sábado, 28 de abril de 2012

STF APROVA O SISTEMA DE COTAS PARA NEGROS

COTA RACIAL É LEGÍTIMA
Autor(es): » DIEGO ABREU
Correio Braziliense - 27/04/2012

Ativista dos direitos humanos, o cineasta americano Spike Lee visitou ontem o Supremo Tribunal Federal. Ele foi recebido pelo ministro Joaquim Barbosa, único integrante negro da corte, em um dia emblemático: por unanimidade, 10 votos a zero, o STF refutou uma ação proposta pelo DEM e aprovou a política de cotas raciais que reserva para negros 20% das vagas do vestibular da UnB. A decisão deve servir de parâmetro para todas as instituições públicas de ensino superior no país. Um índio foi retirado à força do tribunal ao se manifestar, durante a sessão, para que os indígenas fossem citados nas cotas

Após dois dias de votação, ministros do Supremo validam por unanimidade o sistema que destina vagas da Universidade de Brasília para negros e pardos. Modelo servirá de parâmetro para outras instituições educacionais

Por dez votos a zero, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que as cotas raciais para ingresso na Universidade de Brasília (UnB) são legais. O sistema, que reserva 20% das vagas de cada vestibular para negros e pardos, havia sido questionado pelo partido Democratas (DEM), que alegou violação aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Os ministros, porém, não se convenceram com os argumentos da legenda e definiram, por unanimidade, em sessão plenária concluída ontem, que a política de cotas da UnB é constitucional.

O entendimento servirá de parâmetro para todas as universidades públicas brasileiras, que, a partir da decisão da Suprema Corte, ficarão autorizadas a adotar o modelo da UnB, caso queiram, ou a manter os sistemas próprios dos quais já dispõem. Atualmente, segundo dados da ONG Educafro, 129 instituições públicas brasileiras têm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de candidatos, sendo que 57 delas são federais.

Em plenário, prevaleceu o voto proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Relator do processo que começou a ser julgado na quarta-feira, ele ressaltou a importância de iniciativas voltadas para a redução da desigualdade no país. Ele defende que as cotas da UnB sirvam de modelo para o Brasil, vigorando por um tempo determinado enquanto a desigualdade perdurar. Após ter sido interrompido, com o placar de um a zero, o julgamento foi retomado ontem.

Primeiro a votar, Luiz Fux ressaltou que o Brasil precisa reparar "danos pretéritos" que se originaram no Brasil quando os negros foram feitos de escravos. Para o ministro, não fere a Constituição o fato de a raça ser considerada critério para o acesso a uma universidade. Todos os ministros ressaltaram a importância das ações afirmativas como instrumentos de mecanismos compensatórios. Rosa Weber citou números que mostram que os negros ainda estão em situação desigual no país. Segundo a ministra, 75% da camada mais pobre da população brasileira é composta por pretos e pardos. "Isso quer dizer que dentre aqueles que têm menos oportunidade a imensa maioria é de negros", frisou.

Único negro entre os integrantes do Supremo, Joaquim Barbosa fez um dos votos mais resumidos. Em dez minutos, ele comentou que os afrodescendentes ainda sofrem com a discriminação. "Essas medidas combatem não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem", afirmou. O ministro também observou que nenhum país na história se tornou potência mantendo políticas excludentes.
Marco Aurélio Mello foi além ao alertar que não basta não discriminar. É preciso, segundo ele, viabilizar as mesmas oportunidades. Celso de Mello, por sua vez, avalia que uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode qualificar-se como democrática. O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, citou que a Constituição em seu "preâmbulo é um sonoro não ao preconceito". Cezar Peluso também votou pela validade das cotas raciais. Mesmo diante da desavença ocorrida na semana passada, quando Barbosa deu a entender que Peluso era racista. Ele não fez qualquer referência ao ocorrido e destacou a importância das políticas afirmativas.

O último voto do julgamento, proferido pelo ministro Ayres Britto, foi bastante comemorado por representantes de movimentos afrodescendentes. Batendo palmas, eles interromperam Britto, que precisou esperar alguns segundos, antes de proclamar o resultado.

O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento. Ele se declarou impedido por ter atuado no caso quando exercia o cargo de advogado-geral da União.

Critérios
Embora tenha votado a favor da manutenção do modelo das cotas, Gilmar Mendes fez críticas ao sistema da UnB e ao que ele chama de "tribunal racial", que é a comissão destinada a avaliar se o candidato é ou não negro ou pardo. "O tribunal racial está longe de ser infalível. Esse sistema opera com quase nenhuma transparência", criticou. O ministro citou o episódio ocorrido em 2007, quando a UnB autorizou Alan Teixeira da Cunha a disputar o vestibular pelo sistema de cotas, mas barrou Alex, seu irmão gêmeo univitelino. "Sabemos que há todo um esforço no sentido de expansão, mas continuamos com um modelo restrito."

129
Número de instituições públicas que mantêm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de alunos

O voto dos ministros

Luiz Fux
"A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos."

Ricardo Lewandowski (relator do processo)
"As desigualdades entre negros e brancos não resultam de uma desvalia natural ou genética, mas (...) de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos."

Cármen Lúcia
"As políticas de ações afirmativas são válidas. Na minha experiência de professora, aqueles que tiveram essa oportunidade souberam valorizar."

Cezar Peluso
"O mérito é sim um critério justo, mas apenas em relação aos candidatos que tiveram oportunidades idênticas ou pelo menos assemelhadas."

Rosa Weber
"O fato é que a disparidade racial é flagrante na sociedade brasileira. A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela."

Joaquim Barbosa
"A discriminação está tão enraizada na sociedade brasileira que as pessoas nem percebem. Ela se torna normal."

Marco Aurélio Mello
"Falta a percepção de que não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta, acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, no tocante a alcançar-se a igualdade."

Celso de Mello
"As ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnico-racial."

Gilmar Mendes
"Esse é um modelo que está sendo experimentado, cujas imperfeições vão aparecendo. Seria muito mais fácil fazer uma referência de índole sócioeconômica."

Carlos Ayres Britto
"O princípio de unidade da Constituição chancela as políticas de promoção racial. A partir desta decisão, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha."

O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de participar do julgamento

Ensino médio tem déficit de 2 milhões

Valor Econômico - 27/04/2012

No "Resumo Técnico do Censo Escolar da Educação Básica 2011", divulgado nesta semana, o Ministério da Educação (MEC) admite que é preciso corrigir o fluxo de alunos do ensino fundamental e que o nível médio no país deveria ter mais 2 milhões de alunos para chegar "a uma situação de equilíbrio" nas matrículas. O documento mostra que, nos últimos cinco anos, o número de alunos do ciclo ficou estável em torno de 8,4 milhões.

"O aluno potencial do ensino médio é o concluinte do ensino fundamental. A estimativa é que a situação de equilíbrio da matrícula seja em torno de 10,4 milhões, que corresponde à população na faixa etária de 15 a 17 anos." O ensino médio é uma das modalidades mais problemáticas da educação básica brasileira, com baixa taxa de conclusão, de 50%.

Por outro lado, o médio profissional tem registrado crescimento das matrículas. Em 2011, foi o ciclo educacional que mais cresceu, com 993.187 matrículas, um alta de 7,5% sobre 2010.

Quase 1 milhão de alunos fora da sala de aula

Autor(es): PAULA FILIZOLA
Correio Braziliense - 28/04/2012

Segundo o IBGE, em 2010, 966 mil crianças e jovens ficaram sem ir à escola. Situação mais preocupante está na Região Norte


Dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que cerca de 966 mil crianças e adolescentes, entre 6 e 14 anos, ainda estão fora da escola. Apesar de o número ser alto, em 10 anos, a redução nesta faixa etária foi de 5,5% para 3,3%, em comparação com o Censo 2000. Neste período, cerca de 2,5 milhões de novos alunos entraram na sala de aula. Porém, a comparação só é possível para a faixa 7 a 14 anos, porque a lei que fixou os 6 anos como idade para ingresso na vida escolar foi sancionada em 2006.

No contingente de adolescentes, de 15 a 17 anos, os números são mais alarmantes. Em 2010, 16,7% dos jovens não frequentavam a escola, porém também houve uma queda em relação ao levantamento do IBGE de 2000, onde 22,6% da população nesta faixa estavam fora da escola. No período entre um levantamento e outro, aproximadamente 290 mil jovens tiveram acesso à educação.

O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, explica que as crianças de 6 a 14 anos fora da escola fazem parte de populações historicamente marginalizadas, como a rural, os quilombolas e os indígenas. O Ministério da Educação (MEC) informou que tem desenvolvido programas e ações efetivas, como a aquisição de lanchas e ônibus para o transporte rural, urbano, e melhoria da infraestrutura das escolas.

Os números também mostram que, em 2010, metade da população brasileira com 10 anos ou mais de idade não tinha instrução ou tinha somente o ensino fundamental incompleto. Segundo o IBGE, o número de pessoas nessa condição em 2000, era de 65,1% e caiu para 50,2% dez anos depois. No mesmo período, a quantidade de brasileiros que terminaram o ensino superior cresceu 80% — de 4,4% para 7,9%.

Ainda segundo os dados do Censo 2010, Acre, Roraima e Amazonas são os estados com maior número de crianças de 6 a 14 anos fora da escola — 8%. No outro extremo, Santa Catarina, com 2,2%, foi a unidade da Federação com menor índice. Este indicador também não ultrapassou os 2,5% em unidades como Minas Gerais, Distrito Federal, Paraná e Piauí. Já entre os jovens, o contingente mais elevado de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola foi no Acre (22,2%), quase o dobro do percentual encontrado no Distrito Federal (11,6%), considerado o menor do Brasil.

Ensino médio

A maior crítica dos especialistas está nas políticas educacionais voltadas para o ensino médio. Entre as principais causas de evasão escolar na faixa etária estão: a gravidez precoce, a pouca atratividade para jovens que não vislumbram a possibilidade de acesso ao ensino superior, além da entrada precoce no mercado de trabalho. Para Daniel Cara, a má distribuição de escolas de ensino médio nos municípios brasileiros, bem como a falta de um projeto pedagógico interessante e recursos para instalação de novas redes também colaboram com os altos índices. "Seria necessário quase R$ 4 bilhões para assegurar a cobertura de escolas de ensino médio de qualidade. Mas faltam recursos", critica.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

MEC planeja comprar brinquedos para escolas

Autor(es): Por Beth Koike | De São Paulo
Valor Econômico - 24/04/2012

O Ministério da Educação (MEC) tem planos de comprar brinquedos educativos para crianças de zero a cinco anos matriculadas em escolas públicas. É a primeira vez que o MEC fará esse tipo de compra, de grande porte, e a capacidade da indústria nacional será posta à prova. No segmento de livros didáticos, por exemplo, o MEC adquiriu 162 milhões de livros por R$ 1 bilhão.

Em audiência pública, realizada em julho de 2011, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC responsável pelas compras, apresentou uma projeção inicial prevendo uma demanda de mais de 10 milhões de brinquedos de 60 diferentes tipos como dominó, boneca, carrinho, bola, triciclo e jogos. Vale destacar que esses volumes não são definitivos e representam o máximo que o MEC pode adquirir. Além disso, essas quantias foram apresentadas para verificar se o setor tem condições de atender a demanda. Os brinquedos serão destinados a 5,1 milhões de crianças de escolas públicas.

Em junho o MEC deve divulgar o edital que definirá os volumes, especificações e regras para participação dos pregões eletrônicos, por meio dos quais serão realizadas as compras.

