O Estado de S. Paulo - 28/05/2012 |
Depois
de terem recebido reajustes acima da média na última década, os
professores da educação básica continuam com os salários mais baixos do
País, entre os profissionais de nível superior. São cerca de 2 milhões
de profissionais que atendem mais de 50 milhões de crianças e jovens.
Em 2000, a renda média de um docente do ensino fundamental equivalia
a 49% do que ganhavam os demais trabalhadores com nível superior. Em
2010, a relação aumentou para 59%. No ensino médio, a variação pulou de
60% para 72%. Em média, um médico e um engenheiro civil receberam R$
7.150 e R$ 6.015 mensais, na última década. Os médicos e engenheiros
também tiveram a menor taxa de desemprego no período - 0,7% e 1,7%,
respectivamente.Já o salário médio dos docentes da educação básica ficou em torno de R$ 1.878 e a taxa de desemprego foi de 3%, entre 2000 e 2010. Em matéria de vencimentos, os professores estão atrás de bacharéis em serviço social, enfermagem e atenção primária e viagens, turismo e lazer. Os números foram extraídos do Censo do IBGE e as tabulações foram feitas pelo jornal O Globo. Os docentes do Distrito Federal recebem os maiores salários da categoria no Brasil - R$ 4.367 no ensino médio e R$ 3.412 no ensino fundamental. Os menores salários são pagos pelo magistério público dos Estados do Nordeste. No ensino médio, o salário mais baixo - R$ 1.598 - é o do magistério público paraibano. No ensino fundamental, o salário mais baixo - R$ 1.189 - é pago pelo Estado da Bahia. As consequências do aviltamento salarial do professorado são a falta de motivação, a baixa produtividade e a pequena atratividade da profissão. Por causa dos baixos salários, a carreira docente acaba atraindo, salvo exceções, apenas quem não obteve nota suficiente para ingressar nas faculdades onde os exames vestibulares são bastante disputados. Sem salário digno, além disso, o docente não se sente estimulado a se requalificar, a buscar novas técnicas pedagógicas e a ascender na carreira - pelo contrário, a categoria é conhecida pelo alto grau de absenteísmo e de afastamento por licenças médicas. A solução para o problema é cara e complexa - e o retorno, em matéria de qualidade de ensino, é obtido apenas a médio e a longo prazos. Estados e municípios, aos quais estão subordinadas as redes de ensino fundamental e médio, alegam que não dispõem de recursos próprios para aumentar os salários do magistério público. E, para pressionar a União a aumentar os repasses, até hoje muitos prefeitos e governadores continuam descumprindo a lei que estabeleceu o piso salarial unificado, em 2008. Só em 2011, isso provocou 17 greves nas redes públicas estaduais de educação básica. Além disso, para melhorar a qualidade do ensino e atrair profissionais mais qualificados para o magistério não basta apenas aumentar os salários. Também é necessário impor metas e cobrar maior produtividade - duas exigências que os líderes sindicais do professorado resistem a acatar. "Sem salário, não há a menor possibilidade de qualidade. Agora, é claro que é preciso muito mais do que isso, como carreira, formação e gestão", diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto Franklin Leão. "Não dá para imaginar que, dobrando o salário do professor, ele vai dobrar o aprendizado dos alunos. É preciso melhorar os salários para que os alunos aprendam mais, mas o profissional tem que ser mais cobrado por resultados", afirma a diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz. Na última década, as autoridades educacionais agitaram bandeiras mais vistosas do que eficazes. Elas prometeram distribuir computadores a alunos e tablets a docentes, mas não cuidaram seriamente do que é mais importante - pagar melhores salários para os professores e estimulá-los a dar conta de suas funções elementares, em matéria de ensino de português, matemática e ciências. Enquanto essas tarefas estiverem negligenciadas, o sistema educacional brasileiro continuará longe de qualquer resultado minimamente aceitável, como atestam os indicadores nacionais e internacionais de avaliação escolar. |
segunda-feira, 28 de maio de 2012
Os salários dos professores
A Comissão da Verdade e a verdade histórica
Autor(es): Ives Granda Silva Martins |
O Estado de S. Paulo - 28/05/2012 |
Depois de muita expectativa - e com grande exposição na mídia -, foi constituída comissão para "resgatar a verdade histórica" de um período de 42 anos da vida política nacional, objetivando, fundamentalmente, detectar os casos de tortura na luta pelo poder. A História é contada por historiadores, que têm postura imparcial ao examinar os fatos que a conformaram, visto serem cientistas dedicados à análise do passado. Os que ambicionam o poder fazem a História, mas, por dela participarem, não têm a imparcialidade necessária para a reproduzir. A Comissão da Verdade não conta, em sua composição, com nenhum historiador capaz de apurar, com rigor científico, a verdade histórica da tortura no Brasil, de 1946 a 1988. O primeiro reparo, portanto, que faço à sua constituição é o de que "não historiadores" foram encarregados de contar a História daquele período. Conheço seis dos sete membros da comissão e tenho por eles grande respeito, além de amizade com alguns. Não possuem, no entanto, a qualificação científica para o trabalho que lhes foi atribuído. O segundo reparo é que estiveram envolvidos com os acontecimentos daquele período. Em debate com o ex-deputado Ayrton Soares, em programa de Mônica Waldvogel, perguntou-me o amigo e colega - que defendia a constituição de comissão para essa finalidade, enquanto eu não via necessidade de sua criação - se eu participaria dela, se fosse convidado. Disse-lhe que não, pois, apesar de ser membro da Academia Paulista de História, estive envolvido nos acontecimentos. Inicialmente, dando apoio ao movimento para evitar a ameaça de ditadura e garantir as eleições de 1965, como, de resto, fizeram todos os jornais da época. No dia 2 de setembro de 1964, o jornal O Globo, em seu editorial, escrevia: "Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial à democracia, a lei, a ordem". A partir do Ato Institucional n.º 2/65, que suprimiu as eleições daquele ano, opus-me a ele, o ponto de, em 13 de fevereiro de 1969, ter sido pedido o confisco de meus bens e a abertura de um inquérito policial militar sobre minhas atividades de advogado, por defender empresa que não agradava ao regime. O mais curioso é que continuei como advogado, tendo derrubado a prisão de seus diretores, no Supremo Tribunal Federal, em 1971, por 5 a 3, à época em que os magistrados não se curvavam ao poder da mídia ou dos detentores do poder. Embora arquivados os dois pedidos, o fato de ter sido anunciada a abertura do processo contra mim, pelos jornais, com grande sensacionalismo, tive minha advocacia abalada por alguns anos. Nem por isso pedi indenizações milionárias ao governo atual, nem pedirei. À época apoiei a Anistia Internacional, tendo entrado para seus quadros sob a presidência de Rodolfo Konder, e fui conselheiro da OAB-SP por seis anos, antes da redemocratização. À evidência, faltar-me-ia, por mais que quisesse ser imparcial, a tranquilidade necessária para examinar os fatos com isenção. Envolvidos da época não podem adotar uma postura neutra ao contar os fatos históricos de que participaram. O terceiro reparo é que alguns de seus membros pretendem que a verdade seja seletiva. Tortura praticada por guerrilheiro não será apurada, só a que tenha sido levada a efeito por militares e agentes públicos. O que vale dizer: lança-se a imparcialidade para o espaço, dando a impressão que guerrilheiro, quando tortura, pratica um ato sagrado; já os militares, um ato demoníaco. Bem disse o vice-presidente da República, professor Michel Temer, em São Paulo, no último dia 17, que os trabalhos da comissão devem ser abrangentes e procurar descobrir os torturadores dos dois lados. O quarto reparo é que muitos guerrilheiros foram treinados em Cuba, pela mais sangrenta ditadura das Américas no século 20. Assassinaram-se, sem direito a defesa, nos paredões de Fidel Castro mais pessoas do que na ditadura de Pinochet, em que também houve muitas mortes sem julgamento adequado. Um bom número de guerrilheiros não queria, pois, a democracia, mas uma ditadura à moda cubana. Radicalizaram o processo de redemocratização a tal ponto que a imprensa passou a ser permanentemente censurada. Estou convencido de que esse radicalismo e os ideais da ditadura cubana que o inspiraram apenas atrasaram o processo de redemocratização e dificultaram uma solução acordada e não sangrenta. O quinto aspecto que me parece importante destacar é que, a meu ver, a redemocratização se deveu ao trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se tornou a voz e os pulmões da sociedade. Liderada por um brasileiro da grandeza de Raimundo Faoro, conseguiu, inclusive, em pleno período de exceção, com apoio dos próprios guerrilheiros, aprovar a Lei da Anistia (1979), permitindo, pois, que todos voltassem à atividade política. Substituindo as armas de fogo pela arma da palavra, a OAB deu início à verdadeira redemocratização do País. Por fim, num país que deveria olhar para o futuro, em vez de remoer o passado - tese que levou guerrilheiros, advogados e o próprio governo militar a acordarem a Lei da Anistia, colocando uma pedra sobre aqueles tempos conturbados -, a comissão é inoportuna. Parafraseando Vicente Rao, esta volta ao pretérito parece ser contra o "sistema da natureza, pois para o tempo que já se foi, fará reviver as nossas dores, sem nos restituir nossas esperanças" (O Direito e a Vida dos Direitos, Ed. Revista dos Tribunais, 2004, página 389). Estou convencido de que tudo o que ocorreu no passado será, no futuro, contado com imparcialidade, não pela comissão, mas por historiadores, que saberão conformar para a posteridade a verdade histórica de uma época. |
domingo, 20 de maio de 2012
Comissão da Verdade agirá 'doa a quem doer', diz Dipp
Membros de Comissão da Verdade pregam investigação sem revanchismo
O Estado de S. Paulo - 12/05/2012
Devassa na vida de integrantes já está em curso
Escolhido pela presidente Dilma Rousseff para compor a Comissão da Verdade, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp afirmou ontem que o trabalho do colegiado poderá contribuir para a "reconciliação nacional" sem nenhum "revanchismo" e que atuará "doa a quem doer".
O magistrado acredita que não haverá resistência às investigações do grupo, que começa os trabalhos oficialmente na próxima quarta-feira. "Não (haverá resistências). Acho que a sociedade como um todo vai absorver o sentido da lei (que criou a Comissão da Verdade, de novembro do ano passado), que é resgatar a memória nacional, trazendo à tona violações graves dos direitos humanos, reconstruindo a história e fazendo a pacificação nacional", disse Dipp, no intervalo do encontro da comissão de juristas do Senado que discute mudanças no Código Penal.
Para o ministro do STJ, a intenção da lei não é revanchismo a qualquer pessoa ou grupo: "É a procura de uma reconciliação nacional, doa a quem doer".
O magistrado, que foi elogiado pelos colegas da comissão de juristas durante a sessão, contou que recebeu a primeira sondagem para compor a Comissão da Verdade há 48 horas e o convite de Dilma ontem à tarde. "Eu fui pego de surpresa", afirmou Dipp, que não quis adiantar nenhuma linha de atuação do colegiado antes de se encontrar com os outros seis integrantes.
Para Dipp, a comissão é uma questão do "Estado brasileiro" e "não de governo". O ministro do STJ disse que desde o governo Fernando Henrique Cardoso, passando pela gestão Lula, e agora com Dilma Rousseff, o tema vem sendo debatido.
Ele ressaltou que comissões desse tipo têm sido abertas em várias nações que passaram por violações de direitos humanos. "Então o Brasil está caminhando na mão certa", disse.
O magistrado acrescentou que não é um problema o Brasil ter demorado a criar sua Comissão da Verdade. "Temos que trabalhar com a nossa realidade, com aquilo que vamos deliberar. A questão é nossa, a responsabilidade é nossa." Dipp disse que "certamente" o propósito da comissão será cumprido.
Prazos. Pela lei que a criou, o grupo terá dois anos para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que abrange a ditadura militar. Ao fim dos trabalhos será produzido um relatório com as conclusões dos crimes investigados. Mas a Lei de Anistia, de 1979 e mantida em vigor por decisão do Supremo Tribunal Federal, não permite a punição de pessoas envolvidas com os crimes.
Questionado se o País poderia ir além, punindo agentes do Estado ou militares, ele respondeu: "Não vou fazer este comentário porque não estou autorizado a fazer, por enquanto".
Sem revanche. Também integrante da comissão, o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles disse que o papel será "buscar a reconstituição da história sem nenhum tipo de revanchismo" ou perseguição. "Não há espaço para isso", ressaltou ele, assegurando que "ninguém vai perseguir ninguém", até porque existe a Lei de Anistia, que vale para todos os lados. "Temos de virar esta página da história do Brasil. Precisamos criar uma memória e estabelecer a verdade, mas ninguém vai reescrever a história", avisou ele.
Segundo Fonteles, que foi procurador no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "existe uma lei que reconhece que o Estado brasileiro violou os direitos humanos". "É aí que vamos reconstituir a história, aproveitando já o trabalho da comissão de mortos e desaparecidos políticos do Ministério da Justiça." Para ele, "nenhum Estado pode violar os direitos humanos e o que se pretende com a comissão é evitar que estes fatos se repitam".
De acordo com Fonteles, não há o que temer os militares. "Ninguém vai perseguir ninguém. Existe uma lei de anistia em vigor", declarou, Questionado sobre a revisão da Lei de Anistia, foi taxativo: "Impossível".
Excesso de trabalho e de exposição pública. Esses foram os principais motivos que levaram algumas personalidades a recusar o convite da presidente Dilma Rousseff para integrar a Comissão da Verdade. Para os que aceitaram, o trabalho ainda não começou. Mas a devassa de suas vidas já está em curso.
O primeiro a aparecer na linha de tiro é Gilson Langaro Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor nacional de Justiça. Ontem, representantes de entidades de direitos humanos lembravam que ele atuou em defesa do Estado brasileiro, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso da Guerrilha do Araguaia.
"Fiquei decepcionado com essa escolha", disse o advogado Aton Fon Filho, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. "Na audiência pública realizada em 2010, naquela corte, o Gilson Dipp foi arrolado para testemunhar contra as reivindicações das famílias dos mortos e desaparecidos no Araguaia. Testemunhou a favor do Estado, que era acusado pelas famílias."
O vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Marcelo Zelic, seguiu a mesma linha: "É preciso lembrar que Dipp foi testemunha de defesa do Brasil no caso do Araguaia, quando defendeu aquela linha de pensamento que preconiza o esquecimento e a impunidade. Espero que o trabalho na Comissão da Verdade proporcione a este jurista uma reformulação de seus conceitos. É esperar para ver como vai atuar".
