Autor(es): Silvio Ribas e Jorge Freitas
Correio Braziliense - 01/05/2012
A menor taxa de desemprego da história brasileira (6%) — alcançada ano passado no embalo da acelerada formalização de trabalhadores desde a última década — é motivo para comemoração no Dia do Trabalho. Mas ela também serve para evidenciar deficits de qualificação profissional. Os sintomas mais claros do problema são os chamados apagões da mão de obra qualificada em setores com grande expansão no país, como a construção civil, a indústria metal-mecânica e a exploração de petróleo e gás. Mas há outro dado que está deixando técnicos do governo e da iniciativa privada ainda mais preocupados em relação às distorções no mercado de trabalho. Eles temem para os próximos anos um quadro de escassez de pessoal mais amplo e complexo provocado pela atual crise no ensino médio.
Os primeiros sinais dessa crise com razões diversas já podem ser percebidos nas grandes cidades. Com ensino médio incompleto e sonho de se formar em engenharia civil, Daniel Lucena, 21 anos, sente na pele a falta de qualificação, apesar de ter feito cursos sobre rotinas de escritório e gestão de recursos humanos. “Falam que tem muito emprego, mas só para quem tem qualificação. Fui criado no Paraná e nasci em Brasília, onde retornei em busca de oportunidades. Vivo dos meus pais”, queixa-se. Ele enxerga nos concursos públicos uma saída duradoura para a sua indefinição profissional, mas lamenta não ter o estudo suficiente para enfrentar a grande concorrência.
Segundo especialistas ouvidos pelo Correio, as falhas na fase escolar intermediária do sistema educacional público, com responsabilidade concentrada nos governos estaduais, deverão alimentar o fenômeno de importação de trabalhadores, a exemplo de engenheiros contratados pela Petrobras, e ainda impulsar a demanda dos programas sociais e de transferência de renda. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que a crise global e o bom desempenho da economia nacional vêm atraindo estrangeiros para morar no país e estimulando a volta de brasileiros que viviam fora. Só em 2010 foram 268.486 imigrantes, 87% acima dos 143.644 de 2000. Do total, 65,1% nasceram no Brasil.
Prática
Esses números impressionam ainda mais pelo fato de que a geração recorde de vagas não está servindo de porta de saída para cidadãos dependentes do socorro estatal ou de empregos temporários. A gerente do programa regional Proleite, Sílvia Ferreira da Silva, 33, mãe de Sara, 7, é um desses casos. Ela vai perder o emprego quando terminar a campanha do governo de distribuição de leite comprado de 450 produtores do Distrito Federal à população. Ela torce pelo surgimento de outra iniciativa assistencial para continuar na empresa prestadora de serviços. “Quando for procurar emprego terei dificuldade porque tenho pouco registro na Carteira de Trabalho e a falta de experiência me prejudica”, lamentou.
A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras subiu de 5,7%, em fevereiro, para 6,2% em março, conforme informou o IBGE. Apesar do aumento, foi a menor taxa para março desde 2002, quando a série histórica foi iniciada. No mesmo mês de 2011, fora de 6,5%. O quadro de estabilidade deixa estudantes e seus pais menos preocupados com a baixa escolaridade. Levantamentos recentes mostram que a atual evolução do mercado tende a rejeitar cada vez mais candidatos com menos de 11 anos em sala de aula.
“Os filhos que não completam o ensino médio frustram a ascensão material esperada para a segunda geração, com reflexos sobre toda a economia”, comenta Wanda Engel, diretora executiva do Instituto Unibanco, dedicado a formar parcerias com alvo na qualidade do ensino público. Para especialista, as inegáveis conquistas de universalização nos níveis básico e universitário deixaram o antes conhecido segundo grau em “terceiro plano das políticas públicas do setor”. Os piores efeitos desse vacilo, segundo ela, estão mesmo no mercado de trabalho.
Com a sofisticação tecnológica das fábricas, do comércio e dos serviços, saber ler e fazer contas não é mais suficiente. Para piorar, ela desconfia que, além dos excluídos voluntariamente do sistema, boa parte dos atuais 8 milhões de matriculados no ensino médio do Brasil já esteja com “o pé para fora” dele, com poucas chances de concluir seus estudos. “Como só 35% dos adultos brasileiros têm ensino médio completo, as perspectivas de informalidade continuam elevadas. E ainda há milhões de alunos desinteressados, mesmo fazendo cursos com viés profissionalizante”, observou.
A prática mostra que nem mesmo quem chegou ao ensino superior está ileso. Com matrícula trancada em direito, Talita Abrantes, 23, ainda procura emprego. Ontem, ela fez entrevista como candidata a uma vaga num escritório de cobranças de dívidas, com salário de R$ 780 mais comissão. “É bem diferente dos que tenho recusado por oferecer menos de R$ 700”, contou. Para Fernando Schüler, coordenador didático do Ibmec-RJ, o país também peca ao não avaliar o nível de comprometimento de professores e alunos com o aprendizado.
Estarrecida
A presidente Dilma Rousseff explicitou seus receios com a piora da formação secundária no geral. Em público, ela alertou recentemente para a necessidade de o país elevar e diversificar investimentos no trabalhador desde a adolescência em favor do desenvolvimento sustentável. “Precisamos de gente que saiba prestar serviços especializados, fazer engenharia e, ainda, inovar”, resumiu. Além dos 2 milhões de estudantes de 15 a 17 anos que estão fora do ensino médio, a qualidade do aprendizado dos que vencem essa etapa também deixa a desejar na opinião da presidente. “A evasão do nível médio é absolutamente estarrecedora e não podemos deixá-la continuar. O ensino não está adequado à realidade e não cativa os alunos”, discursou.
