Anísio Teixeira, morte sob suspeita
Autor(es): » RENATO ALVES » GIZELLA RODRIGUES
Correio Braziliense - 18/08/2012
Professor baiano diz que o ex-reitor da Universidade de Brasília teria sido sequestrado, torturado e morto por agentes da repressão em 1971 — e não caído acidentalmente em um poço de elevador, no Rio, segundo a versão oficial. O caso será investigado pela Comissão da Verdade da UnB.
Comissão de Memória e Verdade da UnB investiga nova versão sobre o fim da vida do ex-reitor da instituição. Segundo depoimento, ele teria sido sequestrado e torturado por agentes da repressão antes de ser morto
Anísio Teixeira morreu a pancadas, após ser sequestrado, levado para uma unidade da Aeronáutica e torturado por agentes da ditadura, em 1971. A nova versão para a morte do ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) é investigada pela Comissão de Memória e Verdade, criada pela instituição de ensino superior. Na história oficial, contada pelos militares, ele perdeu a vida após cair acidentalmente no poço do elevador de serviço do prédio onde morava o amigo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em Botafogo, no Rio de Janeiro.
A recente explicação foi apresentada à comissão da UnB pelo professor João Augusto de Lima Rocha, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Biógrafo de Anísio Teixeira, ele disse saber do assassinato por meio de duas fontes. Uma é o ex-governador baiano Luís Viana Filho (1967-1971), acionado pelos familiares de Teixeira após ele desaparecer, em 11 de março de 1971. "A família do ex-reitor entrou em contato com o então governador da Bahia pedindo ajuda para encontrá-lo. Viana Filho foi informado por agentes do Rio de Janeiro que o educador estava detido na Aeronáutica", contou Lima Rocha.
Essa detenção nunca havia sido revelada pelos militares, pelo ex-governador nem pelo professor, apesar de Viana Filho e Lima Rocha terem publicado biografias de Anísio Teixeira. Outra fonte do professor é o também docente e crítico literário Afrânio Coutinho. "Em uma entrevista para o livro (a biografia de Teixeira), ele me contou ter presenciado a necropsia do corpo do ex-reitor. Disse ter visto quase todos os ossos quebrados, o que indica a tortura", lembrou Lima Rocha. Teixeira ainda teve traumatismo na cabeça e no ombro, devido a pancadas com objeto de forma cilíndrica, possivelmente feito de madeira, de acordo com o apurado por seu biógrafo.
A família do ex-reitor da Universidade de Brasília admite a versão contada pelo professor Lima Rocha, que a apresentou à Comissão de Memória e Verdade da universidade na semana passada. Anísio Teixeira morreu em 13 de março de 1971. Oficialmente, o educador teria sofrido uma queda acidental no fosse do elevador no momento em que subia ao apartamento do amigo Aurélio Buarque de Holanda.
"Subversão"
A Comissão da Verdade da UnB reúne documentos para apurar a morte de Anísio Teixeira, como o relato de Afrânio Coutinho, registrado nos arquivos da Academia Brasileira de Letras. "Por lei, só poderíamos ter acesso a esse documento em 2021, mas, com as prerrogativas da comissão, vamos tentar uma cópia dele o mais rápido possível", explicou o professor José Otávio Nogueira Guimarães, do Departamento de História da UnB e integrante do grupo.
Quando desapareceu, Anísio Teixeira estaria com documentos do Partido Comunista, do qual o filho fazia parte. "Isso foi relatado pelo filho dele (do Anísio). Ele contou ainda que o pai vinha sendo ameaçado de morte", disse Lima Rocha. "Os depoimentos revelados até agora confirmam que a hipótese de ele (o ex-reitor) ter sido morto pelos ditadores é plausível", afirmou Guimarães.
A UnB formou a própria Comissão da Verdade após série de reportagens do Correio, publicada em abril. Elas mostraram como os militares atuaram na instituição de ensino superior. Entre outras revelações, o jornal comprovou que o governo continuou a espionar a comunidade universitária durante a democracia. Mostrou ainda que, para os agentes da repressão, os primeiros reitores da UnB nomeados pelos militares não tinham pulso firme para conter as ações contra a ditadura no câmpus. Mais de uma vez, os espiões pediram a troca de comando na instituição e foram atendidos.