Defensores do nome do ministro lembram que ele atuou apenas como perito. De fato, nos documentos da Corte ele é mencionado como perito proposto pelo Estado. Atuou na audiência do dia 30 de março de 2010. Na mesma ocasião, João Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, apareceu como testemunha do Estado.
Do lado das famílias, foram arrolados a procuradora Flávia Piovesan e o advogado e procurador aposentado Hélio Bicudo. / ROLDÃO ARRUDA
O Estado de S. Paulo - 12/05/2012
Devassa na vida de integrantes já está em curso
Escolhido pela presidente Dilma Rousseff para compor a Comissão da Verdade, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp afirmou ontem que o trabalho do colegiado poderá contribuir para a "reconciliação nacional" sem nenhum "revanchismo" e que atuará "doa a quem doer".
O magistrado acredita que não haverá resistência às investigações do grupo, que começa os trabalhos oficialmente na próxima quarta-feira. "Não (haverá resistências). Acho que a sociedade como um todo vai absorver o sentido da lei (que criou a Comissão da Verdade, de novembro do ano passado), que é resgatar a memória nacional, trazendo à tona violações graves dos direitos humanos, reconstruindo a história e fazendo a pacificação nacional", disse Dipp, no intervalo do encontro da comissão de juristas do Senado que discute mudanças no Código Penal.
Para o ministro do STJ, a intenção da lei não é revanchismo a qualquer pessoa ou grupo: "É a procura de uma reconciliação nacional, doa a quem doer".
O magistrado, que foi elogiado pelos colegas da comissão de juristas durante a sessão, contou que recebeu a primeira sondagem para compor a Comissão da Verdade há 48 horas e o convite de Dilma ontem à tarde. "Eu fui pego de surpresa", afirmou Dipp, que não quis adiantar nenhuma linha de atuação do colegiado antes de se encontrar com os outros seis integrantes.
Para Dipp, a comissão é uma questão do "Estado brasileiro" e "não de governo". O ministro do STJ disse que desde o governo Fernando Henrique Cardoso, passando pela gestão Lula, e agora com Dilma Rousseff, o tema vem sendo debatido.
Ele ressaltou que comissões desse tipo têm sido abertas em várias nações que passaram por violações de direitos humanos. "Então o Brasil está caminhando na mão certa", disse.
O magistrado acrescentou que não é um problema o Brasil ter demorado a criar sua Comissão da Verdade. "Temos que trabalhar com a nossa realidade, com aquilo que vamos deliberar. A questão é nossa, a responsabilidade é nossa." Dipp disse que "certamente" o propósito da comissão será cumprido.
Prazos. Pela lei que a criou, o grupo terá dois anos para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que abrange a ditadura militar. Ao fim dos trabalhos será produzido um relatório com as conclusões dos crimes investigados. Mas a Lei de Anistia, de 1979 e mantida em vigor por decisão do Supremo Tribunal Federal, não permite a punição de pessoas envolvidas com os crimes.
Questionado se o País poderia ir além, punindo agentes do Estado ou militares, ele respondeu: "Não vou fazer este comentário porque não estou autorizado a fazer, por enquanto".
Sem revanche. Também integrante da comissão, o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles disse que o papel será "buscar a reconstituição da história sem nenhum tipo de revanchismo" ou perseguição. "Não há espaço para isso", ressaltou ele, assegurando que "ninguém vai perseguir ninguém", até porque existe a Lei de Anistia, que vale para todos os lados. "Temos de virar esta página da história do Brasil. Precisamos criar uma memória e estabelecer a verdade, mas ninguém vai reescrever a história", avisou ele.
Segundo Fonteles, que foi procurador no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "existe uma lei que reconhece que o Estado brasileiro violou os direitos humanos". "É aí que vamos reconstituir a história, aproveitando já o trabalho da comissão de mortos e desaparecidos políticos do Ministério da Justiça." Para ele, "nenhum Estado pode violar os direitos humanos e o que se pretende com a comissão é evitar que estes fatos se repitam".
De acordo com Fonteles, não há o que temer os militares. "Ninguém vai perseguir ninguém. Existe uma lei de anistia em vigor", declarou, Questionado sobre a revisão da Lei de Anistia, foi taxativo: "Impossível".
Excesso de trabalho e de exposição pública. Esses foram os principais motivos que levaram algumas personalidades a recusar o convite da presidente Dilma Rousseff para integrar a Comissão da Verdade. Para os que aceitaram, o trabalho ainda não começou. Mas a devassa de suas vidas já está em curso.
O primeiro a aparecer na linha de tiro é Gilson Langaro Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor nacional de Justiça. Ontem, representantes de entidades de direitos humanos lembravam que ele atuou em defesa do Estado brasileiro, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso da Guerrilha do Araguaia.
"Fiquei decepcionado com essa escolha", disse o advogado Aton Fon Filho, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. "Na audiência pública realizada em 2010, naquela corte, o Gilson Dipp foi arrolado para testemunhar contra as reivindicações das famílias dos mortos e desaparecidos no Araguaia. Testemunhou a favor do Estado, que era acusado pelas famílias."
O vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Marcelo Zelic, seguiu a mesma linha: "É preciso lembrar que Dipp foi testemunha de defesa do Brasil no caso do Araguaia, quando defendeu aquela linha de pensamento que preconiza o esquecimento e a impunidade. Espero que o trabalho na Comissão da Verdade proporcione a este jurista uma reformulação de seus conceitos. É esperar para ver como vai atuar".
Defensores do nome do ministro lembram que ele atuou apenas como perito. De fato, nos documentos da Corte ele é mencionado como perito proposto pelo Estado. Atuou na audiência do dia 30 de março de 2010. Na mesma ocasião, João Paulo Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, apareceu como testemunha do Estado.
Do lado das famílias, foram arrolados a procuradora Flávia Piovesan e o advogado e procurador aposentado Hélio Bicudo. / ROLDÃO ARRUDA
Membro da Comissão da Verdade já pediu pena a torturadores
Ações do documento
Autor(es): » JÚNIA GAMA » DIEGO ABREU
Correio Braziliense - 12/05/2012
Integrantes têm perfil atuante na defesa dos direitos humanos. Psicanalista defendeu em 2011 a condenação de torturadores
A composição da Comissão da Verdade, anunciada na quinta-feira pela presidente Dilma Rousseff, é, majoritariamente, de pessoas atuantes na defesa dos direitos humanos, o que gerou a reação de setores militares da reserva. Uma das integrantes, inclusive, chegou a defender publicamente a condenação da violência de agentes do Estado na ditadura militar.
Em artigo sobre a eleição de Dilma Rousseff, intitulado Mulher ou militante, publicado em agosto de 2011, na revista Carta capital, a psicanalista Maria Rita Kehl diz esperar de Dilma, "que foi presa política por ter lutado em favor das liberdades democráticas", que "atue decisivamente para condenar, no passado, e eliminar, no presente, a violência dos agentes do Estado que a sociedade, envergonhada, acostumou-se a considerar como um traço indelével da "cultura" brasileira".
Em outro trecho, afirma que a "posição tíbia dos sucessivos governos brasileiros diante da ala conservadora do Exército envergonha o país diante do mundo, em particular a América Latina". Em seguida, reforça a cobrança à presidente e destaca que os crimes cometidos durante a ditadura não seriam contemplados pela Lei de Anistia: "De Dilma (...) espera-se uma posição decisiva a favor da abertura da investigação sobre os desaparecidos políticos do governo militar, assim como a decisão de tornar públicos os nomes dos assassinos e torturadores, praticantes de crimes de Estado não contemplados pela Lei da Anistia".
O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, secretário de Direitos Humanos durante o governo Fernando Henrique Cardoso, é outro membro do colegiado com atuação notória na área, com destaque em casos de violações por parte de governos militares. Relator do Conselho de Direitos Humanos da ONU para Mianmar entre 2000 e 2008, Paulo Sérgio pressionou para que o Brasil se engajasse na adoção de uma resolução com o objetivo de criar uma Comissão de Inquérito na ONU que investigasse crimes perpetrados pelo governo militar de Mianmar. Em 2006, Pinheiro foi nomeado pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, para um grupo de trabalho encarregado de preparar um projeto de comissão verdade.
Outra integrante da comissão que se destacou na luta contra o regime militar foi a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, que defendeu Dilma Rousseff e o ex-marido, o advogado Carlos Araújo, quando foram presos durante a ditadura. Rosa Maria atuou no processo que o governo militar abriu contra Dilma e outros integrantes da organização de esquerda VAR-Palmares, e se especializou na defesa de crimes políticos. No início do ano, ela contou que foi perseguida pela ditadura devido ao seu trabalho.
Carta aos brasileiros
O advogado José Carlos Dias também teve participação na luta contra o regime militar. Ele foi um dos signatários da Carta aos brasileiros, manifesto publicado em 1977, repudiando a ditadura. Após atuar por anos como membro efetivo e chegar à presidência da ONG Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, hoje é conselheiro da entidade, criada há 22 anos por dom Evaristo Arns, "como reação à violência da ditadura militar e amparo às centenas de perseguidos políticos e seus familiares", conforme o site da ONG.
Já o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles atuou politicamente como secundarista e universitário, tendo sido membro da Ação Popular, movimento estudantil ligado à esquerda católica que comandou a União Nacional dos Estudantes (UNE) na década de 1960. Hoje, é membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Ainda compõem a Comissão Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça; e José Paulo Cavalcanti Filho, ex-ministro interino da Justiça. A posse do grupo está marcada para quarta-feira, no Palácio do Planalto. No dia seguinte, começam os trabalhos.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Reprovação do ensino médio de SP cresce 11%
Autor(es): PAULO SALDAÑA
O Estado de S. Paulo - 17/05/2012
A taxa de reprovação do ensino médio nas escolas da rede estadual de São Paulo atingiu 15,4% no ano passado, representando um salto de 11% em relação a 2010. O resultado do Estado mais rico do País é superior à média brasileira (13,1%), de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC).
Entre 2010 e 2011, a reprovação cresceu em todo o Brasil, mas a variação de São Paulo no período foi mais do que o dobro do País, ocupando a oitava pior posição entre os Estados. Desde 2007, as taxas de rendimento apresentam oscilação para cima e para baixo. Os resultados em 2010 haviam sido os melhores do período, mas no ano passado os índices voltaram a piorar.
A taxa de abandono do ensino médio nas escolas do Estado teve um leve crescimento, passando de 5,2% para 5,3%. A tendência é contrária à registrada, na média, pelas escolas do País.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse, especialista em avaliação educacional, os resultados são injustificáveis. "São Paulo tem uma rede pública que é antiga, consolidada. O Estado está influenciando a piora dos níveis do Brasil."
Alavarse chama atenção que a situação é mais preocupante, porque os dados não levam em conta o desempenho. De acordo com resultados do último Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar (Saresp), por exemplo, só 0,3% dos estudantes do 3.º ano do ensino médio tinha o conhecimento adequado em matemática para a série.
Outro fator relevante é que o número de alunos da rede estadual vem caindo ao longo dos anos. Dados do Inep, tabulados por Alavarse, mostram que de 1993 a 2011, o número de alunos da rede estadual de São Paulo teve uma queda de 46%. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
O Estado de S. Paulo - 17/05/2012
A taxa de reprovação do ensino médio nas escolas da rede estadual de São Paulo atingiu 15,4% no ano passado, representando um salto de 11% em relação a 2010. O resultado do Estado mais rico do País é superior à média brasileira (13,1%), de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC).
Entre 2010 e 2011, a reprovação cresceu em todo o Brasil, mas a variação de São Paulo no período foi mais do que o dobro do País, ocupando a oitava pior posição entre os Estados. Desde 2007, as taxas de rendimento apresentam oscilação para cima e para baixo. Os resultados em 2010 haviam sido os melhores do período, mas no ano passado os índices voltaram a piorar.
A taxa de abandono do ensino médio nas escolas do Estado teve um leve crescimento, passando de 5,2% para 5,3%. A tendência é contrária à registrada, na média, pelas escolas do País.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse, especialista em avaliação educacional, os resultados são injustificáveis. "São Paulo tem uma rede pública que é antiga, consolidada. O Estado está influenciando a piora dos níveis do Brasil."
Alavarse chama atenção que a situação é mais preocupante, porque os dados não levam em conta o desempenho. De acordo com resultados do último Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar (Saresp), por exemplo, só 0,3% dos estudantes do 3.º ano do ensino médio tinha o conhecimento adequado em matemática para a série.
Outro fator relevante é que o número de alunos da rede estadual vem caindo ao longo dos anos. Dados do Inep, tabulados por Alavarse, mostram que de 1993 a 2011, o número de alunos da rede estadual de São Paulo teve uma queda de 46%. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
DF, 2º em reprovação no ensino médio
Reprovação no ensino médio cresce no país
Autor(es): » PAULA FILIZOLA
Correio Braziliense - 17/05/2012
Chega a 13,1% o índice de repetência entre alunos matriculados, o maior desde 1999. Distrito Federal está entre os piores no ranking
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) revelam a maior taxa de reprovação no ensino médio brasileiro desde 1999, primeiro ano disponível para consulta no portal do órgão do Ministério da Educação (MEC). No ano passado, 13,1% dos estudantes matriculados em algum ano do ensino médio no país não obtiveram nota suficiente para passar de ano. O Rio Grande do Sul desponta no ranking em uma situação bem mais alarmante do que a média nacional, em que 20,7% dos alunos repetiram a mesma série cursada em 2010. Com uma taxa de reprovação de 18,5%, o Distrito Federal ocupa a segunda posição da lista — ao lado do Rio de Janeiro — com um dos piores desempenhos do país. O recorte do Inep foi feito com base no Censo Escolar 2011 e leva em consideração as redes pública e privada.
Além do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal, outros 11 estados brasileiros apresentaram índices de reprovação acima da média nacional. Espírito Santo (18,4%), Mato Grosso (18,2%), Mato Grosso do Sul (17,1%) e Bahia (15,6%) também estão no topo da lista. No extremo oposto, encontra-se o Amazonas, com somente 6% de reprovação, seguido do Ceará (6,7%) e Santa Catarina (7,5%). Com 15,8% de reprovação dos alunos do ensino médio, o Centro-Oeste ocupa o primeiro lugar entre as regiões. Em seguida, está o Sudeste, com 14,5%.
