sábado, 10 de abril de 2010

Entrevista Sebastián Piñera: Amizade sem fronteiras

Autor(es): Viviane Vaz
Correio Braziliense - 10/04/2010

Após encontro com Lula, presidente do Chile fala ao Correio sobre integração regional, diplomacia, política e futebol

De um lado, um presidente que sofre as consequências de um terremoto de magnitude 8,8 na escala Richter, que matou mais de 500 pessoas em fevereiro. De outro, um presidente que enfrenta os estragos de chuvas intensas na última semana no Rio de Janeiro, que já registrou pelo menos 200 mortes. As tragédias nacionais foram um dos principais temas do encontro de ontem entre o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o chileno Sebastián Piñera, no Palácio do Itamaraty (foto). Mas não foi o único: os dois presidentes aproveitaram a primeira visita oficial de Piñera ao Brasil para assinar acordos de cooperação na área de esportes, educação e promoções de investimentos.

Durante a assinatura de atos, Lula evitou falar da tragédia no Rio, que contará com a burocracia estatal para retardar a ajuda financeira de US$ 200 milhões ao estado em 15 dias, conforme adiantou ontem o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Lula, porém, reiterou a colaboração brasileira com os chilenos e colocou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à disposição para financiamentos nesta área. “O compromisso do Brasil em ajudar o Chile a reerguer-se é concreto e incondicional”, afirmou. “O Chile viu centenas de vidas ceifadas e incontáveis prejuízos à sua infra-estrutura. Neste momento de superação, o Brasil estará ao lado do Chile”, completou Lula. No cargo desde março deste ano, Piñera ofereceu ajuda chilena às vítimas das chuvas no Rio de Janeiro. “Farei o necessário para aliviar o sofrimento das vítimas da tragédia no Rio”, disse Piñera. Segundo o chefe de Estado, o Chile poderia enviar medicamentos ao Brasil.

Os dois presidente acertaram uma visita do presidente Lula ao Chile para o fim do ano, antes de o brasileiro encerrar seu mandato. Piñera também apoiou uma vaga no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Brasil e sugeriu que o país utilize o Chile para exportar produtos para as 58 nações com que o Chile possui tratados de livre comércio. Bem-humorado depois do encontro oficial com Lula, Piñera concedeu uma entrevista exclusiva ao Correio. A reportagem acompanhou Piñera no caminho do Itamaraty à Base Aérea de Brasília e abordou os principais temas de interesse nacional e regional com o presidente chileno.

AMÉRICA LATINA

A ex-presidenta Michele Bachelet trouxe o Chile de volta ao caminho da integração regional, ao participar ativamente de órgãos como a Unasul e a OEA. O senhor vai privilegiar este caminho?
Claro que sim. Acredito muito na integração da América Latina. Mas essa integração tem que ter um objetivo, integrar-nos entre nós para, juntos, integrar-nos com o mundo. E não integrar-nos para construir uma muralha que nos separe do mundo. Por isso, o Chile buscou, simultaneamente, uma integração dentro da América Latina, mas também seguiu o caminho de buscar tratados de livre comércio com as grandes economias do mundo — com a Europa, Estados Unidos e Ásia-Pacífico... E esse caminho o Chile vai manter.

E o senhor apoiaria uma candidatura de Bachelet para secretária-geral da Unasul? É… (Pausa) Há um candidato para a Unasul que o Chile está apoiando agora, que é o ex-presidente da Argentina Néstor Kirchner. Mas sem dúvida que a presidenta Bachelet tem a capacidade e a experiência para manter relações internacionais de alto nível.

O embaixador norte-americano em Bogotá, William Brownfield, mencionou recentemente que há dois países na América Latina com quem poderiam assinar acordos de defesa similares aos que os Estados Unidos têm com a Colômbia. O Chile poderia ser um desses países?
(Pausa) Não está nos planos do Chile um acordo desta natureza.

Em relação ao Peru e à Bolívia… Como o senhor pensa em solucionar as pendências (territoriais e marítimas) com esses países?
Tanto com o Peru quanto com a Bolívia, o Chile tem duas agendas. Uma do passado, que vem do século 19, e que nos separou. E outra é a agenda do futuro, que nos une — a da integração econômica, cultural, física, hídrica, energética, a cooperação conjunta em direção à Ásia-Pacífico. E eu espero poder avançar na agenda do futuro, que produz a unidade. A agenda do passado, no caso do Peru, está radicada na Corte Internacional de Haia, a questão dos limites. E, no caso da Bolívia, temos um diálogo bilateral que vamos seguir adiante.