O que já se sabe é que as fabricantes de brinquedos poderão formar consórcios e não há restrição para varejistas, importadoras ou empresas de outras áreas. Ainda não há uma data definida para o pregão. Porém, após a publicação do edital, o FNDE não costuma demorar para realizar o pregão.

Trata-se de uma oportunidade inédita para a indústria nacional, que há anos enfrenta forte concorrência do produto estrangeiro. Em 2011, as vendas de brinquedos nacionais cresceram 3% e as dos importados, 21%, segundo a associação brasileira do setor (Abrinq). "Há cinco anos, procuramos o MEC para adotar os brinquedos nas escolas como já acontece na França e Japão", diz Synésio Batista, presidente da Abrinq.

Segundo Batista, as compras governamentais podem representar 5% do faturamento do setor em 2015. Porém, apesar do potencial de mercado e do pleito já ter cinco anos, a indústria corre o risco de patinar nas negociações com o governo. "A indústria nacional está preparada para atender as especificações técnicas. Mas participar de leilões com o governo é algo muito novo. A indústria tem seus temores. Vamos ter que ensinar nossos sócios a trabalhar com licitações", disse o presidente da Abrinq. Outro fator que pode ser um empecilho é a logística - a distribuição dos brinquedos (como é a dos livros comprados pelo MEC) deve ser nacional.

O projeto do MEC parece não estar tão amadurecido entre as empresas do setor. O Valor procurou várias empresas para saber o impacto do projeto, mas somente a Brinquedos Bandeirantes respondeu. Informou que pretende participar dos pregões e tem condições para dar os lances nos pregões sem parceiros. "Cada categoria apresenta uma complexidade de produção que certamente será considerada. Como maior fabricante de brinquedos da América do Sul, temos condições de ajustar nossa capacidade industrial, desde que haja o prazo exequível para o atendimento", informou Alexandre Branco, gerente de marketing da Brinquedos Bandeirante.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Alunos saem do fundamental sem saber o básico

Autor(es): GRASIELLE CASTRO
Correio Braziliense - 24/04/2012

Levantamento da Unesco baseado na Prova Brasil mostra que cerca de 30% dos estudantes vão para o ensino médio com pouca noção de português e matemática

Praticamente uma em cada cinco crianças terminou o ensino fundamental em 2009 sem ter alcançado condições básicas de compreensão de texto. Quando a disciplina muda para matemática, o dado é mais assustador. Aproximadamente 39% dos estudantes que concluíram os primeiros nove anos do ciclo educacional, entre 2005 e 2009, não tem o nível básico de competência para resolver problemas, como se espera de um aluno nessa etapa do ensino. Os índices da Prova Brasil de 2005, 2007 e 2009 mostram, segundo análise da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco), que, em algum momento, o sistema educacional brasileiro falhou.

De acordo com o levantamento da organização Exclusão Intra-escolar nas Escolas Públicas Brasileiras, o perfil desses estudantes que não conseguiram alcançar o mínimo de desempenho está relacionado a uma série de fatores dentro e fora da escola. Segundo a pesquisa da Unesco, a maioria desses estudantes tem características comuns: piores condições socioeconômicas, estão concentrados nas regiões mais pobres do país — Norte e Nordeste —, nas escolas com os indicadores de qualidade mais baixos, com bibliotecas, instalações e condições de funcionamento deficientes. Outros fatores comuns também foram observados, em relação aos gestores e educadores desses alunos. As equipes que os atendem são as menos coesas, com menos escolaridade, piores condições escolares e maiores índices de violência escolar.

Para o coordenador de educação da Unesco, Paolo Fontani, os números mostram que o processo de aprendizado, para esses alunos, foi interrompido. "Esse tipo de atraso tem um impacto muito forte na capacidade de continuar a aprender por toda a vida", alerta. Segundo ele, esses dados apontam que o aprendizado envolve três pilares com elementos de justiça social, equidade e inclusão. "Não podemos considerar que a responsabilidade dessa falha é da criança. Não é ela que tem que se adaptar. O sistema tem que ser capaz de ser inclusivo para fazer com que cada um tenha oportunidade de aprendizado."

Esse sistema de ensino, para a professora de português da rede pública do Distrito Federal Keila Núbia, tem que priorizar a valorização da educação e o envolvimento dos pais. "Não ter uma boa estrutura não impede que os estudantes aprendam. O fato de o pai não acompanhar, não estar presente, dificulta. Vejo pelos meus alunos, os que têm pais empenhados são os que saem na frente. Mesmo que eles sejam analfabetos, se eles valorizam, os alunos também se importam."

O especialista em ensino com ênfase em matemática da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Cleyton Hércules Gontijo concorda com a professora de português, mas destaca que, além do suporte familiar, um plano de ensino poderia ajudar a mudar esse cenário. "As diretrizes curriculares poderiam ser melhores. Os professores deveriam saber exatamente o que os estudantes devem aprender em cada etapa escolar e esse documento deveria ser o mesmo para todo país." Programas com foco no currículo nacional, jornada de tempo ampliada, melhoria nas instalações físicas da escolas e qualificação dos docentes completam a lista de sugestões do especialista.

O baixo índice de rendimento dos jovens também preocupa o Ministério da Educação. O ministro Aloizio Mercadante adotou recentemente como meta para a pasta garantir a alfabetização na idade certa para conseguir melhores índices de aprovação. Um dos argumentos do ministro é de que, se o estudante não estiver alfabetizado até os oito anos, dificilmente ele vai ter facilidade de aprendizado no restante da vida escolar.

» Colaborou Paula Filizola

Prova Brasil
A Prova Brasil é uma avaliação, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), que faz um diagnóstico socioeconômico da qualidade do ensino brasileiro. Desde 2005, ela é aplicada em alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental público. Nas edições de 2005, 2007 e 2009 os testes foram aplicados em aproximadamente 11,9 milhões de alunos, com idades entre 10 e 15 anos.

Sem educação não há salvação

Autor(es): José Pastore
O Estado de S. Paulo - 24/04/2012

A depressão de 1929 teve efeitos devastadores nos Estados Unidos. Da noite para o dia boa parte da riqueza virou pó. A produção industrial caiu 50% e o comércio internacional encolheu 70%. Mais de 5 mil bancos faliram. Agravadas por uma impiedosa seca, as safras fracassaram por completo. O desemprego disparou, chegando à casa dos 25%.

Para dar uma ocupação a milhões de pessoas que estavam sem ter o que fazer, o governo americano, em meio de tantos cortes nos orçamentos, decidiu expandir as bibliotecas públicas para ali acomodar os que estavam desempregados. Assim foi feito. Os acervos aumentaram, os espaços e os horários de funcionamento se ampliaram. Surgiram nessa época as bibliotecas circulantes para atender os leitores das pequenas cidades e da zona rural.

Qual foi a consequência daquela iniciativa? Importantíssima. Durante quase dez anos, milhões de desempregados se ocuparam com a leitura. O resultado foi o previsível: no meio de tantos desastres, o país enriqueceu o seu mais precioso ativo - o capital humano - e com isso enfrentou os desafios da retomada do crescimento.

A história está repleta de exemplos desse tipo. O Plano Marshall teve sucesso na Europa porque, mesmo durante a guerra, a educação foi preservada. Muitas escolas funcionaram até mesmo em dias de bombardeio.

Depois da terrível devastação nuclear de Hiroshima e Nagasaki (agosto de 1945), o Japão se levantou com base no bom preparo da sua gente. A Coreia do Sul ressurgiu das cinzas após o conflito dos anos 50 e renasceu novamente depois da crise de 1998 - nos dois casos, com base na educação do seu povo.

Li com muita atenção a matéria da revista The Economist (10/3/2012) que revelou uma interessante recorrência nos Estados Unidos: neste ano de 2012, no meio da recessão que ainda assola aquele país, 60% dos americanos de 16 a 24 anos - um recorde histórico! - estão matriculados nas universidades americanas. Mais fantástico é verificar que, entre 2005 e 2011, as bolsas de estudo passaram de 5,5 milhões para 9,6 milhões. O crédito para pagar as matrículas também aumentou de forma expressiva.

Nos Estados Unidos, 50% dos jovens entre 18 e 19 anos estão matriculados nas universidades. E mais: 16% dos que têm mais de 35 anos estudam em escolas de nível superior, ainda que em tempo parcial.

Como se vê, no momento em que faltam empregos, os jovens decidiram sentar nos bancos escolares. Tudo indica que a história vai se repetir. Os Estados Unidos sairão da recessão atual com mais capital humano. Tenho dúvidas de que isso venha a acontecer com os países mais afetados pela crise na Europa (Portugal, Espanha, Itália, França e Grécia), que estão cortando fundo os orçamentos da educação.

No Brasil, por sua vez, estamos desperdiçando a oportunidade dos bons ventos da economia. Sim, porque, mesmo com todos os incentivos do Pro-Uni, menos de 15% dos jovens cursam as escolas de nível superior. A taxa média de evasão é de 22% e, nas escolas particulares, onde está a maioria dos alunos, chega a 26%. Nessas escolas, a ociosidade atinge 52% das vagas existentes.

Esse quadro precisa mudar não apenas no aspecto quantitativo, mas, sobretudo, no qualitativo. A julgar pelo desempenho dos estudantes nas provas de avaliação, verifica-se que a qualidade do ensino da grande maioria de nossas faculdades está fortemente comprometida pelo conluio entre escolas que fingem que ensinam e alunos que fingem que aprendem. Uma farsa.

A melhoria da educação, além dos visíveis impactos nos campos da cidadania e da democracia, é crucial para elevar a produtividade do trabalho e a competitividade das empresas e da economia como um todo. Para os trabalhadores, é essencial para a elevação da renda e o progresso na carreira. No mundo competitivo, sem educação, não há salvação.

domingo, 22 de abril de 2012

A Copa no Brasil será um sucesso

Autor(es): Por Alberto Carlos Almeida | De São Paulo
Valor Econômico - 20/04/2012

É interessante ver como pessoas inteligentes afirmam hoje que a Copa do Mundo de 2014 no Brasil será um fracasso. O Brasil é o país do futebol. Como uma Copa do Mundo poderá ser um fracasso no país do futebol? O raciocínio é tão simples quanto óbvio: será que essas pessoas não se deram conta que é impossível que uma Copa do Mundo fracasse justamente no país do futebol?

Há pouco tempo, o secretário- geral da Federação Internacional de Futebol (Fifa), Jerome Valcke, deu um show de preconceito ao afirmar que o Brasil tinha que levar um chute no traseiro porque não estaria cuidando adequadamente dos preparativos para a Copa. Duvido que Valcke compreenda o Brasil. Exatamente por isso a afirmação foi inteiramente preconceituosa. Bem fez o Senado ao não querer recebê-lo, bem fez o senador Roberto Requião ao afirmar que os senadores não queriam conversar com o "porteiro" da Fifa. É preciso deixar claro para esses europeus preconceituosos que eles precisam compreender a diferença, que precisam entender que nem todos no mundo são europeus, muito menos nós, brasileiros.

