Autor(es): Barry Eichengreen
O Estado de S. Paulo - 29/07/2012
BARRY EICHENGREEN - o autor é professor de Economia e Ciência Política da Universidade da Califórnia em Berkeley. Escreve a cada dois meses para o "Estado" - O Estado de S.Paulo Depois de passar boa parte da semana no Brasil, tive a impressão de que havia um único assunto na cabeça dos meus interlocutores: a crise na Europa. É difícil ser encorajador. Não há muito que o Brasil possa fazer para se isolar da crise na zona do euro. A saída da Grécia e a crescente intensidade das ondas de choque financeiro irradiadas a partir da Europa estão se aproximando, e não há muito que possamos fazer quanto a isso. O melhor conselho, que não chega a ser muito útil, é fechar bem as escotilhas, pois teremos mares agitados pela frente. Na verdade, minhas conversas no Brasil levantaram uma questão importante a respeito da crise na Europa. É claro que a Europa tem muitos problemas. O continente vive uma crise de endividamento, uma crise bancária, uma crise de competitividade e uma crise política. Mas alguns desses problemas têm sido desnecessariamente agravados pela falta de flexibilidade do Banco Central Europeu. O BCE tem sido lento no corte aos juros. Cortes nos juros implementados pelo BCE tornariam mais fácil o pagamento dos encargos das dívidas nacionais - principalmente se os cortes nos juros forem acompanhados pelo afrouxamento quantitativo, com o BCE comprando títulos no mercado secundário. Além disso, a relutância do BCE em fazer cortes manteve a taxa de câmbio do euro demasiadamente fortalecida. Um câmbio mais fraco é exatamente o que a Europa precisa para começar a controlar seus problemas. Suas exportações se tornariam mais competitivas. Sua economia começaria a crescer. O crescimento tornaria mais fácil a restauração da confiança entre os países e entre os eleitores, pré-requisito para a formação de um consenso quanto às medidas a serem adotadas. Por fim, um afrouxamento quantitativo adicional por parte do BCE faria com que os preços começassem a subir. O custo dos produtos no sul da Europa precisa cair em relação ao custo na Alemanha. Isso pode ser conseguido de maneira menos dolorosa por meio de uma inflação um pouco mais alta na Alemanha, somada a salários e preços mais estáveis no sul, em vez da estabilidade de salários e preços na Alemanha que implica a necessidade de cortes impossíveis nos países do sul. Mas o BCE se recusa a adotar tais medidas. Tudo que vimos nos últimos meses foi um corte aleatório nos juros e nenhuma medida adotada com relação ao afrouxamento quantitativo. A situação se tornou tão ruim que até o Fundo Monetário Internacional, instituição que não é conhecida exatamente por sua irresponsabilidade, deseja agora medidas de resposta mais agressivas por parte do BCE. Quando indagamos por que o BCE reluta tanto em agir, a maioria das pessoas aponta para o medo que os alemães têm da inflação. Depois da terrível experiência de hiperinflação vivida pelo país nos anos 20, os alemães temem a possibilidade de a inflação estar à espreita, aguardando o momento de atacar. Eles criaram o Banco Central Europeu à imagem do seu próprio BundesBank. Consequentemente, o BCE se recusa a fazer qualquer coisa que possa criar o mais remoto risco de inflação. Em particular, a Alemanha rejeita todas as propostas que pedem a compra de títulos do governo por parte do BCE, temendo que isto leve à impressão de ainda mais dinheiro, incentivando os governos a burlar as regras orçamentárias da UE. E, no ambiente atual, contexto em que é a Alemanha quem dá as cartas na economia europeia, os alemães impõem seu estilo aos demais. É neste ponto que a comparação com o Brasil se torna interessante. O Brasil também tem uma história de alta inflação - ainda mais próxima do que a da Alemanha, já que foi vivenciada em primeira mão pelos brasileiros ainda vivos. O Brasil tem também uma história de governos estaduais que burlam as regras orçamentárias. Mas o Banco Central do Brasil se sentiu livre para cortar os juros acentuadamente na desaceleração atual, como deveria fazer um banco central competente. Diferentemente do BCE, o BCB não foi inibido pela história de inflação do Brasil e seguiu práticas adequadas para uma instituição de seu tipo. Por que tal diferença? Suspeito que os alemães tenham tamanha fobia da inflação - a ponto de colocar em risco sua moeda única - porque a sabedoria popular alemã diz que a inflação causou o colapso da República de Weimar, o fim da democracia e a ascensão dos nazistas. Ninguém no Brasil deseja ver o retorno da inflação, mas a experiência inflacionária brasileira foi menos traumática, pois não levou ao colapso do sistema político. O único problema é que a sabedoria popular alemã está errada. Os estudos modernos concordam que não foi a hiperinflação dos anos 20, e sim a Grande Depressão e o alto desemprego dos anos 30 que fomentaram o apoio político aos nazistas. Ao exigir do BCE que apague imediatamente todas as fagulhas de inflação - algo que, no ambiente atual, só agrava o desemprego -, a Alemanha está portanto alimentando justamente o problema do extremismo político que o pais tanto teme. Não será fácil contrariar a sabedoria popular alemã, algo que, por sua vez, não nos dá muita esperança de uma solução amena para a crise da zona do euro. Mas, no Brasil, a situação é mais alegre. Os brasileiros aprenderam a lição certa com sua própria crise inflacionária. Fortalecer as regras fiscais sob as quais os governos estaduais operam. Dar ao banco central independência estatutária. E então se afastar para que o banco central possa fazer seu trabalho. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
