domingo, 26 de fevereiro de 2012

Mary Del Priore

MÃES&TRABALHO (revista crescer)
"As pessoas gostam de pensar nas mulheres como esse grupo uníssono, unânime, que está sofrendo para conseguir seu lugar ao sol. E esse problema maior é: há tensões e conflitos entre as mulheres."


Cíntia Marcucci




A historiadora Mary Del Priore, 59 anos, e mãe de Pedro, 36, Paulo, 34, e Isabel, 31, é especialista em História do Brasil e autora de um livro que fala sobre a realidade das mulheres e das crianças no país. Para ela, a sociedade passa por mudanças, os homens estão mais flexíveis com relação ao trabalho doméstico, principalmente nas classes A e B, mas a mulher ainda precisa se entender melhor, saber o que ela pode, quer e como reivindicar o que precisa.

CRESCER - Como é a sua visão desse dilema que a mulher vive hoje, entre se dedicar à maternidade e à carreira? Mary Del Priori - No Brasil, o dilema passa justamente no questionamento de interromper a profissão, voltar para casa, cuidar dos filhos, viver com essa culpa. E temos alguns pontos-chave. Primeiro, a carga de trabalho dupla, que talvez possa resultar em questões de medicina social, com mulheres tendo ataques cardíacos em idades mais baixas, casos de câncer e outras enfermidades. A segunda coisa é: mesmo tendo muitas mulheres na política, não temos políticas de empoderamento feminino, voltadas para as mulheres, para facilitar a vida delas, na forma de multiplicação de creches, ampliação dos direitos que vêm com a maternidade, a participação do homem na paternidade, o combate à maternidade precoce, na adolescência, essas políticas, que já vêm sendo reclamadas há muito (desde o século 19, quando educadoras como a Nísia Floresta pedem atenção do governo brasileiro). Elas podem até estar desenhadas, mas estão longe de atender às necessidades nas grandes capitais. A terceira questão, que acho importante, é a não consciência das empresas em termos de facilitar a vida das mulheres. Elas não estão pensando em soluções para manter as mulheres no trabalho. Uma quarta conseqüência disso, que já vemos em países como os EUA, onde esses casos vêm sendo estudados, é de aparecer mulheres que dizem simplesmente não à maternidade, com muitos casais que prosperam assim.

C. - É como se a brasileira, então, ainda não tivesse poder de escolher a maternidade. Ela é compulsória para a mulher daqui?
M.D.P. - Isso varia muito entre classes sociais e gerações. Para as da faixa de 30 a 40 anos, a maternidade ainda tem um valor simbólico muito grande, elas foram criadas por mães para quem a maternidade tem um valor simbólico que pesa. Já para as meninas de 20 a 30 anos, o questionamento é diferente. São pessoas que ainda não estão inseridas no mercado profissional, há uma ambiguidade muito grande sobre o que vão fazer em termos profissionais e também há números sobre ambiguidade sexual, é uma geração que transita bem na bissexualidade... Acho que esse pacote casamento mais casa é ainda muito ligado à geração dos anos 80/90. Não sei se a próxima, que está com cerca de 20 anos agora, tem a mesma significação.

C. - Às vezes, a gente fica com a sensação que não dá para fazer as duas coisas, que a mulher vai ter de escolher: ou ela vai ser mãe ou vai ser uma profissional obstinada...
M.D.P. - O carreirismo, o sucesso profissional, são coisas recentes aqui no Brasil. Até os anos 70, trabalhar era uma vergonha para uma mulher de classe média. Trabalhar como carreira vem com a chegada da pílula, nos anos 70/80. Só que esse objetivo é alimentado com a culpa de abandonar o paradigma anterior, da família burguesa, para trás.

C. - Por falar em culpa, a da mulher sempre existiu ou ela nasce quando se sai para o mercado de trabalho?
M.D.P. - É um erro dizer que a mulher brasileira não trabalhava, pois ela trabalhava em casa. Durante séculos, ela sobreviveu costurando, tingindo, bordando, fazendo doce, comida, mas em casa. Até se prostituindo, mas em casa. O trabalho feminino sempre existiu, pois somos um país paupérrimo em um continente paupérrimo. Então, a mulher sempre teve de reforçar o orçamento mensal. Só que, a partir da década de 60/70, ela passa a visualizar o trabalho profissional, o estudo universitário como uma carreira. E ela não é mais dona do seu tempo. Em casa, sim, ela pode varar a noite costurando, mas está ao lado dos filhos. O modelo para essas mulheres ainda é o da mãe em casa.

C. - Para aplacar essa sensação, o que seria preciso?
M.D.P. - O problema maior é dar às mulheres a consciência do que está acontecendo com elas. Não sei se você já teve a oportunidade de estar às 19 horas de uma sexta-feira no aeroporto de Congonhas. Das pessoas na fila, 80% são mulheres alucinadas com o que está acontecendo nas suas casas. Jovens, de 30, 40 anos, preocupadas com os filhos e com os maridos. Não é um tema prosaico, é extremamente doloroso. É até uma dor física que as mulheres têm. Por isso, eu comecei falando da questão da saúde e da medicina social. Elas sofrem, têm de escolher e quando sair do emprego. Devem sofrer uma depressão horrorosa por ter de abandonar uma carreira. Temos que começar por conscientizar as mulheres do que está ocorrendo com elas. As pessoas não gostam de tratar sobre isso, pois gostam de pensar nas mulheres como esse grupo uníssono, unânime, que está sofrendo para conseguir seu lugar ao sol. E esse problema maior é: há tensões e conflitos entre as mulheres.





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