domingo, 15 de julho de 2012

Mais uma catástrofe europeia?

Maílson da Nóbrega - Maílson da Nóbrega
Autor(es): Maílson da Nóbrega
Veja - 09/07/2012

Na Idade Média, a Europa viveu sua primeira grande catástrofe: a peste negra, que dizimou um terço da população. Depois, as guerras seriam a causa da crescente perda de vidas. Quatro milhões morreram nas guerras napoleônicas (1799-1815), uma média de 250000 pessoas por ano, quase a mesma da guerra franco-prussiana (1870-1871). Na Guerra Mundial (1914-1918), a média anual saltou para quase 4 milhões. Na II Guerra (1939-1945), subiu para 10 milhões. Pereceram 27 milhões de soviéticos e 6 milhões de alemães. O nazismo de Hitler imolou 6 milhões de judeus. A devastação da guerra inspirou a ideia de integração. Se todos tivessem os mesmos objetivos — a democracia, a promoção dos direitos humanos e o desenvolvimento — a grande motivação dos conflitos, a conquista territorial, desapareceria. Sonhou-se que a integração levaria à união política: os Estados Unidos da Europa. Três tratados — os de Paris (1951), Roma (1957) e Maastricht (1992) — deram vida ao mais ousado projeto geopolítico da história da humanidade.

O erro foi criar o euro antes do tempo (1999). Muitos estudiosos previram o seu fracasso. Não havia instituições para sustentar a moeda única. A Europa precisava construir o que os economistas denominam “área monetária ótima". Além do Banco Central Europeu e das metas de déficit e endividamento públicos, estabelecidos antes da partida, seria preciso muito mais. Uma união fiscal de transferências minimizaria as assimetrias de produtividade entre os países. Organizações supranacionais formariam uma união bancária para regular o sistema financeiro e lidar com crises de liquidez e falências de bancos.

O principal motor da extemporânea decisão teria sido a queda do Muro de Berlim (1989) e a conseqüente reunificação alemã (1990). Ressurgiram temores. Afinal, a Alemanha se havia envolvido nas últimas três grandes guerras europeias. François Mitterrand (1916-1996), então presidente da França, exigiu o compromisso com a criação do euro para que seu país apoiasse a reunificação. O chanceler Helmut Kohl concordou: o destino Alemanha é a Europa, afirmou.

A união monetária demandaria elevada solidariedade na região. Acontece que ainda não existem europeus, mas alemães, franceses, italianos, espanhois... Os operosos alemães não aceitam pagar impostos para salvar países tidos como menos esforçados. Eles se aposentam aos 67 anos, mas na França o novo presidente diminuiu essa idade para 60 anos. A resistência de Angela Merkel a moderar a autoridade fiscal e rever os compromissos de reforma é uma resposta às demandas de seus eleitores.

A saída da Grécia da zona do euro é vista como inevitável por muitos analistas. Alguns acreditam que assim o país adquiriria competitividade via desvalorização da antiga moeda, a dracma. Ocorre que não é tão simples assim. O abandono do euro provocaria uma corrida bancária, o colapso do crédito e uma depressão que traria o caos social, econômico e político à Grécia. Sua ainda jovem democracia (1974) dificilmente resistiria. Viria a pergunta óbvia: qual será o próximo? Portugal? Espanha? Itália? O contágio se espalharia. Estudos mostram que as economias são muito mais interligadas em tempos difíceis do que em boas épocas.

O abandono do euro pela Grécia e outros países tenderia a ser desordenado. Os seus efeitos negativos superariam os da quebra do banco Lehman Brothers (2008). Poderia haver uma depressão mundial como a dos anos 1930. Extremismos políticos tenderiam a se manifestar em muitos lugares. A revista The Economist lembrou que Hitler foi mais um produto da depressão do que da hiperinflação alemã dos anos 1920. O nazismo é, pois, a tragédia a ser lembrada na promoção dos esforços para preservar a moeda única. A Alemanha tenderá a ceder, como começou a fazer na reunião de cúpula do fim do mês passado. Mais de 40% das suas exportações vão para a zona do euro, cuja desintegração não lhe interessa. Em resumo, os benefícios de manter o euro são muito maiores do que os custos. Há riscos, a crise está longe de ter sido resolvida, mas uma nova catástrofe europeia — mesmo que sem a perda de vidas – não é o cenário mais provável.

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