Autor(es): Marcos Sá Correa
O Estado de S. Paulo - 23/04/2010
Os brasileiros estão se metendo, como sempre sem perceber, numa briga feia com os peruanos. Está em marcha uma invasão do Peru por investimentos do Brasil, com estradas, poços de gás e petróleo, lavras, hidrelétricas, hidrovias, linhões e oleodutos, num "pacote não anunciado oficialmente" que promete transformar aquele filão de Amazônia alheia num fornecedor quase passivo "de energia e de matérias-primas baratas, além de permitir o acesso aos portos do Pacífico".
O ataque econômico está descrito, com forte sotaque de indignação, no livro Amazonia Peruana en 2001, de Marc Douroujeanni, Alberto Barandián e Diego Douroujeanni. O livro se baseia em dados oficiais e desenha "uma hecatombe biológica". E entope o leitor de argumentos ambientais e exemplos históricos para mostrar que, se 100% do que está previsto for feito, lá por 2141 terão escapado da praga desenvolvimentista menos de 30% da Amazônia peruana.
Ora, nós aqui não fazemos nada 100%, dirão os otimistas. O problema, respondem os autores, é que, do ponto de vista dos "impactos ambientais e sociais", os piores projetos são os que têm maiores probabilidades de serem feitos: estradas, exploração madeireira, hidrelétricas, mineração e produção de combustíveis. Há três rodovias e duas ferrovias para ligar o Brasil ao Pacífico. Serão sete as hidrelétricas brasileiras do lado de lá. Uma delas, a de Inambari, ao custo de 40 mil hectares inundados.
Não se trata de plano de desenvolvimento. São propostas empurradas por um acordo de cooperação, concebidas por empresas privadas, estatais e bancos, que o Brasil encabeça com BNDES, Furnas, Eletrobrás e as construtoras OAS, Camargo Correa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão. E há projetos que se sobrepõem ou se anulam. Há uma rodovia prevista para uma área destinada a sumir sob uma hidrelétrica. Só um detalhe parece resguardado: "O interesse dos investidores."
"Não se pode exagerar a dificuldade encontrada para construir a base de dados para esse estudo", dizem os autores. Foi preciso colher informações em "instituições de todo tipo, dentro e fora do país". Os dados mudam "de fonte a fonte". Ou se contradizem em "documentos publicados pela mesma instituição". Isso inclui "cronogramas, dimensões e distâncias, volumes, potências, superfícies" e "montantes de investimento, fontes de financiamento, executores, e o local e os nomes das obras".
O livro saiu no Peru há um mês, com estrondo. O ruído foi ouvido instantaneamente pelos meios acadêmicos dos Estados Unidos e nos gabinetes dos bancos de fomento de Washington. Mas ainda não fez barulho no Brasil. De lá para cá, a fronteira continua remota demais para uma notícia dessas atravessar.
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