Poderíamos também ser preconceituosos contra a Europa. Poderíamos afirmar: vamos dar um chute no traseiro da Europa, para eles aprenderem a não mergulhar em crises econômicas tal qual vivem hoje com, por exemplo, 50% de desemprego entre os jovens espanhóis. Vamos dar um chute no traseiro da Europa para que ela aprenda a não ter governos tão gastadores, com déficits públicos insustentáveis. Poderíamos ainda dar um chute no traseiro da Europa retroativamente, por conta das duas guerras mundiais e pelo extermínio de mais de seis milhões de judeus. Nada disso, não iremos fazer isso porque compreendemos os europeus, sabemos que eles gostam de um Estado de bem-estar-social bastante gastador e ineficiente, entendemos isso perfeitamente. Sabemos que franceses odeiam alemães, que odeiam ingleses, e assim por diante, e sabemos também que esse nacionalismo resultou, no passado, nas piores guerras que o mundo já viu. Entendemos isso perfeitamente, sem preconceitos. Sabemos também que os europeus só se pacificaram depois de muitas limpezas étnicas e que a última de grande magnitude ocorreu outro dia, na década de 1990, liderada por Slobodan Milosevic. Somos compreensivos e nem mesmo isso justifica uma declaração preconceituosa.

É fundamental que a Fifa compreenda o que é o Brasil. Mais do que isso, é preciso que muitos brasileiros que hoje afirmam que nossa Copa será um fracasso também passem a compreender o Brasil pelos parâmetros genuinamente brasileiros. Só assim eles vão perceber que a nossa Copa do Mundo será um grande sucesso.

Vamos fazer um exercício simples, vamos nos transportar para o ano da Copa: 2014. É possível que os enredos de todas as nossas escolas de samba, já em fevereiro, tratem da Copa do Mundo. Um pouco antes do Carnaval, o tema de nossos inúmeros réveillons a beira-mar, nos quais todos se vestem de branco (europeus passam o réveillon vestidos de preto) talvez seja o ano da Copa do Mundo. Carnaval e réveillon temáticos, sobre a Copa, só são possíveis no país do futebol. Também somente no país do futebol todas as empresas que fazem campanhas publicitárias para o consumidor final utilizam a Copa do Mundo como principal gancho de suas propagandas. Isso já está ocorrendo. O Itaú, um de nossos maiores bancos privados, já está com uma enorme campanha publicitária, cujos principais astros são a bola, o futebol e a paixão do brasileiro por ambos. Somente no país do futebol haverá concursos que premiarão, em centenas de cidades, as ruas e casas mais bem decoradas com bandeiras, pinturas e desenhos relacionados ao Brasil.

Toda a nossa mídia vau se concentrar em temas de fato relevantes para milhões de pessoas que vivem e habitam o país do futebol. Por exemplo, haverá no Brasil 32 seleções nacionais com suas inúmeras estrelas. Será preciso mostrar onde elas vão se hospedar. No Rio de Janeiro, feliz será a seleção que ficar em Búzios. Em São Paulo, o município de Itu já se candidatou para ser uma das concentrações. Em Pernambuco, é bem possível que Porto de Galinhas abrigue uma seleção. Em todos os lugares do Brasil, nós, brasileiros, temos lugares encantadores para acolher nossos convidados. Isso é parte do sucesso que será a Copa. Será preciso mostrar as instalações físicas onde ficarão as estrelas, o que os jogadores irão ter como cardápio (vamos adorar se nossos adversários comerem uma feijoada completa antes de nos enfrentarem), em que campo irão treinar etc. Cada deslocamento de cada seleção será televisionado ao vivo.

A Copa ocorrerá em junho. Isso significa que milhares de turistas que estiverem acompanhando os jogos no Nordeste terão a oportunidade de passar a noite de São João em Campina Grande, Caruaru, ou em qualquer outro município anônimo que sedia uma das festas mais populares do Brasil. Isso é parte do sucesso de nossa Copa. Seria muito apropriado apresentar a Valcke tanto o nosso Carnaval quanto nossas festas juninas. Não haverá um turista sequer, que, passando uma noite de São João no Nordeste, em plena Copa do Mundo, deixará de afirmar que se tratou de uma Copa do Mundo de sucesso. Isso os nossos críticos esquecem. Aliás, a grande maioria deles não conhece o São João nordestino.

Vagas em hotéis, também, não serão problema. Nas cidades litorâneas haverá a possibilidade de atracar navios que proverão os quartos adicionais necessários. Tanto no litoral quanto no interior os brasileiros farão um enorme esforço para acolher os visitantes e mostrar que somos um grande povo. Por isso as famílias vão alugar quartos em suas residências, tal como já vai acontecer agora na Rio + 20. Os turistas vão adorar ficar nas casas das famílias brasileiras. Muitos deles irão se apaixonar por nossas lindas mulheres (muito mais bonitas do que as europeias) e se tornarão tema das principais matérias de televisão que insistirem em não transmitir os melhores gols, o dia a dia das estrelas, as jogadas impossíveis etc. A propósito, nada mais agradável e útil será para um espanhol, em 2014, do que casar com uma brasileira: além de uma mulher bonita, ele provavelmente conseguirá seu primeiro emprego.

Todas as lojas, shoppings, restaurantes, botecos, casas comerciais estarão enfeitadas com as bandeiras dos países participantes. O estabelecimento comercial que não tem TV, até agora, passará a ter já em 2013 na Copa das Confederações. Os turistas aproveitarão os intervalos entre um jogo e outro para visitar a Rocinha, Foz do Iguaçu, Chapada Diamantina, Pomerode, Florianópolis, o Pelourinho, Recife Antigo, o Pantanal e um sem-número de atrações não europeias que temos por aqui. Os aeroportos funcionarão 24 horas por dia e os horários de voos serão alterados. Será ponto facultativo nos municípios que sediarem os jogos. Mesmo assim, o nosso PIB continuará maior do que o britânico e provavelmente ultrapassará o francês. Nós, brasileiros, somos flexíveis, muito mais do que os europeus: se não der para resolver com o plano A, ficamos satisfeitos com o plano B e até mesmo com o C.

Os europeus não são flexíveis, são extremamente rígidos. Por isso fizeram revoluções sangrentas e entraram em guerras bárbaras e por isso Valcke quis dar um chute no nosso traseiro (ele não faz ideia sobre o quão importante o traseiro é para todos aqui nos trópicos). Por isso acreditaram (e acreditam) em doutrinas. Nada disso acontece por aqui. Lula fez um superávit primário maior do que Fernando Henrique. Jamais a esquerda europeia foi tão pragmática. Isso não ocorre somente junto a nossa elite política, isso é generalizado, é algo de toda a sociedade.

Brasil é Brasil, Alemanha é Alemanha. Jamais teremos um evento com organização germânica. Jamais a Alemanha fez um evento com o acolhimento, a simpatia e a vibração brasileiras. Não se pode exigir as mesmas coisas de países diferentes e nem por isso um fará eventos de sucesso e outro fracassará. Em qualquer Copa do Mundo, todos os brasileiros param de trabalhar no momento em que o Brasil joga. Não é assim na Alemanha e é justamente isso, essa paixão de nossa sociedade pelo futebol, que assegurará o sucesso de nossa Copa do Mundo.

Estive na África do Sul com minha mulher e os dois filhos mais velhos. Não tenho más recordações. Foi bom ver até mesmo a seleção de Dunga. Fizemos um safári, visitamos o Museu do Apartheid, fomos ao Cabo da Boa Esperança e a Table Mountain, visitamos Soweto e conhecemos a casa onde Nelson Mandela morou. Voltaríamos lá hoje, mesmo sem a justificativa de um grande evento. Tudo isso é parte do sucesso da Copa na África do Sul.

Quem acha que a nossa Copa será um fracasso está olhando para uma suposta falha do Estado, do governo. Quem sabe que será um sucesso está olhando para a sociedade. No Brasil, é a sociedade que ama o futebol: por isso vai assegurar que jamais um evento relacionado ao esporte bretão fracasse. Acordem, críticos. Acorde, Fifa. A nossa Copa será um enorme sucesso. Respeitem-nos: isso aqui é Brasil. Somos o país do futebol tal como confirmam nossos cinco títulos mundiais e um sem-número de conquistas. Quanto ao nosso traseiro, Valcke deveria ter conhecido há tempo as nossas dançarinas do "É o Tchan" e tantas outras mulheres que devem parte de seu sucesso e ascensão social ao bumbum. Isso só ocorre em uma sociedade que, de fato, leva o traseiro a sério.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo".

Educação zero

Ari Cunha - Visto, Lido e Ouvido - Ari Cunha
Correio Braziliense - 20/04/2012

Surge em quase todos os estados o espectro da paralisação de trabalhadores. De onde parte ou de onde vem a ordem, faz pensar que a intenção é atrapalhar o curso do país. Pode-se prever que os homens dedicados à força-tarefa estão cruzando os braços, até mesmo os proibidos por lei. Em Brasília, voltam ao trabalho a polícia, enfermeiras e motoristas, enquanto os professores não arredam o pé pelo pequeno aumento prometido e não cumprido pelo governador Agnelo. O fato é que as férias da família com filhos na rede pública de ensino estão comprometidas. Aulas aos sábados servem para repor pouco tempo de paralisação. A criançada está ociosa há mais de um mês; e os pais, com a vida completamente mudada pela falta das aulas. O quadro está sem solução. Quem está de fora consegue enxergar que governo e professores, apesar das desavenças, têm algo em comum. Não pensam na educação em primeiro lugar.

A frase que não foi pronunciada

"Enquanto o PT homenageia Delúbio e tem José Dirceu como o grande andarilho das eleições, botamos para fora a segunda das nossas estrelas, flagrada em denúncias."

José Agripino Maia, presidente do DEM.

Polícia

» Jornais, rádios e televisões criam o hábito de divulgar em todos os horários notas sobre casos de extrema violência. Mães que vendem filhos, pais que espancam e são denunciados pela vizinhança, canibalismo, mortes, assassinatos, sequestros, brigas na rua são alguns exemplos. Quem tinha o hábito de acordar ouvindo rádio e tomar café lendo jornal ou assistindo à tevê sente a mudança. O que era sangrento, agora é normal.

Prestígio

» Voos de Sergipe para Brasília estão cheios de autoridades. Juízes, desembargadores, advogados e amigos vieram para dar um abraço no novo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Carlos Ayres Britto.

Hino

» Infelizmente, Daniela Mercury criou as notas do Hino Nacional Brasileiro durante a solenidade de posse do ministro Ayres Brito. Mas, como sempre, a simpatia dos intérpretes criativos torna as notas certas detalhes irrelevantes.

Surpresa

» Gravado com a Orquestra Filarmônica de Londres, o Grupo Nero fez sucesso e é tocado constantemente na BBC de Londres. No aniversário de Brasília, a música, pouco conhecida no Brasil, vai tocar durante um grande evento. É contagiante.

Contrassenso

» Mike Krieger, paulista, coautor do Instagram, teve sorte. Registrou o aplicativo nos Estados Unidos. Sua patente é respeitada e por isso foi vendida por US$ 1 bilhão para o Facebook. Tem 30 milhões de usuários. Já Nelio Nicolai, inventor do Bina, brasileiro, sem o aval do próprio país, tem 6 bilhões de usuários pelo planeta e o Brasil deixa de ganhar US$ 6 por usuário/mês. O dispositivo brasileiro está há 20 anos na Justiça, tentando ser reconhecido pelo próprio país. Em contrapartida, recebeu a honraria Wipo, mais alto reconhecimento mundial que um inventor pode receber.

Perigo

» Casos escabrosos — como profissionais que trocam contraste por ácido, que cortam o dedo do paciente ao retirar curativo, que deixam equipamentos cirúrgicos no abdômen do doente — são o futuro do mercado que abriga profissionais formados em faculdades de péssima qualidade. Se houvesse uma prova como a adotada pela OAB, a qualidade dos profissionais passaria por uma seleção importante e favorável à sociedade.

