Duas tragédias que chocaram o país nos 10 últimos dias não parecem, à primeira vista, ter algo em comum. O que poderia ligar a destruição causada pelas chuvas inclementes no Rio de Janeiro à prisão do psicopata que molestou e assassinou seis adolescentes em Luziânia (GO)?
A resposta não é tão óbvia, mas acaba saltando aos olhos. A omissão, o despreparo e a irresponsabilidade na gestão pública perpassam os dois dramas e explicam, em larga escala, o resultado final de mortes e sofrimento.
O cenário de cataclisma no Grande Rio, que trouxe de volta à mente imagens dos terremotos no Haiti e no Chile, teve origem natural, mas as consequências estão repletas da participação humana. Mais precisamente, participação de homens públicos. Diante da violência das chuvas — atípica, é verdade —, a desordem urbana, semeada por décadas de populismo e interesses eleitorais, transformou-se em lama, escombros e corpos inertes.
O símbolo maior dessa desfaçatez política é o Morro do Bumba, em Niterói. Erguida sobre um lixão, a favela praticamente se desintegrou. O prefeito sabia que se tratava de uma área imprópria para moradias. Vereadores sabiam. Deputados sabiam. Provavelmente, o governador também sabia. Mas a comunidade do Bumba rendia votos, e o poder público fez vista grossa até a noite da tragédia.
Adimar Jesus da Silva é também produto de uma gestão pública incompetente. Nesse caso, da Justiça. Preso e condenado a 15 anos por molestar duas crianças no fim de 2005, acabou ganhando a liberdade em apenas quatro anos. Livre para matar, começou a série de assassinatos uma semana depois de deixar a cadeia.
Com base nos preceitos da progressão penal e em um relatório psiquiátrico que descreveu o preso como “polido e coerente”, o juiz achou por bem permitir que Adimar voltasse ao convívio da sociedade. De forma surrealista, foi ignorado um laudo produzido um ano e sete meses antes. Nele, o monstro vinha à tona: “Sinais de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro”.
Com os fatos consumados, resta o jogo de esconde-esconde. Ninguém sabe como foi aprovada a construção de aparatos sociais no Bumba, como posto médico e comércio. Nos corredores da Justiça, documentos estão desaparecidos e nomes de personagens são difíceis de lembrar. A sociedade, incrédula, espera pelo próximo capítulo. |
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