quinta-feira, 22 de abril de 2010

Impunes, eles vão atacar de novo




A abolição do celibato é apontada agora como solução para os casos de abuso sexual na Igreja. Expulsar e punir os padres pedófilos seria mais eficiente
Ana Claudia Fonseca


No quadro As Tentações de Santo Antão, do pintor holandês Cornelis Massys (1513-1579), um monge desvia o olhar, pudico, de duas mulheres nuas. O monge é Antão, um rico egípcio que no século III abandonou a família e abriu mão de sua fortuna para adotar uma vida de privações e abstinência sexual. Prática que acompanha o cristianismo desde o seu início e que a Igreja Católica tornou obrigatória para seus sacerdotes no século XII, o celibato agora está levando a culpa pelos crimes de pedofilia cometidos por padres na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Nas últimas semanas, a revelação de documentos de paróquias alemãs e de cartas enviadas pelo Vaticano a bispos americanos deu indícios de que o papa Bento XVI, quando ainda era apenas cardeal, ajudou a encobrir o abuso de menores por parte de padres católicos. Pressionado, o Vaticano divulgou na semana passada a íntegra de uma norma de 2003 na qual recomenda que as denúncias de abuso sexual na Igreja devem ser comunicadas não apenas à Congregação da Doutrina da Fé, o tribunal canônico, mas também à Justiça civil. Além de dar mais transparência às regras internas para lidar com desvios sexuais dos clérigos, o papa estuda tornar a pedofilia um crime imprescritível. Atualmente, o delito deixa de ser punido pela Igreja dez anos após a vítima ter atingido a maioridade. A pena máxima para um padre pedófilo é a excomunhão.



A abstinência sexual não é um dogma da Igreja. Trata-se de uma disciplina espiritual que assumiu a força de lei eclesiástica com o passar dos anos. Muitos pensadores do início do cristianismo não viam sentido no casamento, pois consideravam que o apocalipse estava próximo e que no reino de Deus todos seriam anjos, portanto assexuados. Embora os escritos indiquem que Jesus Cristo não era casado, acredita-se que os seus discípulos o eram. Segundo consta no Evangelho de São Mateus, Pedro tinha uma sogra e, portanto, uma esposa. Já o apóstolo Paulo recomendava o celibato, mas aceitava o casamento para quem não era forte o bastante para seguir esse modo de vida. Durante os primeiros séculos do cristianismo, no entanto, o celibato era principalmente uma escolha pessoal cujo objetivo era o melhoramento espiritual e moral. A maioria dos padres e alguns papas, como Adriano II (792-872), contudo, eram casados. O celibato na vida sacerdotal começou a ser valorizado no século XI, quando ganhou força a ideia de que esse era um sinal de devoção que aproximava o clero de Deus. O Concílio de Latrão, em 1123, instituiu o celibato entre os padres. Como eles continuaram mantendo amantes e tendo filhos, a Igreja, temendo perder dinheiro e terras para herdeiros bastardos, decretou durante o Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, o celibato como "um estado de vida superior", impondo a excomunhão a padres e freiras que o violassem. A norma vale até hoje. As únicas exceções são os diáconos, homens casados com autorização da Igreja para celebrar casamentos e batismos, os sacerdotes católicos de rito oriental, como os maronitas, e os padres anglicanos que aceitem se converter ao catolicismo.

Na semana passada, o secretário de estado do Vaticano, Tarcisio Bertone, descartou a possibilidade de a Igreja iniciar discussões para rever a regra do celibato, conforme sugeriram alguns bispos e padres europeus no calor dos recentes escândalos de pedofilia. Para os sacerdotes reformistas que defendem o fim do voto de castidade, a abstinência sexual não é uma prática saudável porque reprime impulsos sexuais naturais e, como consequência, acaba levando a perversões. "Isso não faz sentido porque, se um padre não resiste aos desejos sexuais, pode perfeitamente buscar uma pessoa adulta para satisfazê-los. Não há nenhuma razão para romper a castidade justamente com uma criança", diz Thomas Plante, professor de psicologia da Universidade Santa Clara, na Califórnia, e autor do livro Perdoe-Me Pai, Pois Eu Pequei – Perspectivas sobre Abusos Sexuais Cometidos por Padres Católicos, lançado nos Estados Unidos em 1999. O mesmo argumento serve para rechaçar a afirmação de Bertone de que os abusos de menores estão relacionados à homossexualidade. A psicologia considera a pedofilia um distúrbio independente de outras práticas sexuais. São comuns os casos de abusadores de meninos que não têm atração por adultos do sexo masculino. Nem todo pedófilo, portanto, é celibatário ou homossexual, da mesma forma que nem todos os solteiros ou gays molestam crianças. Disse a VEJA Ernie Allen, presidente do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, dos Estados Unidos: "O fato de haver tantas denúncias de pedofilia envolvendo padres deve-se ao modo como a Igreja lida com o assunto, apenas mudando os acusados de paróquia, sem afastá-los de suas atividades. Isso dá oportunidade a eles para atacar de novo".

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