Suspense

» Sem reconhecer o magnífico trabalho de Clara Takaki Brandão, o Ministério da Saúde deixa uma brecha para dúvidas. Por que não adotar a multimistura criada pela pediatra e preferir distribuir alimentos processados por multinacionais?

Abusado

» Incrível a postura tomada pelo Itamaraty no caso do iraniano Hekmatollah Ghorbani. Depois de molestar crianças em uma piscina, a esposa do diplomata apelou para que os pais retirassem a acusação. A explicação diplomática é que há uma diferença cultural. Há mesmo. Para não receber chibatadas no próprio país, a autoridade iraniana fugiu.

História de Brasília

Muita gente veio para cá contra a vontade, por força de lei, sofreu e sofre ainda. Não é justo que haja tratamento diverso, que haja a casta dos privilegiados que, a distância, à beira-mar, desfrutam as mesmas gratificações, as mesmas regalias. (Publicado em 13/5/1961)

Os nossos holocaustos

Autor(es): Cristovam Buarque
O Globo - 21/04/2012

Nesta semana, o Brasil comemorou o Dia do Índio. Para a maioria da população, este é um dia de folclore. Mas, na verdade, é um momento de reflexão sobre o holocausto que cometemos contra as nações indígenas. A história do Brasil é, em parte, a história de um longo holocausto que ainda não terminou. De 4 milhões a 6 milhões de indígenas que habitavam o Brasil e viviam em harmonia com a natureza, hoje apenas 817 mil sobrevivem (Censo de 2010). Eles foram sendo mortos pelo excesso de trabalho, pela fome e mesmo pela caça que os tratava como animais. E hoje a maior parte vive na mais absoluta miséria, sem terras e sem uma política pública eficiente por parte dos governos. Pode ter sido um holocausto mais lento, não menos doloroso e imoral do que a brutalidade cometida pelos nazistas contra o povo judeu, ao considerarmos toda a dimensão da tragédia indígena. E, no nosso caso, o holocausto continua sendo feito por represas, estradas e garimpos, que matam índios, provocando alcoolismo e suicídio, e destruição de seus habitats e etnias. Mas esse não foi nosso único holocausto. Ao longo de 300 anos, desde quando chegaram aqui os primeiros escravos africanos, até 1888, quando foi proclamada a Abolição da Escravatura, pelo menos quatro milhões de seres humanos foram arrancados da África e trazidos para o Brasil, onde foram sacrificados no trabalho forçado, tratados como mercadoria, sem direito aos filhos, tratados como mobiliários ou ferramentas. Considerando também aqueles que aqui nasceram e continuaram escravos, podemos estimar em dezenas de milhões os negros tratados como animais na vida, vítimas de um maldito holocausto brasileiro. Mas, se há 124 anos este holocausto terminou, a face mais brutal da escravidão explícita dura até hoje. Seus descendentes enfrentam a exclusão social que já não pode ser chamada de holocausto, mas não deixa de ser um crime social, em um país onde as boas escolas são dos brancos e as prisões, para os negros. Porém, este não é o último dos nossos holocaustos. A cada ano, mais de 42 mil brasileiros morrem por acidentes de trânsito e outros 50 mil são assassinados. Embora não se possa ter um responsável direto como foram os nazistas, os exploradores de índios e os escravocratas dos negros podem ser responsabilizados pelo sistema social e econômico que provoca esse holocausto. O responsável maior é o sistema consumista, desigual, com prioridades imorais, com pessoas por trás tomando decisões, como havia na Alemanha nazista. Todos os holocaustos da história, inclusive aquele dos nazistas contra os judeus, são tolerados pelas leis vigentes, e só viram crimes contra a humanidade quando deixam de ser contemporâneos e passam a ser fatos analisados pela história. Por isso, o Brasil não vê como um holocausto a condenação de 250 mil meninas que vivem na prostituição, sacrificando não apenas a dignidade e o futuro delas, mas também a vida. Nem considera holocausto o crime contra os milhões de meninos e meninas excluídos de uma educação decente com qualidade, condenados a sobreviverem na miséria e na exclusão por falta dos instrumentos necessários para entenderem e enfrentarem o mundo moderno. A cada minuto de ano letivo, 60 crianças abandonam a escola apenas por serem pobres, são descartadas à margem da vida digna, como os escravos mortos eram jogados para fora dos navios negreiros e os judeus eram jogados nas câmaras de gás. Por sua ausência ou por sua ineficiência, a escola brasileira é um crematório de cérebros. Funciona como um forno, cremando perseguidos e excluídos. Quem observa este maldito fato na perspectiva de hoje o vê apenas como uma fatalidade, talvez lamentável, mas sem a percepção do holocausto contra as crianças e o futuro delas. Portugueses e brasileiros da colonização não viam o holocausto que era feito ao lado deles contra os índios, ou aquele feito contra os escravos. Para eles, índios e escravos não tinham alma; para os brasileiros de hoje, crianças pobres não têm direito a escola igual àquelas pagas pelos pais que podem pagar. O Dia do Índio pode ser um dia de simples lembrança de que temos ainda sobreviventes indígenas, mas pode ser também um dia de memória dos holocaustos antigos e dos dias de hoje da sociedade brasileira, de cada hora e minuto nos tempos atuais: o Dia do Índio é o Dia dos Nossos Holocaustos.

BRASIL AJUDOU A TRAFICAR ARMAS PARA A ARGENTINA

BRASIL APOIOU TRÁFICO DE ARMAS PARA ARGENTINA
Autor(es): José Casado e Eliane Oliveira
O Globo - 22/04/2012

Rede clandestina foi montada pela União Soviética; aviões saíam da Líbia

Na Guerra das Malvinas, em 1982, o Brasil participou de complexa operação clandestina de suprimento de armas para a Argentina, montada pela União Soviética e apoiada por Cuba, Peru, Líbia e Angola, revelam José Casado e Eliane Oliveira. Com base em documentos do Conselho de Segurança Nacional e do Itamaraty, foi possível montar o quebra-cabeça que mostra como a ditadura argentina se valeu de uma ponte aérea de armamento com destino a Buenos Aires, com escalas nos aeroportos de Recife e do Galeão, que chegou à média de dois voos diários. Do outro lado da guerra, a Grã-Bretanha recebia ajuda dos EUA, o que motivou os soviéticos a mobilizarem o ditador cubano Fidel Castro para atuar em favor dos argentinos. E o Brasil, enquanto mantinha o discurso oficial de neutralidade, ajudava o governo do general-ditador Leopoldo Galtieri a receber mísseis e aviões russos procedentes da Líbia.


Ponte aérea montada por URSS e Cuba, com auxílio de Khadafi, teve dois voos diários, via Recife e Galeão

As nuvens prenunciavam chuva forte em Brasília na noite da sexta-feira 9 de abril de 1982. O chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro assistia ao "Jornal Nacional", quando recebeu um telefonema do brigadeiro Saulo de Mattos Macedo, chefe do Comando Aéreo Regional: um avião cubano invadira o espaço aéreo brasileiro.

No mundo da Guerra Fria, Brasil e Cuba não mantinham relações diplomáticas. Por esse motivo, pela manhã, o Itamaraty negara permissão a um voo da Cubana de Aviación rumo a Buenos Aires. Às 20h40m, o chanceler telefonou para o presidente da República, general João Figueiredo. Minutos depois, dois caças decolaram da base de Anápolis - com alguma dificuldade porque a iluminação da pista fora afetada por raios - em direção ao ponto indicado pelos radares, 300 quilômetros a oeste de Brasília.

Seguiu-se um tenso balé noturno a oito mil metros de altitude. Durou tensos 82 minutos. Só acabou quando os pilotos brasileiros anunciaram a decisão de atirar.

O jato russo Ilyushin II 62-M, matrícula CUT-1225, aterrissou em Brasília às 22h12m. Impressionou agentes da Aeronáutica por um detalhe: tinha capacidade para decolar com 165 toneladas de peso e 180 passageiros, mas na cabine estavam apenas três pessoas - o diplomata cubano Emilio Aragonés Navarro, mulher e neto. Só puderam seguir viagem depois de seis horas de negociações entre os governos do Brasil e da Argentina. Nada se sabe sobre a carga.

Navarro chegou a Buenos Aires por volta das 7h de sábado, 10 de abril, com uma mensagem do líder cubano Fidel Castro para o presidente argentino, general Leopoldo Galtieri: oferta de armas e tecnologia de informações, sob patrocínio da União Soviética, para o conflito com o Reino Unido.

Começava uma operação de suprimento clandestino de armas para a Argentina, montada pela URSS, negociada por Cuba, e com participação do Brasil, Peru, Líbia e Angola.

Foi um episódio singular na lógica da Guerra Fria. Os russos mobilizaram Fidel para socorrer uma ditadura militar ferozmente anticomunista, que confrontava o principal aliado dos Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) - o sistema de defesa criado para conter uma eventual invasão soviética na Europa.

Uma semana antes, na madrugada de 2 de abril, os militares argentinos haviam desafiado o Reino Unido invadindo o arquipélago Malvinas, a 500 quilômetros da costa. Pressupondo o apoio dos EUA, Galtieri contara ao embaixador norte-americano, Harry Schlaudemann, sua pretensão de ficar no poder por mais cinco anos, no mínimo. Só não calculara a reação determinada da primeira-ministra Margareth Tatcher - "o homem forte do Reino Unido" aos olhos do presidente Ronald Reagan.

Tatcher recebera em Londres o secretário de Estado dos EUA, Alexander Haig, na noite anterior à interceptação do avião cubano em Brasília. "A menos que impeçamos os argentinos de ter êxito, todos somos vulneráveis", ela comentou, conforme registros oficiais. Haig confortou-a: "Estou seguro de que a senhora sabe que não somos imparciais".

Ela despachara uma frota para as Malvinas, a 13 mil quilômetros de distância. Na conversa, agradeceu o suporte norte-americano, a partir da base da Ilha de Ascensão. Instaladas a 2,7 mil quilômetros da costa brasileira, na altura de Pernambuco, as antenas ali plantadas são os "ouvidos eletrônicos" de Washington no Atlântico Sul.

Antes de se despedir de Haig, Tatcher o conduziu a uma sala da residência oficial. E "deliberadamente" mostrou-lhe retratos de heróis britânicos das guerras napoleônicas, o almirante Horatio Nelson e o general Duque de Wellington - descreveu Haig, impressionado, em telegrama enviado à Casa Branca durante o voo de Londres para Buenos Aires.

Haig fez uma escala em Recife para reabastecer seu avião. Encontrou-se com o então governador de Pernambuco, Marco Maciel, a quem contou que aconselharia aos argentinos negociar, pois seriam vencidos por Tatcher com a ajuda dos EUA.

No dia seguinte reuniu-se com Galtieri. Ouviu do general, que já conversara com o emissário de Fidel, menção às "ofertas de ajuda militar de países não-ocidentais".

A União Soviética redicionara parte dos seus satélites Cosmos para vigilância no Atlântico Sul, onde também mantinha 25 barcos "pesqueiros". A CIA considerava "inusual" esse nível de cobertura soviética na região, mas arriscou um palpite em telegrama a Haig na manhã daquele 9 de abril: "A atividade militar soviética provavelmente ficará restrita aos dados de localização (da frota britânica)".

