Autor(es): Isis Brum
O Estado de S. Paulo - 02/11/2010
Pesquisa da Unicamp mostra que, de 2008 para 2009, o número de cidades paulistas que usam, no ensino infantil, apostilas de sistemas de ensino privados subiu de 24 para 32. Há dez anos, eram quatro.
Educação. Adoção de sistema privado de apostilas, elaborado por grupos como Anglo, Etapa e COC, provoca discussão nas escolas de ensino fundamental e médio; recentemente, municípios e colégios particulares passaram a adotar o modelo também na pré-escola
JORNAL DA TARDE - O Estado de S.Paulo
Fonte de polêmica no ensino fundamental e médio, o uso de apostilas elaboradas por sistemas de ensino privados cresce também no ensino infantil, etapa voltada para crianças entre 4 e 5 anos. Pesquisa feita pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que, de 2008 para 2009, o número de municípios do Estado que adotam o modelo subiu de 24 para 32. Há dez anos, só 4 cidades tinham apostilas para essa faixa etária.
As apostilas também são utilizadas atualmente por muitas pré-escolas privadas, embora educadores se posicionem contra a prática nessa etapa da vida escolar. Até os 5 anos, a orientação do Ministério da Educação (MEC) é para que sejam priorizadas as brincadeiras, adiando a entrada do aluno em um ensino mais sistematizado e com maiores regras e cobranças.
A pesquisadora Theresa Adrião, autora do estudo e professora da Faculdade de Educação da Unicamp, afirma que o grupo de municípios que aderiu aos sistemas apostilados na pré-escola concentra cidades com até 200 mil habitantes.
"Está havendo um crescimento da adoção deste tipo de material para a educação infantil. As escolas privadas já usavam há alguns anos, mas as redes públicas começaram a entrar agora", afirma Theresa Adrião. "No ensino apostilado, as aulas são padronizadas, assim como os temas e as atividades pedagógicas", diz.
Um dos temores dos educadores é que, justamente na fase em que a criança precisa de estímulos diversos, com brincadeiras e atividades lúdicas, as aulas fiquem limitadas às atividades propostas nos cadernos, o que restringiria a criatividade e a experimentação dos pequenos.
"Nessa fase, a criança precisa de outras experiências, associadas a brincadeiras. É por meio das atividades lúdicas que adquirem conhecimento", explica Bianca Correa, professora de Pedagogia do câmpus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, "é um equívoco usar o sistema no ensino infantil".
Legislação. Não há norma para o uso ou não de apostilas na educação infantil. Cada escola ou rede é autônoma para definir o melhor sistema de ensino, desde que respeitadas as diretrizes curriculares da educação básica, cujo parecer foi aprovado em 2009 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologado neste ano pelo MEC.
"O problema não é o material e sim o uso. Ele não pode servir de muleta para professores e alunos, mas deve funcionar como um instrumento de trabalho em sala de aula", afirma César Callegari, integrante da Câmara de Educação Básica do CNE.
"Há 15 anos, havia muito material ruim no mercado editorial. Hoje, porém, é diferente, há muita coisa boa." Para Callegari, "todas as escolas, redes e professores têm condições de desenvolver seu próprio material, mesmo as cidades e as redes pequenas".
Coordenadora pedagógica da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola particular do Jardim Anália Franco, bairro nobre da zona leste da capital, Mary Assad Heneire defende o uso dos sistemas apostilados na educação infantil como uma base para orientar o trabalho pedagógico.
As apostilas adotadas pelo colégio para as duas etapas da pré-escola (Jardim I e Jardim II) trabalham com temas ao longo do ano escolar - por exemplo, animais no primeiro ano e moradias no mundo no segundo.
Segundo Mary, atividades como balé, judô, informática, aulas de culinária e noite do pijama complementam a formação dos alunos. "O objetivo não é alfabetizar, mas sim estimular o conhecimento a partir da realidade da criança e levá-la a avançar de acordo com seu potencial", afirma a coordenadora pedagógica.
Na pré-escola, o colégio da zona leste adota há seis anos o sistema apostilado do Anglo no atendimento de quase 150 crianças de 4 e 5 anos. Nessa etapa, a mensalidade da escola é de R$ 470.
"O material é um organizador das atividades, dá um norte. Mas nada substitui o trabalho do professor", explica Mary.
Consultora de outro sistema de ensino também oferecido na educação infantil, o Sistema Universitário, a pedagoga Regina Shuedo critica a falta de uma diretriz do Ministério da Educação (MEC) voltada ao uso de material pedagógico nessa etapa do ensino.
"Não existe material didático para a educação infantil", afirma Regina, que também é autora de livros infantis. "O sistema apostilado pelo menos auxilia o professor que não tem tempo de preparar aula, porque trabalha em três turnos e investe na sua formação continuada."
A FAVOR...
Mary Assad Heneire,
Coordenadora pedagógica de pré-escola privada que usa apostila
"O objetivo da apostila é estimular o conhecimento a partir da realidade da criança."
...CONTRA
Bianca Correa,
Professora de Pedagogia da USP
"É um equívoco. Nessa fase, a criança precisa de experiências associadas a brincadeiras."
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