quarta-feira, 7 de abril de 2010

Um freio para Evo


O Estado de S. Paulo - 07/04/2010


Embalado pelos folgados 64% dos votos com que foi reeleito e pela maioria inédita que o seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), obteve na disputa pelo Senado, em dezembro último, o presidente da Bolívia, Evo Morales, foi com tudo para a campanha das eleições regionais em seu país, domingo passado. À maneira do seu mentor venezuelano Hugo Chávez, tratou os adversários como "conspiradores" e adotou a tática da intimidação política, mandando processar diversos opositores, por corrupção ou "terrorismo". Dois ex-governadores e o então candidato a prefeito da capital, La Paz, entre outros, acharam mais prudente refugiar-se no exterior, em vez de testar a independência do Judiciário.

Além de recorrer aos métodos característicos da "democracia bolivariana", Morales empenhou-se pessoalmente nos embates eleitorais, na expectativa de que o desfecho das disputas para os 2.500 cargos em jogo (entre governadores, prefeitos, deputados departamentais, vereadores, corregedores e funções reservadas para autoridades indígenas) representasse um avanço para o seu projeto de transformar a Bolívia no desintegrador Estado Plurinacional previsto na Constituição de 2009. Para tanto, era essencial quebrar a hegemonia da oposição na chamada "meia-lua" ? formada pelos departamentos de Santa Cruz (30% do PIB boliviano), Beni, Tarija e Pando, cujo perfil socioeconômico contrasta com o da paupérrima região do Altiplano, de maioria indígena.

As coisas, afinal, não saíram exatamente como o presidente queria ? e muito menos corresponderam à intensidade do seu engajamento em tempo integral na campanha. Segundo projeções da imprensa local, com base nos resultados parciais das apurações, embora tivesse levado a melhor em 5 dos 9 departamentos, o governo foi derrotado em 7 das 10 principais cidades do país. O MAS venceu nas províncias de La Paz, Oruro, Potosí e Cochabamba, que já dominava, e tomou Chuquisaca da oposição. Tornou a perder em Santa Cruz, Beni e Tarija (onde se situam as maiores reservas de gás do país). Em Pando, o quadro permanecia incerto até ontem. Domingo à noite, Morales cantou vitória, celebrando os números que lhe são favoráveis. Mas calou sobre as incômodas preferências do eleitorado das capitais.

Dois resultados devem tê-lo abalado especialmente. O de La Paz, onde perdeu, e o da vizinha El Alto, onde venceu. A capital do país sempre foi um reduto bolivariano, mas desta vez a maioria não se alinhou com o governo. Já na cidade-satélite, outro baluarte do MAS, o seu candidato obteve 39% dos votos, o suficiente para assumir a prefeitura. Ali, no entanto, Morales se elegera e reelegera com votação superior a 70%. Fatores estritamente locais talvez tenham influído na surpreendente erosão de votos governistas, mas não se pode esquecer de que a campanha foi conduzida em termos político-ideológicos. "Há uma clara divisão ideológica entre o que quer o governo, estatista, de esquerda e indígena, e o que buscam as regiões opositoras, liberais, pró-mercado", dizia, antes do pleito, o cientista político boliviano Carlos Cordero, da Universidade San Andrés.

Para o sociólogo Ricardo Paz, da mesma universidade, "a votação restabeleceu um certo equilíbrio político na Bolívia, quando o país caminhava para a hegemonia de Evo". Em linhas gerais, o mapa político do país não passou por uma reviravolta, mas algumas de suas linhas se tornaram mais nítidas. Enquanto o eleitorado rural foi decisivo para os avanços do presidente, "a Bolívia urbana mostrou que quer frear o projeto de Evo", aponta o cientista político Gonzálo Chávez, da Universidade Católica Boliviana. Ele se refere, naturalmente, ao Estado Plurinacional que pulverizará as instituições do país, com a multiplicação de instâncias locais de governo e justiça dotadas de ampla autonomia.

Parcela significativa do eleitorado, portanto, começou a dizer "não" a Morales, fincando, com a ferramenta essencial do sistema democrático, resistências à construção de uma autocracia chavista no país.

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