A Argentina enfrentava um bloqueio financeiro, comercial e militar europeu. Não tinha dinheiro, apenas US$400 milhões em reservas. Também não tinha as armas necessárias. Pagara à França por 14 caças Super Étendard e recebera apenas cinco, com cinco modernos mísseis Exocet. Sem informação de satélites, não poderia localizar navios inimigos - submarinos, nem pensar.

Os britânicos, ao contrário, já recebiam do Pentágono os códigos militares argentinos, imagens diárias e detalhadas das bases e do movimento em Port Stanley (agora Puerto Argentino, capital das Malvinas). Mandaram dois submarinos nucleares para a região, inspirando medo no chefe da Armada, almirante Jorge Anaya, o mais radical da Junta Militar. Desde 1978, Anaya carregava um manuscrito com seu próprio plano para invasão das Malvinas. Na hora da batalha, recolheu a frota aos portos do sul. E não a deixou navegar até o fim da guerra.

Quando Haig voltou a Londres, um Boeing 707 da Aerolíneas Argentinas aterrissou no Rio. Vinha de Tel Aviv, Israel, com destino à base de El Palomar, na periferia de Buenos Aires. Foi conduzido para reabastecimento ao lado de aeronaves civis no aeroporto do Galeão, apesar do porão estar lotado com uma carga de bombas e minas terrestres.

"Gradualmente" - registrou o Conselho de Segurança Nacional em memorando ao presidente Figueiredo--, a Argentina estreitava "seus contatos com o Brasil, em graus diversos de formalidade". E requeria "cooperação em termos mais concretos".

Brasília começou a receber lista de pedidos: créditos e facilidades para operações triangulares de comércio com a Europa; aviões para entrega imediata; bombas incendiárias e munição para fuzis; sistemas de radar e querosene de aviação, entre outras coisas.

O Itamaraty recomendava "tratamento favorável" a quase tudo, enquanto a tensão aumentava no ritmo da marcha da frota britânica pelo Atlântico Sul.

Lei das cotas: que rumo seguir?

Correio Braziliense - 22/04/2012

Diante da dificuldade alegada pelas empresas para cumprir a contratação de pessoas com deficiência, há quem defenda a flexibilização das regras. Por outro lado, existe um projeto na Câmara para endurecê-las

Vigilante, cobrador, assistente. Antônio Leitão, 46 anos, morador do Riacho Fundo, já ocupou todas essas funções. Com um encurtamento de 11 centímetros em uma das pernas, durante três décadas ele se locomoveu com dificuldade, sempre com o apoio de bengalas e calçados especiais. Recentemente, passou por cirurgia para colocar uma prótese que o ajudou a diminuir o esforço. Hoje, a Carteira de Trabalho de Antônio está toda preenchida, mas nem sempre foi assim. "Para mim, era muito difícil competir com pessoas plenamente aptas. Agora, não me sinto mais dessa forma", conta o cearense, que, há dois anos, trabalha como auxiliar de almoxarifado numa empresa de construção civil.

Abrir as portas do mercado de trabalho para quem não conseguia chegar até ele é um dos objetivos da Lei nº 8.213/91, que, em seu artigo 93, tenta facilitar a vida de mais de 45 milhões de brasileiros. A legislação é clara: empresas com 100 ou mais funcionários devem ter, proporcionalmente, entre 2% e 5% de seu quadro composto por pessoas com deficiência ou reabilitadas — sob pena de multa. Se, por um lado, as chances de exercer alguma profissão aumentaram, por outro, os empregadores alegam dificuldade para preencher as vagas.

Responsável pela vigilância da legislação, em janeiro o Ministério Público do Trabalho (MPT) foi alvo de recurso movido pela rede de supermercados Pão de Açúcar, autuada pelo descumprimento da lei das cotas. A ação pede a flexibilização das regras para a contratação de pessoas com deficiência e deverá ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos meses. "Espero que o julgamento não seja favorável ao grupo, pois as normas que existem hoje são extremamente importantes. Abrir tal precedente, a meu ver, seria dar espaço para que as empresas fujam dessa obrigação", argumenta a procuradora Andrea Nice Lopes. De acordo com ela, ao se deparar com empresas que descumprem a lei, o MPT propõe termos de ajustamento de conduta, nos quais a organização se compromete, sob pena de multa, a corrigir a falha. Caso o empresário se negue a assinar, entra-se com uma ação civil pública.

A coordenadora da área de Colocação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal (Apae-DF), Adriana Lotti, acredita que o caráter afirmativo da lei é necessário e contribui para a inclusão profissional. "Dos 53 parceiros que temos, apenas três contratam nossos alunos pelo lado social. A maioria nos procura para cumprir a legislação", aponta. Segundo Adriana, a flexibilização poderia representar um prejuízo a quem tem necessidades especiais. "As empresas que não conseguem atingir a cota podem contornar o problema com uma mudança nos cargos para que, em vez de atuarem como pedreiros ou carpinteiros, essas pessoas trabalhem na parte administrativa, por exemplo."

Há quem concorde com a flexibilização. Para o advogado trabalhista Luiz Eduardo Alouche, a mudança na legislação é necessária, porque a situação atual não se parece em nada com a de 20 anos atrás, quando a lei entrou em vigor. "É preciso deixá-la menos engessada, pois ela apenas exige a contratação e não dá alternativas caso o número estipulado não seja cumprido", avalia. Alouche sugere que, nesses casos, as empresas ajudem instituições beneficentes ou ofereçam treinamento a deficientes.

Por outro lado, há quem defenda mais rigidez. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.973/11, que prevê a alteração dos critérios de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados presentes na lei das cotas. De autoria do atual ministro das Cidades, o deputado licenciado Aguinaldo Ribeiro, a proposta diminui de 100 para 30 a quantidade mínima de funcionários a partir da qual a obrigatoriedade passa a valer. Ribeiro acredita que essa releitura é importante graças aos bons resultados obtidos com a aplicação da lei. "Nós vemos histórias de superação de pessoas que antes achavam que não podiam trabalhar e queremos um número ainda maior de beneficiados", argumenta. O PL está em análise na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.

Problema generalizado
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que apenas um quarto das empresas consegue atingir a meta estabelecida. "Sempre tentamos ficar dentro da quantidade de pessoas exigida, mas, ultimamente, tem sido difícil encontrar pessoal habilitado para trabalhar na área", justifica Fábio Dias, assistente de Recursos Humanos da Via Engenharia. Segundo ele, a situação se agravou após o endurecimento na fiscalização. "Como os empregadores não querem ser multados, criou-se um "mercado negro" na contratação de deficientes. Muitas vezes, nossos funcionários são assediados por outras organizações, que oferecem maiores salários", afirma.

Andrea Nice, do MPT, discorda do argumento empresarial: "O problema da falta de mão de obra capacitada é generalizado, não atinge apenas as pessoas com deficiência". Como forma de suprir tal demanda, ela propõe que os estabelecimentos implementem programas de ação social. Segundo a procuradora, ainda há grande resistência em relação aos funcionários com necessidades especiais. "Precisamos agir para que a lei seja cumprida efetivamente e continue dando novos horizontes a quem sofre preconceitos", diz Andrea, que é coordenadora nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidade no órgão trabalhista.

Com o objetivo de preparar as pessoas com deficiência para o mercado, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) oferece formação gratuita em várias áreas. Interlocutora do Programa de Ações Inclusivas da instituição, Ana Luzia Brito revela que a procura por determinados cursos, como os voltados à área da construção civil, é inexpressiva. "Às vezes, nem conseguimos formar turmas. Há sempre mais interessados nas aulas de informática ou de auxiliar administrativo." Nem a oportunidade de sair da capacitação empregado se mostra atraente. "Por meio de um pacto firmado com empresas de engenharia que nos procuram, os alunos são contratados temporariamente durante o período das aulas e, no fim, são efetivados", explica Ana Luzia.

Quase 25%
Números do Censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 23,9% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência, o que equivale a mais de 45 milhões de pessoas.

O que diz a lei
Art. 93. A empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados 2%;
II – de 201 a 500 3%;
III – de 501 a 1.000 4%;
IV – de 1.001 em diante 5%.

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente
habilitado ao fim de contrato por
prazo determinado de mais de 90
dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

"Dos 53 parceiros que temos, apenas três contratam nossos alunos pelo lado social. A maioria
nos procura para cumprir a legislação"
Adriana Lotti, coordenadora na Apae-DF

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A utopia sufoca a educação de qualidade

Autor(es): Gustavo Ioschpe
Veja - 09/04/2012

Um dos males que assolam nossa educação é a esperança vã de pensadores e legisladores de que uma escola que mal consegue ensinar o básico resolva todos os problemas sociais e éticos do país. Eles criaram um sistema com um currículo imenso, sistemas de livros didáticos em que o objetivo até das disciplinas científicas é formar um cidadão consciente e tolerante. Responsabilizaram a escola pela formação de condutas que vão desde a preservação do meio ambiente até os cuidados com a saúde; instituíram cotas raciais e forçaram as escolas a receber alunos com necessidades especiais. A agenda maximalista seria uma maneira de sanar desigualdades e corrigir injustiças. O Brasil deveria questionar essa agenda.

Primeira pergunta: nossas escolas conseguem dar conta desse recado? A resposta é, definitivamente, não. Estão aí todas as avaliações nacionais e internacionais mostrando que a única igualdade que nosso sistema educacional conseguiu atingir é ser igualmente péssimo. Copiamos o ponto final de programas adotados nos países europeus sem termos passado pelo desenvolvimento histórico que lhes dá sustentação.

Segunda pergunta: esse desejo expansionista faz bem ou mal ao nosso sistema educacional? Será um caso em que mirar no inatingível ajuda a ampliar o alcançável ou, pelo contrário, a sobrecarga faz com que a carroça se mova ainda mais devagar? Acredito que seja o último. Por várias razões. A primeira é simplesmente que essas demandas todas tornam impossível que o sistema tenha um foco. Perseguir todas as ideias que aparecem – mesmo que sejam todas nobres e excelentes – é um erro. Infelizmente, a maioria dos nossos intelectuais e legisladores não tem experiência administrativa, e acredita ser possível resolver qualquer problema criando uma lei. No confronto entre intenções e realidade, a última sempre vence. A segunda razão para preocupação é que, com uma agenda tão extensa e bicéfala – formar o cidadão virtuoso e o aluno de raciocínio afiado e com conhecimentos sólidos –, sempre é possível dizer que uma parte não está sendo cumprida porque a prioridade é a outra: o aluno é analfabeto, mas solidário, entende? (Com a vantagem de que não há nenhum índice para medir solidariedade.) E, finalmente, porque quando as intenções ultrapassam a capacidade de execução do sistema o que ocorre é que o agente – cada professor ou diretor – vira um legislador, cabendo a ele o papel de decidir quais partes das inatingíveis demandas vai cumprir. Uma medida que deveria estimular a cidadania tem o efeito oposto: incentiva o desrespeito à lei, que é a base fundamental da vida em sociedade.

