Entrevista
Gazeta do Povo
João Malheiro, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor do livro Fortalecendo a alma da escola
Publicado em 08/05/2012 | Denise Drechsel
Governantes e escolas estão muito preocupados com dados e estatísticas e se esqueceram do mais importante: a aprendizagem de excelência. O alerta é do mestre e doutor em Educação João Malheiro, que defende ser possível reverter esse quadro. Basta um comprometimento maior das instituições de ensino, dos pais e professores. Acompanhe os principais trechos da entrevista dada pelo educador à Gazeta do Povo:
O senhor concorda com a estrutura da escola de hoje?
A escola como está estruturada hoje não contribui para a educação e nem para a realização das pessoas. Os nossos índices de qualidade são vergonhosos, ainda mais se comparados com outros países. E há ainda outro aspecto. Um estudo feito com jovens profissionais de sucesso no Rio de Janeiro mostra que, apesar do dinheiro e dos meios materiais que possuem, há um alto índice de insatisfação nas suas vidas. Por que isso acontece? Porque governo, pais, instituições e professores estão mais preocupados com o aspecto material das escolas – dados e estatísticas – e se esqueceram da “alma” da escola. Se se considera que uma criança vai para a escola só para passar no Enem, no vestibular, para conseguir emprego, é muito pouco, muito pobre. Os alunos têm de ir à escola para aprender e se transformarem em pessoas melhores.
Isso não seria um problema dos pais? Qual seria a solução?
A educação só funciona quando família, professores e alunos estão falando a mesma linguagem. Hoje vivemos um forte problema ético, não estão todos na mesma direção. A mãe fala uma coisa, o pai outra, a professora outra e a televisão outra. A criança fica em um estado de choque violento e sofre com essa desorientação. Além disso, muitos pais não sabem ser pais. Estão perdidos. A maioria delega às instituições de ensino a educação dos filhos. A escola, há 20 anos, assumiu essa responsabilidade. Hoje, depois de sentir o peso da tentativa de educar sem a ajuda dos pais, desistiu. Então, quem está educando? A mídia. A solução, repito, passa por um comprometimento maior das instituições de ensino, dos pais e professores.
O governo tem ajudado a melhorar essa situação?
O governo não está muito interessado na educação de excelência. Ele quer números, estatísticas, passar para o próximo governo dando bons dados e índices. Isso é manipular a imagem da educação. No fundo, não há educação. Os ministros não estão preocupados com os alunos. A Teoria de Resposta ao Item [TRI] usada na avaliação do Enem, por exemplo, é interessante do ponto de vista de estatística, mas o seu uso em uma prova nacional é de alto risco. As notas ficam disfarçadas e, no fundo, todos são avaliados em uma grande mediocridade. A solução para mim – que é contrária à ideologia do governo atual – seria a de aumentar a autonomia das escolas, com métodos mais eficientes de fiscalização do ensino, como é feito em outros países, como os Estados Unidos. Isso permitiria também uma maior interação de pais e professores e a consequente melhoria da educação.
Nesse cenário, as novas tecnologias ajudam?
Os estudos indicam que os bons alunos, com ou sem computador, sempre são bons. No caso dos maus alunos, esses novos meios tecnológicos de fato ajudam para a aquisição de conhecimento. Mas isso não significa que estejam aprendendo. Só se pode dizer que o aluno aprendeu quando ele não só retém informações como é capaz de refletir sobre elas, torná-las próprias, olhá-las com espírito crítico. E, nesta fase, não há nenhuma tecnologia do mundo que consiga os resultados alcançados com horas de estudo, lição de casa, trabalho sério feito com os amigos, processo de repetição de exercícios e a boa decoreba, que tem de existir sempre. A má decoreba é quando o garoto decora uma série de coisas sem significado para passar em uma prova. A boa decoreba é quando os conhecimentos ajudam a criar uma estrutura mental sólida e criativa. Todo bom aluno tem na memória uma série de informações que usa para o resto da vida. Muitos jovens estão vazios de conteúdo, não têm vocabulário porque não estão habituados a estudar. Diante disso, a conclusão é que as novas tecnologias são muito boas, mas, se o aluno não estudar e refletir os conteúdos apresentados com recursos maravilhosos, não se lembrará de mais nada em poucos meses. Para que serve essa educação? Estamos enganando eles ou não?
Como devem se portar os professores?
Sem descartar nenhum desses meios, os professores devem estimular a reflexão dos alunos, relacionar matérias, preparar aula. Do contrário, todos esses instrumentos os transformam em papagaios; repetem aulas preparadas nos meios tecnológicos. E, obviamente, continuaremos a identificar as deficiências educacionais de sempre.
