Autor(es): Roberto DaMatta
O Estado de S. Paulo - 29/02/2012
O Dalai Lama disse: só eu posso decidir sobre minha reencarnação! A frase perturbou-me. Seria possível decidir sobre a reencarnação? Curioso, descobri por meio de meu primo Ronaldo um médium chamado Álvaro Alvez, kardecista emérito que poderia confirmar se era mesmo possível decidir reencarnações.
Repito o que ouvi de mestre Álvaro: "A reencarnação anula o fosso entre o viver e o morrer porque ela vincula um estado com o outro. Em conformidade com a Lei do Eterno Progresso Espiritual, reencarnamos até o resgate satisfatório das dívidas contraídas em vidas passadas. Com a reencarnação - continuou Álvaro Alvez - recusamos definir a vida pela morte. Assim sendo, enquanto a maioria olha a morte pelo espelho retrovisor, os reencarnacionistas sabem que a morte leva a olhar para a frente porque teremos sempre novas vida para viver. A ideia de reencarnação muda tudo!"
Ao receber a pergunta sobre planejar reencarnações, mestre Álvaro foi claro como um ministro: "Roberto - falou - nada no campo espiritual, é impossível. Decida-se, como um Lama, relativamente às suas próximas existências e quem sabe você as realiza? Pois como já profetizava Quincas Berro D"Água, ao morrer pela terceira vez: "Cada qual cuide do seu enterro, impossível não há!"
Como, porém, iria reencarnar? Que papel escolheria para reexistir no mundo e, nele, no Brasil? As incertezas eram infinitas e maiores ainda as possibilidades.
Primeiro, veio-me a fantasia de voltar como craque de futebol, artista de TV, sambista e até mesmo como o Eike Batista ou o William Bonner. Um conselho do mestre, porém, obrigou-me a descartar essas escolhas iniciais.
Fixei-me então em regressar como alto funcionário do governo. Ministro de algum órgão sortido de recursos para obrar à vontade. Que tal chefe da Casa Civil? Ou diretor da Casa da Moeda? Ou representante do povo na Câmara ou no Senado? Nesses cargos teria não só a oportunidade de resgatar minhas obrigações passadas, mas de criar em dólares e falcatruas inúmeras dívidas futuras de modo que eu estaria sempre reencarnando (e assim vivendo) sem parar.
Nisso veio o recém-passado carnaval que me fez pensar em renascer como carnavalesco. Imaginei o sucesso de um enredo baseado nas "Mitológicas" de Claude Lévi-Strauss. O desfile abriria com uma alegoria baseada no Cru e o Cozido, sendo seguida pela ala Do Mel às Cinzas, para logo exibir o grande banquete inspirado na Origem dos Modos à Mesa para terminar sensacional e apoteoticamente com O Homem Nu! Que coisa incrível esses destaques, alas, e carros alegóricos no qual todas as transformações, reversões, torções e códigos dos mitos ameríndios estivessem em cena. Seria a carnavalização dos carnavais. Ademais, poria em foco o "homem nu" (esse ser esquecido dos carnavais) e não essas bundudas bombadas e, tenham dó, vestidas até o gargalo!
Muita fumaça e pouco fogo. Disse a mim mesmo em Angra dos Reis neste último fim de semana, quando gozei da grata hospitalidade de Romulo e Paula. Ali, diante de um mar transparente e de montanhas que me levavam para um céu infinito, uma tremenda inveja deliberou que eu iria reencarnar como dono de um daqueles modestos domicílios à beira-mar, com um BMW numa porta e um barco de 60 pés flutuando na minha praia. Viveria saindo de um veículo para entrar no outro e assim resgataria definitivamente minha dívida com o tal "trabalho" que os velhos romanos sabiam ser mais um castigo do que um chamado ou vocação.
Assim cogitava quando vi na TV a selvageria dos sambistas paulistanos diante da apuração de seu concurso de escolas de samba e, ato contínuo, ouvi as diversas possibilidades interpretativas do regulamento que as governa. Ao escutar as pérolas hermenêuticas diante de uma norma de concurso de carnavalesco, decidi-me. Se puder, prometi a mim mesmo, retornarei como foi meu avô Raul: juiz!
Como magistrado interpretaria as leis do carma. E dentro da nobreza republicana teria não apenas um excelente salário e outros auxílios mais do que justos para a serenidade requerida pela minha profissão, mas só poderia ser julgado por colegas e condenado unicamente por maioria absoluta. E, caso isso fosse possível, seria penalizado à prisão domiciliar com direito, eis um dano extraordinário, a salário integral. E, como tudo o que quero no momento atual de minha encarnação é ficar em casa, pois sair para o trabalho no Grande Rio é um inferno, encontrei minha perfeita futura vida.
Só me resta agora realizar os exercícios espirituais condizentes para determiná-la. Estou seriamente pensando em me encontrar com o Dalai Lama, pois ser juiz neste nosso Brasil republicano bem vale uma viagem ao Tibete.