Terceira pergunta: mesmo que todas essas nobres intenções fossem exequíveis, sua execução cumpriria as aspirações de seus mentores, construindo um país menos desigual? Eu diria que não apenas não cumpriria esses objetivos como iria na direção oposta. Deixe-me dar um exemplo com essas novas matérias inseridas no currículo do ensino médio – música, sociologia e filosofia. A lógica que norteou a decisão é que não seria justo que os alunos pobres fossem privados dos privilégios intelectuais de seus colegas ricos. O que não é justo, a meu ver, é que a adição dessas disciplinas torna ainda mais difícil para os pobres se equiparar aos alunos mais ricos nas matérias que realmente vão ser decisivas em sua vida. A desigualdade entre os dois grupos tende a aumentar. A triste realidade é que, por viverem em ambientes mais letrados e com pais mais instruídos, alunos de famílias ricas precisam de menos horas de instrução para se alfabetizar. É pouco provável que um aluno rico saia da 1ª série sem estar alfabetizado, enquanto é muito provável que o aluno pobre chegue ao 3° ano nessa condição. O aluno rico pode, portanto, se dar ao luxo de ter aula de música. Para nivelar o jogo, o aluno pobre deveria estar usando essas horas para se recuperar do atraso, especialmente nas habilidades basilares: português, matemática e ciências. É o domínio dessas habilidades que lhe será cobrado quando ingressar na vida profissional. Se esses pensadores querem a escola como niveladora de diferenças, se a diferença que mais impacta a qualidade de vida das pessoas é a de renda, e se a fonte principal de renda é o trabalho, então precisamos de um sistema educacional que coloque ricos e pobres em igualdade de condições para concorrer no mercado de trabalho. O que, por sua vez, presume uma educação desigual entre pobres e ricos, fazendo com que a escola dê aos primeiros as competências intelectuais que os últimos já trazem de casa. Estou argumentando baseado em uma lógica supostamente de esquerda (digo supostamente porque, nesse caso, é transparente que as boas intenções dos revolucionários de poltrona só aprofundam as desigualdades que eles pretendem diminuir).

O mercado de trabalho valoriza mais as habilidades cognitivas e emocionais não porque os nossos empregadores sejam mesquinhos, mas porque, em um mercado competitivo, precisam remunerar seus trabalhadores de acordo com sua produtividade. Essa é a lógica inquebrantável do sistema de livre-iniciativa. Não adianta pedir ao gerente de recursos humanos que seja "solidário" na hora da contratação e leve em conta que os candidatos à vaga vêm de origens sociais diferentes, porque se o recrutador selecionar o funcionário menos competente, o mais certo é que em breve ambos estejam solidariamente no olho da rua. Não conheço nenhum estudo que demonstre o impacto de uma educação filosoficamente inclusiva sobre o bem-estar das pessoas. Mas há vários estudos empíricos sobre a desigualdade no Brasil. O que eles informam é assustador: o fator número 1 na explicação das desigualdades de renda é, de longe, a desigualdade educacional. Ao criarmos uma escola sobrecarregada com a missão de não apenas formar o brasileiro do futuro mas corrigir as desigualdades de 500 anos de história, nós nos asseguramos de que ela se tornará um fracasso. A escola não pode fracassar, pois é a alavanca de salvação do Brasil.

O tipo de escola pública que queremos é uma discussão em última instância política, e não técnica. É legítimo, embora estúpido, que a maioria dos brasileiros prefira uma educação que fracasse em ensinar a tabuada mas ensine bem a fazer um pagode. Acrescento apenas uma indispensável condição: que a população seja informada, de modo claro e honesto, sobre as consequências de suas escolhas. Quais as perdas e os ganhos de cada caminho. O que é, aí sim, antidemocrático e desonesto é criar a ilusão de que não precisamos fazer escolhas, de que podemos tudo e de que conseguiremos obter tudo ao mesmo tempo, agora. Infelizmente, é exatamente isso que vem sendo tentado. Nossas lideranças se valem do abissal desconhecimento da maioria da população sobre o que é uma educação de excelência para vender-lhe a possibilidade do paraíso terreno em que professores despreparados podem formar o novo homem e o profissional de sucesso. Essa utopia, como todas as outras, acaba em decepção e atraso. Essa pretensa revolução, como todas as outras, termina beneficiando apenas os burocratas que a implementam.

Escolas melhoram diagnóstico de superdotados


Autor(es): agência o globo:Marcelle Ribeiro
O Globo - 09/04/2012


Cresce número de alunos identificados com altas habilidades, mas associações cobram mais preparo dos professores

BERNARDO E a irmã Júlia, também superdotada: aos nove anos, ele trocou de escola oito vezes, por despreparo dos profissionais para identificar suas habilidades

ANDRÉ CONSEGUIU "pular de série", mas foi obrigado a voltar atrás por decisão da Secretaria de Educação de SP. Recentemente, a mãe conseguiu uma liminar na Justiça que autorizar a aceleração escolar

Marcos Alves/02-04-2012

Marcos Alves/02-04-2012

SÃO PAULO. Aos 9 anos de idade, Bernardo Dias já está na oitava escola. Sua mãe, Ana Paula Amaral do Carmo, conta que muitas delas deram desculpas para justificar a necessidade de troca. Para ela, no entanto, o problema é que não sabiam como lidar com o filho, que, após passar por várias instituições, foi diagnosticado como superdotado.

- Teve escola que me pediu para tirar o Bernardo de lá com a desculpa que ele comia muito lanche. Ele chegou a ser maltratado por uma professora, que não admitia que ele terminasse as tarefas rapidamente e pedia aos coleguinhas para não falar com ele em sala - contou Ana.

Por falta de preparo dos professores para identificar alunos como Bernardo, casos como o dele ainda são comuns em escolas públicas e particulares no Brasil. A boa notícia é que, ano a ano, tem aumentado o número de alunos diagnosticados como superdotados, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão do Ministério da Educação (MEC).

Em 2010, eram 8.851 estudantes superdotados matriculados em escolas públicas e privadas; e no ano anterior, 5.478, ou seja, um aumento de quase 62%. Em 2000, o total era apenas 682.

Segundo a diretora de políticas de educação especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, Martinha Dutra, o aumento ocorreu porque os professores estão mais aptos a identificar os superdotados.

Em 2005, o ministério criou os Núcleos de Atividade de Altas Habilidades/Superdotação (Naahs) para ajudar na formação de professores e, com isso, saibam reconhecer com mais facilidade os superdotados e também estimular a habilidade e criatividade deles. O MEC criou um núcleo em cada unidade da federação, mas a gestão é feita pelos estados.

- O núcleo treina professores para identificação e desenvolvimento de atividades para os alunos. Mais professores podem estar sabendo como identificar os alunos superdotados - diz Martinha Dutra.

Para o MEC, alunos superdotados ou com altas habilidades são aqueles que "demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes". Além disso, esses estudantes têm "grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e na realização de tarefas em áreas de seu interesse".

Porém, entidades especializadas em superdotados apontam dificuldades. Para a presidente da Associação Paulista para Altas Habilidades / Superdotação (Apahsd), Ada Toscanini, o problema da formação de especialistas ainda persiste:

- Os professores, de forma geral, ainda não têm formação adequada para identificar os superdotados nem para atendê-los. O superdotado ainda é discriminado, visto como doente, pessoa com problemas nervosos ou hiperativo.

A presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (Conbrasd) - organização não-governamental que reúne profissionais da área e pais -, Cristina Delou, também acredita que ainda há muitos profissionais despreparados.

- Os cursos de formação de professores de graduação não têm conteúdo específico para identificação de superdotados. E quase não existem programas de mestrado voltados para a educação de superdotados - observa Cristina, que é professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Segundo ela, os Núcleos de Atividade de Altas Habilidades/Superdotação (Naahs) só podem formar profissionais que trabalham na rede estadual, deixando de fora os de escolas municipais e privadas. Além disso, destaca, os núcleos, cujas ações são geridas por cada estado, não funcionam a contento, pois não têm prestado atendimento aos alunos e às famílias deles.

Estímulo em laboratórios de universidades

O MEC reconhece que apenas alguns núcleos fazem atendimento direto aos alunos e pais de alunos. Mas o ministério afirma que eles têm monitorado as ações de estímulo à aprendizagem dos estudantes nas "salas de recurso" das escolas públicas, onde os superdotados, assim como as pessoas com deficiência, têm que receber suplementação escolar. Nelas, os alunos devem encontrar materiais e profissionais capacitados para atendê-los no contraturno.

Segundo o Conbrasd, como os superdotados podem ter nível de conhecimento superior ao de professores da escola, o ideal é que eles frequentem laboratórios de universidades para que se sintam estimulados.

Foi o que aconteceu com Kei Sawada, que aos 4 anos de idade já havia se alfabetizado sozinho em português e inglês.

- A escola ficou muito chata para ele. Conseguimos que frequentasse o laboratório de altas energias da UFF. Depois de uns meses, recomendaram que ele fizesse logo o vestibular e ele foi acelerado de série. Ele estava com 16 anos quando passou em primeiro lugar no vestibular de Física na Universidade Federal do Rio - conta a mãe de Kei, Anunciata Sawada.

Mas a aceleração escolar - quando a criança "pula" uma ou mais séries - não é um processo simples. Em São Paulo, por exemplo, mães estão procurando a Justiça para conseguir limitares que permitam esse avanço de série. A Secretaria de Educação entende que o procedimento é irregular, pois ainda não foi regulamentado pelo Conselho Estadual de Educação. Mas, em nota, o conselho afirmou que não precisa regulamentar a questão, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação já prevê a possibilidade de aceleração.

André da Rocha Domingues, de 7 anos, já tinha sido acelerado quando se viu obrigado a retroceder de série, por determinação da secretaria.

- Em janeiro, fomos informados que ele teria que voltar para o 2 ano do fundamental. E ele voltou. Foi difícil, ele não queria ter que estudar tudo de novo. Meses depois, consegui uma liminar na Justiça, e ele foi transferido para o 3 ano - relata a mãe de André, Cátia Domingues.

domingo, 8 de abril de 2012

ONU critica STJ por absolver acusado de violentar meninas

ONU critica STJ em processo de estupro
Autor(es): Larissa Leite
Correio Braziliense - 06/04/2012

Entidade afirma que a absolvição pela Corte de um homem acusado de violentar jovens de 12 anos contraria tratados internacionais

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de inocentar um acusado de estuprar três jovens de 12 anos contradiz tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, apontou o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Em comunicado divulgado ontem, o escritório lamentou a decisão tomada pela Corte em dezembro de 2011.

"A decisão abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero", afirmou o Representante Regional do ACNUDH para a América do Sul, Amerigo Incalcaterra. O STJ argumenta, na decisão, que as crianças já se dedicavam à prática de atividades sexuais. Para as Nações Unidas, a premissa é contrária aos atuais direitos conquistados para a infância: "É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos".

Entre os tratados desrespeitados pela decisão brasileira, segundo a ONU, estão a Convenção sobre os Direitos da Criança, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Por meio do comunicado, Incalcaterra enfatizou que "todos os tribunais têm a obrigação jurídica de interpretar e aplicar esses tratados de direitos humanos" e pediu às autoridades brasileiras que priorizem os interesses superiores da criança na tomada de decisões. Ele lembrou ainda a obrigação dos estados de proteger as crianças de todas as formas de violência, incluindo o abuso sexual.

O STJ divulgou, na última quarta-feira, uma nota sobre a decisão. No texto, afirma não ter institucionalizado a prostituição infantil e não ter discutido a exploração sexual de crianças e adolescentes ao julgar o caso. A Corte esclareceu que a decisão não considerou a mudança do Código Penal, ocorrida em 2009, que criou o crime "estupro de vulnerável" para qualificar qualquer relação sexual com menores de 14 anos, já que o caso ocorreu antes da alteração na lei — até então, se considerava essa relação como presunção de violência.