Então diretor da Faculdade de Medicina Ribeirão Preto (SP) e ex-secretário de Saúde do estado de São Paulo, o médico Zeferino Vaz foi o primeiro reitor da UnB nomeado pelo governo. Ele tomou posse em 13 de abril de 1964, após o regime extinguir o mandato de Anísio Teixeira. Para justificar tal mudança, os militares se basearam em relatórios do SNI.
Entre outras observações e conclusões, os arapongas afirmam que, na gestão de Teixeira, "chegou-se a preparar, no próprio câmpus, a mobilização da luta armada. A população foi conclamada a estruturar-se numa frente estudantil-operária-camponesa". Diante desse quadro, em 9 de abril de 1964, nove dias após o golpe militar, tropas do Exército e da PM de Minas invadiram a UnB sob a alegação de investigar denúncias de "subversão e indisciplina".
Perfil
Pioneiro na educação Como educador, o baiano Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) viajou à Europa e aos Estados Unidos para observar os sistemas escolares. No Brasil, defendeu o conceito de escola única, pública e gratuita como forma de garantir a democracia. Foi o primeiro a tratar a educação com base filosófica. Instituiu na Bahia, em 1950, a primeira escola parque, que procurava oferecer à criança uma escola integral. Fundou a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) da UnB.
Repressão na academia
Com o golpe instaurado em 1964, os militares aterrorizaram a UnB
9 de abril de 1964
Nove dias após o golpe militar, tropas do Exército e da PM de Minas Gerais invadem a UnB sob a alegação de investigar denúncias de "subversão e indisciplina". Prendem 12 professores para interrogatório. No mesmo mês, a ditadura extingue o mandato do reitor, Anísio Teixeira. No lugar dele, é nomeado o médico Zeferino Vaz.
8 de setembro de 1965
Professores entram em greve por 24h em resposta à demissão dos colegas Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas, afastados por "conveniência da administração". Dias depois, os alunos aderem ao movimento. O reitor, Laerte Ramos de Carvalho, pede o envio de tropas ao câmpus.
11 outubro de 1965
As tropas chegam durante a madrugada e cercam as entradas do câmpus. Alunos e professores são impedidos de ter acesso aos prédios. Os soldados também proíbem qualquer agrupamento de pessoas.
18 de outubro de 1965
Pedem demissão 223 dos 305 professores da UnB, após a publicação de lista de desligamento de 15 colegas. Zeferino Vaz renuncia e o professor de filosofia Laerte Ramos de Carvalho assume a reitoria.
28 de março de 1968
Comandados por Honestino Guimarães, cerca de 3 mil alunos da UnB protestam contra a morte do estudante secundarista Edson Luis, morto por PMs no Rio de Janeiro. Sete universitários acabam detidos, entre eles, Honestino (foto), que seria dado como desaparecido após ser preso por militares da Marinha, no Rio, em 1973.
29 de agosto de 1968
A UnB é invadida pelas polícias Militar, Civil, Política (DOPS) e do Exército. O estudante Waldemar Alves é baleado na cabeça e passa meses em estado grave no hospital.
25 de maio de 1976
Doutor em física e oficial da Marinha, José Carlos de Almeida Azevedo assume a reitoria. Recomeçam as manifestações. Alunos protestam contra a má qualidade do ensino, a ociosidade e a falta de professores.
1977
A UnB sofre três invasões militares no ano. Em 31 de maio, estudantes decidem entrar em greve por tempo indeterminado. O reitor, José Azevedo, chama a PM para intimidar os universitários. A reitoria pune 64 estudantes com expulsão ou suspensão de prazos diversos.
1984 e 1985
Em maio de 1984, a comunidade universitária elege o professor Cristovam Buarque para reitor. Mas ele toma posse apenas em 26 de julho de 1985. Nesse período, os militares tentaram empossar no cargo um nome escolhido pelo presidente João Figueiredo, o último ditador no poder. Professores resistiram e criou-se o impasse por meses.
