Michael Barber
Autor(es): Camila Guimarães
Época - 11/06/2012
O executor da reforma educacional da Inglaterra fechou as piores escolas da rede. Ele afirma que o Brasil precisa definir metas de qualidade no ensino
Entre 1997 e 2007, a Inglaterra passou por uma rápida e profunda reforma educacional. Michael Barber, que foi conselheiro de diversos países na área de educação e hoje é executivo da britânica Pearson, uma das maiores empresas educacionais do mundo, teve papel fundamental na mudança. Como assessor-chefe do Ministério da Educação do governo Tony Blair e depois como seu assessor direto, Barber foi responsável por colocar em prática uma das medidas mais polêmicas – e necessárias – da reforma: fechar as escolas de desempenho ruim. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele diz que o único caminho para o Brasil ganhar relevância mundial é melhorar a qualidade de sua educação. Para isso, afirma ele, é preciso investir na carreira dos professores.
ÉPOCA – Quais as principais características da reforma educacional implantada na Inglaterra?
Michael Barber – A primeira coisa que fizemos foi definir como prioridade melhorar a qualidade do ensino de leitura, escrita e matemática nas escolas primárias, que atendem crianças de 5 até 11 anos. Para isso acontecer, o governo elaborou materiais estruturados de aulas nessas três áreas e treinou todos os professores para que pudessem usá-los em sala. Todos os 190 mil professores aprenderam as melhores práticas de ensino em leitura, escrita e matemática. A forma como lidamos com o fracasso foi um segundo pilar da reforma. Para mudar, é preciso enfrentar o fracasso. Onde havia escolas com baixo desempenho, Londres (o governo britânico) interveio. Onde havia redes locais de ensino ruins, Londres interveio. Muitas redes de ensino não tinham coragem suficiente para enfrentar os pontos negativos do sistema e perpetuavam os pontos falhos. Esse tipo de enfrentamento, sempre centralizado em Londres, foi muito controverso, muito difícil, mas crucial para a reforma dar certo. Com ele, passamos uma mensagem para autoridades locais, sociedade e professores: havia um padrão mínimo de qualidade de ensino aceitável. Por fim, demos autonomia e cobramos um desempenho transparente e prestação de contas das boas escolas. O diretor pode escolher quem ele vai contratar, quanto vai pagar de salário, quanto vai gastar em livros, em computadores e como ele organiza a rotina diária da escola. Em compensação, essas escolas são avaliadas regularmente, e os diretores se responsabilizam por elas.
ÉPOCA – Como acontecia a intervenção nas escolas ruins?
Barber – As escolas do governo são inspecionadas a cada quatro anos por uma agência independente. Essa agência determina se o desempenho de uma escola é insatisfatório. Nesses casos, com as autoridades locais, nós fechamos algumas escolas. Outras foram fechadas, melhoradas e depois reabertas. Houve ainda casos em que tivemos de transferir alunos para escolas melhores. O tempo todo a questão era sempre como educar essa criança melhor e o mais rápido possível. Essa é a única questão que importa. Todo o resto é subjetivo.
ÉPOCA – Durante o período da reforma, houve resistência por parte dos sindicatos dos professores?
Barber – Obviamente havia diferentes visões entre os professores. Nem todos apreciaram a política assertiva de Londres. Mas o número de professores a favor da reforma cresceu ao longo dos anos. Isso porque os treinamentos eram de alta qualidade, e eles viam por si mesmos os resultados positivos em suas salas de aula.
ÉPOCA – O senhor acredita que o Reino Unido tenha lições a ensinar ao Brasil?
Barber – Pelo tamanho do sistema educacional brasileiro, Brasília não conseguiria executar uma reforma da maneira como Londres fez (a reforma britânica não atingiu a Escócia, que tem um sistema educacional próprio). Fica mais fácil se a parte operacional ficar a cargo dos governos locais. Ao governo central cabe estimular a sociedade, os pais, os professores e estabelecer expectativas e metas de qualidade. Em países com estrutura federal similar à do Brasil, acontece isso. A Austrália acaba de criar um currículo nacional unificado. Na Alemanha, o governo federal não controla os Estados, mas estabeleceu alguns padrões. Nos Estados Unidos, o governo teve um papel fundamental na reforma dos últimos anos com o programa Race to the Top. No Canadá, o governo central é fraco, mas os ministros se reúnem regularmente num comitê para trocar experiências.
ÉPOCA – Como o senhor vê a educação brasileira?
Barber – Durante o período da ditadura militar, não houve muito interesse em investir na qualidade da educação pública. Isso gerou uma demanda por escolas particulares, e o setor privado cresceu consideravelmente. O Brasil fez progressos importantes nos últimos dez anos. No Pisa (avaliação internacional de estudantes feita pela OCDE), o Brasil ainda tem um desempenho muito baixo, mas sua evolução é significativa. Há bons exemplos de sistemas estaduais com bons resultados, como o de Minas Gerais. Vejo muitos projetos educacionais isolados dos quais as escolas podem se orgulhar.