O ministro Aloizio Mercadante disse que é necessário um estudo mais aprofundado para poder analisar o aumento da taxa de reprovação. "Oscilações de um ano para outro sempre acontecem. Para avaliar o ensino, a taxa de reprovação é um dos indicadores de fluxo. O outro é a qualidade do aprendizado. Como o ensino médio é predominantemente estadual, e nós tivemos mudanças de governo em muitos estados no ano passado, talvez tenha aí alguma explicação", disse.
Desde que assumiu a pasta, o ministro defende a implementação do programa "Alfabetização na Idade Certa", que prevê um exame nacional para estudantes de 7 e 8 anos, de todas as escolas públicas, para testar o desempenho dos alunos em leitura, redação e matemática. A ideia é garantir que os alunos não deem continuidade aos estudos sem os conhecimentos básicos.
Qualidade
O mau desempenho, segundo especialistas, é explicado por problemas como a falta de investimento nas escolas, um currículo pouco interessante e investimentos baixos na carreira do magistério. Porém, para o professor da faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Célio Cunha, o mais importante a ser analisado é a deficiência na trajetória escolar. Segundo o especialista, é preciso considerar a chamada "qualidade social da educação", que leva em conta o aprendizado infantil e no ensino fundamental, além do perfil social do aluno. "As deficiências vão se acumulando e aparecem lá na frente. São essas fragilidades que têm que ser objeto de estudo. É essencial que essa avaliação influencie os projetos pedagógicos das escolas estaduais e municipais", critica. Cunha defende uma maior sinergia entre as esferas de governo.
Muller Victor Pereira da Silva, 17 anos, relata os dois problemas que o levaram à repetência. Primeiro foi a dificuldade que enfrentou, assim que ingressou no ensino médio, em praticamente todas as matérias. "Eu estudava em um instituto federal bem puxado. Então realmente não dei conta de acompanhar e acabei reprovando", conta o rapaz. A segunda reprovação, de novo no primeiro ano, ele reconhece que ocorreu por falta de interesse. "Perdia aula, não estudava", admite. Agora, cursando o segundo ano do ensino médio em uma escola pública da Asa Sul, Muller conta que está levando a sério os estudos. Entre as disciplinas preferidas, está a temida Física.
Para Davi Araújo Morais, no primeiro ano pela quarta vez, não há matéria difícil ou fácil. "Gosto mesmo de Filosofia. Quero fazer faculdade nessa área e ser professor", afirma. Sobre as quatro reprovações, o garoto de 18 anos, que estuda à noite, não faz rodeios: "Foi matança de aula, vadiagem mesmo", diz Davi, com o livro A divina comédia nas mãos. "Não vou mais reprovar, cansei disso", promete. Atualmente, o adolescente se divide entre as aulas e o estágio remunerado em um tribunal. Quando terminar o contrato, ele quer trabalhar com computação em uma gráfica.
Rede pública
No Distrito Federal, assim como nos outros estados, o problema maior é na rede pública. Na capital federal, em 2011, 22,3% dos estudantes do ensino médio matriculados em instituições públicas reprovaram. Segundo o coordenador de ensino médio da Rede Pública da secretaria de Educação do DF, Gilmar Ribeiro, os indicadores refletem um período de falta de políticas públicas no setor. Dados de 2010 mostram que não houve evolução no desempenho dos últimos dois anos.
Colaborou Renata Mariz
"As deficiências vão se acumulando e aparecem lá na frente. São essas fragilidades que têm que ser objeto de estudo. É essencial que essa avaliação influencie os projetos pedagógicos das escolas estaduais e municipais"
Célio Cunha, professor da Universidade de Brasília
"Como o ensino médio é predominantemente estadual, e nós tivemos mudanças de governo em muitos estados no ano passado, talvez tenha aí alguma explicação"
Aloizio Mercadante, ministro da Educação
Polêmica
O Projeto de Lei nº 1530/11, que está sendo debatido na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, prevê a divulgação nos estabelecimentos de ensino básico do país do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Criado em 2007, o Ideb possui uma escala de zero a dez e mostra a aprovação e média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática. A proposta tem criado polêmica entre os parlamentares. A deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) acredita que isso vai gerar constrangimento entre as escolas.
18,5%
Índice de reprovação entre os estudantes do Distrito Federal
Autor(es): » PAULA FILIZOLA
Correio Braziliense - 17/05/2012
Chega a 13,1% o índice de repetência entre alunos matriculados, o maior desde 1999. Distrito Federal está entre os piores no ranking
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) revelam a maior taxa de reprovação no ensino médio brasileiro desde 1999, primeiro ano disponível para consulta no portal do órgão do Ministério da Educação (MEC). No ano passado, 13,1% dos estudantes matriculados em algum ano do ensino médio no país não obtiveram nota suficiente para passar de ano. O Rio Grande do Sul desponta no ranking em uma situação bem mais alarmante do que a média nacional, em que 20,7% dos alunos repetiram a mesma série cursada em 2010. Com uma taxa de reprovação de 18,5%, o Distrito Federal ocupa a segunda posição da lista — ao lado do Rio de Janeiro — com um dos piores desempenhos do país. O recorte do Inep foi feito com base no Censo Escolar 2011 e leva em consideração as redes pública e privada.
Além do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal, outros 11 estados brasileiros apresentaram índices de reprovação acima da média nacional. Espírito Santo (18,4%), Mato Grosso (18,2%), Mato Grosso do Sul (17,1%) e Bahia (15,6%) também estão no topo da lista. No extremo oposto, encontra-se o Amazonas, com somente 6% de reprovação, seguido do Ceará (6,7%) e Santa Catarina (7,5%). Com 15,8% de reprovação dos alunos do ensino médio, o Centro-Oeste ocupa o primeiro lugar entre as regiões. Em seguida, está o Sudeste, com 14,5%.
O ministro Aloizio Mercadante disse que é necessário um estudo mais aprofundado para poder analisar o aumento da taxa de reprovação. "Oscilações de um ano para outro sempre acontecem. Para avaliar o ensino, a taxa de reprovação é um dos indicadores de fluxo. O outro é a qualidade do aprendizado. Como o ensino médio é predominantemente estadual, e nós tivemos mudanças de governo em muitos estados no ano passado, talvez tenha aí alguma explicação", disse.
Desde que assumiu a pasta, o ministro defende a implementação do programa "Alfabetização na Idade Certa", que prevê um exame nacional para estudantes de 7 e 8 anos, de todas as escolas públicas, para testar o desempenho dos alunos em leitura, redação e matemática. A ideia é garantir que os alunos não deem continuidade aos estudos sem os conhecimentos básicos.
Qualidade
O mau desempenho, segundo especialistas, é explicado por problemas como a falta de investimento nas escolas, um currículo pouco interessante e investimentos baixos na carreira do magistério. Porém, para o professor da faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Célio Cunha, o mais importante a ser analisado é a deficiência na trajetória escolar. Segundo o especialista, é preciso considerar a chamada "qualidade social da educação", que leva em conta o aprendizado infantil e no ensino fundamental, além do perfil social do aluno. "As deficiências vão se acumulando e aparecem lá na frente. São essas fragilidades que têm que ser objeto de estudo. É essencial que essa avaliação influencie os projetos pedagógicos das escolas estaduais e municipais", critica. Cunha defende uma maior sinergia entre as esferas de governo.
Muller Victor Pereira da Silva, 17 anos, relata os dois problemas que o levaram à repetência. Primeiro foi a dificuldade que enfrentou, assim que ingressou no ensino médio, em praticamente todas as matérias. "Eu estudava em um instituto federal bem puxado. Então realmente não dei conta de acompanhar e acabei reprovando", conta o rapaz. A segunda reprovação, de novo no primeiro ano, ele reconhece que ocorreu por falta de interesse. "Perdia aula, não estudava", admite. Agora, cursando o segundo ano do ensino médio em uma escola pública da Asa Sul, Muller conta que está levando a sério os estudos. Entre as disciplinas preferidas, está a temida Física.
Para Davi Araújo Morais, no primeiro ano pela quarta vez, não há matéria difícil ou fácil. "Gosto mesmo de Filosofia. Quero fazer faculdade nessa área e ser professor", afirma. Sobre as quatro reprovações, o garoto de 18 anos, que estuda à noite, não faz rodeios: "Foi matança de aula, vadiagem mesmo", diz Davi, com o livro A divina comédia nas mãos. "Não vou mais reprovar, cansei disso", promete. Atualmente, o adolescente se divide entre as aulas e o estágio remunerado em um tribunal. Quando terminar o contrato, ele quer trabalhar com computação em uma gráfica.
Rede pública
No Distrito Federal, assim como nos outros estados, o problema maior é na rede pública. Na capital federal, em 2011, 22,3% dos estudantes do ensino médio matriculados em instituições públicas reprovaram. Segundo o coordenador de ensino médio da Rede Pública da secretaria de Educação do DF, Gilmar Ribeiro, os indicadores refletem um período de falta de políticas públicas no setor. Dados de 2010 mostram que não houve evolução no desempenho dos últimos dois anos.
Colaborou Renata Mariz
"As deficiências vão se acumulando e aparecem lá na frente. São essas fragilidades que têm que ser objeto de estudo. É essencial que essa avaliação influencie os projetos pedagógicos das escolas estaduais e municipais"
Célio Cunha, professor da Universidade de Brasília
"Como o ensino médio é predominantemente estadual, e nós tivemos mudanças de governo em muitos estados no ano passado, talvez tenha aí alguma explicação"
Aloizio Mercadante, ministro da Educação
Polêmica
O Projeto de Lei nº 1530/11, que está sendo debatido na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, prevê a divulgação nos estabelecimentos de ensino básico do país do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Criado em 2007, o Ideb possui uma escala de zero a dez e mostra a aprovação e média de desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática. A proposta tem criado polêmica entre os parlamentares. A deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) acredita que isso vai gerar constrangimento entre as escolas.
18,5%
Índice de reprovação entre os estudantes do Distrito Federal
Direito à 'história' pautará solenidade hoje no Planalto
Ações do documento
O Estado de S. Paulo - 16/05/2012
Presidente compartilha a visão majoritária do grupo que defende o foco das investigações no período da ditadura
Sob o argumento de que o Brasil não quer revanchismos, mas tem direito de conhecer sua história, a presidente Dilma Rousseff instalará hoje a Comissão da Verdade, no Palácio do Planalto, em cerimônia que contará com a presença de parentes de desaparecidos políticos, dos três comandantes das Forças Armadas e de quatro ex-presidentes da República.
O governo apoia a visão majoritária dos integrantes da Comissão, que defendem o foco das investigações em violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado no período da ditadura (1964-1985), mas não quer manifestar que tem lado nessa discussão. "A verdade envolve tudo e deve ser buscada a qualquer preço", resumiu o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
A maioria dos sete integrantes tem perfil de esquerda. "Vocês queriam que a presidente tivesse escolhido quem? O Bolsonaro?", indagou um auxiliar de Dilma, em referência ao deputado Bolsonaro (PP-RJ), militar da reserva considerado pelo Planalto como "radical de direita".
Ex-militante de organizações de extrema esquerda, Dilma não pretende interferir nos trabalhos da Comissão nem enquadrar seus integrantes em debates sobre os rumos de seu trabalho. Em entrevista ao Estadão, o ex-secretário de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro - um dos membros do grupo - disse que "o único lado (a ser investigado) é o das vítimas", que sofreram violações de direitos humanos. "Nenhuma Comissão da Verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados", insistiu.
O advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, bateu na tecla da apuração de todos os fatos. O ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), disse que a verdade deve ser procurada, "doa a quem doer". Para a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, que defendeu Dilma na ditadura e também está no grupo, "não tem essa história de dois lados; o outro lado já foi condenado, assassinado, desaparecido".
Apesar de possíveis ruídos, o Planalto avalia que o foco dos trabalhos será acertado. "Me parece que a Comissão está muito afinada", disse a ministra da Comunicação Social, Helena Chagas.
Uma sala foi preparada no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, para abrigar a Comissão. O assunto mais espinhoso a ser tratado diz respeito aos corpos de desaparecidos políticos. No governo há o entendimento de que é preciso saber aonde eles foram jogados ou enterrados.
Embora militares temam que a Comissão seja o primeiro passo para a revisão da Lei de Anistia, o governo garante que o receio é infundado. "A Lei de Anistia está em vigor e foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal. Não há o que discutir sobre isso", observou um interlocutor de Dilma
Reprovação no ensino médio aumenta
do documento
Autor(es): agência o globo:Demetrio Weber
O Globo - 16/05/2012
No ensino médio fluminense, índice foi de 18,5% em 2011; Brasil teve pior desempenho desde 1999, com 13,1%
BRASÍLIA E RIO. A taxa de reprovação no ensino médio brasileiro voltou a subir no ano passado e bateu recorde, atingindo 13,1% na média nacional. Trata-se do mais alto índice já registrado pelo menos desde 1999, primeiro ano disponível para consulta, na internet, no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação. Em situação bem pior do que a média do país, o Rio teve uma ligeira melhora, mas manteve a posição de segundo estado com maior taxa de reprovados do ensino médio em 2011: 18,5%. Em 2010, a taxa fluminense era de 18,9%.
Os mais recentes indicadores de reprovação foram divulgados anteontem pelo Inep, sem alarde. Eles levam em conta o desempenho de estudantes da rede pública e privada. Conforme dados já divulgados pelo Inep, a taxa mais alta de reprovação no país era a de 2007, quando 13% dos alunos de ensino médio não passaram de ano. Nos últimos anos, essa taxa tem oscilado para cima e para baixo. Em 2010, ficou em 12,5%.
No Brasil, 9,6% abandonam ensino médio
Se forem consideradas apenas as escolas públicas, o quadro é ainda mais grave. No Rio, por exemplo, o índice de reprovação em estabelecimentos públicos alcançou 20,1%. No Brasil, não é diferente. A taxa global de reprovação, incluindo colégios públicos e privados, foi de 13,1% em 2011. Já o índice da rede pública, que era de 13,4% em 2010, subiu para 14,1% no ano seguinte. A reprovação nas escolas particulares brasileiras ficou na casa de um dígito no ano passado: 6,1%. Menor do que a observada na rede privada do Rio, onde o índice foi de 9,9%.
O único estado com taxa de reprovação maior do que a fluminense foi o Rio Grande do Sul, com 20,7%. No extremo oposto, o Amazonas aparece com 6%, a mais baixa do país. A taxa de reprovação aponta o percentual de estudantes que, no fim do ano letivo, não obtém nota suficiente para passar de ano. Existe ainda um outro grupo de alunos que também figura nas estatísticas de matrícula, mas não consegue avançar: são os jovens que abandonam a escola. Em 2011, no país, 9,6% largaram os estudos. Em 2010, essa taxa tinha sido maior: 10,3%.
