sexta-feira, 22 de junho de 2012

STF deve analisar constitucionalidade do ensino religioso no Brasil



Conectas e organizações parceiras defendem que educação precisa ser laica


21.03.12

Organizações ligadas a direitos humanos, entre elas a Conectas, e educacionais foram aceitas como parte integrante no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das atuais formas de oferta de ensino religioso nas escolas públicas brasileiras.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR), vai contra o trecho do acordo entre o Estado brasileiro e a Santa Sé que prevê "ensino católico e de outras confissões" na rede pública de ensino do país (artigo 11, §1º, do Decreto n. 7.107/2010). A PGR pede ainda que o Supremo interprete o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no sentido de proibir o ensino confessional, interconfessional ou ecumênico.

Segundo a PGR, “a única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas é através da adoção do modelo não-confessional, em que o conteúdo programático da disciplina consiste na exposição das doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões – bem como de posições não-religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo – sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores”. Estes, de acordo com a PGR, devem ser profissionais regulares da rede, não vinculados formalmente a crenças ou igrejas.

O ingresso das organizações Conectas Diretos Humanos, Ação Educativa, Ecos - Comunicação em Sexualidade, Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e a Relatoria Nacional para o Direito à Educação, da Plataforma Dhescas Brasil, no caso se deu pela figura jurídica do amicus curiae.

Elas entendem que a educação pública deve respeitar o princípio da laicidade do Estado e, por isso, defendem o posicionamento da PGR em relação à declaração da inconstitucionalidade do trecho “católico e de outras confissões”. Requerem, complementarmente, a ampliação do debate sobre a interpretação do dispositivo da Constituição Federal que prevê o ensino religioso (art.210, 1°), no sentido de delimitar o alcance das normas que regulamentam esse artigo (tanto a LDB como as leis estaduais e municipais).

Posição das organizações

Segundo as organizações, além dos aspectos questionados pela PGR há um conjunto de previsões legais que extrapolam os limites postos na Constituição (art.19, inciso I, e art.210, §1°) e que merecem ser apreciados pelo STF no julgamento ADI 4.439. Em relação ao texto da LDB, questionam a previsão de que o ensino religioso nas escolas públicas “é parte integrante da formação básica do cidadão” (art.33, caput) e a determinação de que os poderes públicos “ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas” (art.33, §2°).

Já a interpretação do §1º do art.210 da Constituição, argumentam, deveria ser delimitada no sentido de excluir a oferta do ensino religioso “transversal” em escolas públicas (ou seja, sua oferta em meio aos demais conteúdos escolares, que normalmente ocorre nas séries iniciais do ensino fundamental e quando o ensino não se organiza em disciplinas específicas) e vedar sua inclusão na carga horária mínima obrigatória, por violar o princípio da facultatividade. Além disso, a interpretação do caráter facultativo desse ensino deve ser feita, ainda segundo o posicionamento das organizações admitidas como amici, no sentido de exigir dos alunos, pais ou responsáveis manifestação expressa da opção de matrícula na “disciplina”, vetando-se a inclusão automática dos estudantes.

Em função da prevalência da liberdade religiosa e da facultatividade, as organizações afirmam que o ensino religioso não pode compor o conteúdo obrigatório do ensino fundamental público, não constitui direito público subjetivo e questionam o financiado público direto desse ensino por parte do Estado. Sua afirmação na Constituição, argumentam, pode ser entendida no sentido de se assegurar a prerrogativa de oferta de ensino religioso nas escolas públicas, sem ônus para o Estado, e sob a responsabilidade das igrejas e crenças.

Diferentes formas de confessionalidade

A petição de amicus curiae aponta que em muitos sistemas de ensino prevalece, nas séries iniciais do ensino fundamental, a oferta “transversal” do ensino religioso. Neste caso, o caráter facultativo das aulas fica ameaçado, conclui. Este é o caso, por exemplo, do estado de São Paulo.

Levantamento sobre a forma de oferta do ensino religioso, produzido em 2009 pela organização parceira Ação Educativa, aponta que em cinco estados há previsão legal de adoção de ensino religioso explicitamente confessional; em nove estados, classificados em sua maioria como interconfessionais, a confessionalidade do ensino se expressa no acordo entre um conjunto definido de denominações religiosas, normalmente restritas ao campo cristão.

Já nos demais, prevalece o ensino religioso pluriconfessional, em que prevalece a noção de denominador comum entre os valores das diferentes religiões e crenças, ou ainda o ensino de história, antropologia, filosofia das religiões.

Para as proponentes, há limites importantes em relação à proposta de ensino religioso pluriconfessional. "Tendo como propósito justificar a presença do ensino religioso nas escolas públicas, a perspectiva pluriconfessional acaba se apropriando de conteúdos e enfoques que já deveriam fazer parte do ensino e que seriam mais adequadamente tratados nas disciplinas história, geografia, sociologia e filosofia, por exemplo. Valores universais vinculados à cidadania constituem o próprio objeto da escola pública e não deveriam depender do ensino religioso para ser ensinados. Também há enormes problemas na implementação prática do ensino religioso pluriconfessional, que decorrem da opção religiosa dos professores", afirmam.

De acordo com as organizações, as formas já implantadas de ensino religioso no Brasil, com espaço para o proselitismo de religiões, têm levado a um quadro de diminuição da tolerância em relação às religiões minoritárias. “Inúmeros são os relatos de intolerância e violência contra praticantes de religiões afro-brasileiras e de violação ao princípio da igualdade entre homens e mulheres”, afirmam.

Outros envolvidos na ação

Também foram admitidas pelo Supremo como amicus curiae organizações que defendem a constitucionalidade do ensino religioso confessional, fundamentando sua posição no caráter facultativo da disciplina. São elas: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Conferência dos Religiosos do Brasil, Associação Nacional de Educação Católica do Brasil.

A Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro e o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) também foram admitidos como amicus curiae, mas se manifestaram favoráveis ao parecer da PGR.

A expectativa das organizações é que o relator da ADI, ministro Ayres Britto, dê seu parecer sobre o caso até o mês de abril.

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