ÉPOCA – Projetos isolados são o suficiente para a ambição brasileira de mudar de patamar econômico e social?
Barber – De jeito nenhum. O Brasil teve um grande crescimento econômico recente e tem grandes aspirações, tanto internamente como no que diz respeito ao papel que ocupará globalmente. Mas o Brasil só terá influência mundial se melhorar a qualidade da educação como um todo.
ÉPOCA – O senhor arrisca um palpite de como fazer isso?
Barber – É um desafio imenso. Há duas coisas fundamentais que precisam ser feitas: aumentar muito a média do desempenho dos estudantes brasileiros – e isso exigirá anos e anos de trabalho. Em segundo lugar, e mais difícil ainda, é preciso reduzir urgentemente a desigualdade do ensino. Um dos caminhos para isso é investir na carreira de professor. Foi o que fizemos no segundo mandato de Tony Blair. Foi feito investimento de capital, e foram criadas políticas públicas para a formação e seleção de professores melhores. Garantir profissionais com alta qualificação e com características pessoais adequadas ao ensino é crucial para que o Brasil continue melhorando o desempenho de seus alunos. A carreira do professor tem de ser valorizada para atrair as melhores cabeças para a profissão. As pessoas precisam escolher seguir a carreira de professor – e não virar um deles só porque não tinham nada melhor para fazer.
ÉPOCA – Essa mudança de patamar na qualidade dos professores leva tempo...
Barber – Na reforma educacional da Inglaterra, fizemos isso com alguma rapidez. Uma das principais medidas foi melhorar o estágio feito pelos futuros professores. Para um professor se formar na Inglaterra, é preciso estudar três anos e depois fazer mais um ano de estágio. Nesse estágio, o futuro professor passa pelo menos dois terços do tempo dentro da escola. Não em salas de aula de universidades, não assistindo a palestras, mas de fato trabalhando com outros professores, dentro das salas de aula iguais às que assumirão mais tarde. As universidades tiveram de construir parcerias com as escolas para que isso acontecesse, e o governo apoiou essas parcerias com dinheiro. Formar bons professores nunca é rápido o suficiente. Um dos conselhos que eu daria ao governo brasileiro é persistir. Fazer uma reforma na educação não é tarefa de um ou dois anos, mas de cinco a dez anos. Com a liderança certa, as diretrizes certas e persistência, a mudança para melhor acontecerá.
Autor(es): Camila Guimarães
Época - 11/06/2012
O executor da reforma educacional da Inglaterra fechou as piores escolas da rede. Ele afirma que o Brasil precisa definir metas de qualidade no ensino
Entre 1997 e 2007, a Inglaterra passou por uma rápida e profunda reforma educacional. Michael Barber, que foi conselheiro de diversos países na área de educação e hoje é executivo da britânica Pearson, uma das maiores empresas educacionais do mundo, teve papel fundamental na mudança. Como assessor-chefe do Ministério da Educação do governo Tony Blair e depois como seu assessor direto, Barber foi responsável por colocar em prática uma das medidas mais polêmicas – e necessárias – da reforma: fechar as escolas de desempenho ruim. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele diz que o único caminho para o Brasil ganhar relevância mundial é melhorar a qualidade de sua educação. Para isso, afirma ele, é preciso investir na carreira dos professores.
ÉPOCA – Quais as principais características da reforma educacional implantada na Inglaterra?
Michael Barber – A primeira coisa que fizemos foi definir como prioridade melhorar a qualidade do ensino de leitura, escrita e matemática nas escolas primárias, que atendem crianças de 5 até 11 anos. Para isso acontecer, o governo elaborou materiais estruturados de aulas nessas três áreas e treinou todos os professores para que pudessem usá-los em sala. Todos os 190 mil professores aprenderam as melhores práticas de ensino em leitura, escrita e matemática. A forma como lidamos com o fracasso foi um segundo pilar da reforma. Para mudar, é preciso enfrentar o fracasso. Onde havia escolas com baixo desempenho, Londres (o governo britânico) interveio. Onde havia redes locais de ensino ruins, Londres interveio. Muitas redes de ensino não tinham coragem suficiente para enfrentar os pontos negativos do sistema e perpetuavam os pontos falhos. Esse tipo de enfrentamento, sempre centralizado em Londres, foi muito controverso, muito difícil, mas crucial para a reforma dar certo. Com ele, passamos uma mensagem para autoridades locais, sociedade e professores: havia um padrão mínimo de qualidade de ensino aceitável. Por fim, demos autonomia e cobramos um desempenho transparente e prestação de contas das boas escolas. O diretor pode escolher quem ele vai contratar, quanto vai pagar de salário, quanto vai gastar em livros, em computadores e como ele organiza a rotina diária da escola. Em compensação, essas escolas são avaliadas regularmente, e os diretores se responsabilizam por elas.
