximas décadas, à saúde pública e ao pagamento de aposentadorias e pensões. "Já em 2026, a população em idade escolar, na faixa etária de 4 a 17 anos, será ultrapassada pela população acima de 60 anos", diz o economista.

É preciso considerar, portanto, que a fixação de um percentual elevado e irrealista de PIB para gastos com educação "tende a conflitar com as necessidades fiscais futuras decorrentes do contínuo aumento da população de idosos". O problema da previdência, como se sabe, já é de difícil solução mesmo antes do envelhecimento previsto para a população brasileira nos próximos anos. A previdência, principalmente a do setor público, já é bastante deficitária - o rombo anual de ambas soma R$ 100 bilhões.

A ideia de que simplesmente jogar dinheiro do helicóptero vai melhorar a educação no Brasil é um grande equívoco. Especialistas afirmam que o problema não está na falta de recursos. O país já desembolsa nessa área o equivalente ao gasto médio realizado por países desenvolvidos. É possível discutir prioridades - por exemplo: o Brasil destina mais recursos, por aluno, ao ensino superior do que ao fundamental, o oposto do que fazem nações bem-sucedidas em formação educacional, como a Coreia do Sul -, mas está claro que a deficiência não é de caráter financeiro.

Arbache acha que o governo deveria definir o orçamento público para a educação de acordo com os recursos necessários para atingir metas educacionais, "política essa que teria que vir acompanhada do aperfeiçoamento da gestão do sistema educacional". "Num primeiro momento, será preciso elevar significativamente a parcela do PIB destinada à educação, mas, numa fase seguinte, quando as metas forem sendo alcançadas, o orçamento da educação poderá se estabilizar e até diminuir, como ocorreu décadas atrás nos tigres asiáticos, que promoveram grandes avanços na educação."

"A educação deve ser prioridade de política pública, mas a alocação de recursos para a área deve ser compatível com a realidade demográfica do país. Do contrário, podem ser criados compromissos e pressões fiscais futuras com efeitos deletérios para o crescimento econômico sustentável", insiste Arbache.

O economista observa que, embora os investimentos públicos em educação por aluno já estejam crescendo, o Brasil precisa aproveitar as condições econômicas e demográficas favoráveis deste momento para fortalecer ainda mais o orçamento dessa área nos próximos anos, com o propósito de diminuir o hiato que separa a educação pública brasileira "daquela necessária para fomentar o crescimento econômico e alavancar a competitividade internacional da nossa economia".

A educação e a Rio+20

Autor(es): agência o globo:Mozart Neves Ramos
Correio Braziliense - 05/07/2012

Membro do Conselho de Governança do Todos Pela Educação e do Conselho Nacional de Educação, e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Garantir crescimento econômico com desenvolvimento e justiça social sem que isso comprometa as fontes de recursos naturais e o meio ambiente é onde se insere o desafio da consolidação do novo modelo de desenvolvimento que o mundo busca: o desenvolvimento sustentável. Conforme aponta o Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas em 1987, o ponto de equilíbrio desse desenvolvimento se encontra na capacidade de resolver as necessidades atuais sem comprometer aquelas das gerações futuras.

Valores como direitos humanos, cultura de paz, educação para todos, igualdade de gênero, diversidade cultural e democracia são alguns dos pré-requisitos para o êxito desse processo. Não obstante o desenvolvimento humano se configurar como um processo multifacetado, a oferta de educação de qualidade para todos se traduz como o pilar central das estratégias de transformação e de promoção de valores quanto à conduta ética e na busca do compromisso coletivo.

De fato, o capítulo 36 da Agenda 21 estabelecida na Eco-92 já enfatizava a importância da educação na promoção do desenvolvimento sustentável e na melhoria da capacidade das pessoas entenderem os problemas que permeiam as questões ambientais e de desenvolvimento. Por isso mesmo, a Assembleia Geral das Nações Unidas, de 2005, em Brasília, adotou por unanimidade a resolução que proclama o período de 2005 a 2014 como a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável.

Não foi à toa. Constatava-se, naquela oportunidade, que o mundo ingressava no século 20 com 113 milhões de crianças que cresciam sem nenhum tipo de educação escolar, 880 milhões de adultos na condição de analfabetos plenos, 160 milhões não finalizavam a educação básica e 60% da população sem escolaridade eram mulheres. Como pensar no desenvolvimento de economias e sociedades mais justas e de relações sustentáveis com o meio ambiente com essas condições?