A soma de reprovação e abandono gera um número assombrador, isto é, a quantidade de alunos que aparecem nas estatísticas de matrículas, mas não conseguem avançar. Em 2011, nada menos do que 22,7% dos jovens do ensino médio ficaram nessa situação. Dito de outra forma, a taxa de aprovação, portanto, foi de 77,3% no ensino médio, em 2011.
No Rio, a taxa de aprovação no ensino médio foi menor: 71,4%. Dentre os estudantes fluminenses, 10,1% abandonaram a escola e 18,5% foram reprovados, totalizando 28,6%. No ranking nacional, o estado aparece em 23 lugar em aprovação, na frente apenas de Rio Grande do Sul, Pará, Mato Grosso e Alagoas. O melhor desempenho foi de Santa Catarina, com 84,5%.
Passando por um momento de reestruturação, a rede estadual do Rio, que concentra a maior parte das matrículas de ensino médio, tenta lutar contra os fantasmas da repetência e do abandono. Aluno do Colégio Estadual Olavo Bilac, em São Cristóvão, Jemerson Valente, de 20 anos, conta que desde os 14 teve que conciliar a rotina de estudos com a de trabalho, numa padaria perto de casa. Ele repetiu a 1 série do ensino médio nada menos do que cinco vezes. Mas este ano se prepara para se formar, através de um projeto de aceleração de estudos, parceria da Secretaria de Educação com a Fundação Roberto Marinho.
- Meu sonho é cursar gastronomia - afirma ele.
Também aluna do Olavo Bilac, Érica Lino, de 18 anos, passou por várias repetências no ensino fundamental, mas também encontrou no processo de aceleração escolar um caminho.
- Quero ser modelo, mas sei que preciso completar o ensino médio - diz a jovem, com altura e peso dignos de passarela.
No ensino fundamental, ocorreu movimento inverso ao do ensino médio. A taxa de reprovação no Brasil caiu de 10,3% para 9,6%, entre 2010 e 2011. O índice de abandono também diminuiu de 3,1% para 2,8%, no mesmo período. No Rio, o índice de reprovados teve diminuição de 15% para 13,1%, entre 2010 e 2011. Com isso, o Rio passou a ser o nono estado com taxa mais alta de reprovação no fundamental. Em 2010, tinha o quinto maior índice do país. Sergipe tem a maior taxa, com 19,5% de reprovação no ano passado. Já Mato Grosso, a menor, com 3,6%. A taxa de abandono no Rio caiu de 2,6% para 2,1%
terça-feira, 15 de maio de 2012
Professor fará greve
Correio Braziliense - 15/05/2012 |
Dessa maneira, o modelo respeitaria, inclusive, o direito das mulheres da educação básica, de se aposentar após 25 anos de trabalho, sem prejuízo de seu desenvolvimento na carreira. O movimento foi aprovado por 33 votos favoráveis e três abstenções no último sábado, durante reunião dos representantes das instituições federais de ensino (Ifes). Agora, a decisão será levada para as assembleias locais, que serão realizadas hoje em todo o país. Está marcada também para hoje uma reunião entre representantes do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e do governo para tentar solucionar o impasse. Se não houver acordo, as eventuais atividades que poderão ser consideradas essenciais ainda serão definidas caso a caso. Nesta quinta-feira, a categoria planeja também uma mobilização na Esplanada dos Ministérios. O sindicato informou que, além da reestruturação da carreira, os professores reivindicam a valorização e a melhoria das condições de trabalho, o que vai desde a oferta de material em sala de aula até a infraestrutura das universidades e a contratação de profissionais. Reivindicações “A precariedade nas instituições federais, em diversas partes do país, principalmente nos câmpi criados por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), também vem sendo há tempos denunciada”, disse o Andes. O sindicato lembrou que essas reivindicações são históricas e que vêm sendo discutidas desde o segundo semestre de 2010, sem avanços efetivos. O problema das universidades atinge também os servidores técnico-administrativos. No ano passado, eles realizaram uma greve de mais de 100 dias em busca de um piso salarial de, pelo menos, três salários mínimos, em substituição ao atual, de R$ 1.034. Como resposta, o governo encerrou as discussões, sob a alegação de que não negocia com categoria parada. |
A Comissão da Verdade vai ser à brinca ou à vera?
Autor(es): agência o globo:Daniel Aarão Reis |
O Globo - 15/05/2012 |
Quase
seis meses depois de aprovada, a Comissão da Verdade foi, afinal,
nomeada. Demorou, mas foi o preço pago para obter um amplo consenso, o
que já se evidenciara nos debates que resultaram na lei que a
constituiu. A Comissão vai ter que lidar com suas condições. Inquieta a dependência do governo. Disse o ministro Gilson Dipp, designado, não se sabe por quem, porta-voz da Comissão, que a presidente Dilma Rousseff "deu liberdade absoluta e total" para o grupo. Ora, quem "dá" pode "tomar". Por outro lado, anunciou-se que a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, vai acompanhar "de perto" os trabalhos. Não seria melhor que ela ficasse "de longe", garantindo à Comissão uma indispensável autonomia? O escopo da Comissão preocupa igualmente. A lei previu que as investigações devem cobrir o período que vai de 1946 a 1988. Uma concessão clara aos partidários da última ditadura, feita para inviabilizar trabalhos previstos para um prazo máximo de dois anos. No entanto, alguns membros da Comissão já se dispõem a ignorar este mandamento da lei, sugerindo que o "foco principal" seja a "ditadura militar". Em outros aspectos, contudo, a lei será "intocável": a comissão não se preocupará com "punições", nem questionará a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que estendeu a anistia aos torturadores. Unindo governo e comissão, sugerindo prévias combinações, o coro também é afinado na afirmação de que "não haverá revanchismos", outro mote, repetido para afagar o corporativismo das Forças Armadas e sua visceral ojeriza, evidente até hoje, a contribuir para o esclarecimento dos crimes cometidos por seus oficiais e demais agentes da ditadura. A preocupação com o "revanchismo", cuja existência não se demonstra, mas que é sempre necessário exorcizar, enraíza-se na ideia da "guerra suja". Trata-se de uma fórmula usada não apenas no Brasil, mas também na Argentina, no Uruguai e no Chile. É simbólico que ela tenha aceitação aqui e quase nenhuma entre os vizinhos. Decorre daí que dezenas de oficiais das Forças Armadas naqueles países estejam na cadeia ou sendo objeto de processos judiciais, enquanto em nosso país permaneçam cobertos pelo manto da impunidade. Os autores da ideia da "guerra suja" querem fazer acreditar a versão de que houve no país um enfrentamento de grandes proporções, onde teriam se batido "dois lados". No entanto, o Brasil não conheceu nenhum conflito desse tipo. Ocorreram aqui algumas dezenas de ações armadas - uma guerrilha - informadas por um projeto revolucionário, que, em sua diversidade (havia muitas - pequenas - organizações), tinham em comum a tentativa de derrubar a ditadura e destruir o sistema econômico que era seu fundamento - o capitalismo. O projeto não encontrou respaldo na sociedade. E seus adeptos foram massacrados pelo Estado brasileiro - presos, torturados, mortos e exilados. Nesse massacre, as Forças Armadas, através do emprego sistemático da tortura, destruíram seus "inimigos". Mas não existiram "dois lados" em luta, como num combate convencional, ou numa guerra popular de guerrilhas. Houve, sim, o Estado contra algumas centenas de revolucionários numa luta extremamente desigual, onde oficiais das Forças Armadas e policiais civis cometeram crimes de lesa-humanidade. São esses crimes que, agora, a Comissão tem a missão de investigar e elucidar. E aí haverão de aparecer os torturadores. De forma clara e oficial. As atrocidades, infelizmente, não foram cometidas nem pelo Diabo, nem por "monstros", mas por seres humanos. Eles, como responsáveis diretos, têm contas a prestar, porque, segundo tratados internacionais assinados pelo Brasil, praticaram crimes imprescritíveis. Entretanto, e aí o trabalho da Comissão pode ser igualmente decisivo, os torturadores não deveriam ser apontados como "bodes expiatórios". O trabalho sujo que fizeram não foi "um excesso", nem um "desvio", mas o resultado de uma política de Estado, e seria esclarecedor conhecer a chamada "cadeia de comando": de onde, quando e como vinham as ordens ou as autorizações para a prática das torturas. Eis um nó difícil de desatar. Porque não estarão mais em jogo - ou no banco dos réus - algumas dezenas de assassinos, mas cidadãos supostamente acima do bem e do mal, presidentes da república, ministros, comandantes e associados. Sem falar em outros "homens honrados", como, por exemplo, os empresários que financiaram a máquina repressiva. Finalmente, a Comissão tem o desafio de lançar à discussão da sociedade a tradição sinistra da tortura. Desgraçadamente, não foi a última ditadura que a inventou. Vem de longe - dos tempos coloniais e da escravidão. Foi usada por uma outra ditadura - a do Estado Novo, liderada por Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945 - que também recorreu à tortura como política de Estado. E basta abrir os jornais para constatar que a infame prática continua bastante naturalizada e aceita como "recurso" por vários segmentos da sociedade brasileira. Os torturadores, a tortura como política de Estado e a tortura como tradição. Tratar das três questões, entrelaçadas, seria um trabalho à vera e não à brinca. A Comissão da Verdade terá as condições - e a vontade - de fazê-lo? |
segunda-feira, 14 de maio de 2012
As raízes profundas da crise
Autor(es): Raghuram Rajan |
Veja - 14/05/2012 |
O indiano Raghuram Rajan, 49 anos, é um dos economistas mais respeitados de sua geração, pelos seus diagnósticos precisos sobre o sistema financeiro e a economia global. Um exemplo: em agosto de 2005, numa conferência para debater o legado de Alan Greenspan, então presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Rajan fez um discurso destoante dos elogios consensuais. Advertiu que a criação de aplicações financeiras complexas havia sido acompanhada de um aumento excessivo da exposição dos bancos a operações de risco, pondo em perigo o sistema financeiro global. Na ocasião, ele era o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, cargo que ocupou por três anos. Há dois anos, Rajan lançou o livro Fault Lines, uma referência às “falhas geológicas” que, em sua opinião, representam as causas profundas da crise financeira. A obra, escolhida como a melhor de economia de 2010 pelo jornal Financial Times, acaba de ser lançada no Brasil pela Editora BEI, sob o titulo Linhas de Falha – Como Rachaduras Ocultas Ainda Ameaçam a Economia Mundial. Que “falhas geológicas”, como o senhor define, ameaçam a economia mundial? Existem falhas profundas que são responsáveis pela crise nos últimos anos. Nos Estados Unidos e na Europa há uma combinação de baixo crescimento com distribuição desigual de renda. As políticas usadas para restabelecer o crescimento se mostraram insuficientes e, em alguns casos, criaram mais problemas. Nos Estados Unidos, os incentivos para a ampliação do endividamento das pessoas, especialmente utilizando a casa como garantia, foram uma das causas da crise imobiliária. Da mesma forma, na Europa, a disposição de governos para tomar dinheiro emprestado e gastar sem limite é em parte responsável pelas dificuldades da Grécia, apenas para dar o exemplo mais extremo. Outra falha advém do fato de muitos países possuírem políticas orientadas para o aumento do consumo, como é o caso dos Estados Unidos, enquanto outros estão voltados para produzir mais e poupar mais, como a Alemanha e a China. Essas divergências resultaram num desequilíbrio global, no qual alguns países bancam o excesso de gastos de economias ricas. É um movimento insustentável. A retração nas economias mais desenvolvidas resulta desse endividamento excessivo, tanto das famílias como do governo. As autoridades mundiais estão combatendo essas falhas? Os políticos, em geral, olham apenas o curto prazo. Eles costumam trabalhar preocupados com as próximas eleições. Pouco agem no sentido de consertar os fundamentos vitais para o longo prazo, como o aprimoramento da educação, o treinamento dos trabalhadores e o aumento da produtividade. A tendência é escolherem a solução mais fácil, gastando um pouco mais e deixando o tempo sanar os desequilíbrios. Nem sempre essa estratégia funciona. Devemos ficar pessimistas, portanto, com as perspectivas para a economia mundial? Um dia os políticos podem reconhecer a necessidade de fazer reformas, ao menos em parte. É semelhante ao que aconteceu no Japão na década de 90. Os japoneses passaram oito anos fingindo que não havia problemas. Só então começaram a agir. Da mesma forma, se na Europa alguns países não fizerem as reformas estruturais necessárias, a região terá sérias dificuldades para crescer. É preciso assegurar que os salários sejam compatíveis com o valor agregado pelos trabalhadores. Em alguns países, os salários subiram muito acima da produtividade. Há duas maneiras de realizar esse ajuste agora. A primeira, cortando drasticamente os salários. É o que os programas de austeridade tentam fazer. A segunda, elevando a produtividade. É o que buscam as reformas estruturais. São medidas como o estímulo à competição, a redução dos custos operacionais e a diminuição do excesso de burocracia. Até agora, as autoridades tentam implantar só as medidas de austeridade, mas deveriam mudar o foco para as reformas. A analogia que se fazia com o Japão é a do sapo dentro de uma panela com água fria, colocada sobre a chama. Se a água for aquecida lentamente, o sapo não saltará e será cozido. Se a desaceleração na atividade econômica for lenta, não existe o impulso para mobilizar os políticos no sentido de executar as reformas. É possível evitar uma nova crise? Podemos fazer todo o possível para consertar, ao menos parcialmente, as falhas que originaram a última crise, mas isso não nos livrará necessariamente da próxima. Em geral, é difícil identificar as causas a tempo. Na minha avaliação, os maiores desafios da atualidade estão na desaceleração da produtividade, na queda do crescimento e na necessidade de reduzir a desigualdade de renda. O senhor aponta a desigualdade social como uma das causas para a crise financeira americana. O incentivo para o aumento do endividamento, e a partir daí o estímulo ao consumo e à aquisição de imóveis, teria sido, segundo o seu argumento, uma maneira de amenizar o contraste social. A situação melhorou desde o estouro da bolha imobiliária? Está piorando. As pessoas reconhecem que existe o problema, estão mais participativas – veja o movimento “Ocupe Wall Street” –, e o presidente Barack Obama começou a usar a desigualdade e a polarização como argumento para algumas políticas. Mas os democratas tentam apresentar os republicanos como o partido dos ricos. É um jogo de soma zero. Quando as pessoas dizem “vamos tirar dos ricos e dar aos pobres e assim reduzir a desigualdade”, está-se criando um conflito de classes. O melhor para todos seria dizer: “Ouçam, existem muitas pessoas que não estão se beneficiando do crescimento. Se não encontrarmos meios para trazê-las para participar desse processo, haverá uma polarização ainda maior e políticas piores”. Precisamos