Gazeta do Povo
João Malheiro, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor do livro Fortalecendo a alma da escola
Publicado em 08/05/2012 | Denise Drechsel
Governantes e escolas estão muito preocupados com dados e estatísticas e se esqueceram do mais importante: a aprendizagem de excelência. O alerta é do mestre e doutor em Educação João Malheiro, que defende ser possível reverter esse quadro. Basta um comprometimento maior das instituições de ensino, dos pais e professores. Acompanhe os principais trechos da entrevista dada pelo educador à Gazeta do Povo:
O senhor concorda com a estrutura da escola de hoje?
A escola como está estruturada hoje não contribui para a educação e nem para a realização das pessoas. Os nossos índices de qualidade são vergonhosos, ainda mais se comparados com outros países. E há ainda outro aspecto. Um estudo feito com jovens profissionais de sucesso no Rio de Janeiro mostra que, apesar do dinheiro e dos meios materiais que possuem, há um alto índice de insatisfação nas suas vidas. Por que isso acontece? Porque governo, pais, instituições e professores estão mais preocupados com o aspecto material das escolas – dados e estatísticas – e se esqueceram da “alma” da escola. Se se considera que uma criança vai para a escola só para passar no Enem, no vestibular, para conseguir emprego, é muito pouco, muito pobre. Os alunos têm de ir à escola para aprender e se transformarem em pessoas melhores.
Isso não seria um problema dos pais? Qual seria a solução?
A educação só funciona quando família, professores e alunos estão falando a mesma linguagem. Hoje vivemos um forte problema ético, não estão todos na mesma direção. A mãe fala uma coisa, o pai outra, a professora outra e a televisão outra. A criança fica em um estado de choque violento e sofre com essa desorientação. Além disso, muitos pais não sabem ser pais. Estão perdidos. A maioria delega às instituições de ensino a educação dos filhos. A escola, há 20 anos, assumiu essa responsabilidade. Hoje, depois de sentir o peso da tentativa de educar sem a ajuda dos pais, desistiu. Então, quem está educando? A mídia. A solução, repito, passa por um comprometimento maior das instituições de ensino, dos pais e professores.
O governo tem ajudado a melhorar essa situação?
O governo não está muito interessado na educação de excelência. Ele quer números, estatísticas, passar para o próximo governo dando bons dados e índices. Isso é manipular a imagem da educação. No fundo, não há educação. Os ministros não estão preocupados com os alunos. A Teoria de Resposta ao Item [TRI] usada na avaliação do Enem, por exemplo, é interessante do ponto de vista de estatística, mas o seu uso em uma prova nacional é de alto risco. As notas ficam disfarçadas e, no fundo, todos são avaliados em uma grande mediocridade. A solução para mim – que é contrária à ideologia do governo atual – seria a de aumentar a autonomia das escolas, com métodos mais eficientes de fiscalização do ensino, como é feito em outros países, como os Estados Unidos. Isso permitiria também uma maior interação de pais e professores e a consequente melhoria da educação.
Nesse cenário, as novas tecnologias ajudam?
Os estudos indicam que os bons alunos, com ou sem computador, sempre são bons. No caso dos maus alunos, esses novos meios tecnológicos de fato ajudam para a aquisição de conhecimento. Mas isso não significa que estejam aprendendo. Só se pode dizer que o aluno aprendeu quando ele não só retém informações como é capaz de refletir sobre elas, torná-las próprias, olhá-las com espírito crítico. E, nesta fase, não há nenhuma tecnologia do mundo que consiga os resultados alcançados com horas de estudo, lição de casa, trabalho sério feito com os amigos, processo de repetição de exercícios e a boa decoreba, que tem de existir sempre. A má decoreba é quando o garoto decora uma série de coisas sem significado para passar em uma prova. A boa decoreba é quando os conhecimentos ajudam a criar uma estrutura mental sólida e criativa. Todo bom aluno tem na memória uma série de informações que usa para o resto da vida. Muitos jovens estão vazios de conteúdo, não têm vocabulário porque não estão habituados a estudar. Diante disso, a conclusão é que as novas tecnologias são muito boas, mas, se o aluno não estudar e refletir os conteúdos apresentados com recursos maravilhosos, não se lembrará de mais nada em poucos meses. Para que serve essa educação? Estamos enganando eles ou não?
Como devem se portar os professores?
Sem descartar nenhum desses meios, os professores devem estimular a reflexão dos alunos, relacionar matérias, preparar aula. Do contrário, todos esses instrumentos os transformam em papagaios; repetem aulas preparadas nos meios tecnológicos. E, obviamente, continuaremos a identificar as deficiências educacionais de sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário