sexta-feira, 8 de junho de 2012

Mercosul quer teste regional de educação

Valor Econômico - 08/06/2012

Ministros da Educação de países do Mercosul defenderam ontem a criação de um índice de avaliação da qualidade educacional específico para os países da América Latina, em contraponto ao Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), avaliação internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para os ministros do Mercosul, que participaram ontem da 42ª Reunião de Ministros da Educação do bloco, em Buenos Aires, é preciso criar um novo indicador que considere condições regionais. A proposta, apresentada pelo ministro argentino Alberto Sileone, teve apoio de representantes do Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Venezuela.

O Pisa é aplicado a cada três anos e avalia o conhecimento de estudantes de 15 anos de idade em matemática, leitura e ciências. Em 2009, participaram 65 países e o Brasil ficou no 54º lugar.

O ministro Aloizio Mercadante defendeu que os colegas do bloco também trabalhem para instituir uma comissão para discutir os critérios de avaliação do Pisa, como metodologia e seleção de questões aplicadas em cada um dos países participantes.

Mercadante sugeriu ainda a criação de novos programas de bolsas de estudo para alunos do Mercosul, troca de material pedagógico e programa de intercâmbio para professores da educação básica entre os países do bloco.

MEC atrasa R$ 11 mi para programa de graduações

MEC atrasa R$ 11 milhões em verbas de apoio para programa de graduação
O Estado de S. Paulo - 08/06/2012

Educação. Dos 780 grupos de ensino e pesquisa apoiados pelo Programa de Educação Tutorial (PET) em todo o País, 281 estão sem receber os recursos de custeio desde o ano passado e nenhum deles obteve o repasse em 2012; MEC culpa "entraves burocráticos"

PAULO SALDAÑA - O Estado de S.Paulo

Uma das iniciativas do Ministério da Educação (MEC) de fortalecimento dos cursos de graduação, o Programa de Educação Tutorial (PET) está com verbas atrasadas em todo País. Ao todo, 281 grupos estão sem receber as verbas anuais de custeio desde 2011 e nenhum dos 780 grupos recebeu em 2012 - um valor total de quase R$ 11 milhões. Professores ainda reclamam que não conseguem submeter relatórios de atividades desde 2010.

Os atrasos das verbas de custeio de 2011 atingem 36% dos grupos do PET. Esse recurso, calculado por bolsista, gira em torno de R$ 8 mil por ano por grupo. É necessário para gastos de manutenção dos estudos e pesquisas (desde manter vivos ratinhos de laboratório até a participação de alunos em congressos).

Apesar de não ser muito conhecido, o PET tem mais de 30 anos e envolve quase 10 mil alunos. São grupos de até 12 alunos por curso ou tema, coordenados por um professor tutor. Estudantes têm bolsas de R$ 360 e tutores, de R$ 1,8 mil, o que resulta em um custo anual de cerca de R$ 57 milhões. Atualmente, o PET é mais voltado para a formação cidadã e para o exercício da tríade ensino, pesquisa, extensão, mantendo um foco de melhora na graduação.

Segundo o MEC, entraves burocráticos causaram os atrasos das verbas de 2011 e deste ano. Entretanto, vários tutores dizem que não recebem a verba desde 2009. "Não recebi em 2010, 2011 nem em 2012", afirma Maria José Martinelli Calixto, tutora do PET de Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul. Sem o dinheiro, alunos não puderam participar do encontro nacional do PET, previsto pelo programa.

Um grupo da Universidade de São Paulo (USP) também não recebe desde 2009. "Comprei materiais com meu dinheiro. E, sem a verba para atividades como congressos, os alunos se desmotivam e vários abandonaram o programa", diz o professor, que pediu anonimato.

A manutenção dos alunos também é um desafio para o tutor Marcos Danhoni, do PET de Física da Universidade Estadual de Maringá (PR). "Em 2011 não recebi nada. Ainda consegui manter os bolsistas, mas teve gente que não conseguiu." Ele é um dos que criticam os novos rumos do programa. "Mudaram o programa sem ouvir os tutores, as bases ficaram afetadas e a avaliação pluralista e interdisciplinar saiu", afirma Danhoni.

O professor Luciano da Silva Alonso, que lidera o PET de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), reclama que o MEC exige que as verbas sejam gastas a toque de caixa. "Em setembro de 2011, recebemos a de 2010. Tivemos de finalizar o orçamento em janeiro", diz ele. "Também não fui avaliado, trabalho às escuras. É desrespeito com recurso público, poderia acontecer de um grupo não fazer nada."