Por isso a forma periférica como foi conduzido o debate sobre o papel crucial da educação durante a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Desenvolvimento Sustentável, mundialmente conhecida como Rio+20, causa estranheza. Educação de qualidade para todos é simplesmente o alicerce que viabiliza e mantém as mudanças que precisamos e buscamos. Não se pode aqui desconhecer a potencial mobilização da Rio+20 enquanto evento em prol das questões ambientais, como também o relativo sucesso em função do fortalecimento do multilateralismo, mas faltou o destaque ao pilar social.

Um dos principais temas da conferência foi o conceito de uma %u201Ceconomia verde%u201D, com o propósito de assegurar o crescimento econômico, a equidade social e a redução dos riscos ambientais, na tentativa de se propor um caminho comum para o desenvolvimento sustentável. A Rio+20 foi essencialmente uma conferência sobre o meio ambiente. Ficou uma sensação de que poderíamos ter feito mais.

O Brasil, anfitrião da conferência, que vem se colocando para o mundo como um país de economia próspera e sólida, já começa a dar sinais de esgotamento do modelo que o levou a esse estágio de desenvolvimento; ao menos foi isso que apontou o relatório do Banco Internacional de Compensações (BIS), o banco dos bancos centrais. Após anos seguidos de elogios ao desempenho da economia brasileira, o relatório deste ano é contundente: o Brasil já vive uma %u201Cdesaceleração acentuada%u201D e precisará agir com urgência para reverter esse quadro. A sua sustentabilidade passa pelo binômio infraestrutura e educação de boa qualidade.

Portanto, não haverá sustentabilidade se o Brasil não resolver o seu problema educacional. Assim fazendo, poderá encurtar rapidamente a distância que separa o seu Produto Interno Bruto (PIB), que se encontra na 6ª posição no ranking mundial, do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que ocupa a 88ª posição no ranking mundial. E a Rio+20, como conferência sobre o desenvolvimento sustentável, e não apenas para tratar das questões ambientais, não poderia ter deixado passar despercebido o tema educação. Seria, por exemplo, excelente oportunidade para aferir como andam as ações previstas para 2005-2014 naquilo que foi discutido na Assembleia Geral das Nações Unidas de 2005.

O Brasil pode ser, de fato, um protagonista deste novo século e deste novo modelo de desenvolvimento, e como anfitrião da Rio+20 deveria ter trazido o tema educação para lugar de destaque na conferência. Nem o Brasil, nem outro país o fez: ou subestimaram o papel da Rio+20 ou, em escala mundial, não percebem a educação como prioridade e vetor das mudanças que precisamos.

A educação precisa, sim, de mais dinheiro

Época - 02/07/2012

Não faltam ideias ruins para gastar dinheiro público. Para ficar no terreno das propostas legais, a mais recente quer autorizar Judiciário e Legislativo a aprovar despesas sem o necessário aval do Executivo, aquele que, dos Três Poderes, tem a incumbência de equilibrar as receitas e despesas do Estado. Aprovadas pela Comissão de Finanças e Tributação na semana passada, duas emendas com essa proposta elevariam os gastos públicos em R$ 8,1 bilhões por ano - em troca de nenhum benefício tangível para o cidadão.

Mas há - acredite - áreas em que o gasto público precisa crescer. Aprincipal é a educação. O Brasil gasta em média apenas 5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) no setor, o mesmo padrão de países desenvolvidos, que não têm um atraso histórico a superar. Em média, aquilo que um pai de família de classe média gasta, por mês, com a escola de seu filho equivale a tudo o que o Estado reserva a cada aluno – por ano.

Não há como deixar de reconhecer uma situação insustentável. A falta de recursos para o ensino público de qualidade obriga a classe média a pagar por escolas privadas. O cidadão paga, portanto, duas vezes pelo mesmo serviço: nos impostos e na mensalidade.

O país, como um todo, perde. Por isso, deve ser encorajada a sugestão de que o Brasil reserve o equivalente a 10% de seu PIB para investir em educação. Claro que também será preciso cuidar da qualidade desse gasto, resolver dramáticos gargalos de gestão e, ao mesmo tempo, zelar pelo padrão de ensino com técnicas objetivas de aferição e cobrança de metas.

É crucial entender que a educação é um debate que precisa ser feito não apenas com a calculadora na mão. Investimento social de longo prazo, ela só avança quando a sociedade estabelece consenso a respeito. De uns anos para cá, ele se formou. É necessário, agora, passar das palavras aos atos. Outras áreas terão de ceder recursos para que seja possível ampliar o gasto em educação de modo sensato e gradual, sem levar os cofres públicos à bancarrota. Como sabem os bons economistas, não existe almoço grátis - nem boas escolas.