COTA RACIAL É LEGÍTIMA
Autor(es): » DIEGO ABREU
Correio Braziliense - 27/04/2012
Ativista dos direitos humanos, o cineasta americano Spike Lee visitou ontem o Supremo Tribunal Federal. Ele foi recebido pelo ministro Joaquim Barbosa, único integrante negro da corte, em um dia emblemático: por unanimidade, 10 votos a zero, o STF refutou uma ação proposta pelo DEM e aprovou a política de cotas raciais que reserva para negros 20% das vagas do vestibular da UnB. A decisão deve servir de parâmetro para todas as instituições públicas de ensino superior no país. Um índio foi retirado à força do tribunal ao se manifestar, durante a sessão, para que os indígenas fossem citados nas cotas
Após dois dias de votação, ministros do Supremo validam por unanimidade o sistema que destina vagas da Universidade de Brasília para negros e pardos. Modelo servirá de parâmetro para outras instituições educacionais
Por dez votos a zero, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que as cotas raciais para ingresso na Universidade de Brasília (UnB) são legais. O sistema, que reserva 20% das vagas de cada vestibular para negros e pardos, havia sido questionado pelo partido Democratas (DEM), que alegou violação aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Os ministros, porém, não se convenceram com os argumentos da legenda e definiram, por unanimidade, em sessão plenária concluída ontem, que a política de cotas da UnB é constitucional.
O entendimento servirá de parâmetro para todas as universidades públicas brasileiras, que, a partir da decisão da Suprema Corte, ficarão autorizadas a adotar o modelo da UnB, caso queiram, ou a manter os sistemas próprios dos quais já dispõem. Atualmente, segundo dados da ONG Educafro, 129 instituições públicas brasileiras têm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de candidatos, sendo que 57 delas são federais.
Em plenário, prevaleceu o voto proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Relator do processo que começou a ser julgado na quarta-feira, ele ressaltou a importância de iniciativas voltadas para a redução da desigualdade no país. Ele defende que as cotas da UnB sirvam de modelo para o Brasil, vigorando por um tempo determinado enquanto a desigualdade perdurar. Após ter sido interrompido, com o placar de um a zero, o julgamento foi retomado ontem.
Primeiro a votar, Luiz Fux ressaltou que o Brasil precisa reparar "danos pretéritos" que se originaram no Brasil quando os negros foram feitos de escravos. Para o ministro, não fere a Constituição o fato de a raça ser considerada critério para o acesso a uma universidade. Todos os ministros ressaltaram a importância das ações afirmativas como instrumentos de mecanismos compensatórios. Rosa Weber citou números que mostram que os negros ainda estão em situação desigual no país. Segundo a ministra, 75% da camada mais pobre da população brasileira é composta por pretos e pardos. "Isso quer dizer que dentre aqueles que têm menos oportunidade a imensa maioria é de negros", frisou.
Único negro entre os integrantes do Supremo, Joaquim Barbosa fez um dos votos mais resumidos. Em dez minutos, ele comentou que os afrodescendentes ainda sofrem com a discriminação. "Essas medidas combatem não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem", afirmou. O ministro também observou que nenhum país na história se tornou potência mantendo políticas excludentes.
Marco Aurélio Mello foi além ao alertar que não basta não discriminar. É preciso, segundo ele, viabilizar as mesmas oportunidades. Celso de Mello, por sua vez, avalia que uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode qualificar-se como democrática. O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, citou que a Constituição em seu "preâmbulo é um sonoro não ao preconceito". Cezar Peluso também votou pela validade das cotas raciais. Mesmo diante da desavença ocorrida na semana passada, quando Barbosa deu a entender que Peluso era racista. Ele não fez qualquer referência ao ocorrido e destacou a importância das políticas afirmativas.
O último voto do julgamento, proferido pelo ministro Ayres Britto, foi bastante comemorado por representantes de movimentos afrodescendentes. Batendo palmas, eles interromperam Britto, que precisou esperar alguns segundos, antes de proclamar o resultado.
O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento. Ele se declarou impedido por ter atuado no caso quando exercia o cargo de advogado-geral da União.