O MEC promete pagar os atrasados neste ano, junto com os valores referentes a 2012. Cerca de 300 grupos receberão, segundo a pasta, até 30 de junho e, o restante, 480 grupos, até 30 de agosto. "Está claro para o governo que a atual sistemática de pagamento do custeio não é adequada. Melhorias precisam e estão sendo feitas", cita nota.

Avaliação. Os tutores precisam preparar um relatório para cada ano de atividade, além do planejamento do ano seguinte. Muitos não conseguiram submeter pelo site do programa o documento de 2010. "A qualidade do programa está ligada ao fato de ele ser avaliado. É um programa rico. Por meio da avaliação vemos se as atividades estão adequadas", diz Dante Barone, do PET de Computação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O MEC defende que os problemas com a submissão dos relatórios deve-se a um "processo de mudança na forma de avaliação do programa".

Segundo a pasta, a avaliação é realizada bienalmente e não há problemas em prorrogar o prazo. No entanto, as regras do programa preveem que Comitês Locais de Acompanhamento, uma das instâncias de avaliação do PET, realize o acompanhamento anual dos grupos.

A interface do programa na internet também tem provocado muita dor de cabeça. Tutores consideram o sistema inviável e burocrático. O MEC afirma que o novo sistema, SigPET, passa por melhorias.

Mesmo os tutores mais críticos são unânimes em reafirmar a importância do programa para a graduação e para os alunos que dele participam. Alguns só fazem elogios. Segundo a professora Nilce Nazareno da Fonte, do PET de Farmácia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o programa está atingindo o seu objetivo de formar com mais qualidade. "Existem alguns erros, mas muitos acertos", não cansa de repetir. Ferrenha defensora, ela nega a existência de problemas que o próprio MEC admite.

"O fato de não recebermos ainda o retorno dos relatórios não quer dizer que os recursos estão sendo mal empregados", diz o tutor José Fernandes de Melo Filho, do PET de Agronomia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). O dois tutores estão com as verbas de custeio de 2011 para trás em dia.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Eliminem a “verdade”

Gazeta do Povo
07/06/2012

A palavra “verdade”, na Comissão da Verdade e da Reconciliação instituída pela África do Sul, tinha um significado judicial, relacionado aos poderes do organismo. Nossa Comissão da Verdade, pelo contrário, não tem poderes judiciais. Por esse motivo, a palavra “verdade” deveria ser eliminada de seu nome.

As prerrogativas da comissão sul-africana, presidida pelo arcebispo Desmond Tutu, abrangiam não apenas a investigação de violações de direitos humanos cometidas durante o regime do apartheid, mas, crucialmente, a concessão de reparações às vítimas e de anistia individual a perpetradores. A comissão brasileira não dispõe das duas últimas prerrogativas: as reparações são da esfera da Comissão de Anistia e a anistia já foi concedida a todos, por meio de lei emanada na ditadura militar, recepcionada por sucessivos governos civis e confirmada pelo STF. O mandato de nossa comissão está circunscrito por lei à produção de um relatório sobre violações de direitos humanos por motivação política entre 1946 e 1988. Para não abusarmos da noção de verdade, seu nome deveria ser algo mais modesto, como Comissão de Inquérito.

Verdade histórica é diferente de verdade judicial. Nos tribunais, e em uma comissão com poderes judiciais, como a sul-africana, a verdade é uma narrativa factual organizada à luz dos códigos legais. A decisão final, transitada em julgado, é uma “verdade” irrecorrível, com implicações penais ou cíveis. A “verdade” histórica, por outro lado, é uma interpretação dos eventos do passado que oscila ao sabor do “espírito do presente” – isto é, dos valores predominantes em cada época. Verdades distintas concorrem entre si nas obras de História, formando um diálogo pluralista e, em princípio, infindável. Uma comissão sem estatuto judicial, mas batizada com o nome da verdade, almeja a verdade histórica. Contudo, por definição, a verdade histórica não pode ser emoldurada com o selo oficial – a não ser como contrafação fabricada por regimes totalitários.

A Lei de Anistia cercou as violações de direitos humanos cometidas pela ditadura militar com uma muralha de interdição, cassando ao sistema judiciário o poder de julgar crimes políticos declarados imprescritíveis por tratados internacionais. Vergonhosamente, a elite política brasileira teceu um consenso em torno da lei promulgada no derradeiro governo militar – e, em virtude de tal consenso, as maiorias parlamentares de sustentação de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma se recusaram a suprimir o interdito. Num intercâmbio lamentável, a proteção dos violadores foi paga, por meios pecuniários e simbólicos, pela Comissão de Anistia. Se não mudar seu nome, a Comissão da Verdade cumprirá o papel indigno de emitir o cheque simbólico final na agônica transação.