O Estado de S. Paulo - 29/07/2012
BARRY EICHENGREEN - o autor é professor de Economia e Ciência Política da Universidade da Califórnia em Berkeley. Escreve a cada dois meses para o "Estado" - O Estado de S.Paulo Depois de passar boa parte da semana no Brasil, tive a impressão de que havia um único assunto na cabeça dos meus interlocutores: a crise na Europa. É difícil ser encorajador. Não há muito que o Brasil possa fazer para se isolar da crise na zona do euro. A saída da Grécia e a crescente intensidade das ondas de choque financeiro irradiadas a partir da Europa estão se aproximando, e não há muito que possamos fazer quanto a isso. O melhor conselho, que não chega a ser muito útil, é fechar bem as escotilhas, pois teremos mares agitados pela frente. Na verdade, minhas conversas no Brasil levantaram uma questão importante a respeito da crise na Europa. É claro que a Europa tem muitos problemas. O continente vive uma crise de endividamento, uma crise bancária, uma crise de competitividade e uma crise política. Mas alguns desses problemas têm sido desnecessariamente agravados pela falta de flexibilidade do Banco Central Europeu. O BCE tem sido lento no corte aos juros. Cortes nos juros implementados pelo BCE tornariam mais fácil o pagamento dos encargos das dívidas nacionais - principalmente se os cortes nos juros forem acompanhados pelo afrouxamento quantitativo, com o BCE comprando títulos no mercado secundário. Além disso, a relutância do BCE em fazer cortes manteve a taxa de câmbio do euro demasiadamente fortalecida. Um câmbio mais fraco é exatamente o que a Europa precisa para começar a controlar seus problemas. Suas exportações se tornariam mais competitivas. Sua economia começaria a crescer. O crescimento tornaria mais fácil a restauração da confiança entre os países e entre os eleitores, pré-requisito para a formação de um consenso quanto às medidas a serem adotadas. Por fim, um afrouxamento quantitativo adicional por parte do BCE faria com que os preços começassem a subir. O custo dos produtos no sul da Europa precisa cair em relação ao custo na Alemanha. Isso pode ser conseguido de maneira menos dolorosa por meio de uma inflação um pouco mais alta na Alemanha, somada a salários e preços mais estáveis no sul, em vez da estabilidade de salários e preços na Alemanha que implica a necessidade de cortes impossíveis nos países do sul. Mas o BCE se recusa a adotar tais medidas. Tudo que vimos nos últimos meses foi um corte aleatório nos juros e nenhuma medida adotada com relação ao afrouxamento quantitativo. A situação se tornou tão ruim que até o Fundo Monetário Internacional, instituição que não é conhecida exatamente por sua irresponsabilidade, deseja agora medidas de resposta mais agressivas por parte do BCE. Quando indagamos por que o BCE reluta tanto em agir, a maioria das pessoas aponta para o medo que os alemães têm da inflação. Depois da terrível experiência de hiperinflação vivida pelo país nos anos 20, os alemães temem a possibilidade de a inflação estar à espreita, aguardando o momento de atacar. Eles criaram o Banco Central Europeu à imagem do seu próprio BundesBank. Consequentemente, o BCE se recusa a fazer qualquer coisa que possa criar o mais remoto risco de inflação. Em particular, a Alemanha rejeita todas as propostas que pedem a compra de títulos do governo por parte do BCE, temendo que isto leve à impressão de ainda mais dinheiro, incentivando os governos a burlar as regras orçamentárias da UE. E, no ambiente atual, contexto em que é a Alemanha quem dá as cartas na economia europeia, os alemães impõem seu estilo aos demais. É neste ponto que a comparação com o Brasil se torna interessante. O Brasil também tem uma história de alta inflação - ainda mais próxima do que a da Alemanha, já que foi vivenciada em primeira mão pelos brasileiros ainda vivos. O Brasil tem também uma história de governos estaduais que burlam as regras orçamentárias. Mas o Banco Central do Brasil se sentiu livre para cortar os juros acentuadamente na desaceleração atual, como deveria fazer um banco central competente. Diferentemente do BCE, o BCB não foi inibido pela história de inflação do Brasil e seguiu práticas adequadas para uma instituição de seu tipo. Por que tal diferença? Suspeito que os alemães tenham tamanha fobia da inflação - a ponto de colocar em risco sua moeda única - porque a sabedoria popular alemã diz que a inflação causou o colapso da República de Weimar, o fim da democracia e a ascensão dos nazistas. Ninguém no Brasil deseja ver o retorno da inflação, mas a experiência inflacionária brasileira foi menos traumática, pois não levou ao colapso do sistema político. O único problema é que a sabedoria popular alemã está errada. Os estudos modernos concordam que não foi a hiperinflação dos anos 20, e sim a Grande Depressão e o alto desemprego dos anos 30 que fomentaram o apoio político aos nazistas. Ao exigir do BCE que apague imediatamente todas as fagulhas de inflação - algo que, no ambiente atual, só agrava o desemprego -, a Alemanha está portanto alimentando justamente o problema do extremismo político que o pais tanto teme. Não será fácil contrariar a sabedoria popular alemã, algo que, por sua vez, não nos dá muita esperança de uma solução amena para a crise da zona do euro. Mas, no Brasil, a situação é mais alegre. Os brasileiros aprenderam a lição certa com sua própria crise inflacionária. Fortalecer as regras fiscais sob as quais os governos estaduais operam. Dar ao banco central independência estatutária. E então se afastar para que o banco central possa fazer seu trabalho. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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