Correio Braziliense - 22/04/2012
Diante da dificuldade alegada pelas empresas para cumprir a contratação de pessoas com deficiência, há quem defenda a flexibilização das regras. Por outro lado, existe um projeto na Câmara para endurecê-las
Vigilante, cobrador, assistente. Antônio Leitão, 46 anos, morador do Riacho Fundo, já ocupou todas essas funções. Com um encurtamento de 11 centímetros em uma das pernas, durante três décadas ele se locomoveu com dificuldade, sempre com o apoio de bengalas e calçados especiais. Recentemente, passou por cirurgia para colocar uma prótese que o ajudou a diminuir o esforço. Hoje, a Carteira de Trabalho de Antônio está toda preenchida, mas nem sempre foi assim. "Para mim, era muito difícil competir com pessoas plenamente aptas. Agora, não me sinto mais dessa forma", conta o cearense, que, há dois anos, trabalha como auxiliar de almoxarifado numa empresa de construção civil.
Abrir as portas do mercado de trabalho para quem não conseguia chegar até ele é um dos objetivos da Lei nº 8.213/91, que, em seu artigo 93, tenta facilitar a vida de mais de 45 milhões de brasileiros. A legislação é clara: empresas com 100 ou mais funcionários devem ter, proporcionalmente, entre 2% e 5% de seu quadro composto por pessoas com deficiência ou reabilitadas — sob pena de multa. Se, por um lado, as chances de exercer alguma profissão aumentaram, por outro, os empregadores alegam dificuldade para preencher as vagas.
Responsável pela vigilância da legislação, em janeiro o Ministério Público do Trabalho (MPT) foi alvo de recurso movido pela rede de supermercados Pão de Açúcar, autuada pelo descumprimento da lei das cotas. A ação pede a flexibilização das regras para a contratação de pessoas com deficiência e deverá ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos meses. "Espero que o julgamento não seja favorável ao grupo, pois as normas que existem hoje são extremamente importantes. Abrir tal precedente, a meu ver, seria dar espaço para que as empresas fujam dessa obrigação", argumenta a procuradora Andrea Nice Lopes. De acordo com ela, ao se deparar com empresas que descumprem a lei, o MPT propõe termos de ajustamento de conduta, nos quais a organização se compromete, sob pena de multa, a corrigir a falha. Caso o empresário se negue a assinar, entra-se com uma ação civil pública.
A coordenadora da área de Colocação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal (Apae-DF), Adriana Lotti, acredita que o caráter afirmativo da lei é necessário e contribui para a inclusão profissional. "Dos 53 parceiros que temos, apenas três contratam nossos alunos pelo lado social. A maioria nos procura para cumprir a legislação", aponta. Segundo Adriana, a flexibilização poderia representar um prejuízo a quem tem necessidades especiais. "As empresas que não conseguem atingir a cota podem contornar o problema com uma mudança nos cargos para que, em vez de atuarem como pedreiros ou carpinteiros, essas pessoas trabalhem na parte administrativa, por exemplo."
Há quem concorde com a flexibilização. Para o advogado trabalhista Luiz Eduardo Alouche, a mudança na legislação é necessária, porque a situação atual não se parece em nada com a de 20 anos atrás, quando a lei entrou em vigor. "É preciso deixá-la menos engessada, pois ela apenas exige a contratação e não dá alternativas caso o número estipulado não seja cumprido", avalia. Alouche sugere que, nesses casos, as empresas ajudem instituições beneficentes ou ofereçam treinamento a deficientes.
Por outro lado, há quem defenda mais rigidez. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.973/11, que prevê a alteração dos critérios de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados presentes na lei das cotas. De autoria do atual ministro das Cidades, o deputado licenciado Aguinaldo Ribeiro, a proposta diminui de 100 para 30 a quantidade mínima de funcionários a partir da qual a obrigatoriedade passa a valer. Ribeiro acredita que essa releitura é importante graças aos bons resultados obtidos com a aplicação da lei. "Nós vemos histórias de superação de pessoas que antes achavam que não podiam trabalhar e queremos um número ainda maior de beneficiados", argumenta. O PL está em análise na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.
