Autor(es): Tereza Cruvinel
Correio Braziliense - 25/02/2012
Jornalista
Merryl Streep é uma atriz completa e fascinante. Merece o Oscar para o qual está indicada. Sua atuação primorosa como Margaret Thatcher é que salva A dama de ferro da indecisão entre ser um filme intimista sobre glória, declínio e velhice, ou a cinebiografia de uma das maiores figuras políticas do século 20. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, reclamou em entrevista da inoportunidade do filme, que, de fato, traz desconfortos para seu governo. Por exemplo, ao recordar que foi tentando superar a impopularidade que Thatcher partiu para a Guerra da Malvinas contra a Argentina em 1982. Numa passagem, relatando as operações navais, o ministro da Defesa aponta no mapa o deslocamento do navio argentino General Belgrano rumo às ilhas. "Afunde-o", diz Thatcher glacial. Um Exocet fez o serviço, matando 323 argentinos.
Trinta anos depois, o mundo deu muitas voltas, mas não removeu esse último bastião do colonialismo. Numa Europa em crise, outro governo inglês, conservador e impopular, remonta o cenário bélico. A Argentina levou o assunto ao Conselho de Segurança da ONU e vem mobilizando apoios na América Latina e na comunidade internacional. A presidente Cristina Kirchner, reeleita com 53.04% dos votos e com a popularidade nas nuvens, não precisa de estratagemas, mas retomou, com seu vigor peculiar, uma causa cara aos argentinos.
A ofensiva inglesa, que somou às ações militares uma estapafúrdia declaração de Cameron, chamando a Argentina de colonialista, vem conseguindo a proeza de abrandar a crispação existente entre a presidente, a mídia, setores da classe média e a oposição partidária. Ontem, em Ushuaia, capital da Terra do Fogo, parlamentares de diferentes partidos que integram as comissões de relações exteriores das duas casas do Parlamento subscreveram documento ratificando a postulação argentina à soberania sobre as Malvinas.
Um grupo de 17 intelectuais argentinos, num movimento timidamente discrepante, anunciou um documento pregando a abertura de "instancias de diálogo real con los británicos y en especial con los malvinenses". Na mídia, e em especial no Clarin, ecoam pregações de diálogo com a Inglaterra e com os moradores das ilhas.
Nada indica que Cristina esteja buscando a guerra, como fizeram os generais da ditadura em busca de luz no fim do túnel. Mas o diálogo bilateral já não existe há muito tempo, e todos sabem disso. Resta agora a mediação da ONU e as ações multilaterais. Quanto aos malvinenses, como diz Filmus, hoje são ingleses transplantados, não ilhéus originais.
Aqui no Brasil tem-se criticado mais o "tom" usado pela Argentina do que a ostentação militar inglesa. Critica-se a posição adotada pelo Brasil (e demais membros do Mercosul) de fechar os portos a navios com bandeira das Malvinas. Mas isso também não é novo, nem coisa de governo do PT. Na Guerra de 1982, sendo presidente o general Figueiredo, o Brasil não só fechou os portos como negou pouso, até para abastecimento, a aviões ingleses rumo às Malvinas.
Por mais de uma razão, outra não poderia ser a posição do Brasil. Primeiro, pela aliança estratégica firmada com a Argentina sobre a qual erigiu-se o Mercosul e, mais tarde, toda a política de integração continental, preliminar para o futuro de nossa região no mundo multipolar que está surgindo.
Depois, porque a questão das Malvinas é um caso tardio de descolonização e assim já foi tratado pela ONU em Resolução de 1965. Uma ex-colônia, solidária na descolonização da África, não pode fechar os olhos ao que acontece aqui ao lado. O domínio inglês sobre as ilhas é comparável, para nós, a uma continuada presença de Portugal (ou de outra nação colonizadora) no arquipélago de Fernando de Noronha. Algo intolerável.
A palavra está com a ONU, mas a crise das Malvinas ainda vai exigir mais do Brasil este ano. Agora, porém, o tema está suplantado, momentaneamente, pela dor de uma tragédia — o acidente de trem de quarta-feira em Buenos Aires, com 49 mortos e mais de 600 feridos.
