segunda-feira, 4 de junho de 2012

Não falta dinheiro, falta compromisso

Autor(es): Jair Ribeiro e Ana Maria Diniz
Época - 04/06/2012

A qualidade da educação pública no ensino fundamental e médio é de longe o maior desafio que o Brasil enfrenta. Somos um país em que cerca de 50% das crianças da 5ª série em todos os Estados são semianalfabetas. Dos 3,5 milhões de alunos que ingressam no ensino médio, apenas 1,8 milhão se formam. Desses, só 10% atingem o nível esperado de aprendizado. O Brasil apresenta um dos cinco piores resultados entre os 56 países avaliados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Isso significa que, todo ano, jogamos milhões e milhões de adolescentes despreparados no mercado de trabalho, sem nenhuma perspectiva de ascensão social e econômica. O apagão de mão de obra já é uma realidade hoje. Será muito pior no futuro.

Há mais de oito anos coordenamos uma ONG que promove a parceria entre escolas públicas e empresários - a Parceiros da Educação. Já desenvolvemos, ao longo desse período, mais de 100 parcerias com escolas, procurando sempre melhorar a qualidade de ensino delas. Além do impacto nas escolas parceiras, o contato direto com a realidade do ensino público nos trouxe uma visão bastante clara dos enormes desafios do sistema e, com isso, a oportunidade de entender e influenciar políticas públicas que poderão, aí sim, ter impacto na vida de milhares de escolas e milhões de crianças.

Não é difícil concluir que o modelo de ensino brasileiro tem falhas. As estatísticas mostram isso. Precisamos de uma verdadeira revolução na educação pública. Os Estados Unidos a fizeram em 1870, há 140 anos. Em uma década, eles dobraram o investimento na educação pública e universalizaram o ensino. Em 1900, eliminaram o analfabetismo. Em 1910, todas as crianças tinham acesso à escola de período semi-integral. Outro exemplo é a Coreia. Na década de 1970, a Coreia iniciou uma verdadeira transformação na qualidade da educação pública e fez dela prioridade. O resultado se mostrou pelo salto do Produto Interno Bruto (PIB), indicador da geração de riquezas. O PIB, antes inferior ao do Brasil, passou para patamar semelhante ao de países de Primeiro Mundo em menos de duas gerações. O exemplo mais recente é a China. Muito se propagandeia sobre os investimentos em infraestrutura, mas pouco se divulga sobre o enorme esforço educacional chinês, do primário ao curso de doutorado. É fantástico o que estão fazendo na China em termos de educação.

A fórmula para melhorar a educação não tem mistério. Em educação, há muita pesquisa sobre o que funciona e o que não funciona. Primeiro, é preciso que a sociedade entenda que há deficiências e cobre do poder público. Uma das razões pelas quais o país apresenta um dos piores índices do mundo na qualidade do ensino público é que há certa satisfação da população com a educação pública em geral, na medida em que existem escolas disponíveis para todas as crianças. A população, em sua maioria (notadamente a menos favorecida e titular do maior número de votos), não reconhece a péssima qualidade de nossa educação.

O primeiro passo, portanto, consiste em dar ampla divulgação à real situação da qualidade da educação básica no país, alertando a população para as mudanças de base necessárias à correção do problema.

O segundo passo é que cada Estado e prefeitura definam uma nova visão para sua Secretaria da Educação. Mas que seja uma visão arrojada, ambiciosa, que inspire seus stakeholders a sair do gerúndio e a efetivamente buscar um salto qualitativo na realidade de nossas escolas.

Firmada a visão, há que desenvolver e detalhar um plano de curto, médio e longo prazos para atingir a meta. Esse plano, para dar certo, precisa contar com o envolvimento e paternidade de seus futuros executores. Um plano que não se prenda à estrutura atual; que seja transformacional, porém embasado em pesquisas e experiências já testadas, no Brasil e no exterior. E que seja um plano de Estado, e não de um governo. Educação não se resolve em poucos anos - requer continuidade.

A dificuldade de enfrentar as resistências naturais e institucionais à mudança e a incapacidade de execução são, sem dúvida, os maiores obstáculos ao sucesso de um plano que transforme a educação.

Em 2010, na esteira das eleições para governador e presidente, várias entidades ligadas à educação convidaram, na Casa do Saber, 12 especialistas em educação pública para responder à seguinte questão: caso fosse eleito presidente da República ou governador do Estado, quais as cinco grandes iniciativas o senhor tomaria para efetivamente resolver o problema da qualidade do ensino público básico?