Problema generalizado
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que apenas um quarto das empresas consegue atingir a meta estabelecida. "Sempre tentamos ficar dentro da quantidade de pessoas exigida, mas, ultimamente, tem sido difícil encontrar pessoal habilitado para trabalhar na área", justifica Fábio Dias, assistente de Recursos Humanos da Via Engenharia. Segundo ele, a situação se agravou após o endurecimento na fiscalização. "Como os empregadores não querem ser multados, criou-se um "mercado negro" na contratação de deficientes. Muitas vezes, nossos funcionários são assediados por outras organizações, que oferecem maiores salários", afirma.
Andrea Nice, do MPT, discorda do argumento empresarial: "O problema da falta de mão de obra capacitada é generalizado, não atinge apenas as pessoas com deficiência". Como forma de suprir tal demanda, ela propõe que os estabelecimentos implementem programas de ação social. Segundo a procuradora, ainda há grande resistência em relação aos funcionários com necessidades especiais. "Precisamos agir para que a lei seja cumprida efetivamente e continue dando novos horizontes a quem sofre preconceitos", diz Andrea, que é coordenadora nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidade no órgão trabalhista.
Com o objetivo de preparar as pessoas com deficiência para o mercado, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) oferece formação gratuita em várias áreas. Interlocutora do Programa de Ações Inclusivas da instituição, Ana Luzia Brito revela que a procura por determinados cursos, como os voltados à área da construção civil, é inexpressiva. "Às vezes, nem conseguimos formar turmas. Há sempre mais interessados nas aulas de informática ou de auxiliar administrativo." Nem a oportunidade de sair da capacitação empregado se mostra atraente. "Por meio de um pacto firmado com empresas de engenharia que nos procuram, os alunos são contratados temporariamente durante o período das aulas e, no fim, são efetivados", explica Ana Luzia.
Quase 25%
Números do Censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 23,9% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência, o que equivale a mais de 45 milhões de pessoas.
O que diz a lei
Art. 93. A empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados 2%;
II – de 201 a 500 3%;
III – de 501 a 1.000 4%;
IV – de 1.001 em diante 5%.
§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente
habilitado ao fim de contrato por
prazo determinado de mais de 90
dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
"Dos 53 parceiros que temos, apenas três contratam nossos alunos pelo lado social. A maioria
nos procura para cumprir a legislação"
Adriana Lotti, coordenadora na Apae-DF
Diante da dificuldade alegada pelas empresas para cumprir a contratação de pessoas com deficiência, há quem defenda a flexibilização das regras. Por outro lado, existe um projeto na Câmara para endurecê-las
Vigilante, cobrador, assistente. Antônio Leitão, 46 anos, morador do Riacho Fundo, já ocupou todas essas funções. Com um encurtamento de 11 centímetros em uma das pernas, durante três décadas ele se locomoveu com dificuldade, sempre com o apoio de bengalas e calçados especiais. Recentemente, passou por cirurgia para colocar uma prótese que o ajudou a diminuir o esforço. Hoje, a Carteira de Trabalho de Antônio está toda preenchida, mas nem sempre foi assim. "Para mim, era muito difícil competir com pessoas plenamente aptas. Agora, não me sinto mais dessa forma", conta o cearense, que, há dois anos, trabalha como auxiliar de almoxarifado numa empresa de construção civil.
Abrir as portas do mercado de trabalho para quem não conseguia chegar até ele é um dos objetivos da Lei nº 8.213/91, que, em seu artigo 93, tenta facilitar a vida de mais de 45 milhões de brasileiros. A legislação é clara: empresas com 100 ou mais funcionários devem ter, proporcionalmente, entre 2% e 5% de seu quadro composto por pessoas com deficiência ou reabilitadas — sob pena de multa. Se, por um lado, as chances de exercer alguma profissão aumentaram, por outro, os empregadores alegam dificuldade para preencher as vagas.
Responsável pela vigilância da legislação, em janeiro o Ministério Público do Trabalho (MPT) foi alvo de recurso movido pela rede de supermercados Pão de Açúcar, autuada pelo descumprimento da lei das cotas. A ação pede a flexibilização das regras para a contratação de pessoas com deficiência e deverá ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos meses. "Espero que o julgamento não seja favorável ao grupo, pois as normas que existem hoje são extremamente importantes. Abrir tal precedente, a meu ver, seria dar espaço para que as empresas fujam dessa obrigação", argumenta a procuradora Andrea Nice Lopes. De acordo com ela, ao se deparar com empresas que descumprem a lei, o MPT propõe termos de ajustamento de conduta, nos quais a organização se compromete, sob pena de multa, a corrigir a falha. Caso o empresário se negue a assinar, entra-se com uma ação civil pública.