encontrar meios para que essas pessoas tenham acesso à educação de qualidade e aos serviços de saúde. Talvez, para isso, seja necessário mais dinheiro, que pode ser obtido taxando os ricos. Mas o governo poderia cobrar um pouco mais de impostos de todo mundo para ajudar os verdadeiramente pobres. O senhor critica o Federal Reserve por manter a estratégia de juros baixos para reanimar a economia. Por quê? A grande questão é o que virá depois. É imprevisível. Algumas regiões dos Estados Unidos experimentaram um boom imobiliário. Depois a bolha estourou. Agora as pessoas estão muito endividadas e não podem mais gastar. Mas são pessoas concentradas em poucos estados, como Flórida, Nevada, Arizona. As baixas taxas de juros não aumentam a demanda nesses estados, porque as famílias já vivem atoladas em dívidas. Se os habitantes de Nova York gastarem mais, eles não comprarão obrigatoriamente produtos fabricados em Nevada ou no Arizona. O senhor vê indícios de que a política do Fed esteja alimentando novas bolhas? Acredito que haja riscos, mas ainda não são bolhas propriamente ditas. Países como o Brasil recebem fluxo enorme de recursos porque, em parte, as suas taxas de juros são elevadas, enquanto nos Estados Unidos são muito baixas. Com o otimismo sobre a economia brasileira, o dinheiro continuará a entrar. Há outros indícios. Nos Estados Unidos, o preço da terra está subindo muito fortemente. É um problema potencial. Mas bolhas são algo sobre o que você nunca tem certeza até que ocorra o colapso. Como evitar que o enorme fluxo de recursos que ingressam no Brasil possa ameaçar a economia? Não existem instrumentos diretos que sejam sustentáveis no longo prazo para tentar conter a entrada de capital financeiro internacional. Mas há meios indiretos. As taxas de juros no Brasil são elevadas por uma série de razões. Seria útil corrigir os fatores estruturais que as pressionam. Ainda mais importante seria assegurar que, mesmo que o dinheiro ingresse no país para financiar a economia, ele não seja imediatamente utilizado e que se tente cortar os gastos em outras áreas. Será necessário pressionar o governo para obter superávits fiscais maiores, em vez de aumentar os gastos para absorver os recursos. Existe também a possibilidade de controlar a entrada de capital para prolongar o prazo de permanência do dinheiro. Por fim, pode-se facilitar a saída de capital do país, diminuindo, por exemplo, as restrições aos gastos no exterior das pessoas e também das empresas. Por que o senhor não acredita na eficácia da política de estímulos ao consumo? É preciso encontrar maneiras de obter um crescimento sustentável. Essa é a grande questão para todo o mundo. Em última instância, será o desafio que muitas economias emergentes já reconheceram para si. É preciso capacitar as pessoas, ampliar o acesso à educação e aos serviços de saúde e criar a estrutura para que possam trabalhar. Flexibilizar as regras para que possam sair do emprego se quiserem fazer coisas mais interessantes. Ou seja, retomar as medidas para o crescimento. São questões fundamentais para esses países. A crise deu margem a que economias emergentes, como o Brasil, reforçassem o chamado capitalismo de estado, em que os governos são mais atuantes. Qual a eficácia dessa estratégia? O capitalismo de estado pode funcionar em economias emergentes onde inexistam instituições privadas fortes, como uma alavanca temporária para reduzir a distância que as separa de países desenvolvidos. Se o estado é grande, pode cumprir as tarefas facilmente. É muito óbvio o que precisa ser feito, como pontes, estradas e fábricas. O problema é quando a missão não é tão clara, como avançar em inovação, algo essencial à medida que um país amadurece. Nesse ponto, são necessárias empresas privadas e independentes do governo, que possam fornecer incentivos para os seus trabalhadores progredirem e inovarem. Isso significa desistir de monopólios estatais, encorajar a competição, incentivar empresas privadas e privatizar. Há uma agenda extensa de ações, e muitos países não conseguem cumpri-la. Sou cético quanto à capacidade do capitalismo de estado de preservar o crescimento econômico, de maneira duradoura, à medida que um país enriquece. No Brasil, o governo adotou medidas para defender alguns setores da concorrência externa, considerada desleal, principalmente vinda da China. É uma decisão acertada? A pergunta certa a ser feita é: em que momento eles devem se tornar mais abertos e liberalizar a economia para que se beneficiem da competição, da inovação e do crescimento? A coisa errada a fazer quando um país passa a ser emergente é reduzir a competição, porque ele pode se tornar cada vez mais protecionista e se afastar da fronteira que o separa das nações desenvolvidas, em vez de se aproximar. A consequência é uma queda na produtividade. Uma vez que um país tenha crescido razoavelmente e atingido uma renda per capita média, como é o caso brasileiro, tentativas para reduzir a competição e para celebrar campeões nacionais tendem a afetar a eficiência no longo prazo. Recentemente, o senhor disse que a Índia precisa acelerar as reformas. É uma lição de casa aos emergentes? O que eu argumentei para as autoridades indianas é que os países em desenvolvimento, em geral, precisam de uma segunda rodada de reformas. A primeira onda foi bem-sucedida e resultou em um crescimento acelerado. Mas, se você não retomar as reformas e não aplicar de maneira transparente os recursos, a economia perderá o ritmo. O que o Brasil pode aprender com a Índia? O forte crescimento da economia global fez o preço de muitos recursos produzidos pela Índia subir tremendamente, de matérias-primas a equipamentos de telecomunicação. No início, não houve muita preocupação dos indianos com a forma como seriam aplicados os recursos nem com a transparência. Uma quantia enorme foi desperdiçada, e as pessoas perderam a confiança no governo. No Brasil, será muito importante avaliar se o dinheiro gerado pelo petróleo será utilizado em benefício da população. Se o governo quiser agir com transparência, os recursos devem ser destinados a uma conta separada, em vez de acabar como despesa pública. Parte da riqueza pode formar fundos que revertam em benefícios a gerações futuras. Outra parte pode virar investimento físico e em capital humano. Será crucial saber utilizar os recursos. Muitos países enfrentaram o desafio e não conseguiram ampliar os benefícios para a economia. Ao contrário, gastaram mal e tornaram-se menos competitivos. |
“Dilma precisa injetar república no Brasil” - José Murilo de Carvalho
Autor(es): Maurício Meireles |
Época - 14/05/2012 |
O livro A Construção Nacional: 1830-1889, organizado por José Murilo de Carvalho, ocupou a mesa de cabeceira da presidente Dilma Rousseff até o mês passado. Imortal da Academia Brasileira de Letras, o historiador de 72 anos diz que a presidente precisa avançar a partir das conquistas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nas políticas sociais. Em outras palavras, a presidente precisa combater a corrupção, luta que, segundo ele, ganha força com seus altos índices de aprovação. A construção nacional cobre os acontecimentos desde a abdicação de Dom Pedro I até a Proclamação da República. “Estamos num círculo virtuoso. Podemos corrigir os grandes erros do passado com reformas importantes”, disse Carvalho a ÉPOCA. A seguir, trechos da entrevista. ÉPOCA - A presidente Dilma Rousseff conseguiu índices de aprovação inéditos, se comparados ao primeiro ano de mandato de outros presidentes. A que o senhor atribui esses números? José Murilo de Carvalho - Creio que ninguém previu esse desempenho da presidente, certamente devido a ela e não ao ex-presidente, seu patrono, ou a alguma boa notícia na área econômica. Minha aposta é que a boa avaliação se deva a sua postura em relação ao que ela mesma chamou de malfeitos dos políticos. A grande rejeição de tais práticas pelo público e o reconhecimento do esforço da presidente para contê-las podem estar na raiz da popularidade. O apoio popular confere à presidente autoridade para continuar a exigir práticas mais republicanas, entendidas como o bom governo. É possível que a tão falada nova classe e já esteja engrossando as fileiras dos que cobram mais compostura na política. ÉPOCA - Pode-se dizer então que a presidente Dilma acertou o tom ao abraçar como promessa o combate à corrupção? Carvalho - Acredito que ela seja sincera. A única questão é saber aliar isso à habilidade política, para não atrapalhar seu governo. Disseram que Lula a apoia nessa postura, mas ele tem uma orientação um pouco diferente. Lula quer democracia. O desafio da presidente é injetar república no Brasil que ela herdou, sem inviabilizar as reformas e enfrentando posturas nem sempre republicanas no Congresso. ÉPOCA - Há riscos para a governabilidade? Carvalho - No Brasil, o presidente é muito forte, tem a caneta nas mãos. Não vejo uma nuvem escura para a governabilidade. Só que fica claro que coisas importantes não são decididas. Nem a Copa se consegue decidir, isso é um problema sério. Falta habilidade de articulação política. Eu diria que é um ponto fraco dela. Mas entendo que seja difícil conseguir governar sob a fome de empregos que os partidos têm. ÉPOCA - Quando a presidente diz que não tolerará a corrupção, o senhor não vê isso como uma crítica ao governo anterior, tolerante com os malfeitos? Carvalho - Essa é uma pergunta muito maldosa, você está querendo me jogar contra Lula (risos). Claro que há aí uma indicação de uma visão um tanto permissiva da política. Mas posso imaginar perfeitamente Lula argumentando que estava interessado na política social: “Se para fazer isso eu tenho de ter uma atitude que pode parecer tolerante com a corrupção, eu lamento; minha prioridade é outra”. Eu diria que há uma ênfase que pode ser um pouco distinta. É uma questão de método de trabalho e estratégia política. Lula teve êxito na política social. Dilma, ao alterar a tática, provavelmente com o apoio de Lula, tentará fazer as reformas estruturais. A agenda de Lula já é uma conquista. É preciso ir adiante. ÉPOCA - Muitos cientistas políticos dizem que a corrupção é um “efeito colateral” do sistema representativo. O senhor concorda? Carvalho - Se você diz nesses termos, pode parecer que a democracia é uma coisa ruim. E isso está absolutamente errado. Mas é claro que há uma alteração dos valores. Não é uma crítica à democracia, mas uma constatação. Até porque parte desse aumento de representatividade aconteceu no meio de uma ditadura militar. Quem não se comportasse era cassado. Nosso desafio é conciliar essa abertura com os valores republicanos. É preciso introduzir república na democracia, e a opinião pública precisa fazer pressão para isso. ÉPOCA - Como o senhor acha que a CPI do Cachoeira afeta a relação do governo com sua base aliada? Carvalho - É um caso complexo, uma vez que o escândalo atinge pessoas da base aliada e da oposição. Se é verdade, como se veiculou, que o presidente Lula apoiou a CPI para abafar o julgamento do mensalão, foi uma jogada arriscada, sobretudo porque ele não tem mais nas mãos as rédeas do poder. Os danos que a CPI pode causar tanto à oposição como à base poderão levar a negociações de bastidores no sentido de transformá-la na tradicional pizza. Somente a vigilância da imprensa e das redes sociais poderá nos livrar desse cardápio. ÉPOCA - Por falar em ideais republicanos, em seu livro Dom Pedro II é tratado como um grande estadista, uma reserva moral da sociedade. Houve uma degradação dos valores da República? Carvalho - Se definirmos a República como o bom governo, a preocupação com o bem público, ele era republicano - mesmo sendo um monarca. Não falo de república como um sistema de governo, mas de valores, e esses valores ele tinha. Todos os nomeados para cargos públicos ele apresentava a seus ministros. Claro, havia uma elite política muito pequena, umas 500 pessoas, o que permitia esse tipo de consulta. A República Velha, de 1889 a 1930, continuou essa tradição. 1930 foi uma ruptura e, ironicamente, justamente quando o sistema político começou a ser aberto para mais pessoas. Com mais gente, entram também mais interesses. Democracia é isso. Até 1945, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas, só 5% da população votava. Era uma república sem povo. Com a reabertura, a coisa começou a deslanchar, e tudo foi interrompido em 1964, porque o sistema não aguentou. Começou a haver mais greves, foi uma invasão de participação. No fim dos anos 1980, chegamos a quase 80% da população votando. Mesmo nos governos militares, 50 milhões de brasileiros começaram a votar. Imagine o que é começar a votar num período em que o Congresso está castrado. O perfil dos candidatos mudou. Antes, era preciso pertencer a uma elite. Depois, o zé das couves passou a se candidatar para vereador. É uma enxurrada de gente motivada por interesses pessoais. ÉPOCA - O governo do PT marcou a chegada de sindicalistas a altos cargos em estatais. Que mudanças isso trouxe para o país? Carvalho - Os sindicatos já tinham proximidade com o governo Vargas e também com o governo João Goulart. Quem está no sindicato é uma mão de obra formalizada. É até positivo eles terem representatividade, mas há um mundo de brasileiros informais não representado por eles. É preciso ter cuidado com uma visão negativa em relação a essas pessoas. Elas representam bastante gente e interesses legítimos. O que cheira a corporativismo não me agrada. Em alguns casos até houve o que se chama de aparelhamento. Mas antes, também, se botavam os amigos. Agora se botam os amigos do sindicato. Claro que isso deve ser criticado, porque pode resultar em queda da eficiência. Algumas estatais viraram fonte de dinheiro e poder para alguns. Mas é preciso ficar claro: não há nenhum problema em si em botar um operário no comando de uma empresa. Dilma já começou a botar um freio aí. Ela constrói em cima do que Lula fez, numa dimensão negligenciada por ele. Estamos num círculo virtuoso da história. Podemos corrigir os grandes erros do passado com reformas importantes. |
FH é premiado por obra acadêmica e vida pública
Autor(es): Paula Bonelli
O Estado de S. Paulo - 14/05/2012
Ex-presidente é 1º brasileiro a conquistar o Prêmio Kluge, espécie de Nobel das áreas sociais
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conquistou o Prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso Americano, pelo conjunto da sua obra acadêmica, sua ativa produção intelectual no campo das humanidades e também por seu significado na vida pública do País. O sociólogo recebe a distinção em Washington, no dia 10 de julho. O prêmio é entregue a cada dois anos para acadêmicos que dedicaram a vida a pesquisas em áreas como história, sociologia, política e antropologia – disciplinas não contempladas pelo Prêmio Nobel, ao qual a distinção é comparada. FHC, autor ou coautor de 23 livros e 116 artigos acadêmicos, disse que foi pego de surpresa com a sua escolha. “É uma coisa que eu não estava esperando, não me candidatei e recebi. É melhor receber enquanto vivo do que depois de
morto”, brincou o ex-presidente. “O prêmio se deu também em função da coerência entre o que escrevi e minha ação política”, definiu Fernando Henrique.