Na sua acepção judicial, a verdade está relativamente livre do jogo da política e da ideologia. A comissão sul-africana ouviu testemunhos de crimes cometidos pelo Estado e, também, das organizações de resistência, contextualizando-os segundo os princípios do Direito. Se o Brasil tivesse abolido a Lei de Anistia, tribunais emitiriam sentenças sobre as incontáveis violações cometidas impunemente pela ditadura militar e, também, sobre os escassos casos de crimes das organizações armadas que não foram julgados à época. Isso, infelizmente, não acontecerá – e a ausência do Poder Judiciário coloca a Comissão da Verdade diante do dilema expresso nas interpretações históricas dissonantes a respeito dos “anos de chumbo”.

A narrativa do combate nas trevas entre os “dois lados”, representados pelo regime militar e pelas organizações armadas de esquerda, é uma fraude histórica e uma tese imoral. A repressão política, as prisões e a tortura atingiram os opositores em geral, em sua maioria desarmados, não apenas as correntes minoritárias da esquerda armada. O poder de Estado, com seus aparelhos judiciais, policiais e militares, não pode ser equiparado aos grupos irregulares de militantes das organizações seduzidas pela estratégia do “foco revolucionário”. O assassinato e a tortura nos calabouços são definidos no Direito Internacional como crimes contra a humanidade, distinguindo-se, por sua gravidade, dos demais tipos de crimes. Carlos Marighella e Carlos Lamarca praticaram crimes asquerosos. Mesmo assim, eles não podem ser equiparados aos crimes do delegado Sérgio Fleury, do general Ednardo D’Ávila Mello ou do presidente Emílio Garrastazu Médici.

A historiografia, tanto quanto os tribunais, tem ferramentas para destruir o falso sinal de identidade desenhado com a finalidade de providenciar um álibi à ditadura militar. O leitor decente sabe separar as narrativas históricas legítimas das fábulas ideológicas destinadas a justificar crimes contra a humanidade. Contudo, a pretensão impossível de estatizar a verdade histórica no regime democrático confere à narrativa delinquente sobre os “dois lados” a aura de uma “verdade sufocada” em confronto desigual com uma “verdade dos vencedores”.

Uma comissão de inquérito consagrada ao relato dos crimes contra a humanidade praticados pela ditadura militar seria capaz de iluminar fatos, personagens e circunstâncias ainda desconhecidos, oferecendo material valioso para os historiadores. Em contraste, uma Comissão da Verdade sem poderes judiciais está condenada a fabricar interpretações estatais sobre o passado, algo com valor de verdade similar ao dos retratos encomendados pelos mecenas.

O conceito africano de ubuntu relaciona-se à ideia de que a humanidade de cada indivíduo depende da dignidade humana de todos os demais. A comissão sul-africana tinha a missão escrita de promover ubuntu, não “retaliação” nem “vitimização”. Nossa comissão não pode promover ubuntu, mas ao menos não precisa se engajar em operações simbólicas de retaliação e vitimização. Eliminem a “verdade”, senhores comissários!

Demétrio Magnoli, sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP.

Degraus de ilusão

Autor(es): Lya Luft
Veja - 04/06/2012

Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma "nova classe média", realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina. Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.

Porém, o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas. Além disso, a inadimplência cresce de maneira preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.

Estamos enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda mais, de maneira impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem, esclarecerem, formarem uma opinião sensata e positiva, tomam novas medidas para que esse consumo insensato continue crescendo – e, como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar.

Sou de uma classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos básicos: ter seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar firme para manter e, quem sabe, expandir isso. Para garantir uma velhice independente de ajuda de filhos ou de estranhos; para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a própria vida com dignidade.

Tais ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco estimulados o desejo de crescimento firme e a construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente desarmados.

Somos uma sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em "aproveitar a vida", seja o que isso for, e em adquirir mais e mais coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos estar cuidando, com muito afinco e seriedade, de melhores escolas e universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito mais eficientes, saúde excelente, e verdadeiro crescimento do país. Mas corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.

A mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é investir fortemente, abundantemente, decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo isso como nossa prioridade. Fosse o contrário, estaríamos atentos aos nossos gastos e aquisições, mais interessados num crescimento real e sensato do que em itens desnecessários em tempos de crise. Isso não é subir de classe social: é saracotear diante de uma perigosa ladeira. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário (e antiquado) protesto.

