Sônia Racy - Sônia Racy
O Estado de S. Paulo - 24/05/2010
Jorge Gerdau quer mudar essa realidade ajudando o País a promover a educação para prioridade máxima.
Poucos colocam em dúvida a importância da educação para o Brasil. No entanto, o bonde não anda. O que acontece que não conseguimos avançar na velocidade que precisamos? Para falar sobre esse tema, a coluna convidou Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho do Movimento Todos pela Educação. A entidade colocou no ar, sábado, novo comercial da campanha Eu, Você, Todos Pela Educação, estrelado por Mariana Ximenes. Nele, a atriz fala sobre o pai e o incentivo que recebeu dele para ler desde que era pequena.
O MTE é um movimento composto por representantes da sociedade civil, educadores, organizações sociais, iniciativa privada e gestores públicos. Buscam conscientizar a sociedade do óbvio: sem educação, o Brasil jamais será verdadeiramente livre. O País registra avanços no que se refere à universalização do estudo. Entretanto, a qualidade da educação caiu proporcionalmente ao aumento da oferta.
Recentes dados do Ministério da Educação, publicados pelo Estado, provam ser insuficientes os esforços pró-educação. Dos beneficiários do Bolsa Família, que algum dia já se chamou Bolsa-Escola, 18% abandonam a escola. A pesquisa aponta que boa parte dessa perda se dá por falta de interesse. Ou seja, mesmo sabendo que serão cortados do programa do Governo Federal e que não mais receberão o benefício, permitem aos filhos que optem pela ignorância.
Gerdau, que recebeu a coluna em seu escritório paulista, pondera que, infelizmente, o tema da educação ainda não é tratado como um programa de gestão técnica. "Não se analisa claramente o cliente: a criança." Para ele, o Brasil precisa discutir o assunto-problema de forma fria. "Antigamente, tínhamos educação de elite em colégios públicos. A qualidade era muito boa. Quando a educação começou a ser massificada - dentro da filosofia correta de se universalizar o processo - começou também a queda da qualidade."
Depois de mais de duas horas de conversa com o presidente do conselho do Grupo Gerdau, grande responsável pelo crescimento e expansão da empresa, pode-se deduzir que há um longo caminho a percorrer. E que parte dessa estrada passa pela real identificação do problema. "Pelo ranking de prioridades destacadas pela população em pesquisas nacionais, a educação vem em sexto lugar. Precisamos mudar isso." Aqui vão os principais trechos da entrevista para a coluna.
Como o senhor se interessou pelo tema da educação?
Quando comecei a exigir índices de produtividade nas empresas sem sucesso. A cada pressão, meu pessoal me perguntava: "Eles só têm o terceiro ano primário. Como é que tu queres o mesmo patamar de produtividade de um operário japonês?". Aquilo me irritava. Então implantamos um processo de educação maciça no Grupo. O funcionário sai da escola e entra na capacitação profissional. O investimento é de, no mínimo, 70 até 100 horas para cada um. Hoje posso dizer que na Açominas, por exemplo, somente 0,6% de nossos empregados não têm grau escolar médio.
Mas educar não é uma função do Estado?
Não pagamos impostos para tanto? Eu diria que a gente paga imposto, sim. Mas quando se vive em um país em que a educação é a 6º prioridade, ou se trabalha nesse troço ou vamos viver o resto da vida sem condições competitivas mundiais. Como você acha que a Embraer disputa? Ela tem pessoas altamente capacitadas. Se deixar na mão do Estado, não chegamos a um resultado condizente. Essa questão tem um conceito mais amplo. Teoricamente, delegamos para o Estado. E o resultado é este que existe. Ou seja, é inaceitável.
E o Estado delegar este tipo de problema para a iniciativa privada solucionar, também não é inaceitável?
Se este País quiser realmente atingir patamares envolventes, um bom IDH, um lugar no ranking que não seja o 88º, o que devo fazer? Não vou ficar de espectador. Como sociedade, temos que participar do processo. É nessa conscientização que o Todos pela Educação trabalha. Esse movimento nasceu com a preocupação de tentar atingir, mobilizar a sociedade civil sobre a importância da educação. Trabalhamos fortemente nas campanhas educacionais para sensibilizar os pais. Eles têm que acompanhar os filhos na escola. E estamos conseguindo verbas fantásticas. Temos artistas declarando em campanhas que é possível acompanhar o filho na educação.
Como vocês trabalham?
Primeiro com esse movimento que acabo de descrever. Depois, estabelecemos metas. A primeira é a de que toda criança e jovem de 4 a 17 anos tem que estar na escola. Nisso, o Brasil já avançou muito. A segunda é que toda criança tem que estar alfabetizada até os oito anos. Se a criança não é alfabetizada no sentido de entender o que lê, ela vai assim até o grau médio. Esta meta dois é decisiva. E estamos ainda longe disso. É uma meta difícil de atingir em todos colégios. Mas é exatamente neste estágio que estamos brigando.