A recompensa, da ordem de US$ 1 milhão, será entregue pelo diretor da Biblioteca do Congresso, James H. Billington, quando FHC pronunciará um discurso para acadêmicos e políticos. Para o “pai” do Plano Real, o Prêmio Kluge é dado a quem abre um caminho que provoca repercussão na vida das pessoas. Ele acredita que a sua Teoria da Dependência, por sua grande difusão, foi a que teve mais i mpacto. “O livro ia contra a visão predominante da época e mostrou que é possível crescer apesar da dependência”, explicou. Por outro lado, do ponto de vista acadêmico, o sociólogo acredita que tenha outros trabalhos mais sólidos, como sua tese de doutorado sobre capitalismo e escravidão no Brasil meridional.
O Prêmio Kluge foi criado em 2000 para estimular a relação entre o mundo das ideias e da ação. FHC afirma que sua formação não é específica de sociólogo, por ter trabalhos acadêmicos também em economia e na ciência política. “Minha visão foi sempre mais integrada. Acho que conseguimos estabilizar a economia do Brasil e não fazer o que normalmente se f az para atingir isso, que é levar o País à recessão. Pelo contrário: crescendo o que crescia e sempre com a preocupação de educação, saúde, bolsa (social) e de aumentar o salário mínimo.” Segundo FHC, sua visão corrobora a tese de que “o desenvolvimento não é só econômico, é integrado.”
Entre o grupo de países que já venceram o prêmio estão França, Índia, China e Estados Unidos. Sobre como pretende usar os cerca de US$ 1 milhão que receberá, FHC não esconde a surpresa: “Vamos ver. Não consigo nem imaginar ter tudo isso. Nunca vi tanto na minha mão de uma vez. Deixa eu receber primeiro”.
Ideias e ação
FHC EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
“Conseguimos estabilizar a economia do Brasil e não fazer o que normalmente se faz para isso, que é levar o País à recessão”
O Estado de S. Paulo - 14/05/2012
Ex-presidente é 1º brasileiro a conquistar o Prêmio Kluge, espécie de Nobel das áreas sociais
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conquistou o Prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso Americano, pelo conjunto da sua obra acadêmica, sua ativa produção intelectual no campo das humanidades e também por seu significado na vida pública do País. O sociólogo recebe a distinção em Washington, no dia 10 de julho. O prêmio é entregue a cada dois anos para acadêmicos que dedicaram a vida a pesquisas em áreas como história, sociologia, política e antropologia – disciplinas não contempladas pelo Prêmio Nobel, ao qual a distinção é comparada. FHC, autor ou coautor de 23 livros e 116 artigos acadêmicos, disse que foi pego de surpresa com a sua escolha. “É uma coisa que eu não estava esperando, não me candidatei e recebi. É melhor receber enquanto vivo do que depois de
morto”, brincou o ex-presidente. “O prêmio se deu também em função da coerência entre o que escrevi e minha ação política”, definiu Fernando Henrique.
A recompensa, da ordem de US$ 1 milhão, será entregue pelo diretor da Biblioteca do Congresso, James H. Billington, quando FHC pronunciará um discurso para acadêmicos e políticos. Para o “pai” do Plano Real, o Prêmio Kluge é dado a quem abre um caminho que provoca repercussão na vida das pessoas. Ele acredita que a sua Teoria da Dependência, por sua grande difusão, foi a que teve mais i mpacto. “O livro ia contra a visão predominante da época e mostrou que é possível crescer apesar da dependência”, explicou. Por outro lado, do ponto de vista acadêmico, o sociólogo acredita que tenha outros trabalhos mais sólidos, como sua tese de doutorado sobre capitalismo e escravidão no Brasil meridional.
O Prêmio Kluge foi criado em 2000 para estimular a relação entre o mundo das ideias e da ação. FHC afirma que sua formação não é específica de sociólogo, por ter trabalhos acadêmicos também em economia e na ciência política. “Minha visão foi sempre mais integrada. Acho que conseguimos estabilizar a economia do Brasil e não fazer o que normalmente se f az para atingir isso, que é levar o País à recessão. Pelo contrário: crescendo o que crescia e sempre com a preocupação de educação, saúde, bolsa (social) e de aumentar o salário mínimo.” Segundo FHC, sua visão corrobora a tese de que “o desenvolvimento não é só econômico, é integrado.”
Entre o grupo de países que já venceram o prêmio estão França, Índia, China e Estados Unidos. Sobre como pretende usar os cerca de US$ 1 milhão que receberá, FHC não esconde a surpresa: “Vamos ver. Não consigo nem imaginar ter tudo isso. Nunca vi tanto na minha mão de uma vez. Deixa eu receber primeiro”.
Ideias e ação
FHC EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
“Conseguimos estabilizar a economia do Brasil e não fazer o que normalmente se faz para isso, que é levar o País à recessão”
domingo, 13 de maio de 2012
Mulheres ultrapassam os homens em cursos de mestrado e doutorado
O Globo - 13/05/2012
Mas aumento da escolaridade não iguala renda devido ao cuidado com filhos
Da família de nove filhos, dois deles mulheres, Liandra Caldasso foi a única que fez faculdade. Não parou. Depois que a gaúcha de Camaquã, cidade de economia agrícola a cem quilômetros de Porto Alegre, formou-se em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande, veio para o Rio fazer mestrado na Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ). Novamente, não quis parar:
- Eu queria completar a etapa seguinte, de doutorado, até porque me interessava trabalhar na área acadêmica.
Tornou-se doutoranda na Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPED) do Instituto de Economia da UFRJ. E um exemplo de outro destaque das tabulações feitas pelo GLOBO nos dados do Censo 2010 do IBGE: a proporção de mulheres cursando mestrado e doutorado subiu de 43% em 2000 para 53% em 2010, o que fez com que a presença feminina ultrapassasse a de homens nos níveis mais altos de ensino. A proporção de mulheres também subiu na graduação, de 53% para 57%.
- Minha mãe era dona de casa e foi criada para isso. Mas, por essa razão mesmo, sempre me mostrou a educação como alternativa ao caminho que ela tinha tomado - conta Liandra, hoje professora de Economia da UFRRJ, e que crê que não só a escolaridade influencia a renda: - Há o peso sociocultural de achar que o cuidado com filhos e a casa são tarefas femininas.
Afazeres domésticos e cuidado com filhos e outros dependentes tiram das mulheres boa parte de sua competitividade, e fazem com que o aumento da escolaridade não seja suficiente para igualar renda com homens, destaca Hildete Pereira de Melo, professora de Economia da UFF:
- É a diferença entre entrar no mercado de trabalho e fazer carreira - define Hildete, que, com Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ, fez um estudo sobre renda feminina com base na Pnad de 2009: - Vimos que, mantendo-se o ritmo atual de aumento da renda feminina, levaríamos cerca de 50 anos para homem e mulher se igualarem. O aumento da escolaridade é importante, mas não suficiente para contrabalançar o fato de a mulher ser a responsável pela reprodução da vida. Isso só vai mudar com mais creches e escolas em tempo integral.
Essa sobrecarga da mulher no lar prejudica o tempo disponível que ela tem para se dedicar ao mercado de trabalho, o que faz com que a mulher trabalhe, em média, menos horas do que os homens. Quando se olha para o tempo dedicado dentro de casa, no entanto, a sobrecarga feminina é significativa, mesmo quando se considera apenas pessoas que têm uma ocupação.
A Pnad, outra pesquisa do IBGE, mostra, por exemplo, que homens ocupados dedicam apenas cinco horas semanais para atividades como cozinhar, limpar a casa ou cuidar dos filhos. Entre mulheres igualmente ocupadas, a média sobe para 21 horas semanais.
Frente a isso, um caminho encontrado pelas mulheres para entrar no mercado tem sido o trabalho precário, seja pela informalidade ou pelo tempo parcial. Segundo estudo inédito da professora Lena Lavinas, da UFRJ, "as mulheres dominam o emprego de tempo parcial em praticamente todos os países.
- Além disso, na maioria das nações desenvolvidas, as mulheres são mais numerosas entre os altamente escolarizados. Porém, as áreas em que se encontram são dominantemente de serviços, e não produtivos - diz Lena. - Elas estão ainda fora da área de ciência e tecnologia, e isso muda tudo.
Mas aumento da escolaridade não iguala renda devido ao cuidado com filhos
Da família de nove filhos, dois deles mulheres, Liandra Caldasso foi a única que fez faculdade. Não parou. Depois que a gaúcha de Camaquã, cidade de economia agrícola a cem quilômetros de Porto Alegre, formou-se em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande, veio para o Rio fazer mestrado na Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ). Novamente, não quis parar:
- Eu queria completar a etapa seguinte, de doutorado, até porque me interessava trabalhar na área acadêmica.
Tornou-se doutoranda na Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPED) do Instituto de Economia da UFRJ. E um exemplo de outro destaque das tabulações feitas pelo GLOBO nos dados do Censo 2010 do IBGE: a proporção de mulheres cursando mestrado e doutorado subiu de 43% em 2000 para 53% em 2010, o que fez com que a presença feminina ultrapassasse a de homens nos níveis mais altos de ensino. A proporção de mulheres também subiu na graduação, de 53% para 57%.
- Minha mãe era dona de casa e foi criada para isso. Mas, por essa razão mesmo, sempre me mostrou a educação como alternativa ao caminho que ela tinha tomado - conta Liandra, hoje professora de Economia da UFRRJ, e que crê que não só a escolaridade influencia a renda: - Há o peso sociocultural de achar que o cuidado com filhos e a casa são tarefas femininas.
Afazeres domésticos e cuidado com filhos e outros dependentes tiram das mulheres boa parte de sua competitividade, e fazem com que o aumento da escolaridade não seja suficiente para igualar renda com homens, destaca Hildete Pereira de Melo, professora de Economia da UFF:
- É a diferença entre entrar no mercado de trabalho e fazer carreira - define Hildete, que, com Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ, fez um estudo sobre renda feminina com base na Pnad de 2009: - Vimos que, mantendo-se o ritmo atual de aumento da renda feminina, levaríamos cerca de 50 anos para homem e mulher se igualarem. O aumento da escolaridade é importante, mas não suficiente para contrabalançar o fato de a mulher ser a responsável pela reprodução da vida. Isso só vai mudar com mais creches e escolas em tempo integral.
Essa sobrecarga da mulher no lar prejudica o tempo disponível que ela tem para se dedicar ao mercado de trabalho, o que faz com que a mulher trabalhe, em média, menos horas do que os homens. Quando se olha para o tempo dedicado dentro de casa, no entanto, a sobrecarga feminina é significativa, mesmo quando se considera apenas pessoas que têm uma ocupação.
A Pnad, outra pesquisa do IBGE, mostra, por exemplo, que homens ocupados dedicam apenas cinco horas semanais para atividades como cozinhar, limpar a casa ou cuidar dos filhos. Entre mulheres igualmente ocupadas, a média sobe para 21 horas semanais.
Frente a isso, um caminho encontrado pelas mulheres para entrar no mercado tem sido o trabalho precário, seja pela informalidade ou pelo tempo parcial. Segundo estudo inédito da professora Lena Lavinas, da UFRJ, "as mulheres dominam o emprego de tempo parcial em praticamente todos os países.
- Além disso, na maioria das nações desenvolvidas, as mulheres são mais numerosas entre os altamente escolarizados. Porém, as áreas em que se encontram são dominantemente de serviços, e não produtivos - diz Lena. - Elas estão ainda fora da área de ciência e tecnologia, e isso muda tudo.
NEGROS SÓ GANHAM MAIS EM 4% DAS PROFISSÕES
DESIGUALDADE EM TRABALHOS IGUAIS
O Globo - 13/05/2012
Renda das mulheres supera a dos homens em apenas 11% dos casos
A renda média dos brasileiros que se autodeclararam pretos ou pardos ao IBGE superou a de brancos na mesma profissão em apenas 16 das 438 ocupações listadas pelo Censo 2010, informam Antônio Gois e Alessandra Duarte. A desigualdade é verificada também entre homens e mulheres, com elas superando eles em somente 49 setores. Apesar dessas disparidades, o Censo registra também avanços. Um levantamento feito pelo Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ revela que foram as mulheres negras as que obtiveram maior avanço na renda e escolaridade média na década passada.
Negros só ganham mais em 4% das 438 ocupações do Censo 2010; mulheres, em 11%
Ivone Caetano, de 67 anos, foi a primeira mulher negra a se tornar juíza do Tribunal de Justiça do Rio, há 18 anos. De lá para cá, o país vem registrando diminuição da desigualdade entre negros e brancos e homens e mulheres. Apesar desses avanços, no entanto, Ivone segue como exceção nas estatísticas. É o que mostram tabulações do Censo 2010 feitas com exclusividade pelo GLOBO. Nas carreiras de maior renda, as mulheres e os brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos ao IBGE são, quase sempre, minoria e, mesmo ali, tendem a ganhar menos. Das 438 profissões listadas no Censo, em só 16, ou 4% do total, a renda média dos trabalhadores pretos e pardos supera a dos brancos. No caso das mulheres, o número de ocupações em que a renda média supera a de homens chega a 49, ou 11% do total.
A profissão de Ivone exemplifica bem a desigualdade. Juízes são, segundo o IBGE, a profissão mais bem paga do país, com renda média de quase R$ 17 mil. As mulheres nessa ocupação, no entanto, representam apenas 31% do total, e recebiam, em média, 23% a menos do que os homens juízes.
Entre juízes,só 13% de negros
Encontrar magistrados pretos ou pardos é ainda mais raro. Apesar de eles representarem cerca de metade da população, entre juízes a proporção é de 13%. Excetuando ocupações com número muito baixo de trabalhadores, é a profissão com o menor percentual desse grupo entre todas do Censo. E eles ganham, em média, 14% a menos que seus colegas brancos.
- Na minha profissão, sempre fui tratada com muito respeito, mas há manifestações veladas de preconceito. Como afirmou a (ex-senadora) Marina Silva, "o desvalor da pessoa traz o desvalor da palavra": é ver que o que você diz não é tão levado em conta - afirma Ivone, juíza titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital.