Conflito e violência na escola

Autor(es): Wanda Engel
Correio Braziliense - 07/06/2012

Superintendente executiva do Instituto Unibanco

Em primeiro lugar, é importante destacar que o conflito é fenômeno inerente às próprias relações interpessoais. Basta uma relação entre duas pessoas para que surjam ocasiões em que desejos e interesses se contrapõem, desencadeando situação de conflito. Eles não devem e não podem ser evitados, podendo ser resolvidos de forma construtiva por meio do diálogo ou negativa quando se usam as diferentes formas de violência.

Imaginemos, agora, o potencial de conflitos existentes em uma comunidade escolar, que reúne diferentes atores — alunos e seus responsáveis, professores, profissionais de apoio, equipes de direção — e lida diretamente com outros grupos de interesse, como a comunidade do entorno, representantes dos órgãos centrais da educação, além da própria opinião pública. Cada um deles com seus interesses e sua cultura, que, além de diferenciados, podem ser extremamente antagônicos. Nessa conjuntura, não dá para varrer as divergências para baixo do tapete. É fundamental que se desenvolvam estratégias para lidar com o conflito.

Também nesse campo, o importante é prevenir, identificando-se os possíveis fatores geradores. Talvez os mais importantes sejam os valores dominantes em nossa sociedade. Vivemos em um mundo pautado pelo individualismo, pela falta de ética, pelo desrespeito aos outros e às regras, e pela impunidade. A escola precisa assumir seu papel na formação das novas gerações, desenvolvendo estratégias pedagógicas intencionalmente voltadas para a construção de valores pautados na ética.

Processo que se inicia em atos de cortesia (bom-dia, obrigado, por favor), prossegue na capacidade de se colocar no lugar do outro (empatia) e desemboca no sentimento de solidariedade. A consolidação da ideia de igualdade é fundamental para o desenvolvimento de valores como respeito, confiança e solidariedade, considerados como componentes básicos do capital social. Baixos níveis de capital social estão associados a grupos cujas relações são pautadas na violência, perdendo a capacidade de gerar resultados.

A ênfase na intencionalidade desse processo baseia-se no fato de que, sem a clara determinação de realizar esse trabalho e o desenho de caminhos educacionais mais efetivos para realizá-lo, não será possível reverter a ideia, fortemente hegemônica, de que os seres humanos são melhores ou piores, dependendo da origem socioeconômica, do gênero, da raça, da idade, do peso, da aparência ou da opção sexual. Nessa lógica, caso não seja homem, branco, jovem, magro, bonito, heterossexual e rico, você poderá ser considerado necessariamente inferior, merecendo ser discriminado, marginalizado, violentado psicológica ou fisicamente, ou, no limite, exterminado. Assim, num momento de choque de interesses, aqueles que se enquadram em um dos padrões socialmente valorizados, podem se sentir no direito de impor sua vontade por meio da violência, assim como o discriminado, de se sentir obrigado a utilizá-la para se fazer respeitar.

O uso da violência numa situação de conflito pode também estar ligado à incapacidade de resolvê-lo por meio do diálogo. É através do diálogo e da argumentação que se consegue mediar conflitos e encaminhá-los para uma resolução satisfatória para todos. Assim é que o mais importante antídoto contra o uso da violência, em situações de conflito, parece ser um trabalho efetivo das escolas no desenvolvimento de habilidades dialogais. Uma sociedade democrática prescinde da prática argumentativa.

Enfrentar as duas questões seria agir na raiz do problema, mas, como toda mudança cultural, com resultados a mais longo prazo. A escola precisa, entretanto, preparar-se, a curto prazo, para os complexos conflitos que vem enfrentando, cada vez mais resolvidos por meio da violência. O primeiro passo seria a institucionalização das normas de funcionamento, mediante um estatuto, construído de forma participativa, divulgado amplamente e cumprido de forma justa. Pior do que não ter um estatuto, é tê-lo desconhecido, na gaveta ou usado de forma arbitrária. Começa assim, para as novas gerações, a prática da ausência de normas ou do respeito às normas, aliada ao sentimento de impunidade ou injustiça.

É claro que a escola não é uma ilha, estando sujeita à violência que a circunda e muitas vezes a invade, mas, como formadora de sujeitos sociais, ela também é responsável pela reprodução do seu uso nas situações de conflito. Ter a intenção e desenvolver as melhores estratégia para a formação de sujeitos éticos; estabelecer relações, entre os diferentes atores da comunidade escolar, baseadas no respeito, na confiança e na solidariedade; estruturar-se como instituição baseada em normas claras, consubstanciadas em um estatuto conhecido e aprovado por todos e aplicado com justiça; podem ser os primeiros passos para que as novas gerações aprendam a resolver seus conflitos por meio do diálogo, não da violência.