terça-feira, 4 de maio de 2010

Justiça à brasileira



No filme Ação entre amigos, de Beto Brant, temos quatro homens de meia idade, na década de 1990 integrantes da classe média, que também teem em comum o fato de terem participado da resistência armada à ditadura militar. Um destes localiza o torturador que havia havia matado sua mulher e propõe aos amigos que o encontrem e eliminem o antigo algoz. Mesmo com relutância, estes o acompanham até a cidadezinha do interior em que vive o ex-agente da repressão. Um membro do quarteto é radicalmente contra a qualquer ato violento e a fala deste personagem é sintomática: esse cara foi anistiado.
“(...) e não disse que fazia, eu não disse que fazia (...)” teria dito o presidente Gal João Figueiredo ao assinar a Lei de Anistia em 1979. A OAB propôs ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação para que esta lei passasse a ser interpretada de forma que não exima de qualquer culpa práticas, como tortura e desaparecimento forçado, levadas à cabo por policiais a serviço do regime militar. Nos dias precedentes ao julgamento da ação, políticos, juristas e representantes de entidades manifestaram suas posições sobre a matéria. Enquanto alguns manifestavam a necessidade de julgar e punir os torturadores do regime, outros se mantiveram solidários a estes.
A opção dos juízes, previsível até, foi de manter a interpretação da Lei tal como está. Tal decisão já se figurava como a mais plausível. Até por não ser do caráter conciliador dos brasileiros resolver este tipo de situação de forma diferente como ocorreu nos nossos vizinhos latino-americanos onde torturadores já foram julgados e punidos. O argumento de que mesmo se a nova interpretação, ou a mais correta, fosse aceita pelos juízes não faria praticamente nenhum efeito dava à discussão um tom de vazio, considerando que a maioria dos crimes, praticados no período, de acordo com nossas leis prescrevem em 20 anos e o regime militar findou há duas décadas e meia.
Os juízes que votaram pela manutenção da anistia aos torturadores argumentaram que para um processo de democratização rápido, uma anistia ampla gral e irrestrita para os dois lados, policiais e ativistas, é um preço a ser pago. Também argumentaram que os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário são posteriores à Lei de Anistia, assim o Brasil não desrespeita as resoluções que enquadram a tortura como crime conta a humanidade. Um terceiro argumento é o de que não podemos tentar reinterpretar a lei sem deixar de levar em consideração a sociedade que a produziu e esta mesma ansiava por esquecer o passado e olhar para frente.
Para tranquilidade dos militares a opinião dos juízes não está fora de sintonia com a maioria dos brasileiros. Sim pessoas foram torturadas, mas já passou, deixa pra lá, eram tempos difíceis. Existe até quem afirme que sente saudades do período da ditadura, eu já ouvi, que era uma época de segurança, moralidade, ótimo período pra se viver e que se deu mal quem fazia algo de errado. Felicitei a colega de trabalho por não ter nenhum parente desaparecido, mas não intentei qualquer outra e argumentação. Pois não adiantaria, dificílimo fazer alguem que já adentrou a fase final vida mudar de concepções, ainda mais quando estas foram forjadas numa sociedade autoritária.
No filme Ação entre amigos um dos personagens assassina o antigo torturador depois de este lhe revelar que justamente um de seus amigos e companheiro de resistência teriam entregado sua posição quando fora preso. No calor do momento este resolve se vingar também do delator, mas acaba matando o amigo errado. Uma vingança pessoal levado a cabo e que resultou também na morte de um inocente. Tudo indica que a justiça na nossa democracia afrouxada e de baixa qualidade é feita mais facilmente na ficção mesmo que resultando em tragédia. Na vida real prevaleceu a conciliação característica antiga de um povo que não resolve problemas ou conflitos, os esconde. Não fosse assim este assunto teria sido discutido antes.

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