A coordenadora da área de Colocação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal (Apae-DF), Adriana Lotti, acredita que o caráter afirmativo da lei é necessário e contribui para a inclusão profissional. "Dos 53 parceiros que temos, apenas três contratam nossos alunos pelo lado social. A maioria nos procura para cumprir a legislação", aponta. Segundo Adriana, a flexibilização poderia representar um prejuízo a quem tem necessidades especiais. "As empresas que não conseguem atingir a cota podem contornar o problema com uma mudança nos cargos para que, em vez de atuarem como pedreiros ou carpinteiros, essas pessoas trabalhem na parte administrativa, por exemplo."
Há quem concorde com a flexibilização. Para o advogado trabalhista Luiz Eduardo Alouche, a mudança na legislação é necessária, porque a situação atual não se parece em nada com a de 20 anos atrás, quando a lei entrou em vigor. "É preciso deixá-la menos engessada, pois ela apenas exige a contratação e não dá alternativas caso o número estipulado não seja cumprido", avalia. Alouche sugere que, nesses casos, as empresas ajudem instituições beneficentes ou ofereçam treinamento a deficientes.
Por outro lado, há quem defenda mais rigidez. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.973/11, que prevê a alteração dos critérios de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados presentes na lei das cotas. De autoria do atual ministro das Cidades, o deputado licenciado Aguinaldo Ribeiro, a proposta diminui de 100 para 30 a quantidade mínima de funcionários a partir da qual a obrigatoriedade passa a valer. Ribeiro acredita que essa releitura é importante graças aos bons resultados obtidos com a aplicação da lei. "Nós vemos histórias de superação de pessoas que antes achavam que não podiam trabalhar e queremos um número ainda maior de beneficiados", argumenta. O PL está em análise na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.
Problema generalizado
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que apenas um quarto das empresas consegue atingir a meta estabelecida. "Sempre tentamos ficar dentro da quantidade de pessoas exigida, mas, ultimamente, tem sido difícil encontrar pessoal habilitado para trabalhar na área", justifica Fábio Dias, assistente de Recursos Humanos da Via Engenharia. Segundo ele, a situação se agravou após o endurecimento na fiscalização. "Como os empregadores não querem ser multados, criou-se um "mercado negro" na contratação de deficientes. Muitas vezes, nossos funcionários são assediados por outras organizações, que oferecem maiores salários", afirma.
Andrea Nice, do MPT, discorda do argumento empresarial: "O problema da falta de mão de obra capacitada é generalizado, não atinge apenas as pessoas com deficiência". Como forma de suprir tal demanda, ela propõe que os estabelecimentos implementem programas de ação social. Segundo a procuradora, ainda há grande resistência em relação aos funcionários com necessidades especiais. "Precisamos agir para que a lei seja cumprida efetivamente e continue dando novos horizontes a quem sofre preconceitos", diz Andrea, que é coordenadora nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidade no órgão trabalhista.
Com o objetivo de preparar as pessoas com deficiência para o mercado, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) oferece formação gratuita em várias áreas. Interlocutora do Programa de Ações Inclusivas da instituição, Ana Luzia Brito revela que a procura por determinados cursos, como os voltados à área da construção civil, é inexpressiva. "Às vezes, nem conseguimos formar turmas. Há sempre mais interessados nas aulas de informática ou de auxiliar administrativo." Nem a oportunidade de sair da capacitação empregado se mostra atraente. "Por meio de um pacto firmado com empresas de engenharia que nos procuram, os alunos são contratados temporariamente durante o período das aulas e, no fim, são efetivados", explica Ana Luzia.
Quase 25%
Números do Censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 23,9% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência, o que equivale a mais de 45 milhões de pessoas.
O que diz a lei
Art. 93. A empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados 2%;
II – de 201 a 500 3%;
III – de 501 a 1.000 4%;
IV – de 1.001 em diante 5%.
§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente
habilitado ao fim de contrato por
prazo determinado de mais de 90
dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
"Dos 53 parceiros que temos, apenas três contratam nossos alunos pelo lado social. A maioria
nos procura para cumprir a legislação"
Adriana Lotti, coordenadora na Apae-DF
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