Quais as outras metas?
A terceira diz que todo aluno tem que ter um aprendizado adequado à sua série. A quarta fala sobre o Ensino Médio, que teria que ser concluído até os 19 anos. E a quinta busca investimento ampliado e bem gerido. Hoje fazemos parcerias com as associações de professores e dentro das secretarias de educação. O Ministério da Educação também tem uma parceria forte conosco. Quando um político, por exemplo, percebe que o povo não está colocando a educação como prioridade, ele também não a trata como prioridade. Nós estamos brigando para mudar esse raciocínio.
É necessário padronizar tudo para atingir as metas?
As metas devem ser padronizadas, mas os métodos para atingi-las podem ser diversificados. É um tema muito complexo. Na educação não existe padronização. A diversidade do modo de educar é uma realidade.
O diagnóstico sobre Educação no Brasil está correto?
Não está. Não temos, por exemplo, um índice correto do analfabetismo funcional. Talvez o item mais complexo seja conseguir a transparência dos dados. Enquanto não conseguirmos avaliar se a pessoa foi ou não alfabetizada já no segundo ano de estudo, não conseguiremos resultados. Há crianças no quarto ano do curso básico que não conseguem entender o que acabaram de ler.
Quais números?
Somos o 88º no ranking mundial da Unesco no campo da educação. Isso é inaceitável. Além disso, 30% das crianças de quatro a cinco anos estão fora da escola. Sabemos que quando se trabalha com boa alimentação e motivação nos primeiros anos de vida, há um potencial maior de criação de inteligência. Outra bomba é o índice de dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos que estão fora das salas de aula. Se não se educar nesse período jovem, carrega-se um analfabeto durante 20, 30, 40 anos. Se queremos desonerar nossos filhos do custo que tem uma sociedade com muitos analfabetos ou excluídos, o melhor investimento é a educação. Por meio dela podemos buscar empregos melhores.
Como o senhor vê o futuro da educação?
A mudança de 7ª prioridade do País para 6ª já é um avançozinho. Em São Paulo, já constatamos, em alguns municípios, que a prioridade subiu para segundo lugar. A educação é a maior empresa do Brasil. Em primeiro lugar, temos que estabelecer onde queremos chegar. Segundo, qual é a situação atual. Terceiro, traçar como faremos para atingir as metas. Aí você passa a capacitar professores e a envolver os pais. E começa então a ter a relação direta com as crianças. Você pensa: se não fizer isso, não chego lá. Posso ter a melhor capacitação de tecnologia, mas se não houver envolvimento pessoal, não haverá resultado.
Exemplo?
Um caso interessante é do secretário César Callegari, de Taboão da Serra. Ele decidiu que toda criança que vai mal na aula terá a própria professora para ajudar na casa dos pais. Conseguiu, com isso, que o município registrasse o melhor resultado na educação primária. Envolver a professora em processo pessoal é complicado. E tenho que premiar esse resultado. Somos a favor da remuneração conforme a produtividade. Uma professora que faz muito e apresenta resultados sobre o aluno não pode ganhar o mesmo daquela que faz pouco.
Faltam recursos para educação? Falta gerenciamento?
Eu diria que os recursos são insuficientes em relação ao PIB. Mas o problema hoje é menos de recursos e mais de gestão. O Brasil precisa de mais recursos com melhoria de gestão.
A saúde já teve seu ICMS. O senhor é a favor da cobrança de ICMS na educação?
Não, eu não acho que tenha que criar algo desse tipo. Esse é um mau imposto porque é acumulativo.
O senhor é a favor da centralização da administração do processo educativo?
Só podemos trabalhar descentralizados. O Brasil tem que criar dimensões globais. Tem que exigir qualidade e transparência. Mas é impossível trabalhar centralizadamente e reger uma escola municipal do interior diretamente de Brasília.
A educação vem piorando. Como reverter esse quadro? Já tivemos progressos, mas insuficientes. O Brasil dificilmente poderá ser vencedor em termos de desenvolvimento social se não melhorar os seus números. Somos 88º no ranking mundial da Unesco no campo da educação. Isso é inaceitável. Além disso, 30% das crianças de quatro a cinco anos estão fora das escolas. Outra bomba é o índice de dois milhões de jovens entre 15 e 17 anos que estão fora da sala de aula. Se não se educar nesse período jovem, carrega-se um analfabeto durante 20, 30, 40 anos. Portanto, se quisermos desonerar nossos filhos do custo que tem uma sociedade com muitos analfabetos ou excluídos, vamos ter que andar bem rápido.
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