Critérios
Embora tenha votado a favor da manutenção do modelo das cotas, Gilmar Mendes fez críticas ao sistema da UnB e ao que ele chama de "tribunal racial", que é a comissão destinada a avaliar se o candidato é ou não negro ou pardo. "O tribunal racial está longe de ser infalível. Esse sistema opera com quase nenhuma transparência", criticou. O ministro citou o episódio ocorrido em 2007, quando a UnB autorizou Alan Teixeira da Cunha a disputar o vestibular pelo sistema de cotas, mas barrou Alex, seu irmão gêmeo univitelino. "Sabemos que há todo um esforço no sentido de expansão, mas continuamos com um modelo restrito."
129
Número de instituições públicas que mantêm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de alunos
O voto dos ministros
Luiz Fux
"A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos."
Ricardo Lewandowski (relator do processo)
"As desigualdades entre negros e brancos não resultam de uma desvalia natural ou genética, mas (...) de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos."
Cármen Lúcia
"As políticas de ações afirmativas são válidas. Na minha experiência de professora, aqueles que tiveram essa oportunidade souberam valorizar."
Cezar Peluso
"O mérito é sim um critério justo, mas apenas em relação aos candidatos que tiveram oportunidades idênticas ou pelo menos assemelhadas."
Rosa Weber
"O fato é que a disparidade racial é flagrante na sociedade brasileira. A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela."
Joaquim Barbosa
"A discriminação está tão enraizada na sociedade brasileira que as pessoas nem percebem. Ela se torna normal."
Marco Aurélio Mello
"Falta a percepção de que não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta, acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, no tocante a alcançar-se a igualdade."
Celso de Mello
"As ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnico-racial."
Gilmar Mendes
"Esse é um modelo que está sendo experimentado, cujas imperfeições vão aparecendo. Seria muito mais fácil fazer uma referência de índole sócioeconômica."
Carlos Ayres Britto
"O princípio de unidade da Constituição chancela as políticas de promoção racial. A partir desta decisão, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha."
O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de participar do julgamento
Autor(es): » DIEGO ABREU
Correio Braziliense - 27/04/2012
Ativista dos direitos humanos, o cineasta americano Spike Lee visitou ontem o Supremo Tribunal Federal. Ele foi recebido pelo ministro Joaquim Barbosa, único integrante negro da corte, em um dia emblemático: por unanimidade, 10 votos a zero, o STF refutou uma ação proposta pelo DEM e aprovou a política de cotas raciais que reserva para negros 20% das vagas do vestibular da UnB. A decisão deve servir de parâmetro para todas as instituições públicas de ensino superior no país. Um índio foi retirado à força do tribunal ao se manifestar, durante a sessão, para que os indígenas fossem citados nas cotas
Após dois dias de votação, ministros do Supremo validam por unanimidade o sistema que destina vagas da Universidade de Brasília para negros e pardos. Modelo servirá de parâmetro para outras instituições educacionais
Por dez votos a zero, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que as cotas raciais para ingresso na Universidade de Brasília (UnB) são legais. O sistema, que reserva 20% das vagas de cada vestibular para negros e pardos, havia sido questionado pelo partido Democratas (DEM), que alegou violação aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Os ministros, porém, não se convenceram com os argumentos da legenda e definiram, por unanimidade, em sessão plenária concluída ontem, que a política de cotas da UnB é constitucional.
O entendimento servirá de parâmetro para todas as universidades públicas brasileiras, que, a partir da decisão da Suprema Corte, ficarão autorizadas a adotar o modelo da UnB, caso queiram, ou a manter os sistemas próprios dos quais já dispõem. Atualmente, segundo dados da ONG Educafro, 129 instituições públicas brasileiras têm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de candidatos, sendo que 57 delas são federais.
Em plenário, prevaleceu o voto proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Relator do processo que começou a ser julgado na quarta-feira, ele ressaltou a importância de iniciativas voltadas para a redução da desigualdade no país. Ele defende que as cotas da UnB sirvam de modelo para o Brasil, vigorando por um tempo determinado enquanto a desigualdade perdurar. Após ter sido interrompido, com o placar de um a zero, o julgamento foi retomado ontem.