O tribunal argumenta que há decisões precedentes, inclusive do STF, que relativizam essa presunção. Mestre em direito, procurador da Justiça em São Paulo e um dos coautores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Paulo Afonso Garrido de Paula defende que a decisão foi negativa em todos os sentidos: "Ainda que a decisão tenha respaldo em outro julgado, a posição defendida pelo tribunal é a pior de todas, por não respeitar as peculiaridades da infância e das condições adversas que levam à prostituição infantil. Um consentimento de uma criança não exclui a exploração, a imoralidade, o abuso, inclusive o da pobreza". Segundo Garrido, os tribunais devem sempre optar pelo julgado que melhor afirme a dignidade humana e a proteção à infância. "A legislação tem uma força pedagógica muito grande, ela induz comportamentos."

MP apresenta recurso

O esclarecimento foi feito pelo STJ depois de diversas manifestações contrárias à decisão, inclusive da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, para quem a absolvição significou a "impunidade para um dos crimes mais graves cometidos na sociedade brasileira". O Ministério Público Federal apresentou recurso contestando o STJ e, dependendo do resultado, ainda poderá pedir que o caso seja analisado pelo Supremo Tribunal Federal.

""A decisão abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero""

Trecho da nota divulgada pelo Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Aula de alfabetização e de competência


Ações do documento
    Autor(es): Alessandra Duarte
    O Globo - 08/04/2012

    Maioria das escolas municipais com alfabetizadoras no topo de ranking no Rio é de regiões com baixos indicadores sociais

    O país considerado a sexta economia do mundo ainda carrega o número de cerca de 15 milhões de analfabetos adultos. E apresenta sérias dificuldades para ensinar 100% de suas crianças a ler e escrever na idade certa: o Censo 2010 do IBGE mostra que 15% das crianças com 8 anos ainda são analfabetas; entre as mais pobres, o percentual vai a 29%, enquanto, entre as mais ricas, cai para apenas 1%.

    Uma das falhas mais apontadas por educadores é que as escolas costumam colocar nas séries iniciais, onde ocorre a alfabetização, justamente professores iniciantes e menos preparados. Não é este o caso de um seleto grupo de professores da rede municipal do Rio, que mostram que é possível ter bons resultados mesmo trabalhando com alunos de áreas pobres.

    Vânia Lima, Paloma Waite, Elaine Souza e Simone Alcântara são as primeiras colocadas num ranking dos professores de turmas de alfabetização com melhor desempenho. O ranking, no qual entraram 741 escolas municipais, é resultado de uma avaliação dessas turmas da rede em 2011 - e dá exemplos do que significa ensinar uma criança a ler, escrever e também entender.

    A nota desejável na avaliação, com critérios da Provinha Brasil, do Inep, era 150. Todas as turmas nas dez primeiras posições tiraram mais de 220, e a maioria fica em áreas com baixos indicadores sociais: são da Zona Norte e Oeste sete das oito escolas da lista com as dez professoras mais bem colocadas (há duas escolas com duas turmas na lista).

    Para ajudar a entender o que há em comum entre as professoras campeãs de alfabetização, O GLOBO filmou as aulas dessas profissionais e pediu à educadora Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio e autora de "Depende de você - Como fazer de seu filho uma história de sucesso", para identificar boas práticas (os vídeos podem ser vistos no site do GLOBO).

    - Você precisa ter uma metodologia de trabalho. Mas, além desse planejamento sistemático, ser um bom alfabetizador significa você dar atenção personalizada a seus alunos. Tem que ficar atento aos ritmos de cada um. E ter orgulho de ensinar.

    Nas três escolas visitadas pelo GLOBO, duas convivem com a violência ao redor. Uma estratégia comum às professoras é acalmar os alunos, seja colocando um CD para relaxarem, seja permitindo que falem um pouco dos problemas que os aborrecem antes de começar a lição.

    As professoras incentivam a leitura desde cedo, mas também dão margem para que as crianças tenham papel mais ativo, construindo suas próprias histórias, em vez de apenas lerem textos decorados. E têm a preocupação de fazer com que todos os alunos aprendam, não apenas os melhores.

    A secretária municipal de Educação do Rio, Claudia Costin, diz que um dos principais problemas diagnosticados ao assumir o cargo era o alto percentual de analfabetos funcionais na rede.

    - Em 2009, aplicamos uma prova nas escolas municipais e constatamos que tínhamos 28 mil estudantes analfabetos funcionais. No 4, 5 e 6 anos, 14% dos alunos liam sem entender ou desenhavam a letra sem saber o que era - conta a secretária.

    - Realfabetizamos esses alunos, tirando-os das suas turmas para fazer grupos de reforço de um ano. Mas também precisávamos melhorar a alfabetização, senão continuaríamos a produzir analfabetos funcionais.

    Uma das ações para combater o problema foi justamente a criação de avaliações das turmas de alfabetização: uma quando o aluno entra no 1 ano (antiga classe de alfabetização); uma segunda no meio do ano; e uma terceira, que ganhou o nome de AlfabetizaRio e é aplicada ao final do ano letivo, por uma instituição externa (em 2011, a segunda edição da avaliação, foi a Consulplan).

    Base das avaliações do AlfabetizaRio, a Provinha Brasil será reformulada pelo MEC. Hoje, o resultado das provas aplicadas nas escolas não vai para o ministério, ficando para exame dos próprios professores. A ideia é fazer com esse resultado também seja enviado à pasta.

    Guerrilha no Araguaia

    Ari Cunha - Visto, Lido e Ouvido - Ari Cunha
    Correio Braziliense - 08/04/2012

    Toda história que revolva a vida de um contra outro deve ser contada como cada um entende. A verdade um dia chegará. Unanimidade é difícil e burra. Não há moeda igual pelos dois lados. Revoltosos contra o governo, que era militar, resolveram fazer guerrilha. Lugar escolhido, o Araguaia. Guerrilheiros chegaram, conseguiram a confiança de parte dos moradores. O governo militar criou a defesa. Prendia os guerrilheiros, encapuzava-os e os levava para lugar escolhido. Jogaram sobre a mata equipamento químico, usado para matar as folhas durante guerra em outro país. A região ficou por conta dos militares, que vigiavam a área descampada. Ali era o ponto de confissão e declaração sobre o que desejavam os revoltosos. Telegrafista da FAB explicou que DC-3, avião antigo, possuía cabine de comando com mais tripulantes. Os presos eram levados ao lugar preparado, encapuzados e com escorpiões em redor. Ao retirar o capuz, temiam diante do perigo. Era a maneira como o governo militar esperava conhecer o que estava acontecendo. No escuro, todos sabiam que o interesse era extinguir o comando militar. Esse era detalhe da época. Um militar pediu autorização para chegar ao acampamento dos revoltosos e explicou a razão. Desejava trocar o soldado preso por um capitão. Dada autorização, o militar chegou ao acampamento. Procurou entregar um capitão e receber de volta o soldado preso. Aconteceu o pior. O capitão levou um tiro na testa, morreu na hora, e o soldado desapareceu do campo de batalha. Quem o levava fez a declaração aos superiores. Silêncio total. A coisa não parou aí. Foi preso na mata um revoltoso. Sabendo o que ia acontecer, confessou tudo e se prontificou a dizer mais sobre quem conhecia em miúdos. Não há confirmação de nome. Na época, espalhou-se que era um deputado dos mais convictos da revolução. Acanhado, contou o que sabia para segurar a própria vida. Depois, conta-se que vivia macambúzio, maldizendo a covardia de haver traído o movimento que defendia com ardor para salvar a própria vida.

    Militares espionaram a UnB após a ditadura

    Arapongas infiltrados na UnB
    Autor(es): » RENATO ALVES » EDSON LUIZ
    Correio Braziliense - 08/04/2012

    Ex-professores como José Gerardo Grossi (E) foram alvo do SNI: as investigações começaram em 1964 e só terminaram em 1988

    Documentos obtidos pelo Correio revelam que, mesmo em tempos de redemocratização, a instituição de ensino superior brasiliense continuou a ser monitorada por espiões do SNI, o serviço secreto do governo. Os informantes acompanhavam as atividades dos professores e preenchiam relatórios detalhados

    Os militares não deram sossego a alunos, professores e funcionários da Universidade de Brasília (UnB) nem com o fim da ditadura. Agentes do regime espionaram a comunidade acadêmica pelo menos até 1988, três anos após a redemocratização do país. Documentos sigilosos aos quais o Correio teve acesso comprovam as ações de integrantes do Serviço Nacional de Informações (SNI), o temido órgão que perseguiu, prendeu, torturou e matou milhares de brasileiros. Com os carimbos de "secreto" e "confidencial", as 156 páginas traçam uma radiografia da UnB, na ótica dos informantes do regime de exceção, baseados em seus relatórios elaborados desde a tomada do poder pelos militares. O material revela como a ditadura sufocou a maior universidade da Região Centro-Oeste, com o intuito de eliminar os ideais de Darcy Ribeiro e os opositores do regime totalitário. A instituição de ensino completa 50 anos no próximo dia 21. O golpe militar fez 48 no último dia 31.

    "Caixa de ressonância dos ideais de esquerda"

    Após o fim da ditadura, o SNI elaborou relatórios regularmente entre 1985 e 1988. Em todos, os agentes demonstram preocupação com a redemocratização da UnB. Qualquer medida para tornar a universidade mais igualitária e aberta era vista como uma ameaça à qualidade do ensino superior e um elemento de "caixa de ressonância dos ideais progressistas de esquerda", conforme destaca um dossiê concluído em 5 de abril de 1988.

    Agentes dos órgãos de repressão relatavam o descontentamento com reuniões no câmpus da UnB em que o tema principal era a democracia na universidade. "Nesta linha de ação, em 1987, foi criada uma comissão paritária, formada por professores e alunos, que passou a dirigir o Departamento de História nos assuntos administrativos e acadêmicos", conta, como algo inadmissível, o analista do dossiê de abril de 1988.

    Os arapongas descrevem as mudanças ocorridas após o fim da ditadura em cada decanato da UnB. Dão detalhes da vida profissional e política dos professores chefes dos departamentos. E tomam nota de todas as atividades de Cristovam Buarque, o primeiro reitor escolhido por eleição direta após o regime de exceção. Ele assumiu a função em 1985, a contragosto dos militares, que, no fim do governo João Figueiredo — o último ditador no poder —, ainda queriam impor a nomeação do principal cargo da instituição.

    Entre os muitos atos de Cristovam, os agentes do SNI destacam negativamente a reincorparação simbólica de 57 professores que se demitiram coletivamente em 1965 (leia Linha do tempo). Numa tentativa de mostrar tal decisão, tomada em março de 1988, como algo prejudicial à universidade, os arapongas destacam o aumento na folha de pagamento da UnB. Mas omitem que, em cinco anos de redemocratização, o número de vagas de graduação aumentou de 210 para 1.035 e o de disciplinas ofertadas passou de 1.549 para 2.089.

    Nesse mesmo período, consolidou-se a Associação dos Funcionários e intensificou-se a atuação da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB). O movimento estudantil também se organizou, elegendo a diretoria do Diretório Central dos Estudantes (DCE), havia anos sem representante. Para os arapongas, o vazio no DCE se devia "ao desinteresse dos estudantes para com o movimento estudantil", e não por causa da repressão nos tempos de ditadura, que levaram a prisões e a sumiços de universitários.

    União Soviética
    O hoje senador Cristovam Buarque (PDT-DF), 68 anos, soube da continuidade da espionagem na UnB em tempos de redemocratização após ser procurado pelo Correio. Ele fez questão de ler os dossiês do SNI, até então inéditos. "Se eles faziam isso é porque tinham gente infiltrada em meio a professores, estudantes, servidores. Talvez houvesse um espião bem próximo, como se fosse um colaborador", comentou, sem esconder o espanto.

