quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Educação O enem precisa dar certo


Veja - 16/11/2010
 


A prova nacional unificada ao término do ensino médio é vital para melhorar a educação no Brasil. Descentralizada e com aplicação racional, ela terá futuro - sem agonias nem frustrações para os estudantes

Aplicado pelo Ministério da Educação a 3,3 milhões de estudantes brasileiros, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), substituto do vestibular em centenas de universidades públicas e particulares do país, tomou-se outra vez o epicentro de angústias e indefinições. Na semana passada, depois de experimentarem a ansiedade e o nervosismo típicos de momento tão decisivo, os alunos se viram às voltas com a possibilidade de ter de enfrentar novo exame, um tormento. Em todo o episódio, espanta o amadorismo. Um equivocado enunciado recomendava a todos os estudantes que preenchessem a folha de respostas na ordem errada, sendo que em 30.000 cadernos havia ainda questões duplicadas ou a menos. São falhas que seriam facilmente f1agradas por uma equipe de revisores. Elas acabaram por induzir estudantes ao erro. A Justiça Federal chegou a requisitar a anulação do exame, mas o MEC conseguiu reverter a decisão. Vai aplicar outra prova para os que ficaram com os exemplares defeituosos e corrigir os gabaritos na ordem inversa para aqueles que assim o solicitarem.

Aspirante ao curso de veterinária, a curitibana Bárbara Souza, 17 anos, resume o sentimento que fica: "O Enem virou sinônimo de trapalhada". Sem patriotada, é o caso de torcer para que esses erros sejam banidos e que o Enem continue. É ótimo para o Brasil que haja um exame nacional unificado ao término do ensino médio. As soluções para que o Enem sobreviva e se imponha aos erros existem. Elas passam pela simplicidade. O fato de ser nacional e unificado não significa que o Enem exija urna logística de guerra, com vigilância feita pelo Exército e a distribuição sincronizada pelos correios. Essa mega operação é que abre flancos para os erros. É preciso descentralizar o Enem. Um exame mais tradicional e bem-sucedido, o americano SAT, é aplicado sete vezes por ano em qualquer parte do território. O aluno o faz quantas vezes quiser e fica com a maior nota. Um banco de questões permite que sejam mandadas provas diferentes, mas com poder igual de aferição de conhecimento e habilidades. O Enem precisa e deve sobreviver em bases mais racionais e sem a mentalidade faraônica de "nunca antes neste país".

O ministro Fernando Haddad afirmava que, como a maioria dos estudantes havia sido advertida dos erros a tempo, pouca gente fora lesada. É uma verdade estatística. Mas não existe cálculo que dê conta da agonia criada pelo episódio não apenas para os alunos prejudicados, mas para todos os que se submeteram às provas. Muitos contam que só foram avisados sobre o erro da folha de respostas uma hora depois de iniciada a prova (e já tendo assinalado parte das questões). Outros perderam tempo precioso até que os fiscais os orientassem sobre como proceder. Questionados pelos jovens, eles apenas respondiam: "Preciso ligar para Brasília e me informar". Como reparar o prejuízo desses estudantes? É uma resposta que o MEC ainda não tem. Por tudo isso, os danos causados pela inépcia das autoridades não são desprezíveis - muito menos aceitáveis.

Cabe indagar como o grupo de técnicos incumbido pelo MEC da revisão de todo o material deixou escapar equívocos tão primários. Ainda que parte dos erros tenha ocorrido na gráfica, é da responsabilidade do Inep, órgão do ministério à frente das avaliações oficiais, zelar pela integridade do Enem. A incapacidade de fazer isso reflete, afinal, deficiências bem básicas do instituto. Há ali flagrante escassez de técnicos e, a uma parte deles, faltam treino e experiência para lidar com a execução de uma prova de tamanha envergadura. "Não existe no Inep gente em número suficiente para equacionar as complexas questões logísticas do Enem", diz um graduado ex-funcionário, que permaneceu no órgão por duas décadas. É de espantar. No ano passado, tais fragilidades já haviam ficado evidentes quando a condução mambembe do Enem culminou no vazamento da prova - surrupiada da gráfica sob os desatentos olhos dos representantes do MEC. Refazer todo o processo custou 40 milhões de reais. A julgar pelas confusões da semana passada, pouco aprendizado se extraiu do episódio.

Do ponto de vista técnico, os especialistas são unânimes em afirmar que o Brasil tem muito que depreender da experiência internacional para tomar o Enem menos suscetível a erros. Ao aplicar uma única prova a todos os estudantes e centralizar sua gigantesca logística num órgão oficial, o Brasil caminha em direção inversa à de países que primam pelo bom ensino. A existência de um exame único traz outro efeito colateral, este no campo acadêmico. Em muitos países, há provas diferentes para distintas áreas de conhecimento. O aluno pode escolher os testes a que vai se submeter de acordo com as exigências das universidades que almeja. Nesse modelo, não se espera do estudante que absorva um repertório colossal de matérias, mas que domine bem os temas mais ligados à futura profissão. Isso tem funcionado como um poderoso incentivo às escolas, que podem assim implantar currículos menos rígidos e cheios de disciplinas eletivas  "Com tantos jovens brasileiros abandonando a escola, isso poderia tornar o ensino mais atraente", conclui a especialista Maria Helena Guimarães.

Criado em 1998 para avaliar o desempenho dos jovens às vésperas da universidade, o Enem passou a abranger mais conteúdo no ano passado. O objetivo era substituir o velho vestibular por uma prova que priorizasse o raciocínio lógico em detrimento da decoreba, uma boa medida. A idéia de que o aluno faria uso de uma mesma nota para tentar o ingresso em várias instituições também parecia acertada, por seu potencial de reduzir o estresse da tradicional maratona do vestibular. Facilitar a vida do estudante numa fase de tantas expectativas é uma boa intenção, mas a iniciativa submergiu em meio à sucessão de trapalhadas do Enem. Na semana passada, o carioca Guilherme Costa, de 17 anos, que sonha cursar engenharia da computação, desabafava: "Foi um sufoco".

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