Primeiro a votar, Luiz Fux ressaltou que o Brasil precisa reparar "danos pretéritos" que se originaram no Brasil quando os negros foram feitos de escravos. Para o ministro, não fere a Constituição o fato de a raça ser considerada critério para o acesso a uma universidade. Todos os ministros ressaltaram a importância das ações afirmativas como instrumentos de mecanismos compensatórios. Rosa Weber citou números que mostram que os negros ainda estão em situação desigual no país. Segundo a ministra, 75% da camada mais pobre da população brasileira é composta por pretos e pardos. "Isso quer dizer que dentre aqueles que têm menos oportunidade a imensa maioria é de negros", frisou.
Único negro entre os integrantes do Supremo, Joaquim Barbosa fez um dos votos mais resumidos. Em dez minutos, ele comentou que os afrodescendentes ainda sofrem com a discriminação. "Essas medidas combatem não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem", afirmou. O ministro também observou que nenhum país na história se tornou potência mantendo políticas excludentes.
Marco Aurélio Mello foi além ao alertar que não basta não discriminar. É preciso, segundo ele, viabilizar as mesmas oportunidades. Celso de Mello, por sua vez, avalia que uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode qualificar-se como democrática. O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, citou que a Constituição em seu "preâmbulo é um sonoro não ao preconceito". Cezar Peluso também votou pela validade das cotas raciais. Mesmo diante da desavença ocorrida na semana passada, quando Barbosa deu a entender que Peluso era racista. Ele não fez qualquer referência ao ocorrido e destacou a importância das políticas afirmativas.
O último voto do julgamento, proferido pelo ministro Ayres Britto, foi bastante comemorado por representantes de movimentos afrodescendentes. Batendo palmas, eles interromperam Britto, que precisou esperar alguns segundos, antes de proclamar o resultado.
O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento. Ele se declarou impedido por ter atuado no caso quando exercia o cargo de advogado-geral da União.
Critérios
Embora tenha votado a favor da manutenção do modelo das cotas, Gilmar Mendes fez críticas ao sistema da UnB e ao que ele chama de "tribunal racial", que é a comissão destinada a avaliar se o candidato é ou não negro ou pardo. "O tribunal racial está longe de ser infalível. Esse sistema opera com quase nenhuma transparência", criticou. O ministro citou o episódio ocorrido em 2007, quando a UnB autorizou Alan Teixeira da Cunha a disputar o vestibular pelo sistema de cotas, mas barrou Alex, seu irmão gêmeo univitelino. "Sabemos que há todo um esforço no sentido de expansão, mas continuamos com um modelo restrito."
129
Número de instituições públicas que mantêm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de alunos
O voto dos ministros
Luiz Fux
"A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos."
Ricardo Lewandowski (relator do processo)
"As desigualdades entre negros e brancos não resultam de uma desvalia natural ou genética, mas (...) de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos."
Cármen Lúcia
"As políticas de ações afirmativas são válidas. Na minha experiência de professora, aqueles que tiveram essa oportunidade souberam valorizar."
Cezar Peluso
"O mérito é sim um critério justo, mas apenas em relação aos candidatos que tiveram oportunidades idênticas ou pelo menos assemelhadas."
Rosa Weber
"O fato é que a disparidade racial é flagrante na sociedade brasileira. A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela."
Joaquim Barbosa
"A discriminação está tão enraizada na sociedade brasileira que as pessoas nem percebem. Ela se torna normal."
Marco Aurélio Mello
"Falta a percepção de que não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta, acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, no tocante a alcançar-se a igualdade."
Celso de Mello
"As ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnico-racial."
Gilmar Mendes
"Esse é um modelo que está sendo experimentado, cujas imperfeições vão aparecendo. Seria muito mais fácil fazer uma referência de índole sócioeconômica."
Carlos Ayres Britto
"O princípio de unidade da Constituição chancela as políticas de promoção racial. A partir desta decisão, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha."
O ministro Dias Toffoli se declarou impedido de participar do julgamento