    Três páginas do dossiê sobre a redemocratização da UnB trazem o resumo da ficha de Cristovam Buarque nos arquivos da ditadura. Ele descreve, além da formação escolar e profissional do investigado, as suas atividades políticas desde os tempos em que presidia o Diretório Acadêmico de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1966. Os agentes destacam que ele se tornou um "subversivo" ao fazer um discurso veemente contra o golpe de 1964.

    No campo da sua administração, os espiões do SNI chamam a atenção para um contato do então reitor com a Embaixada da União Soviética, em 1986, para a UnB receber reforços de professores russos de diversos setores de ensino e pesquisa. "A primeira conversa foi reservada. Não que houvesse algo de secreto ou ilegal, mas foi um encontro com pouca gente. Como o pessoal do SNI soube disso?!", questiona Cristovam. Ele ainda dá aulas na universidade brasiliense, nas manhãs de terças-feiras.

    quinta-feira, 5 de abril de 2012

    Como avaliar um professor

    Autor(es): Fernando Reinac
    O Estado de S. Paulo - 05/04/2012

    Até que ponto é possível avaliar um professore medindo o aprendizado dos alunos? Um estudo desenvolvido nos EUA demonstrou que esse método, se bem aplicado, mede até a velocidade com que professores iniciantes melhoram seu desempenho.

    Quando eu era estudante, os alunos eram avaliados todos os meses e ao final do ano. Isso ainda acontece, mas a avaliação dos alunos passou a ter uma segunda função: avaliar a qualidade dos professores e da escola. Esse sistema permite avaliar professores sem submetê-los a avaliações diretas. Talvez você não saiba, mas os professores, apesar de passarem a vida avaliando alunos, reagem violentamente quanto a escola ou o governo tenta avaliá-los diretamente.

    Para esse fim, foram criados exames como o Enem. E com eles vieram as listas das "melhores" escolas secundárias e universidades. Seriam aquelas cujos alunos receberam as melhores notas nesses exames. Infelizmente, essa classificação pode ser enganosa. Ela parte do princípio de que todas as escolas recebem alunos com a mesma qualificação.

    Imagine duas escolas. Em uma os alunos tiraram 10 no Enem e em outra, 8. Nas listas, fica implícito que a escola 10 é melhor que a 8. Mas isto só é verdade se ambas as escolas receberam, no início, alunos com a mesma formação.

    Imagine que a escola 10 recebeu alunos que sabiam o equivalente a 7. Ela foi capaz de transformar 7 em 10 (eles aprenderam 3). Mas imagine que a escola 8 recebeu alunos que sabiam o equivalente a 2. Ela transformou alunos 2 em 8 (eles aprenderam 6). É fácil argumentar que a escola em segundo no ranking é aproximadamente duas vezes mais eficiente que a escola 10.

    O fato é que não sabemos quais são as melhores escolas secundárias ou as melhores universidades. Esse fato não só distorce a avaliação, mas explica porque a maioria das escolas deseja receber os alunos mais bem preparados e se livrar dos mal preparados. A única maneira de não incorrer nesse erro é medir o conhecimento de cada aluno no inicio e no final do curso e avaliar os professores e as escolas em função do progresso obtido pelos alunos ao longo do curso.

    Infelizmente, isso não está totalmente implantado no Brasil. Mas é isso que é feito em muitos Estados dos EUA. E foi utilizando esse tipo de dado que os pesquisadores estudaram o processo de melhora dos professores.

    Nos EUA, a profissão de professor passou ser atividade de inicio de carreira. Se em 1988 o número de anos de experiência dos professores de ensino secundário era de 15, agora ela se aproxima perigosamente dos 3. Cinco anos depois de contratados, mais de 50% deles abandonaram a profissão. O resultado é que as crianças estão sendo educadas por professores inexperientes.

    Daí a questão: quão rápido esses professores iniciantes melhoram sua capacidade de ensinar? Ou qual a perda sofrida pelo sistema educacional por causa da pouca experiência dos docentes?

    Foram analisados os dados de 1,05 milhão de crianças avaliadas no início e no final de cada ano, para cada uma das matérias. Para cada criança, é conhecido cada professor e sua experiência anterior, seus colegas de classe e outros dados. Usando metodologias estatísticas, esses dados foram cruzados e as correlações estatisticamente significantes foram identificadas.

    Os resultados mostram que em ciências exatas a capacidade dos professores de ensinar aumenta rapidamente durante os primeiros quatro anos de magistrado e depois se estabiliza. Para professores de matemática e biologia, esse aumento é menos significativo, mas também se estabiliza aos quatro anos. Os outros professores não melhoram tanto ao longo do tempo e sua eficiência inicial se mantém. E foi descoberto que os professores mais eficientes nos primeiros anos de carreira eram os que tinham maior chance de não se demitirem após cinco anos. Esses resultados explicam parte do fato de o ensino de ciências exatas piorar nos EUA.

    Para nós, brasileiros, esse estudo demonstra como é possível dissecar o desempenho de cada professor analisando o dos alunos. Pena que avançamos tão devagar.

    MEC bem longe da meta

    Autor(es): Paula FilizolaCorreio Braziliense - 05/04/2012

    A intenção do governo é levar 75 mil estudantes para o exterior até 2015. Em sete meses de iniciativa, foram concedidas apenas 3,8 mil bolsas

    O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou ontem um balanço parcial do programa Ciência Sem Fronteiras, principal aposta da presidente Dilma Rousseff para a formação de pesquisadores e para o aprimoramento da formação de estudantes de ciências exatas. Apesar do entusiasmo do titular da pasta, a iniciativa não apresenta bons resultados. Das 75 mil bolsas de estudo que o governo federal se comprometeu a oferecer até 2015, somente 3.897 foram implementadas até o momento. De acordo com o MEC, porém, outras 10.979 vagas foram confirmadas até o fim deste ano. O ministério, inclusive, estendeu a meta global de distribuição de bolsas, inicialmente prevista para ser atingida em 2014.

    A primeira seleção do Ciência Sem Fronteiras foi aberta em agosto do ano passado e ofereceu vagas em instituições de ensino superior nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França, na Itália e na Alemanha. O segundo edital, disponível para os alunos interessados, inclui vagas na Austrália, na Bélgica, na Holanda, no Canadá, na Coreia do Sul, na Espanha e em Portugal. As inscrições estão abertas até 30 de abril, no site www.ciencia semfronteiras.gov.br/web/csf.

    Segundo o MEC, novos acordos estão sendo firmados com universidades estrangeiras. Para as próximas rodadas do programa, a pasta pretende incluir instituições da Irlanda, da Índia, da Noruega, da Finlândia, da China e do Japão. Mercadante afirmou ainda que, durante a viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos, neste domingo, ela vai se reunir com pesquisadores e coordenadores da Massachusetts Institute of Technology e de Harvard para reforçar os acordos firmados entre as universidades e o governo brasileiro. Mercadante acompanhará a presidente.

    Recentemente, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um dos responsáveis pelo Ciência Sem Fronteiras, assumiu que alguns alunos e pesquisadores brasileiros no exterior estavam sem receber o dinheiro referente à bolsa. O órgão não sabe precisar o número de prejudicados, mas garantiu que o depósito será feito no próximo dia 15. Segundo o CNPq, houve um erro no sistema de registro dos beneficiados. O ministro, porém, minimizou as falhas no programa. "As dificuldades operacionais são muito pequenas", avaliou Mercadante.

    Alfabetização: a pedra angular da educação

    Autor(es): Mozart Neves Ramos
    Correio Braziliense - 05/04/2012


    Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é membro do Conselho de Governança do Todos Pela Educação e do Conselho Nacional de Educação

    O Brasil tem ainda hoje, de acordo com o Censo Demográfico 2010, 9,7% (14,1 milhões) de analfabetos com 15 anos de idade ou mais, que vivem principalmente nas regiões mais pobres do país. No Nordeste, por exemplo, esse percentual é de 18,7%! O analfabetismo perpetua a desigualdade: as chances de pais com nível superior terem filhos analfabetos é de 0,2%, enquanto que a chance de um filho de pai analfabeto também ser analfabeto é de 32%.

    O quadro contrasta com um país que forma 12 mil doutores por ano e que se encontra na 13ª posição do ranking da produção científica mundial — ocupando posição de liderança na América Latina. Esse contraste é ainda maior quando se observa a riqueza total produzida pelo país retratada pelo Produto Interno Bruto (PIB), que o coloca na 6ª posição mundial.

    Fechar a torneira do analfabetismo, ou seja, promover condições para que todas as crianças brasileiras estejam plenamente alfabetizadas, pelo menos até os oito anos de idade, não é apenas uma peça estratégica para o desenvolvimento sustentável do país, mas também um importante passo na promoção da cidadania plena para todos os brasileiros.

    Os dados de aprendizagem do movimento Todos Pela Educação revelam que, de cada 100 crianças que completam as séries iniciais do ensino fundamental, 65 não aprenderam o conteúdo esperado em língua portuguesa. Isso naturalmente é o reflexo da qualidade da alfabetização oferecida às nossas crianças.

    O mais grave é que o país até aqui não desenvolveu um indicador para medir a taxa de crianças alfabetizadas até os oito anos de idade. Há de se louvar, por seu lado, a iniciativa da Provinha Brasil, do Ministério da Educação (MEC), com o intuito de auxiliar os alfabetizadores a detectar possíveis problemas no processo de alfabetização. É importante, mas absolutamente insuficiente para o Brasil que precisamos.

    Em 2011, diante desse cenário, o Todos Pela Educação, em parceria com a Fundação Cesgranrio, o Instituto Paulo Montenegro e o próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizou a Prova ABC para aferir a situação da alfabetização das nossas crianças. Foi um primeiro teste, em caráter nacional, que envolveu as capitais brasileiras. E os resultados foram preocupantes: apenas metade dos alunos apresentou o desempenho esperado em leitura e escrita.

    A Prova ABC também revelou que as diferenças de oportunidades em relação ao direito à educação já se manifestam nas primeiras séries do ensino fundamental para uma criança que nasce, por exemplo, no Sul do Brasil e outra no Norte — essas últimas já nas primeiras séries encontram-se num patamar de aprendizagem bem inferior àquelas do Sul.

    Por essa razão, é extremamente acertada e decisiva a prioridade anunciada pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para a questão da alfabetização até os oito anos, a partir do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). Porém, para que esse programa dê certo, é necessário priorizar a formação dos professores alfabetizadores, que precisam de capacitação e estímulo, inclusive financeiro.

    Nesse contexto, como ocorre na pesquisa brasileira, poderia ser criada uma bolsa-auxílio à formação e aperfeiçoamento para os alfabetizadores. Outro ponto importante é trazer novos insumos ao processo, livros, materiais pedagógicos e recursos tecnológicos.

    É também imprescindível monitorar os resultados, para saber se, de fato, a revolução (a boa revolução!) na alfabetização de nossas crianças está acontecendo. É preciso, portanto, avaliar, considerando todos os cuidados que se deve ter para essa fase do desenvolvimento da criança. Vale aqui salientar que iniciativas nessa direção já estão acontecendo em nosso país, em estados como Ceará e Minas Gerais.

    Para sair do papel, esse programa demanda não apenas novos recursos, mas também coragem política para colocá-lo em marcha. E ele tem que sair do papel, pois a alfabetização é a pedra angular da educação.