terça-feira, 4 de maio de 2010

Celibato e pedofilia

Autor(es): Agencia O Globo/Luiz Garcia
O Globo - 04/05/2010



Durante séculos a Igreja Católica fez de conta que o problema da pedofilia no clero não existia. Ele só foi admitido oficialmente em 2001, quando João Paulo II publicou um documento discutindo o assunto e qualificando a prática como “crime grave”.

O cardeal Joseph Ratzinger, hoje o Papa Bento XVI, foi o autor do texto. Não é de admirar, portanto, que na Páscoa deste ano ele tenha voltado ao assunto numa carta pastoral dirigida aos irlandeses.

Ele vai um passo adiante do documento anterior, ao incumbir o próprio clero de denunciar os casos de pedofilia.

É o reconhecimento público de que o problema não apenas é sério: a Igreja agora admite implicitamente que ainda não sabe como resolvê-lo. A punição dos culpados pode ser absolutamente necessária — mas falta a resposta a uma pergunta óbvia: por que ocorrem tantos casos? Nos Estados Unidos, onde a Igreja é rica e a Justiça funciona, a pedofilia custa caro. Cidadãos que na infância foram molestados por padres costumam processar as dioceses. Em 2008, por exemplo, as indenizações aprovadas por tribunais custaram à instituição US$ 436 milhões.

No Brasil, são mais comuns as penas de prisão. Num levantamento de 30 casos feito pelo GLOBO, 12 terminaram em cadeia para os culpados. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil tem a coragem de reconhecer a gravidade do problema, mas, paradoxalmente, condena a mídia. Para o presidente da CNBB, a divulgação desses crimes se transforma aqui numa “campanha difamatória contra a Igreja e o Papa”. Não parece saída inteligente: nem existe essa campanha, nem notícias desagradáveis deixam de circular botando-se a culpa no carteiro.

Independentemente de atitudes corajosas como a de Bento XVI, talvez esteja na hora de a Igreja começar a discutir um assunto tabu: não existirá alguma relação de causa e efeito no fato de que a pedofilia seja um problema tão grave na Igreja Católica e aparentemente não exista — certamente não com a mesma gravidade — nas outras igrejas cristãs? Nas quais pastores e ministros não são forçados ao celibato? Em outras palavras: até que ponto a fé e a eficiência na sua propagação dependem da exigência de virgindade nos soldados de Cristo? O Vaticano mostra firmeza e coragem ao não esconder o problema da pedofilia. Talvez possa revelar as mesmas virtudes se passar da revelação dos efeitos para uma discussão das causas.

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