Autor(es): » RENATO ALVES » GIZELLA RODRIGUES
Correio Braziliense - 18/08/2012
Professor baiano diz que o ex-reitor da Universidade de Brasília teria sido sequestrado, torturado e morto por agentes da repressão em 1971 — e não caído acidentalmente em um poço de elevador, no Rio, segundo a versão oficial. O caso será investigado pela Comissão da Verdade da UnB.
Comissão de Memória e Verdade da UnB investiga nova versão sobre o fim da vida do ex-reitor da instituição. Segundo depoimento, ele teria sido sequestrado e torturado por agentes da repressão antes de ser morto
Anísio Teixeira morreu a pancadas, após ser sequestrado, levado para uma unidade da Aeronáutica e torturado por agentes da ditadura, em 1971. A nova versão para a morte do ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) é investigada pela Comissão de Memória e Verdade, criada pela instituição de ensino superior. Na história oficial, contada pelos militares, ele perdeu a vida após cair acidentalmente no poço do elevador de serviço do prédio onde morava o amigo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em Botafogo, no Rio de Janeiro.
A recente explicação foi apresentada à comissão da UnB pelo professor João Augusto de Lima Rocha, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Biógrafo de Anísio Teixeira, ele disse saber do assassinato por meio de duas fontes. Uma é o ex-governador baiano Luís Viana Filho (1967-1971), acionado pelos familiares de Teixeira após ele desaparecer, em 11 de março de 1971. "A família do ex-reitor entrou em contato com o então governador da Bahia pedindo ajuda para encontrá-lo. Viana Filho foi informado por agentes do Rio de Janeiro que o educador estava detido na Aeronáutica", contou Lima Rocha.
Essa detenção nunca havia sido revelada pelos militares, pelo ex-governador nem pelo professor, apesar de Viana Filho e Lima Rocha terem publicado biografias de Anísio Teixeira. Outra fonte do professor é o também docente e crítico literário Afrânio Coutinho. "Em uma entrevista para o livro (a biografia de Teixeira), ele me contou ter presenciado a necropsia do corpo do ex-reitor. Disse ter visto quase todos os ossos quebrados, o que indica a tortura", lembrou Lima Rocha. Teixeira ainda teve traumatismo na cabeça e no ombro, devido a pancadas com objeto de forma cilíndrica, possivelmente feito de madeira, de acordo com o apurado por seu biógrafo.
A família do ex-reitor da Universidade de Brasília admite a versão contada pelo professor Lima Rocha, que a apresentou à Comissão de Memória e Verdade da universidade na semana passada. Anísio Teixeira morreu em 13 de março de 1971. Oficialmente, o educador teria sofrido uma queda acidental no fosse do elevador no momento em que subia ao apartamento do amigo Aurélio Buarque de Holanda.
"Subversão"
A Comissão da Verdade da UnB reúne documentos para apurar a morte de Anísio Teixeira, como o relato de Afrânio Coutinho, registrado nos arquivos da Academia Brasileira de Letras. "Por lei, só poderíamos ter acesso a esse documento em 2021, mas, com as prerrogativas da comissão, vamos tentar uma cópia dele o mais rápido possível", explicou o professor José Otávio Nogueira Guimarães, do Departamento de História da UnB e integrante do grupo.
Quando desapareceu, Anísio Teixeira estaria com documentos do Partido Comunista, do qual o filho fazia parte. "Isso foi relatado pelo filho dele (do Anísio). Ele contou ainda que o pai vinha sendo ameaçado de morte", disse Lima Rocha. "Os depoimentos revelados até agora confirmam que a hipótese de ele (o ex-reitor) ter sido morto pelos ditadores é plausível", afirmou Guimarães.
A UnB formou a própria Comissão da Verdade após série de reportagens do Correio, publicada em abril. Elas mostraram como os militares atuaram na instituição de ensino superior. Entre outras revelações, o jornal comprovou que o governo continuou a espionar a comunidade universitária durante a democracia. Mostrou ainda que, para os agentes da repressão, os primeiros reitores da UnB nomeados pelos militares não tinham pulso firme para conter as ações contra a ditadura no câmpus. Mais de uma vez, os espiões pediram a troca de comando na instituição e foram atendidos.