Correio Braziliense - 25/02/2012
Jornalista
Merryl Streep é uma atriz completa e fascinante. Merece o Oscar para o qual está indicada. Sua atuação primorosa como Margaret Thatcher é que salva A dama de ferro da indecisão entre ser um filme intimista sobre glória, declínio e velhice, ou a cinebiografia de uma das maiores figuras políticas do século 20. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, reclamou em entrevista da inoportunidade do filme, que, de fato, traz desconfortos para seu governo. Por exemplo, ao recordar que foi tentando superar a impopularidade que Thatcher partiu para a Guerra da Malvinas contra a Argentina em 1982. Numa passagem, relatando as operações navais, o ministro da Defesa aponta no mapa o deslocamento do navio argentino General Belgrano rumo às ilhas. "Afunde-o", diz Thatcher glacial. Um Exocet fez o serviço, matando 323 argentinos.
Trinta anos depois, o mundo deu muitas voltas, mas não removeu esse último bastião do colonialismo. Numa Europa em crise, outro governo inglês, conservador e impopular, remonta o cenário bélico. A Argentina levou o assunto ao Conselho de Segurança da ONU e vem mobilizando apoios na América Latina e na comunidade internacional. A presidente Cristina Kirchner, reeleita com 53.04% dos votos e com a popularidade nas nuvens, não precisa de estratagemas, mas retomou, com seu vigor peculiar, uma causa cara aos argentinos.
A ofensiva inglesa, que somou às ações militares uma estapafúrdia declaração de Cameron, chamando a Argentina de colonialista, vem conseguindo a proeza de abrandar a crispação existente entre a presidente, a mídia, setores da classe média e a oposição partidária. Ontem, em Ushuaia, capital da Terra do Fogo, parlamentares de diferentes partidos que integram as comissões de relações exteriores das duas casas do Parlamento subscreveram documento ratificando a postulação argentina à soberania sobre as Malvinas.
Um grupo de 17 intelectuais argentinos, num movimento timidamente discrepante, anunciou um documento pregando a abertura de "instancias de diálogo real con los británicos y en especial con los malvinenses". Na mídia, e em especial no Clarin, ecoam pregações de diálogo com a Inglaterra e com os moradores das ilhas.
Nada indica que Cristina esteja buscando a guerra, como fizeram os generais da ditadura em busca de luz no fim do túnel. Mas o diálogo bilateral já não existe há muito tempo, e todos sabem disso. Resta agora a mediação da ONU e as ações multilaterais. Quanto aos malvinenses, como diz Filmus, hoje são ingleses transplantados, não ilhéus originais.
Aqui no Brasil tem-se criticado mais o "tom" usado pela Argentina do que a ostentação militar inglesa. Critica-se a posição adotada pelo Brasil (e demais membros do Mercosul) de fechar os portos a navios com bandeira das Malvinas. Mas isso também não é novo, nem coisa de governo do PT. Na Guerra de 1982, sendo presidente o general Figueiredo, o Brasil não só fechou os portos como negou pouso, até para abastecimento, a aviões ingleses rumo às Malvinas.
Por mais de uma razão, outra não poderia ser a posição do Brasil. Primeiro, pela aliança estratégica firmada com a Argentina sobre a qual erigiu-se o Mercosul e, mais tarde, toda a política de integração continental, preliminar para o futuro de nossa região no mundo multipolar que está surgindo.
Depois, porque a questão das Malvinas é um caso tardio de descolonização e assim já foi tratado pela ONU em Resolução de 1965. Uma ex-colônia, solidária na descolonização da África, não pode fechar os olhos ao que acontece aqui ao lado. O domínio inglês sobre as ilhas é comparável, para nós, a uma continuada presença de Portugal (ou de outra nação colonizadora) no arquipélago de Fernando de Noronha. Algo intolerável.
A palavra está com a ONU, mas a crise das Malvinas ainda vai exigir mais do Brasil este ano. Agora, porém, o tema está suplantado, momentaneamente, pela dor de uma tragédia — o acidente de trem de quarta-feira em Buenos Aires, com 49 mortos e mais de 600 feridos.
Além de ter negado o pouso, se minha memória não falha, a FAB capturou um jato Vulcan inglês que invadiu nosso espaço aéreo e só devolveu avião e piloto após o fim do conflito.
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