Autor(es): Wilson Gotardello Filho
Época - 30/05/2011
Pensador elogia a democracia na América Latina, mas alerta contra o avanço do tráfico de drogas
O intelectual Francis Fukuyama já chegou a decretar o fim da história quando o capitalismo venceu o comunismo na Europa. Também acreditou na possibilidade de os Estados Unidos exportarem a democracia para partes do mundo sob ditaduras. Conhecido neoconservador até a guerra no Iraque, distanciou-se do grupo após a invasão de 2003 e passou a alertar para as dificuldades na tentativa de impor mudanças profundas em outras nações. Faz sentido que em seu novo livro, The origins of political order (As origens da ordem política), ele explore a história da construção de instituições sólidas, baseadas na lei. Ou seja, a história da luta pela democracia. Para ele, a América Latina segue no rumo certo, mas o resultado das revoluções árabes ainda é uma incógnita.
ENTREVISTA - FRANCIS FUKUYAMA
ÉPOCA – Como o senhor avalia a evolução das democracias na América Latina?
Francis Fukuyama – A situação das democracias na América Latina é ótima. Três presidentes deixaram o cargo com recorde de aprovação, (Álvaro) Uribe na Colômbia, (Michelle) Bachelet no Chile e Lula no Brasil. Não existe outro lugar no mundo em que você consegue governar por dois mandatos e se manter popular dessa maneira. Eu já fui inflexível com as democracias latino-americanas, mas hoje acredito que as instituições estejam mais fortes. Essa estabilidade é uma das razões do desempenho tão positivo da economia brasileira. Outro aspecto é a diminuição da desigualdade de maneira geral. E isso acontece devido à liberalização da economia e também a políticas sociais bem executadas.
ÉPOCA – O senhor vê a democracia também se consolidando na Venezuela?
Fukuyama – Chávez tem sido um desastre, mas acredito que ele seja mais um sintoma dos problemas da Venezuela. O país tem uma desigualdade profunda, se atrapalhou com o uso dos recursos vindos do petróleo e criou uma situação que deu origem à ascensão de Chávez.
ÉPOCA – Os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, são considerados os grandes aliados de Chávez na região. Como o senhor vê o futuro desses governos?
Fukuyama – Eles são bastante distintos. Correa é um político muito mais inteligente que Chávez. Ele não causou tantos danos ao país até agora como Chávez fez na Venezuela. Já Evo Morales faz algumas coisas que eu não gosto, como essa imposição da identidade indígena. O que vai ajudar a população indígena é a integração e inserção em um mercado de trabalho mais amplo, falando espanhol e se inserindo no mundo. Ficar preso aos idiomas indígenas não vai ajudar em nada. Mas se trata de uma mudança histórica que reflete a realidade. A população indígena que tomou o poder está agora se inserindo no sistema, e isso é positivo.
ÉPOCA – Qual é sua avaliação da situação da democracia na Argentina?
Fukuyama – Precisamos sempre medir o desempenho de um país em relação a seu potencial. E a Argentina tem sido um dos maiores desastres da América Latina. Em termos de recursos naturais, clima e população, a Argentina deveria ser um país como o Canadá, próspero, rico, bem governado e democrático. Mas é uma bagunça.
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa bagunça?
Fukuyama – Os Kirchners são apenas os últimos de uma lista de políticos muito ruins, que não administraram a economia da maneira correta e não aprenderam com os erros que cometeram. Eles sempre voltam para as mesmas políticas populistas, desde o governo de (Juan Domingos) Perón. Esse tipo de populismo que eles praticam não ajuda em nada. Por um período, pareceu que eles estavam se tornando um país moderno, mas isso nunca aconteceu de fato.
ÉPOCA – O senhor é um conhecido crítico do clientelismo. O que os países podem fazer para combater essa prática?
Fukuyama – Acredito que o clientelismo seja uma consequência da pobreza e da falta de investimentos em educação. Esse problema também existiu na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, no século XIX. Depois tivemos grupos que limparam o cenário político. Eu vejo que a mesma coisa está acontecendo no Brasil. Estou ciente dos esforços para a criação de leis que condenam políticos e já ouvi falar de políticos que foram condenados no Brasil. Se você é um brasileiro bem instruído ou um empresário com conexões internacionais, não vai querer lidar com esse tipo de político. Então, a melhora de qualidade dos políticos depende do eleitorado brasileiro. Mas é um processo lento.
ÉPOCA – Mas o senhor enxerga uma solução para o problema?
Fukuyama – Sim, e a solução não está apenas ligada à prosperidade econômica do país. Está ligada à modernização, ao investimento em educação e ao desenvolvimento de uma classe média forte.
ÉPOCA – Qual é o maior desafio para as democracias na América Latina hoje?
Fukuyama – Eu acredito que seja a segurança dos cidadãos. Hoje nós temos o tráfico de drogas, que está se espalhando cada vez mais. Se não resolvermos esse problema, não teremos democracias bem-sucedidas na região.
ÉPOCA – No mundo árabe, qual deverá ser o resultado a longo prazo das revoluções em países como Tunísia e Egito?
Fukuyama – Acredito que as pessoas vão se decepcionar. Existe um grande fervor das pessoas, mas não há organização. Aqueles que realmente querem democracia na Tunísia e no Egito não estão bem organizados, e os organizados não necessariamente querem democracia. Então vai levar um tempo para que as coisas se resolvam. Acredito que a Tunísia esteja melhor que o Egito, porque lá o Exército e o islã estão mais fracos. Mas pelo menos esses dois países não têm os mesmos problemas tribais e étnicos que outros têm na região.
ÉPOCA – Qual deverá ser o papel dos grupos islâmicos, em especial a Irmandade Muçulmana, nesse processo de reconstrução dos dois países?
Fukuyama – Até agora eles estão fazendo um papel democrático, mas isso foi o que (o aiatolá) Khomeini dizia na Revolução Iraniana. Tenho certeza de que parte da Irmandade Muçulmana gostaria de sequestrar essa revolução e criar um Estado islâmico, assim como outros talvez estejam realmente interessados em democracia. Eu consigo imaginar um final muito bom e um final muito ruim para essa história.
ÉPOCA – Podemos ver alguma revolução na China?
Fukuyama – A China tem um modelo muito poderoso, de muito sucesso, autoritário, que está passando por um processo de modernização. Acredito que eles possam vir a enfrentar resistências por parte da população, mas não acredito que isso vá acontecer em breve. Eles estão crescendo muito rápido, há muitas oportunidades para todo mundo, e a população percebe isso.
ÉPOCA – A Europa passa por uma crise econômica e política. Quais são os maiores desafios para as democracias europeias?
Fukuyama – As reações aos imigrantes ilegais é um grande desafio, pois podem levar a políticas populistas. Mas eles também têm pela frente a renegociação dos contratos sociais, porque o estado de bem-estar social da maioria dos países europeus não é sustentável.
QUEM É
Americano de 58 anos, casado e com três filhos, Fukuyama é Ph.D. em ciências políticas pela Universidade Harvard e professor da Universidade Stanford (EUA)
O QUE FEZ
Criou a tese do “fim da história”, baseada na vitória do liberalismo, após o fim do comunismo na Europa
O QUE PUBLICOU
O fim da história e o último homem (1992), Construção de Estados (2004) e Depois dos neoconservadores (2006), entre outros
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