O Estado de S. Paulo - 29/02/2012
O Dalai Lama disse: só eu posso decidir sobre minha reencarnação! A frase perturbou-me. Seria possível decidir sobre a reencarnação? Curioso, descobri por meio de meu primo Ronaldo um médium chamado Álvaro Alvez, kardecista emérito que poderia confirmar se era mesmo possível decidir reencarnações.
Repito o que ouvi de mestre Álvaro: "A reencarnação anula o fosso entre o viver e o morrer porque ela vincula um estado com o outro. Em conformidade com a Lei do Eterno Progresso Espiritual, reencarnamos até o resgate satisfatório das dívidas contraídas em vidas passadas. Com a reencarnação - continuou Álvaro Alvez - recusamos definir a vida pela morte. Assim sendo, enquanto a maioria olha a morte pelo espelho retrovisor, os reencarnacionistas sabem que a morte leva a olhar para a frente porque teremos sempre novas vida para viver. A ideia de reencarnação muda tudo!"
Ao receber a pergunta sobre planejar reencarnações, mestre Álvaro foi claro como um ministro: "Roberto - falou - nada no campo espiritual, é impossível. Decida-se, como um Lama, relativamente às suas próximas existências e quem sabe você as realiza? Pois como já profetizava Quincas Berro D"Água, ao morrer pela terceira vez: "Cada qual cuide do seu enterro, impossível não há!"
Como, porém, iria reencarnar? Que papel escolheria para reexistir no mundo e, nele, no Brasil? As incertezas eram infinitas e maiores ainda as possibilidades.
Primeiro, veio-me a fantasia de voltar como craque de futebol, artista de TV, sambista e até mesmo como o Eike Batista ou o William Bonner. Um conselho do mestre, porém, obrigou-me a descartar essas escolhas iniciais.
Fixei-me então em regressar como alto funcionário do governo. Ministro de algum órgão sortido de recursos para obrar à vontade. Que tal chefe da Casa Civil? Ou diretor da Casa da Moeda? Ou representante do povo na Câmara ou no Senado? Nesses cargos teria não só a oportunidade de resgatar minhas obrigações passadas, mas de criar em dólares e falcatruas inúmeras dívidas futuras de modo que eu estaria sempre reencarnando (e assim vivendo) sem parar.
Nisso veio o recém-passado carnaval que me fez pensar em renascer como carnavalesco. Imaginei o sucesso de um enredo baseado nas "Mitológicas" de Claude Lévi-Strauss. O desfile abriria com uma alegoria baseada no Cru e o Cozido, sendo seguida pela ala Do Mel às Cinzas, para logo exibir o grande banquete inspirado na Origem dos Modos à Mesa para terminar sensacional e apoteoticamente com O Homem Nu! Que coisa incrível esses destaques, alas, e carros alegóricos no qual todas as transformações, reversões, torções e códigos dos mitos ameríndios estivessem em cena. Seria a carnavalização dos carnavais. Ademais, poria em foco o "homem nu" (esse ser esquecido dos carnavais) e não essas bundudas bombadas e, tenham dó, vestidas até o gargalo!
Muita fumaça e pouco fogo. Disse a mim mesmo em Angra dos Reis neste último fim de semana, quando gozei da grata hospitalidade de Romulo e Paula. Ali, diante de um mar transparente e de montanhas que me levavam para um céu infinito, uma tremenda inveja deliberou que eu iria reencarnar como dono de um daqueles modestos domicílios à beira-mar, com um BMW numa porta e um barco de 60 pés flutuando na minha praia. Viveria saindo de um veículo para entrar no outro e assim resgataria definitivamente minha dívida com o tal "trabalho" que os velhos romanos sabiam ser mais um castigo do que um chamado ou vocação.
Assim cogitava quando vi na TV a selvageria dos sambistas paulistanos diante da apuração de seu concurso de escolas de samba e, ato contínuo, ouvi as diversas possibilidades interpretativas do regulamento que as governa. Ao escutar as pérolas hermenêuticas diante de uma norma de concurso de carnavalesco, decidi-me. Se puder, prometi a mim mesmo, retornarei como foi meu avô Raul: juiz!
Como magistrado interpretaria as leis do carma. E dentro da nobreza republicana teria não apenas um excelente salário e outros auxílios mais do que justos para a serenidade requerida pela minha profissão, mas só poderia ser julgado por colegas e condenado unicamente por maioria absoluta. E, caso isso fosse possível, seria penalizado à prisão domiciliar com direito, eis um dano extraordinário, a salário integral. E, como tudo o que quero no momento atual de minha encarnação é ficar em casa, pois sair para o trabalho no Grande Rio é um inferno, encontrei minha perfeita futura vida.
Só me resta agora realizar os exercícios espirituais condizentes para determiná-la. Estou seriamente pensando em me encontrar com o Dalai Lama, pois ser juiz neste nosso Brasil republicano bem vale uma viagem ao Tibete.
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