O objetivo do encontro não era buscar meras sugestões para integrar um programa de governo para o próximo mandato, mas propostas ambiciosas e transformadoras, sem as ditas “restrições político-partidárias, orçamentárias ou corpora-tivistas”, para que a nação, em dez anos, eliminasse o enorme fosso existente entre a qualidade da educação básica no Brasil e aquela dos países mais desenvolvidos. As conclusões desse trabalho podem se resumidas em três grandes temas:

1) Desenvolver um novo modelo de escola - precisamos revisar a abordagem pedagógica, o conteúdo do currículo e a carga horária. Pesquisas recentes sugerem que a ampliação do número de horas dos alunos em sala de aula proporciona enorme impacto no aproveitamento escolar. Esse novo formato, de regime integral, deveria incluir carga horária de aproximadamente oito horas, infraestrutura como laboratório de informática, ciências, sala de leitura e currículo com maior foco em português e matemática, além da inclusão de matérias optativas no ensino médio.

2) Melhorar as ações pedagógicas - podemos gastar fortunas em infraestrutura sem obter qualquer mudança no aproveitamento dos alunos. O maior impacto vem do aperfeiçoamento da maneira de ensinar. São exemplos de ações a perseguir nessa frente:
criação e unificação do currículo base nacional - partindo do que já existe, coordenar a elaboração de padrões curriculares básicos, explicitando com clareza as habilidades e competências esperadas por cada série/ano, que possam servir de referência obrigatória tanto para os currículos a ser construídos pelos Estados e municípios como para as avaliações nacionais;
elaboração de material pedagógico produzido com as novas tecnologias educacionais usadas no ensino à distância e estruturado de acordo com as diretrizes curriculares dos diferentes anos/séries. Esses materiais podem ser usados presencialmente nas salas de aula, como é feito na Coreia;
fortalecimento da cultura de avaliação e acompanhamento do desempenho dos alunos;
campanha de alfabetização por meio de programas bem estruturados;
instituir avaliações diagnosticas para todos os alunos em todas as séries, quatro vezes por ano, com o objetivo de personalizar as intervenções pedagógicas de cada sala de aula;
criação de equipes de acompanhamento da gestão pedagógica.

3) Investir nos professores - a qualificação desses profi-sisonais é o fator que mais influencia no aprendizado dos alunos. Por isso, é preciso atualizar os cursos de pedagogia para que os professores, mais que dominar o conteúdo, estejam habilitados a conduzir atividades em sala de aula. Em paralelo, há que promover a contínua capacitação dos atuais professores, gestores e pessoal de apoio em geral, voltada para a realidade da sala de aula, do laboratório, da gestão da escola, da biblioteca, do ambiente escolar. Devem ser oferecidos aos professores materiais estruturados, com práticas de gestão em sala de aula e conteúdo nos moldes dos bons sistemas de ensino.

A carreira precisa ser meritocrática. Mas o magistério público atualmente é uma das carreiras menos atraentes: o salário inicial é baixo, faltam perspectivas, há problemas de infraestrutura nas escolas e a profissão está desvalorizada socialmente. Pesquisas sugerem que os melhores professores abandonam a carreira nos primeiros cinco anos de trabalho. Para mudar esse quadro, a seleção deveria ser mais rígida e as contratações feitas pela Consolidação das Leis Trabalhistas, não por concursos públicos, que garantem estabilidade. O salário inicial tem de ser mais atraente. Parte dele poderia ser baseada em avaliações do desempenho, medidas pelo aproveitamento dos alunos. As promoções seriam igualmente respaldadas por essas avaliações. Além disso, o professor se dedicaria em período integral a uma única escola. Com isso, ele teria mais tempo para preparar as aulas e dar apoio aos estudantes no contraturno.

Há também um impacto enorme da competência e comprometimento do diretor com o resultado da escola. Vemos isso todos os dias nas escolas da Parceiros da Educação (o fator determinante para a escolha de uma instituição parceira é o comprometimento do diretor). Logo, uma sociedade que efetivamente priorize a educação tem de desenvolver uma carreira para esses cargos que atraia e retenha os melhores talentos. Foi o caso de Coreia e Finlândia.

Por fim, é fundamental recuperar a imagem da profissão. Países como Cingapura e Inglaterra fizeram (e fazem continuamente) grandes esforços de marketing e relações públicas para projetar a profissão na sociedade. A Inglaterra conseguiu, em cinco anos, a partir de reformas estruturais e divulgação maciça, levar a profissão de professor da 90a entre as mais desejadas pelos estudantes para o quinto lugar.

Podemos e temos de sonhar em transformar nosso sistema de ensino num dos melhores do mundo. Dinheiro não falta. Faltam sim vontade política e competência. Precisamos colocar a educação como prioridade absoluta de Estado.

Jair Ribeiro e Ana Maria Diniz são empresários e coordenadores da Associação Parceiros da Educação, organização não governamental que promove a adoção de escolas públicas por empresários

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