segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Palestina vira realidade na América do Sul

Autor(es): A gência o globo : Daniela Kresch

O Globo - 17/01/2011



TEL AVIV. O efeito dominó diplomático começou no dia 3 de dezembro, quando, ao apagar das luzes de seu governo, o presidente Lula reconheceu a Palestina nas fronteiras de antes da Guerra dos Seis Dias, em 1967 (Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental). Mas, o que parecia ser um ato isolado, revelou-se uma decisão em bloco da América do Sul, onde, antes, só a Venezuela reconhecera o Estado palestino com tal desenho.



Nas últimas seis semanas, Argentina, Bolívia, Equador e Guiana seguiram o passo de Brasília. Paraguai, Uruguai e Peru já avisaram que farão o mesmo, provavelmente na reunião da Cúpula América do Sul-Países Árabes, em 16 de fevereiro, em Lima. O Chile também fez seu anúncio, mesmo que deixando de lado a questão das fronteiras. O único país que destoa é a Colômbia, que declarou que só reconhecerá o Estado palestino após um acordo de paz.



Abbas: "É um passo gigante rumo à nossa independência"



O governo do presidente Mahmoud Abbas não escondeu a satisfação com a tsunami de reconhecimentos, resultado direto de um enorme esforço diplomático junto a países que ainda não haviam aceitado formalmente a existência da Palestina.



- O reconhecimento de um Estado nas fronteiras de 1967 é um passo gigante rumo à nossa independência - disse Abbas há duas semanas, em Brasília.



Cerca de 100 nações já reconheceram a Palestina desde 1988, quando o líder Yasser Arafat declarou independência na ONU. Agora, a ambição da liderança palestina é colocar em votação, em setembro, na Assembleia Geral, a criação do país nas fronteiras de 1967. Para isso, quanto mais votos, melhor.



- No Caribe, por exemplo, há 12 pequenos Estados. Mas esses países têm o mesmo peso que a China em votações na Assembleia Geral - explicou o chanceler palestino, Riad Malki.



A ideia dos palestinos de apelar para a ONU era tida como plano B, mas virou prioridade por causa do impasse nas negociações de paz com Israel. Depois de um começo promissor, em setembro, a mais recente iniciativa de paz já morreu na praia. Abbas se retirou das conversas em protesto contra o fim do congelamento temporário de 10 meses na expansão de colônias judaicas na Cisjordânia.



Irritado, o premier israelense, Benjamin Netanyahu, não se conteve durante conversa com jornalistas estrangeiros, semana passada, em Jerusalém:



- Os palestinos estão voando pelo mundo... Pela América do Sul, pela Ásia, pelos quatro cantos do mundo. Mas que economizem no preço das passagens aéreas e na gasolina! Viajem apenas dez minutos e venham a Jerusalém negociar!



Mujad Salech, diretor para América Latina do Ministério do Exterior palestino, garantiu ao GLOBO que a eventual votação na ONU não significa que os palestinos tomarão decisões unilaterais.



- Ninguém aqui diz que vamos declarar um Estado unilateralmente. Queremos chegar a um acordo por negociações. Mas Israel fala em negociar e continua a colonizar nossas terras. Temos de fazer algo.



Salech considera que a América do Sul tem muito a ganhar com o apoio aos palestinos, principalmente em termos econômicos. O Mercosul já fechou um acordo de livre comércio com o Egito e agora negocia com a Autoridade Nacional Palestina e com a Síria. Mas está de olho nos países do Golfo.



Segundo Yossi Benarroch, diretor do Departamento de América Latina da Universidade Hebraica de Jerusalém, os sul-americanos querem "estar do lado da maioria". Seria um passo de matemática diplomática pura, de realpolitik.



- O que vale mais a pena? Estar do lado de um pequeno país ou de 22 Estados árabes? Ou, no caso da ONU, apoiar os cinco ou seis países que se alinham a Israel ou os outros 120? A conclusão é clara.



Para Israel, a onda de reconhecimentos da América do Sul não ajuda a acabar com o conflito. Pelo contrário. Segundo o ministro da Diplomacia Regional de Israel, Yuli Edelstein, o resultado pode ser desastroso.



- Esses países têm boas intenções, mas reconhecer a Palestina nas fronteiras de 1967 não é o melhor caminho. Só faz com que os palestinos acreditem que não precisam mais negociar - diz Edelstein.



Vice-chanceler de Israel faz alusão a "Estado Facebook"



A mesma alegação é feita por Yossi Benarroch. Segundo ele, o problema não é o reconhecimento do Estado, mas sim das fronteiras de 1967.



- Até Netanyahu já admitiu que o Estado palestino tem de ser criado. Mas quem reconhece fronteiras pré-determinadas, de 44 anos atrás, adota totalmente o lado de uma das partes - declara, acentuando que a declaração acaba com as chances do Brasil de servir como moderador do conflito.



O vice-chanceler Danny Ayalon ironizou as aspirações palestinas, comparando os reconhecimentos ao clicar do botão "like" da rede de relacionamentos Facebook. Em reação, o premier Salam Fayyad afirmou não buscar um "Estado Facebook".



Para Nadia Hijab, diretora da Rede al-Shabak de Política Palestina, o tiro palestino pode sair pela culatra.



- Se os israelenses decidirem que a pressão mundial é grande demais, podem decidir negociar um Estado palestino com soberania mínima. Isso poderia significar a continuação da ocupação de outra forma.

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