quinta-feira, 10 de maio de 2012

Os Roosevelts e as cotas

Autor(es): agência o globo:Marcello Cerqueira
O Globo - 10/05/2012

Pensava que após o voto do ministro Lewandowski, relator da tentativa de impugnação das cotas, o assunto estaria esgotado. Mas subestimei a sabedoria do Coletivo. A ministra Cármen Lúcia contribuiu para o rito de passagem da lei: "As ações afirmativas não são a melhor opção, mas são uma etapa." E, na sequência, o ministro Gilmar Mendes apoiou com a ressalva de que defendia "a adoção de um critério objetivo de índole socioeconômica". Coube ao ministro Cezar Peluso o descortino de ligar a aprovação das cotas ao futuro: "A meu ver, a política pública afirmativa volta-se para o futuro, independe de intuitos compensatórios, reparatórios, de cunho indenizatório, simplesmente pela impossibilidade, não apenas jurídica, de responsabilizar os atuais por atos dos antepassados." (grifei.) Será esse voto que ligará este artigo aos Roosevelts.

Com efeito, o precedente que se tem é absolutamente revelador de que a universalização do ensino pode trazer benefícios para toda a coletividade e não apenas para os eventuais e diretamente beneficiados.

A experiência - e o exemplo - nos vem dos Estados Unidos da América, naturalmente após o término da Segunda Guerra Mundial e por inspiração da notável Eleanor Roosevelt durante o governo de seu marido, o presidente Franklin Roosevelt.

Preocupava-se o progressista governo Roosevelt em oferecer compensações aos heróis de guerra (não se chamou de política afirmativa). O Congresso americano aprovou unanimemente a lei, que ficou conhecida como a Lei dos Direitos dos Pracinhas. Empréstimos subsidiados para a compra da casa própria, seguro-desemprego para os necessitados e bolsa para ingresso nas universidades e escolas preparatórias, além de mensal ajuda de custo para os estudantes. Não havia vestibular ou qualquer outra forma de aferir prévio conhecimento: bastava ser veterano e ter completado os preparatórios para o curso que pretendia. A Lei dos Pracinhas não se preocupou com a "ideologia do mérito", ou o que isso queira dizer. O fato é que a lei levou dois milhões de pracinhas para as universidades e escolas de graduação.

No final dos anos 40, os veteranos de guerra constituíam quase 50% do total de estudantes do sexo masculino em todas as instituições de ensino superior. O desempenho dos pracinhas foi marcante, superando as melhores expectativas e promovendo o funeral do excludente argumento prévio do mérito.

Pesquisas de 1949 identificaram os veteranos como os melhores estudantes: os mais maduros, os melhores, os mais responsáveis e o mais disciplinado grupo de estudantes universitários da história americana, independentemente de raça, classe social ou recursos, e a quem se deveu, então, o extraordinário avanço do ensino naquele país. É o que nos relata Doris Kearns Goodwin, em seu instigante "Tempos muito estranhos" (Nova Fronteira, 2001), uma biografia do casal famoso e do seu tempo.

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