Correio Braziliense - 01/05/2012
A menor taxa de desemprego da história brasileira (6%) — alcançada ano passado no embalo da acelerada formalização de trabalhadores desde a última década — é motivo para comemoração no Dia do Trabalho. Mas ela também serve para evidenciar deficits de qualificação profissional. Os sintomas mais claros do problema são os chamados apagões da mão de obra qualificada em setores com grande expansão no país, como a construção civil, a indústria metal-mecânica e a exploração de petróleo e gás. Mas há outro dado que está deixando técnicos do governo e da iniciativa privada ainda mais preocupados em relação às distorções no mercado de trabalho. Eles temem para os próximos anos um quadro de escassez de pessoal mais amplo e complexo provocado pela atual crise no ensino médio.
Os primeiros sinais dessa crise com razões diversas já podem ser percebidos nas grandes cidades. Com ensino médio incompleto e sonho de se formar em engenharia civil, Daniel Lucena, 21 anos, sente na pele a falta de qualificação, apesar de ter feito cursos sobre rotinas de escritório e gestão de recursos humanos. “Falam que tem muito emprego, mas só para quem tem qualificação. Fui criado no Paraná e nasci em Brasília, onde retornei em busca de oportunidades. Vivo dos meus pais”, queixa-se. Ele enxerga nos concursos públicos uma saída duradoura para a sua indefinição profissional, mas lamenta não ter o estudo suficiente para enfrentar a grande concorrência.
Segundo especialistas ouvidos pelo Correio, as falhas na fase escolar intermediária do sistema educacional público, com responsabilidade concentrada nos governos estaduais, deverão alimentar o fenômeno de importação de trabalhadores, a exemplo de engenheiros contratados pela Petrobras, e ainda impulsar a demanda dos programas sociais e de transferência de renda. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que a crise global e o bom desempenho da economia nacional vêm atraindo estrangeiros para morar no país e estimulando a volta de brasileiros que viviam fora. Só em 2010 foram 268.486 imigrantes, 87% acima dos 143.644 de 2000. Do total, 65,1% nasceram no Brasil.
Prática
Esses números impressionam ainda mais pelo fato de que a geração recorde de vagas não está servindo de porta de saída para cidadãos dependentes do socorro estatal ou de empregos temporários. A gerente do programa regional Proleite, Sílvia Ferreira da Silva, 33, mãe de Sara, 7, é um desses casos. Ela vai perder o emprego quando terminar a campanha do governo de distribuição de leite comprado de 450 produtores do Distrito Federal à população. Ela torce pelo surgimento de outra iniciativa assistencial para continuar na empresa prestadora de serviços. “Quando for procurar emprego terei dificuldade porque tenho pouco registro na Carteira de Trabalho e a falta de experiência me prejudica”, lamentou.
A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras subiu de 5,7%, em fevereiro, para 6,2% em março, conforme informou o IBGE. Apesar do aumento, foi a menor taxa para março desde 2002, quando a série histórica foi iniciada. No mesmo mês de 2011, fora de 6,5%. O quadro de estabilidade deixa estudantes e seus pais menos preocupados com a baixa escolaridade. Levantamentos recentes mostram que a atual evolução do mercado tende a rejeitar cada vez mais candidatos com menos de 11 anos em sala de aula.
“Os filhos que não completam o ensino médio frustram a ascensão material esperada para a segunda geração, com reflexos sobre toda a economia”, comenta Wanda Engel, diretora executiva do Instituto Unibanco, dedicado a formar parcerias com alvo na qualidade do ensino público. Para especialista, as inegáveis conquistas de universalização nos níveis básico e universitário deixaram o antes conhecido segundo grau em “terceiro plano das políticas públicas do setor”. Os piores efeitos desse vacilo, segundo ela, estão mesmo no mercado de trabalho.
Com a sofisticação tecnológica das fábricas, do comércio e dos serviços, saber ler e fazer contas não é mais suficiente. Para piorar, ela desconfia que, além dos excluídos voluntariamente do sistema, boa parte dos atuais 8 milhões de matriculados no ensino médio do Brasil já esteja com “o pé para fora” dele, com poucas chances de concluir seus estudos. “Como só 35% dos adultos brasileiros têm ensino médio completo, as perspectivas de informalidade continuam elevadas. E ainda há milhões de alunos desinteressados, mesmo fazendo cursos com viés profissionalizante”, observou.
A prática mostra que nem mesmo quem chegou ao ensino superior está ileso. Com matrícula trancada em direito, Talita Abrantes, 23, ainda procura emprego. Ontem, ela fez entrevista como candidata a uma vaga num escritório de cobranças de dívidas, com salário de R$ 780 mais comissão. “É bem diferente dos que tenho recusado por oferecer menos de R$ 700”, contou. Para Fernando Schüler, coordenador didático do Ibmec-RJ, o país também peca ao não avaliar o nível de comprometimento de professores e alunos com o aprendizado.
Estarrecida
A presidente Dilma Rousseff explicitou seus receios com a piora da formação secundária no geral. Em público, ela alertou recentemente para a necessidade de o país elevar e diversificar investimentos no trabalhador desde a adolescência em favor do desenvolvimento sustentável. “Precisamos de gente que saiba prestar serviços especializados, fazer engenharia e, ainda, inovar”, resumiu. Além dos 2 milhões de estudantes de 15 a 17 anos que estão fora do ensino médio, a qualidade do aprendizado dos que vencem essa etapa também deixa a desejar na opinião da presidente. “A evasão do nível médio é absolutamente estarrecedora e não podemos deixá-la continuar. O ensino não está adequado à realidade e não cativa os alunos”, discursou.
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