Autor(es): Ruy Martins Altenfelder Silva
Correio Braziliense - 24/10/2011
Presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional e do Conselho de Administração do CIEE, presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas
É fácil notar certo deslumbramento com o crescimento econômico e a importância que o Brasil vem ganhando no cenário internacional. Com a crise econômica na zona do euro e a instabilidade político-econômica nos Estados Unidos, o mundo passou a olhar com atenção para as perspectivas promissoras dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Mas aqui volta e meia impõe-se uma velha dúvida: até que ponto a nação está preparada para desempenhar o tão sonhado protagonismo mundial? Sétima economia mundial, com potencial para subir no ranking nos próximos anos, o Brasil permanece num modesto 13º lugar no tocante à produção científica. Mais negativo, ainda, é o dado sobre a corrida pelas patentes, indicador de inovação científica e tecnológica de um país. Segundo o Relatório Mundial da Ciência da Unesco, a participação brasileira não passa de 0,1% do volume mundial.
A ciência é a base para o desenvolvimento social, político e econômico de uma nação. A palavra vem do latim — scientia significa conhecimento — e faz parte do esforço de descobrir e aumentar o conhecimento humano sobre a própria realidade, com o objetivo final de trazer bem-estar, resolvendo as mazelas da sociedade. Portanto, está intimamente ligada à educação de qualidade, sem a qual não existe. Sem ciência, não há desenvolvimento. Portanto, é legítimo concluir que, sem educação de qualidade, não há inovação nem desenvolvimento sustentável.
Em contraponto aos indicadores saudáveis, a conjuntura atual revela perigosos efeitos da ausência de um sistema educacional organizado e apto a formar as novas gerações — tanto para o trabalho quanto para o exercício pleno da cidadania, com seus direitos e deveres. Um dos mais preocupantes é a falta de mão de obra qualificada para dar sustentabilidade ao desenvolvimento, um gargalo já perceptível em poucos anos de retomada do crescimento. Faltam profissionais de tecnologia da informação (TI) nas empresas que atuam em setores de ponta. Faltam professores para o ensino das ciências no nível básico, em matérias fundamentais, como matemática, física e química. Faltam engenheiros civis para o boom da construção civil e para tocar os projetos de modernização da infraestrutura do país. E por aí vai.
A carência de profissionais qualificados pode parecer um problema distante dos bancos escolares do ensino básico. Mas não é. Para que o país cresça de forma sustentável, é necessário investir em educação de qualidade desde os primeiros anos de aprendizado e, gradativamente, abrir espaço para cursos que se aproximem das demandas dos setores produtivos, em especial os estratégicos para o desenvolvimento nacional. Paralelamente, há que se estimular a produção científica, diminuindo a burocracia e aumentando os recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento (P&D). Nos Estados Unidos, 76% desses investimentos vêm da iniciativa privada. No Brasil, a maioria dos recursos sai dos cofres públicos e o investimento é tímido, se comparado aos indicadores mundiais. O Brasil investe em torno de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em P&D, inferior à média de 2,28% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) situam o Brasil entre os piores países do mundo em desempenho escolar, atrás de países como Bulgária e Romênia, e dos latinos México, Chile e Uruguai. Um dos fatores para esse péssimo resultado é a chamada educação recorrente. Como no nível anterior o aluno não aprendeu o que deveria, o nível seguinte é prejudicado e assim segue, até se chegar ao nível superior com enormes lacunas de conhecimento a serem recuperadas, o que quase sempre não acontece.
O descaso com o ensino parece já estar embutido em largos círculos da própria sociedade. A começar pela desvalorização do professor, vítima de desrespeito por parte dos alunos e suas famílias, das deficiências da gestão escolar, dos baixos salários, da carência de programas de reciclagem e treinamento — para ficar em apenas um dos aspectos do problema. Mas, felizmente, ainda há muitos mestres dedicados à nobre vocação de ensinar. É para homenagear esses heróis da sala de aula que o CIEE criou, há 15 anos, o prêmio Professor Emérito – Guerreiro da Educação. Neste ano, a homenageada é a médica Angelita Habr-Gama, coloproctologista que se destacou como professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e, por suas pesquisas pioneiras, tornou-se referência mundial em sua especialidade. Generosa, destinou parte das atividades a difundir seus saberes, formando várias gerações de médicos especialistas. Aos 80 anos, continua na ativa e agora ingressa na galeria dos Guerreiros da Educação, que já conta com colegas homenageados em anos anteriores: Adib Jatene e Luiz V. Decourt, mestres e inovadores reconhecidos na área de cirurgia cardíaca. Lição exemplar de amor ao ensino e à ciência, digna de ser transmitida às novas gerações.
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