CHILE

Em seu gabinete de ministros, o senhor incluiu inúmeros ex-empresários. Como administrar e separar o interesse privado do público?
É natural que busquemos os ministros na atividade privada. Na universidade, na profissão e na empresa — com um critério muito restrito de excelência, capacidade, trajetória, vocação de serviço público e honestidade. Todos eles tiveram que se desligar totalmente de suas atividades. A maioria teve que renunciar a posições muito destacadas e rendas muito altas para fazer serviço público. E me parece muito bom que tenhamos escolhidos os melhores. Por exemplo, o ministro da Saúde é um médico de longa trajetória no setor da saúde; com o ministro de obras públicas, acontece o mesmo…

O terremoto de 22 de fevereiro afetou muito seu programa de governo? Nós tínhamos um programa de governo muito exigente, muito ambicioso. Conseguir que o Chile recuperasse a liderança e o dinamismo, o crescimento e geração de empregos. Conseguir que, nesta década, o Chile conseguisse derrotar o subdesenvolvimento e a pobreza, que acompanha nosso continente desde a independência. E também ganhar a batalha contra a delinquência e a droga, a qual estávamos perdendo, além de fazer reformas muito profundas para melhorar a qualidade da saúde e a educação. Agora, temos outro desafio adiante: reconstruir o que o terremoto e o maremoto destruíram. O terremoto destruiu profundamente nossa infra-estrutura e nosso patrimônio. Isso vai demandar um enorme esforço de reconstrução, já incorporado ao nosso programa de governo e iniciado por nós.

E para isso haverá também a venda de bônus do tesouro do Chile, não é? Para financiar o programa de reconstrução, vamos usar muitas fontes distintas. Em primeiro lugar, austeridade fiscal. Em segundo, maior endividamento público. Em terceiro, uso da poupança externa, que o Chile tem. Em quarto: doações do setor privado, por meio da lei de doações. E, por último, a venda de alguns ativos prescindíveis.

O senhor não teme se tornar impopular no país com este aumento de impostos? Os políticos pensam nas pesquisas e nas eleições. Mas os presidentes têm que pensar no bem-estar de seus países e de seus povos, no que têm que fazer e não no que necessariamente é mais popular. Por isso se diz que o político sempre está pensando na próxima eleição, enquanto o presidente deve pensar sempre na próxima geração.

BRASIL

A imprensa chilena afirmou que não agradou ao assessor da presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, a escolha feita pelo Chile de Octavio Errázuriz para novo embaixador no Brasil. Garcia o teria considerado “pinochetista”. Como o senhor avaliou esta história?
Nunca propusemos Octavio Errázuriz para embaixador do Brasil. Ele vai ser nosso embaixador na ONU. O candidato para embaixador do Brasil é um diplomata de carreira, com muita experiência e muita capacidade. É o embaixador (Jorge) Montero.

Em relação às eleições no Brasil… O candidato do PSDB, José Serra, está casado com uma chilena. O senhor acha que a vitória dele será melhor para as relações entre Brasil e Chile? Bom, eu conheço José Serra e lhe tenho muito apreço. É uma pessoa capaz e honesta, um servidor público muito bom. E, hoje, conheci a Dilma Rousseff e também acho que é uma mulher muito valiosa. Portanto, acho que é um verdadeiro privilégio para o Brasil escolher entre dois candidatos de tão boa qualidade.

Então, ganhe quem ganhe, será bom para o Chile?
A amizade entre o Chile e o Brasil é uma amizade sem fronteiras. Você sabe que, na América Latina, só há dois países que não têm fronteira com o Brasil. Um deles é o Chile. Mas, se por um lado, não temos fronteiras, temos uma amizade sem fronteiras e sem limites.

E nesse sentido, para conectar os dois países, viria bem o corredor bioceânico? Sem dúvida. Hoje (ontem) acertamos o firme propósito de inaugurar este ano com o presidente Lula o corredor bioceânico, que irá do porto de Santos, no Oceano Atlântico, aos portos de Arica e Iquique, no Pacífico. São 3,8 mil quilômetros, que vão permitir integrar o coração da América do Sul — Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Chile.

E no âmbito da energia, o que foi acertado com o presidente Lula? O uso dos biocombustíveis, no qual o Brasil possui uma grande liderança, e as energias renováveis não convencionais — a energia do sol, do vento e das marés. E nesses dois terrenos vamos trabalhar juntos.

Quanto ao acordo de cooperação em temas de esportes com o Brasil, o senhor pretende levar sua grande experiência com um famoso clube chileno de futebol… Como que famoso clube chileno? O melhor clube chileno!!! O maior, o mais popular!! ! (risos)

(Risos) O.k., o.k. E o senhor levou essa experiência na administração do clube Colo Colo ao acordo?
Sem dúvida, e o Brasil vai organizar a próxima Copa do Mundo e as próximas Olimpíadas. É a grande oportunidade para aprender com a experiência brasileira.

Ouça trechos da entrevista exclusiva com o presidente do Chile, Sebastián Piñera

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