Com mãe lavadeira de 11 filhos "abaixo da linha da pobreza", a juíza estudou em colégio público "e particular de baixa qualidade". Aos 18 anos, foi trabalhar como digitadora do IBGE; depois, acumulou o trabalho com outros dois, passando a ter três empregos ao mesmo tempo, para ajudar a família.
- Entrei com 25 anos na faculdade de Direito, e só entrei porque casei: meu marido, engenheiro, tinha condições financeiras, então pude parar de trabalhar e ir estudar. Advoguei e passei para a magistratura em 1994, com 49. Alguém só consegue passar num concurso aos 49 anos e você vai dizer que não há desigualdade? - diz Ivone.
No outro extremo, o das profissões mal remuneradas, a lógica é na mão inversa: pescadores, por exemplo, estão entre as dez profissões com maior proporção de pretos e pardos (72%). A ocupação figura também na lista das dez profissões de pior remuneração média (R$ 396). Mas, mesmo nesse trabalho de pouca qualificação, a renda média de brancos também supera a dos colegas da mesma profissão em 55% (R$ 522 para brancos, R$ 337 para pretos e pardos).
- A gente vê que há bem menos negros na pesca industrial, por exemplo, uma área que tem lucros maiores. Na pesca artesanal é que os negros conseguiram achar suas pequenas oportunidades - diz o pescador José Manoel Rebouças, que se define como mulato "mais para o pardo".
Com 53 anos e na profissão desde os 12, seu Manoel é secretário da colônia de pescadores Z-13, em Copacabana, Zona Sul do Rio. Diz tirar com a pesca, por mês, média de dois salários mínimos, com os quais sustenta três dos sete filhos que tem, e que moram com ele no Pavão-Pavãozinho; os outros, assim como a mulher, ficaram no Ceará, terra natal do pescador.
Entre as poucas ocupações em que pretos e pardos têm renda superior estão bombeiros, PMs, e atletas e esportistas. Entre as de maior desigualdade, o economista Marcelo Paixão, do Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ, destaca que estão muitas de alto prestígio:
- Não basta ao negro "chegar lá". Mesmo chegando, pode ter remuneração proporcionalmente menor.
O sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, concorda que há de fato alguma diferença explicada pela discriminação. Ele pondera, porém, que fatores como idade, nível educacional, lugar de residência e número de horas trabalhadas, que pouco ou nada têm a ver com discriminação no mercado de trabalho, respondem por boa parte da desigualdade.
Um médico branco, por exemplo, pode ter se formado numa universidade de prestígio, enquanto um negro pode ter tido acesso a uma instituição menos reconhecida. Nas estatísticas eles podem parecer iguais, mas o profissional formado numa instituição de melhor qualidade tende a ser mais bem remunerado no mercado de trabalho. Neste caso, a desigualdade está no acesso ao curso superior, e não no fato de o empregador pagar menos só pelo fato de o funcionário ser negro.
Também é preciso levar em conta que, como apenas recentemente pretos e pardos aumentaram sua presença em cursos universitários de maior prestígio, na média, eles tendem a ser trabalhadores mais jovens, com menos experiência e que, também por isso, ganham menos.
Ainda que o o Censo de 2010 registre desigualdades persistentes de gênero e cor, é preciso considerar que houve avanços. Contas feitas pelo Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ revelam que os grupos que registraram os maiores aumentos de renda e escolaridade na década passada foram, justamente, mulheres e pretos e pardos. Enquanto a renda média de homens brancos subiu apenas 4% no período, já considerando a inflação, a de mulheres brancas aumentou 15%. Homens que se declararam pretos ou pardos registraram acréscimos de 21%. E o grupo que mais avançou foi o de mulheres pretas ou pardas: 28%.
Ainda assim, considerando o total de trabalhadores, o rendimento das mulheres negras representam apenas 39% do que recebe um homem branco. Há dez anos, era 31%.
O Globo - 13/05/2012
Renda das mulheres supera a dos homens em apenas 11% dos casos
A renda média dos brasileiros que se autodeclararam pretos ou pardos ao IBGE superou a de brancos na mesma profissão em apenas 16 das 438 ocupações listadas pelo Censo 2010, informam Antônio Gois e Alessandra Duarte. A desigualdade é verificada também entre homens e mulheres, com elas superando eles em somente 49 setores. Apesar dessas disparidades, o Censo registra também avanços. Um levantamento feito pelo Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ revela que foram as mulheres negras as que obtiveram maior avanço na renda e escolaridade média na década passada.
Negros só ganham mais em 4% das 438 ocupações do Censo 2010; mulheres, em 11%
Ivone Caetano, de 67 anos, foi a primeira mulher negra a se tornar juíza do Tribunal de Justiça do Rio, há 18 anos. De lá para cá, o país vem registrando diminuição da desigualdade entre negros e brancos e homens e mulheres. Apesar desses avanços, no entanto, Ivone segue como exceção nas estatísticas. É o que mostram tabulações do Censo 2010 feitas com exclusividade pelo GLOBO. Nas carreiras de maior renda, as mulheres e os brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos ao IBGE são, quase sempre, minoria e, mesmo ali, tendem a ganhar menos. Das 438 profissões listadas no Censo, em só 16, ou 4% do total, a renda média dos trabalhadores pretos e pardos supera a dos brancos. No caso das mulheres, o número de ocupações em que a renda média supera a de homens chega a 49, ou 11% do total.
A profissão de Ivone exemplifica bem a desigualdade. Juízes são, segundo o IBGE, a profissão mais bem paga do país, com renda média de quase R$ 17 mil. As mulheres nessa ocupação, no entanto, representam apenas 31% do total, e recebiam, em média, 23% a menos do que os homens juízes.
Entre juízes,só 13% de negros
Encontrar magistrados pretos ou pardos é ainda mais raro. Apesar de eles representarem cerca de metade da população, entre juízes a proporção é de 13%. Excetuando ocupações com número muito baixo de trabalhadores, é a profissão com o menor percentual desse grupo entre todas do Censo. E eles ganham, em média, 14% a menos que seus colegas brancos.
- Na minha profissão, sempre fui tratada com muito respeito, mas há manifestações veladas de preconceito. Como afirmou a (ex-senadora) Marina Silva, "o desvalor da pessoa traz o desvalor da palavra": é ver que o que você diz não é tão levado em conta - afirma Ivone, juíza titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital.
Com mãe lavadeira de 11 filhos "abaixo da linha da pobreza", a juíza estudou em colégio público "e particular de baixa qualidade". Aos 18 anos, foi trabalhar como digitadora do IBGE; depois, acumulou o trabalho com outros dois, passando a ter três empregos ao mesmo tempo, para ajudar a família.
- Entrei com 25 anos na faculdade de Direito, e só entrei porque casei: meu marido, engenheiro, tinha condições financeiras, então pude parar de trabalhar e ir estudar. Advoguei e passei para a magistratura em 1994, com 49. Alguém só consegue passar num concurso aos 49 anos e você vai dizer que não há desigualdade? - diz Ivone.
No outro extremo, o das profissões mal remuneradas, a lógica é na mão inversa: pescadores, por exemplo, estão entre as dez profissões com maior proporção de pretos e pardos (72%). A ocupação figura também na lista das dez profissões de pior remuneração média (R$ 396). Mas, mesmo nesse trabalho de pouca qualificação, a renda média de brancos também supera a dos colegas da mesma profissão em 55% (R$ 522 para brancos, R$ 337 para pretos e pardos).
- A gente vê que há bem menos negros na pesca industrial, por exemplo, uma área que tem lucros maiores. Na pesca artesanal é que os negros conseguiram achar suas pequenas oportunidades - diz o pescador José Manoel Rebouças, que se define como mulato "mais para o pardo".
Com 53 anos e na profissão desde os 12, seu Manoel é secretário da colônia de pescadores Z-13, em Copacabana, Zona Sul do Rio. Diz tirar com a pesca, por mês, média de dois salários mínimos, com os quais sustenta três dos sete filhos que tem, e que moram com ele no Pavão-Pavãozinho; os outros, assim como a mulher, ficaram no Ceará, terra natal do pescador.
Entre as poucas ocupações em que pretos e pardos têm renda superior estão bombeiros, PMs, e atletas e esportistas. Entre as de maior desigualdade, o economista Marcelo Paixão, do Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ, destaca que estão muitas de alto prestígio:
- Não basta ao negro "chegar lá". Mesmo chegando, pode ter remuneração proporcionalmente menor.
O sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, concorda que há de fato alguma diferença explicada pela discriminação. Ele pondera, porém, que fatores como idade, nível educacional, lugar de residência e número de horas trabalhadas, que pouco ou nada têm a ver com discriminação no mercado de trabalho, respondem por boa parte da desigualdade.
Um médico branco, por exemplo, pode ter se formado numa universidade de prestígio, enquanto um negro pode ter tido acesso a uma instituição menos reconhecida. Nas estatísticas eles podem parecer iguais, mas o profissional formado numa instituição de melhor qualidade tende a ser mais bem remunerado no mercado de trabalho. Neste caso, a desigualdade está no acesso ao curso superior, e não no fato de o empregador pagar menos só pelo fato de o funcionário ser negro.
Também é preciso levar em conta que, como apenas recentemente pretos e pardos aumentaram sua presença em cursos universitários de maior prestígio, na média, eles tendem a ser trabalhadores mais jovens, com menos experiência e que, também por isso, ganham menos.
Ainda que o o Censo de 2010 registre desigualdades persistentes de gênero e cor, é preciso considerar que houve avanços. Contas feitas pelo Laboratório de Estudos sobre Desigualdades Raciais da UFRJ revelam que os grupos que registraram os maiores aumentos de renda e escolaridade na década passada foram, justamente, mulheres e pretos e pardos. Enquanto a renda média de homens brancos subiu apenas 4% no período, já considerando a inflação, a de mulheres brancas aumentou 15%. Homens que se declararam pretos ou pardos registraram acréscimos de 21%. E o grupo que mais avançou foi o de mulheres pretas ou pardas: 28%.
Ainda assim, considerando o total de trabalhadores, o rendimento das mulheres negras representam apenas 39% do que recebe um homem branco. Há dez anos, era 31%.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Auschwitz da ditadura
Autor(es): Antonio Carlos Prado
Isto é - 07/05/2012
Agente da repressão revela pela primeira vez que o regime militar incinerou os corpos de dez guerrilheiros em uma usina no Rio de Janeiro
A atual história política do Brasil é pródiga em exemplos de que os crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos que a ditadura militar cometeu acabam em boa parte denunciados por aqueles que fizeram o trabalho sujo – é o porão a implodir o arranha-céu do horror que se construiu com o golpe de 1964 e perdurou até a redemocratização em 1985. Foi assim com os cadáveres de guerrilheiros que se opuseram ao regime de exceção, enterrados em cemitérios clandestinos – os agentes os sepultavam com nomes frios, mas escreviam nos laudos, com letra miúda, os nomes verdadeiros. Foi assim também nos próprios tribunais militares nos quais juízes consignavam que o réu fora torturado, embora não movessem um dedo contra isso. Pôr tudo no papel e fazer valer o que está escrito faz parte da tradição cartorial luso-brasileira. O livro "Memórias de uma Guerra Suja", que acaba de ser lançado, confirma em um ponto essa regra ao trazer na primeira pessoa o depoimento inédito, surpreendente e estarrecedor do ex-delegado da repressão Cláudio Guerra. Ele revela que houve no Brasil uma espécie de campo de Auschwitz (referência ao mais famoso campo nazista de extermínio e cremação de judeus) onde corpos de guerrilheiros mortos sob tortura em São Paulo e no Rio e Janeiro foram incinerados. Em outro ponto, no entanto, o da tradição de que tudo se escreve, Guerra, 71 anos, quebra a regra: não anotou absolutamente nada e, assim, a denúncia que faz se baseia em sua memória e em sua palavra. "Ele é o mais importante dos agentes da repressão que falaram até agora, e, de fato, tem informação", disse à ISTOÉ o ex-deputado e um dos mais atuantes advogados de ex-presos políticos Luiz Eduardo Greenhalgh. "E esse também é o momento mais importante para alguém falar porque a Comissão da Verdade está prestes a funcionar."
Há quase quatro décadas familiares e organizações de direitos humanos trabalham para descobrir os corpos, por exemplo, de David Capistrano da Costa, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Ana Rosa Kucinski Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). É o ex-delegado quem agora afirma: "Não adianta procurar, eles foram incinerados." Por quem? Pelo próprio depoente. O mesmo fim, segundo o livro de autoria dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, tiveram, entre outros, os cadáveres de Wilson Silva, João Massena Mello, José Roman e Joaquim Cerveira. O forno do Auschwitz da ditadura, de acordo com Guerra, funcionou a partir de 1973 na usina de açúcar Cambahyba, com a anuência de seu ex-proprietário, o então vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro. Localizava-se em Campos dos Goytacazes. Diz Guerra: "Eu me lembro muito bem de um casal, Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva (...) Eu e o sargento Levy, do DOI... fomos levar seus corpos à usina. A mulher apresentava muitas marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. Wilson não tinha as unhas da mão direita. Tudo leva a crer que tinham sido torturados." Sobre Capistrano e Massena, assim está na obra: "Eu me lembro bem de dois senhores que peguei na Casa da Morte e levei para a incineração na usina. Um deles me marcou muito, porque lhe haviam arrancado a mão direita (...) resultado de tortura impiedosa. O outro homem (...) era David Capistrano."
Dirigente histórico do PCB e ex-combatente da Resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, Capistrano desapareceu nas mãos da repressão em 1974. Sabe-se concretamente que foi preso no centro de São Paulo (rua 24 de Maio) e hipoteticamente que teria sido morto no Dops, ou no Manicômio Judiciário, ou ainda no Hospital Juqueri (ambos na cidade de Franco da Rocha). Reforça a tese de incineração apresentada por Guerra o fato de o corpo ter sido exaustivamente procurado e nunca localizado. Enfraquece-a, no entanto, outro ponto: o fato de Guerra (assim como informantes anteriores) não apresentar nenhuma prova além de dizer "era David Capistrano". "Todas as informações devem ser levadas em consideração, mas elas têm de ser rigorosamente investigadas", diz Greenhalgh. "Muitos já deram contrainformações." "Esse Cláudio Guerra é um doido", disse à ISTOÉ Maria Cecília Gomes, filha do ex-proprietário da usina. "Nossa família vai acionar a Justiça contra esse ex-delegado. Vai ter de provar o que falou." Irmão de Ana Rosa, o escritor Bernardo Kucinski chega a considerar que o objetivo de Guerra pode ser o de "afrouxar as buscas pelos restos mortais dos desaparecidos".