ÉPOCA – Como acontecia a intervenção nas escolas ruins?
Barber – As escolas do governo são inspecionadas a cada quatro anos por uma agência independente. Essa agência determina se o desempenho de uma escola é insatisfatório. Nesses casos, com as autoridades locais, nós fechamos algumas escolas. Outras foram fechadas, melhoradas e depois reabertas. Houve ainda casos em que tivemos de transferir alunos para escolas melhores. O tempo todo a questão era sempre como educar essa criança melhor e o mais rápido possível. Essa é a única questão que importa. Todo o resto é subjetivo.
ÉPOCA – Durante o período da reforma, houve resistência por parte dos sindicatos dos professores?
Barber – Obviamente havia diferentes visões entre os professores. Nem todos apreciaram a política assertiva de Londres. Mas o número de professores a favor da reforma cresceu ao longo dos anos. Isso porque os treinamentos eram de alta qualidade, e eles viam por si mesmos os resultados positivos em suas salas de aula.
ÉPOCA – O senhor acredita que o Reino Unido tenha lições a ensinar ao Brasil?
Barber – Pelo tamanho do sistema educacional brasileiro, Brasília não conseguiria executar uma reforma da maneira como Londres fez (a reforma britânica não atingiu a Escócia, que tem um sistema educacional próprio). Fica mais fácil se a parte operacional ficar a cargo dos governos locais. Ao governo central cabe estimular a sociedade, os pais, os professores e estabelecer expectativas e metas de qualidade. Em países com estrutura federal similar à do Brasil, acontece isso. A Austrália acaba de criar um currículo nacional unificado. Na Alemanha, o governo federal não controla os Estados, mas estabeleceu alguns padrões. Nos Estados Unidos, o governo teve um papel fundamental na reforma dos últimos anos com o programa Race to the Top. No Canadá, o governo central é fraco, mas os ministros se reúnem regularmente num comitê para trocar experiências.
ÉPOCA – Como o senhor vê a educação brasileira?
Barber – Durante o período da ditadura militar, não houve muito interesse em investir na qualidade da educação pública. Isso gerou uma demanda por escolas particulares, e o setor privado cresceu consideravelmente. O Brasil fez progressos importantes nos últimos dez anos. No Pisa (avaliação internacional de estudantes feita pela OCDE), o Brasil ainda tem um desempenho muito baixo, mas sua evolução é significativa. Há bons exemplos de sistemas estaduais com bons resultados, como o de Minas Gerais. Vejo muitos projetos educacionais isolados dos quais as escolas podem se orgulhar.
ÉPOCA – Projetos isolados são o suficiente para a ambição brasileira de mudar de patamar econômico e social?
Barber – De jeito nenhum. O Brasil teve um grande crescimento econômico recente e tem grandes aspirações, tanto internamente como no que diz respeito ao papel que ocupará globalmente. Mas o Brasil só terá influência mundial se melhorar a qualidade da educação como um todo.
ÉPOCA – O senhor arrisca um palpite de como fazer isso?
Barber – É um desafio imenso. Há duas coisas fundamentais que precisam ser feitas: aumentar muito a média do desempenho dos estudantes brasileiros – e isso exigirá anos e anos de trabalho. Em segundo lugar, e mais difícil ainda, é preciso reduzir urgentemente a desigualdade do ensino. Um dos caminhos para isso é investir na carreira de professor. Foi o que fizemos no segundo mandato de Tony Blair. Foi feito investimento de capital, e foram criadas políticas públicas para a formação e seleção de professores melhores. Garantir profissionais com alta qualificação e com características pessoais adequadas ao ensino é crucial para que o Brasil continue melhorando o desempenho de seus alunos. A carreira do professor tem de ser valorizada para atrair as melhores cabeças para a profissão. As pessoas precisam escolher seguir a carreira de professor – e não virar um deles só porque não tinham nada melhor para fazer.
ÉPOCA – Essa mudança de patamar na qualidade dos professores leva tempo...
Barber – Na reforma educacional da Inglaterra, fizemos isso com alguma rapidez. Uma das principais medidas foi melhorar o estágio feito pelos futuros professores. Para um professor se formar na Inglaterra, é preciso estudar três anos e depois fazer mais um ano de estágio. Nesse estágio, o futuro professor passa pelo menos dois terços do tempo dentro da escola. Não em salas de aula de universidades, não assistindo a palestras, mas de fato trabalhando com outros professores, dentro das salas de aula iguais às que assumirão mais tarde. As universidades tiveram de construir parcerias com as escolas para que isso acontecesse, e o governo apoiou essas parcerias com dinheiro. Formar bons professores nunca é rápido o suficiente. Um dos conselhos que eu daria ao governo brasileiro é persistir. Fazer uma reforma na educação não é tarefa de um ou dois anos, mas de cinco a dez anos. Com a liderança certa, as diretrizes certas e persistência, a mudança para melhor acontecerá.
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