Ana Claudia Fonseca
No quadro As Tentações de Santo Antão, do pintor holandês Cornelis Massys (1513-1579), um monge desvia o olhar, pudico, de duas mulheres nuas. O monge é Antão, um rico egípcio que no século III abandonou a família e abriu mão de sua fortuna para adotar uma vida de privações e abstinência sexual. Prática que acompanha o cristianismo desde o seu início e que a Igreja Católica tornou obrigatória para seus sacerdotes no século XII, o celibato agora está levando a culpa pelos crimes de pedofilia cometidos por padres na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Nas últimas semanas, a revelação de documentos de paróquias alemãs e de cartas enviadas pelo Vaticano a bispos americanos deu indícios de que o papa Bento XVI, quando ainda era apenas cardeal, ajudou a encobrir o abuso de menores por parte de padres católicos. Pressionado, o Vaticano divulgou na semana passada a íntegra de uma norma de 2003 na qual recomenda que as denúncias de abuso sexual na Igreja devem ser comunicadas não apenas à Congregação da Doutrina da Fé, o tribunal canônico, mas também à Justiça civil. Além de dar mais transparência às regras internas para lidar com desvios sexuais dos clérigos, o papa estuda tornar a pedofilia um crime imprescritível. Atualmente, o delito deixa de ser punido pela Igreja dez anos após a vítima ter atingido a maioridade. A pena máxima para um padre pedófilo é a excomunhão.
A abstinência sexual não é um dogma da Igreja. Trata-se de uma disciplina espiritual que assumiu a força de lei eclesiástica com o passar dos anos. Muitos pensadores do início do cristianismo não viam sentido no casamento, pois consideravam que o apocalipse estava próximo e que no reino de Deus todos seriam anjos, portanto assexuados. Embora os escritos indiquem que Jesus Cristo não era casado, acredita-se que os seus discípulos o eram. Segundo consta no Evangelho de São Mateus, Pedro tinha uma sogra e, portanto, uma esposa. Já o apóstolo Paulo recomendava o celibato, mas aceitava o casamento para quem não era forte o bastante para seguir esse modo de vida. Durante os primeiros séculos do cristianismo, no entanto, o celibato era principalmente uma escolha pessoal cujo objetivo era o melhoramento espiritual e moral. A maioria dos padres e alguns papas, como Adriano II (792-872), contudo, eram casados. O celibato na vida sacerdotal começou a ser valorizado no século XI, quando ganhou força a ideia de que esse era um sinal de devoção que aproximava o clero de Deus. O Concílio de Latrão, em 1123, instituiu o celibato entre os padres. Como eles continuaram mantendo amantes e tendo filhos, a Igreja, temendo perder dinheiro e terras para herdeiros bastardos, decretou durante o Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, o celibato como "um estado de vida superior", impondo a excomunhão a padres e freiras que o violassem. A norma vale até hoje. As únicas exceções são os diáconos, homens casados com autorização da Igreja para celebrar casamentos e batismos, os sacerdotes católicos de rito oriental, como os maronitas, e os padres anglicanos que aceitem se converter ao catolicismo.
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