terça-feira, 25 de outubro de 2011

Quanto mais prova, melhor

Veja - 24/10/2011

Pela primeira vez, uma pesquisa investiga a eficácia das avaliações do ensino no Brasil. Conclusão: o sistema é bom, mas falta usa-lo mais em prol da excelência.





Tudo o que se sabia sobre a educação brasileira até a década de 80 era fruto dos censos demográficos divulgados a cada dez anos e de estimativas imprecisas. Não havia sequer consenso sobre o número de escolas no país - variava de 190000 a 230000, dependendo da fonte. Foi só a partir de 1990 que o Brasil estreou no mundo das avaliações do ensino, com a criação do Saeb, a primeira das provas aplicadas pelo Ministério da Educação para diagnosticar as mazelas escolares. Desde aí, surgiram centenas de aferições municipais, estaduais e federais, do nível fundamental ao superior. Já é possível, por exemplo, comparar o grau de aprendizado em um minúsculo município brasileiro ao de escolas da Coréia do Sul. Até hoje, no entanto, pouco se estudou o uso prático desse gigantesco universo estatístico. A primeira pesquisa nacional do gênero, conduzida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Fundação Victor Civita, acaba de ser concluída. O foco é o ensino básico. Coordenador do levantamento, o inglês Nigel Brooke, da UFMG, resume a ideia geral: "O Brasil já conseguiu colocar de pé um sólido sistema para medir o nível da educação, mas falta aprimorá-lo e usá-lo de forma mais eficiente na rotina escolar".

O trabalho, que consumiu um ano, chama atenção para a necessidade de criar alternativas nos estados e municípios às provas oficiais do MEC. É consenso que o conjunto de avaliações federais - cujo carro-chefe, por sua abrangência, é a Prova Brasil - funciona como um bom termômetro da qualidade, permitindo comparar estados, municípios e até escolas ao longo de décadas. Só que, segundo enfatiza a pesquisa, é difícil transformar esses grandes diagnósticos em um plano objetivo para avançar na sala de aula. Antes de tudo, porque a divulgação dos resultados pelo MEC custa a sair - às vezes quase dois anos, como ocorreu na última Prova Brasil. É tempo valioso que os colégios perdem em voo cego, sem o mapa das deficiências na mão. A pesquisa lança luz ainda sobre uma fragilidade pouco comentada acerca dos termômetros do ensino do MEC: muitas vezes, a amostra de alunos testados nas escolas é pequena para que se produza a partir dela um indicador capaz de espelhar a realidade com todas as suas nuances.

O estudo também lembra que não existe no Brasil um currículo nacional unificado - a matéria ensinada varia muito de uma rede de ensino para outra. Nesse sentido, produzir diagnósticos mais localizados, feitos sob medida para cada lugar, pode ser de grande valor.

"Quanto mais aproximado for o retrato da sala de aula, melhor ele servirá para subsidiar os professores sobre as lacunas que devem atacar", reforça Maria -Helena Guimarães, que esteve à freme do Inep, o Instituto Nacional De Pesquisas Educacionais do MEC, entre 1994 e 2002. Nos últimos cinco anos, começaram a crescer no país as avaliações estaduais do ensino: hoje, dezesseis dos 27 estados já têm uma. Um grupo minoritário, que inclui São Paulo, Minas Gerais e Ceará, faz uso bem prático dos resultados, traçando a partir deles metas e políticas de bônus para as equipes daquelas escolas que as atingirem.

Uma das mais relevantes contribuições que tais termômetros dão ao ensino é expor não só aos educadores, mas também a pais e estudantes, a verdadeira situação das salas de aula. Só assim eles podem fazer uma escolha bem embasada de uma determinada escola e exercer o papel decisivo de fiscalizar e cobrar avanços. Isso é coisa recente. No princípio, esses medidores da educação frequentemente não vinham a público, sobretudo aqueles feitos na esfera estadual. Ficavam confinados nas repartições, tratados como meros instrumentos internos de gestão. A falta de transparência traduzia o corporativismo de uma classe de educadores que sempre repudiou as comparações. Se isso não foi de todo superado, o novo estudo mostra de forma enfática que o Brasil já conta com um valioso diagnóstico sobre o ensino. Resta fazer desse gigantesco banco de dados um permanente aliado na busca pela excelência.

Acrobacias para ensinar
A premiada professora que levou o circo às crianças

A mineira Fernanda Pedrosa, de 30 anos, é uma professora de educação física pouco convencional. Em suas aulas, as mais disputadas no colégio municipal José de Calasanz, na periferia de Belo Horizonte, vê-se mais do que futebol ou vôlei: ali, ela ensina exercícios de circo. E não de qualquer um. Fernanda tem como fonte de inspiração nada menos que o canadense Cirque du Soleil. Nunca assistiu a um espetáculo de perto, só em vídeos - mas de forma exaustiva. Já decorou quase todos os malabarismos e acrobacias. Ensina os mais básicos a 130 alunos de 6 a 11 anos. Onze deles são portadores de deficiência física ou mental, situação com a qual Fernanda lida de forma exemplar. Com adaptações bem simples, como elevar a corda de pular para que um estudante em cadeira de rodas possa passar ao outro lado e entrar na brincadeira, ela conseguiu integrar a todos. Foi se quebrando aí, segundo relatos dos próprios alunos, o preconceito. Também se renovou o ânimo das crianças para com o colégio. A lição acabou derivando para pesquisas sobre animais e arte circense, fora do turno escolar. "Não esperava tanto impacto", diz Fernanda, grávida de sete meses, mas ainda à frente de suas aulas (embora, evidentemente, longe dos trapézios).

Na semana passada, o trabalho lhe rendeu o Prêmio Educador Nota 10, concedido a dez professores, além de um diretor, que se distinguiram pela excelência no ensino básico. O prêmio, criado em 1998, sempre dá destaque a um dos vitoriosos. Foi o caso de Fernanda. O fato de ter sobressaído em meio a 3000 candidatos faz refletir sobre os caminhos que encontrou para atrair crianças pobres e desprovidas de incentivos. Ela não se paralisou diante das lacunas de infraestrutura. Ao contrário, improvisou um circo com velhos tatames, cordas e bambolês. Debruçou-se sobre o projeto que sonhava implantar na periferia de Belo Horizonte com a obsessão de quem quer oferecer o melhor. Ela festeja: "Alguns de meus alunos já conseguem fazer números como os acrobatas do Cirque du Soleil". _

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