Então diretor da Faculdade de Medicina Ribeirão Preto (SP) e ex-secretário de Saúde do estado de São Paulo, o médico Zeferino Vaz foi o primeiro reitor da UnB nomeado pelo governo. Ele tomou posse em 13 de abril de 1964, após o regime extinguir o mandato de Anísio Teixeira. Para justificar tal mudança, os militares se basearam em relatórios do SNI.
Entre outras observações e conclusões, os arapongas afirmam que, na gestão de Teixeira, "chegou-se a preparar, no próprio câmpus, a mobilização da luta armada. A população foi conclamada a estruturar-se numa frente estudantil-operária-camponesa". Diante desse quadro, em 9 de abril de 1964, nove dias após o golpe militar, tropas do Exército e da PM de Minas invadiram a UnB sob a alegação de investigar denúncias de "subversão e indisciplina".
Perfil
Pioneiro na educação Como educador, o baiano Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) viajou à Europa e aos Estados Unidos para observar os sistemas escolares. No Brasil, defendeu o conceito de escola única, pública e gratuita como forma de garantir a democracia. Foi o primeiro a tratar a educação com base filosófica. Instituiu na Bahia, em 1950, a primeira escola parque, que procurava oferecer à criança uma escola integral. Fundou a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) da UnB.
Repressão na academia
Com o golpe instaurado em 1964, os militares aterrorizaram a UnB
9 de abril de 1964
Nove dias após o golpe militar, tropas do Exército e da PM de Minas Gerais invadem a UnB sob a alegação de investigar denúncias de "subversão e indisciplina". Prendem 12 professores para interrogatório. No mesmo mês, a ditadura extingue o mandato do reitor, Anísio Teixeira. No lugar dele, é nomeado o médico Zeferino Vaz.
8 de setembro de 1965
Professores entram em greve por 24h em resposta à demissão dos colegas Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas, afastados por "conveniência da administração". Dias depois, os alunos aderem ao movimento. O reitor, Laerte Ramos de Carvalho, pede o envio de tropas ao câmpus.
11 outubro de 1965
As tropas chegam durante a madrugada e cercam as entradas do câmpus. Alunos e professores são impedidos de ter acesso aos prédios. Os soldados também proíbem qualquer agrupamento de pessoas.
18 de outubro de 1965
Pedem demissão 223 dos 305 professores da UnB, após a publicação de lista de desligamento de 15 colegas. Zeferino Vaz renuncia e o professor de filosofia Laerte Ramos de Carvalho assume a reitoria.
28 de março de 1968
Comandados por Honestino Guimarães, cerca de 3 mil alunos da UnB protestam contra a morte do estudante secundarista Edson Luis, morto por PMs no Rio de Janeiro. Sete universitários acabam detidos, entre eles, Honestino (foto), que seria dado como desaparecido após ser preso por militares da Marinha, no Rio, em 1973.
29 de agosto de 1968
A UnB é invadida pelas polícias Militar, Civil, Política (DOPS) e do Exército. O estudante Waldemar Alves é baleado na cabeça e passa meses em estado grave no hospital.
25 de maio de 1976
Doutor em física e oficial da Marinha, José Carlos de Almeida Azevedo assume a reitoria. Recomeçam as manifestações. Alunos protestam contra a má qualidade do ensino, a ociosidade e a falta de professores.
1977
A UnB sofre três invasões militares no ano. Em 31 de maio, estudantes decidem entrar em greve por tempo indeterminado. O reitor, José Azevedo, chama a PM para intimidar os universitários. A reitoria pune 64 estudantes com expulsão ou suspensão de prazos diversos.
1984 e 1985
Em maio de 1984, a comunidade universitária elege o professor Cristovam Buarque para reitor. Mas ele toma posse apenas em 26 de julho de 1985. Nesse período, os militares tentaram empossar no cargo um nome escolhido pelo presidente João Figueiredo, o último ditador no poder. Professores resistiram e criou-se o impasse por meses.
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