Se Guerra presta um serviço ou desserviço à história, isso o futuro dirá. No presente, porém, as suas revelações têm de ser consideradas. Isso no plano social. No campo individual, elas até podem aplacar a sua consciência, como ele próprio justifica, uma vez que se tornou evangélico quando esteve preso por ligação com o crime organizado no Espírito Santo, mas não amenizará a possibilidade de ser imediatamente processado pelo Ministério Público por ocultação e vilipêndio de cadáver – apenas a sua palavra de que não adianta mais procurar pelos corpos de Ana Rosa e Capistrano não o livra de responder pelo crime imprescritível de sequestro continuado, como determinou o STF. "O livro trata de pessoas incineradas. Depois da tortura, não sobrou mais nada. É terrível", disse à ISTOÉ Marcelo Netto. "Foram três anos para escrevê-lo, entre convencimento, entrevistas e redação." Também à ISTOÉ, Rogério Medeiros declarou que "foi Perly Cipriano, ex-subsecretário de Direitos Humanos no governo de Lula, quem convenceu o ex-delegado a dar seu depoimento". No atual governo federal leram o livro em primeira mão a presidenta da República, Dilma Rousseff, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Sabe-se que a presidenta o considerou uma peça histórica importante para o estabelecimento da verdade sobre a morte e o desaparecimento de cidadãos durante o mais obscurantista período da vida política brasileira.
Isto é - 07/05/2012
Agente da repressão revela pela primeira vez que o regime militar incinerou os corpos de dez guerrilheiros em uma usina no Rio de Janeiro
A atual história política do Brasil é pródiga em exemplos de que os crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos que a ditadura militar cometeu acabam em boa parte denunciados por aqueles que fizeram o trabalho sujo – é o porão a implodir o arranha-céu do horror que se construiu com o golpe de 1964 e perdurou até a redemocratização em 1985. Foi assim com os cadáveres de guerrilheiros que se opuseram ao regime de exceção, enterrados em cemitérios clandestinos – os agentes os sepultavam com nomes frios, mas escreviam nos laudos, com letra miúda, os nomes verdadeiros. Foi assim também nos próprios tribunais militares nos quais juízes consignavam que o réu fora torturado, embora não movessem um dedo contra isso. Pôr tudo no papel e fazer valer o que está escrito faz parte da tradição cartorial luso-brasileira. O livro "Memórias de uma Guerra Suja", que acaba de ser lançado, confirma em um ponto essa regra ao trazer na primeira pessoa o depoimento inédito, surpreendente e estarrecedor do ex-delegado da repressão Cláudio Guerra. Ele revela que houve no Brasil uma espécie de campo de Auschwitz (referência ao mais famoso campo nazista de extermínio e cremação de judeus) onde corpos de guerrilheiros mortos sob tortura em São Paulo e no Rio e Janeiro foram incinerados. Em outro ponto, no entanto, o da tradição de que tudo se escreve, Guerra, 71 anos, quebra a regra: não anotou absolutamente nada e, assim, a denúncia que faz se baseia em sua memória e em sua palavra. "Ele é o mais importante dos agentes da repressão que falaram até agora, e, de fato, tem informação", disse à ISTOÉ o ex-deputado e um dos mais atuantes advogados de ex-presos políticos Luiz Eduardo Greenhalgh. "E esse também é o momento mais importante para alguém falar porque a Comissão da Verdade está prestes a funcionar."
Há quase quatro décadas familiares e organizações de direitos humanos trabalham para descobrir os corpos, por exemplo, de David Capistrano da Costa, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Ana Rosa Kucinski Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). É o ex-delegado quem agora afirma: "Não adianta procurar, eles foram incinerados." Por quem? Pelo próprio depoente. O mesmo fim, segundo o livro de autoria dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, tiveram, entre outros, os cadáveres de Wilson Silva, João Massena Mello, José Roman e Joaquim Cerveira. O forno do Auschwitz da ditadura, de acordo com Guerra, funcionou a partir de 1973 na usina de açúcar Cambahyba, com a anuência de seu ex-proprietário, o então vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro. Localizava-se em Campos dos Goytacazes. Diz Guerra: "Eu me lembro muito bem de um casal, Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva (...) Eu e o sargento Levy, do DOI... fomos levar seus corpos à usina. A mulher apresentava muitas marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. Wilson não tinha as unhas da mão direita. Tudo leva a crer que tinham sido torturados." Sobre Capistrano e Massena, assim está na obra: "Eu me lembro bem de dois senhores que peguei na Casa da Morte e levei para a incineração na usina. Um deles me marcou muito, porque lhe haviam arrancado a mão direita (...) resultado de tortura impiedosa. O outro homem (...) era David Capistrano."
Dirigente histórico do PCB e ex-combatente da Resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, Capistrano desapareceu nas mãos da repressão em 1974. Sabe-se concretamente que foi preso no centro de São Paulo (rua 24 de Maio) e hipoteticamente que teria sido morto no Dops, ou no Manicômio Judiciário, ou ainda no Hospital Juqueri (ambos na cidade de Franco da Rocha). Reforça a tese de incineração apresentada por Guerra o fato de o corpo ter sido exaustivamente procurado e nunca localizado. Enfraquece-a, no entanto, outro ponto: o fato de Guerra (assim como informantes anteriores) não apresentar nenhuma prova além de dizer "era David Capistrano". "Todas as informações devem ser levadas em consideração, mas elas têm de ser rigorosamente investigadas", diz Greenhalgh. "Muitos já deram contrainformações." "Esse Cláudio Guerra é um doido", disse à ISTOÉ Maria Cecília Gomes, filha do ex-proprietário da usina. "Nossa família vai acionar a Justiça contra esse ex-delegado. Vai ter de provar o que falou." Irmão de Ana Rosa, o escritor Bernardo Kucinski chega a considerar que o objetivo de Guerra pode ser o de "afrouxar as buscas pelos restos mortais dos desaparecidos".
Se Guerra presta um serviço ou desserviço à história, isso o futuro dirá. No presente, porém, as suas revelações têm de ser consideradas. Isso no plano social. No campo individual, elas até podem aplacar a sua consciência, como ele próprio justifica, uma vez que se tornou evangélico quando esteve preso por ligação com o crime organizado no Espírito Santo, mas não amenizará a possibilidade de ser imediatamente processado pelo Ministério Público por ocultação e vilipêndio de cadáver – apenas a sua palavra de que não adianta mais procurar pelos corpos de Ana Rosa e Capistrano não o livra de responder pelo crime imprescritível de sequestro continuado, como determinou o STF. "O livro trata de pessoas incineradas. Depois da tortura, não sobrou mais nada. É terrível", disse à ISTOÉ Marcelo Netto. "Foram três anos para escrevê-lo, entre convencimento, entrevistas e redação." Também à ISTOÉ, Rogério Medeiros declarou que "foi Perly Cipriano, ex-subsecretário de Direitos Humanos no governo de Lula, quem convenceu o ex-delegado a dar seu depoimento". No atual governo federal leram o livro em primeira mão a presidenta da República, Dilma Rousseff, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Sabe-se que a presidenta o considerou uma peça histórica importante para o estabelecimento da verdade sobre a morte e o desaparecimento de cidadãos durante o mais obscurantista período da vida política brasileira.
Educação: as mudanças de que o Brasil precisa
Autor(es): Erik CamaranoCorreio Braziliense - 11/05/2012
Diretor-presidente do Movimento Brasil Competitivo
O Brasil vive situação complexa e alarmante do ponto de vista da educação básica. A deficiência histórica de desempenho dos estudantes alcança hoje a esfera da escassez de mão de obra qualificada, o que torna crítica a situação do setor produtivo em momento de crescimento econômico. A agenda da transformação educacional no país pode ser entendida em duas etapas: a inclusão dos alunos em sala de aula e a melhoria contínua nos níveis de desempenho estudantil.
Na primeira, houve significativos avanços nos últimos anos, embora o problema esteja longe de ser resolvido. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de estudantes que concluem o ensino médio até os 19 anos é de apenas 50%. O relatório indica que o Brasil tem ainda 3,8 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola, ou 8,5% da população nessa faixa etária. A dificuldade maior consiste em manter os alunos da rede pública de ensino médio nas salas de aula. Por uma série de motivos, uma vaga na escola não garante a permanência ou a dedicação do estudante brasileiro.
A segunda parte da agenda, a melhoria do desempenho, é ainda mais crítica. Segundo dados oficiais do documento De olho nas metas 2011, elaborado pelo movimento Todos pela Educação, apenas 32,5% dos alunos da 5º ano (antiga 4ª série) do ensino fundamental têm desempenho adequado em matemática, número que cai para apenas 20% na Região Nordeste. No 9º ano (8ª série) esse índice cai para 14,7% na média nacional, com 8,3% na Região Norte. O quadro piora no fim do ensino médio: apenas 11% dos alunos têm o desempenho desejável, sendo que no Norte esse percentual cai para 4,9% e, no Nordeste, para 6,8%.
O cenário exige soluções inovadoras, metas claramente definidas e um choque na gestão educacional, com engajamento direto da sociedade. A primeira parte da agenda, da inclusão dos alunos em sala de aula, não se resolve apenas com investimentos públicos em expansão da oferta educacional. É necessária uma avaliação das razões da evasão escolar, para que se identifiquem as diferentes soluções a serem adotadas em cada região do país.
Solucionar a segunda parte da agenda de reformas é mais complicado. Em primeiro lugar, é preciso derrubar o mito da avaliação externa independente e da relação entre desempenho escolar e remuneração dos docentes. Sindicatos de professores país afora ainda gritam contra a ideia de que o desempenho estudantil pode sim ser medido e diretamente correlacionado à efetiva atuação do professor em sala de aula, com recompensa para os que têm melhor performance. Isso foi feito nos países que trataram a educação com seriedade.
O segundo mito é a carência de infraestrutura e baixos salários, mas esse também não para em pé, pois não há correlação direta entre salários e condições físicas das escolas e o desempenho estudantil. O terceiro ponto é o mecanismo de escolha de diretores, que deve passar por um processo de capacitação para a gestão escolar e por avaliação independente antes que possam se considerar elegíveis para o cargo.
A evidência demonstra que mesmo escolas em regiões muito pobres do país conseguem ter desempenho superior, porque têm um diretor competente como gestor; um time dedicado de professores; um sistema claro de metas, pelas quais os professores são recompensados; e o engajamento dos pais e da comunidade no processo de educação das crianças.
Felizmente, há exemplos de transformações em vários estados brasileiros que superaram esses antigos mitos. Em Pernambuco, o governador exonerou 14 diretores de escola, após a primeira reunião do comitê de acompanhamento da educação, por terem apresentado dados falsos sobre suas escolas. Em Goiás, a revolução na gestão da educação incluiu a introdução de um processo seletivo (com prova, pasmem!) para os professores que se candidatam ao cargo de diretor, além de publicar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na porta dos estabelecimentos de ensino, para que os pais coloquem os filhos na melhor escola do bairro. Ainda temos muito a fazer pela educação no Brasil, mas esses exemplos apontam na direção correta, de um país mais justo, sustentável e competitivo.
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Paraná fica para trás no ensino de 9 anos
O Paraná está entre os quatro estados brasileiros que menos conseguiram matricular crianças no ensino fundamental com nove anos de duração. Por lei, estados e municípios têm até o início de 2010 para oferecer o novo ensino fundamental. No Paraná, apenas 23% de um total de 1.677.128 crianças estão matriculadas no sistema de 9 anos. As 77% restantes, ou 1.291.090, ainda frequentam o antigo ensino fundamental, com oito anos de duração.
A realidade é semelhante em nove unidades da federação que ainda têm mais de 60% das matrículas do ensino fundamental “antigo”, segundo mostra o Censo Escolar da Educação Básica de 2009, divulgado na segunda-feira pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (veja tabela). Em todo o país 59% dos estudantes do fundamental estão matriculados no modelo de nove anos.
Em 12 estados, a transição para o ensino fundamental de nove anos está quase completa, com mais de 90% dos alunos matriculados. É o caso de Rondônia, Acre, Amazonas, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Goiás. Entre os anos de 2008 e 2009 houve um crescimento de 12,5% no número de matrículas no modelo de nove anos no país. No Paraná, essa expansão ficou em 69,36%.
O ensino fundamental de 9 anos foi criado pela Lei N.º 11.114, de 16 de maio de 2005. Antes, o ensino era obrigatório dos 7 aos 14 anos (da 1.ª a 8.ª séries). A nova faixa etária vai dos 6 aos 14 anos (do 1.° ao 9.° anos). O presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, ressaltou, em entrevista à Agência Brasil, que essa ampliação precisa ser iniciada até 2010, mas não é necessário que esteja concluída até essa data. Estados e municípios que não iniciarem a transição do ensino fundamental para o modelo de 9 anos, em 2010, podem responder por crime de responsabilidade.
Polêmica e dificuldades
No Paraná, a implantação do ensino de nove anos começou em 2007 e foi marcado por embates judiciais e polêmica em torno da data de ingresso dos alunos (leia mais no box). Segundo o presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná, Romeu Gomes de Miranda, a discussão em torno da data de corte pode ter atrapalhado. “Acredito que muitos municípios foram deixando para implantar em 2010 até por conta das dúvidas que pairavam sobre a data de corte e isso impacta na contabilidade”, ressalta.
Já o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação no Paraná (Undime-PR), Claudio Aparecido da Silva, diz que municípios pequenos estão enfrentando dificuldades financeiras, agavadas com a queda na arrecadação de impostos que impactaram em menos verbas previstas para o Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) em 2009. “É preciso ampliar a infra-estrutura e contratar mais professores. A crise pegou todos de surpresa. Os municípios que vinham fazendo investimentos precisaram cessar e priorizar outras questões, como pagamento dos salários”, diz.
De acordo com a coordenadora de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental da Secretaria de Estado de Educação do Paraná, Arleandra Cristina Talin do Amaral, a transição está ocorrendo de maneira gradual. Ela ressalta a coexistência dos dois modelos, com nove e oito anos de duração no Paraná, e prevê a conclusão da mudança após 2012. “Até este ano temos crianças sendo aceitas na primeira série do ensino de oito anos”, afirma. A partir do ano que vem, as 120 escolas que ainda oferecem as séries iniciais do ensino fundamental na rede estadual não irão mais aceitar matrículas. A medida faz parte de um processo de cessação da oferta das séries iniciais no estado, que irá priorizar a gestão do 6.º ao 9.º ano (5.ª a 8.ª séries).
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