terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Como melhorar a educação brasileira

Autor(es): Gustavo Loschpe

Veja - 17/01/2011







A qualidade da liderança é um atributo decisivo do sucesso de qualquer organização, seja ela um time de futebol, uma empresa ou um país. Em educação, não é diferente: a administração escolar - tanto no nível das secretarias quanto na direção de uma escola - é o terceiro item fundamental na melhoria do nosso ensino, e conclui esta trilogia de artigos sobre o tema. Divido este artigo em duas partes. Na primeira, faço um levantamento do que a literatura empírica aponta como sendo os fatores importantes de uma administração escolar virtuosa. Na segunda, explico por que muitos desses fatores não têm aplicabilidade no quadro atual da educação brasileira.







Antes de começar, um alerta: a literatura empírica, econométrica, ainda está longe de conseguir identificar a totalidade dos fatores que compõem o professor perfeito ou o diretor perfeito. Apesar dessa ignorância, há muito que já se sabe, e é disso que vamos falar.







O que deve fazer um bom administrador escolar? Um fator importante é ter a casa em ordem. Isso começa pela infraestrutura: paredes, telhados, eletricidade. Uma escola limpa também tende a ter alunos que aprendem mais. É importante que todas as salas tenham quadro-negro, cadeiras e carteiras para os alunos. Não faltar material dê ensino também é positivo. Duas instalações que toda escola deveria ter: laboratórios de ciências e bibliotecas. É bom ter não apenas uma biblioteca na escola, mas uma versão menor dentro de cada sala de aula. Em termos de tecnologia, um implemento que faz diferença é a copiadora. E é só. A literatura sugere que a presença de computadores não está associada à aprendizagem, tampouco instalações mais suntuosas, como ginásios esportivos, teatros etc. (O que não quer dizer que essas áreas não façam bem ao espírito, mas estamos nos atendo aqui àquilo que é relevante para o aprendizado do aluno.)







Outra decisão importante da liderança escolar diz respeito ao regime seriado versus progressão automática. O único estudo que conheço que comparou esses dois sistemas, no Brasil, chegou à conclusão de que eles são indiferentes para o aprendizado do aluno. A discussão calorosa sobre o tema é muito barulho por nada.







Em termos de administração financeira, compete ao administrador evitar os dois maiores desperdícios de recursos: diminuir o número de alunos em sala de aula e aumentar o salário de professores. Ambas as variáveis não promovem mais aprendizagem.







A parte mais importante da administração escolar, porém, não tem a ver com prédios e sistemas, mas com pessoas. Cabe ao líder a tarefa-chave de recrutar, treinar, motivar e reter os bons profissionais e identificar e afastar os maus.







Primeiro, os diretores. Conheço apenas dois estudos quantitativos sobre o impacto de mecanismos de seleção de diretores: um deles mostra que diretores eleitos têm alunos com desempenho melhor do que aqueles indicados por políticos, e o outro sugere que essa variável é indiferente. Nos últimos anos, liderados por Minas Gerais, alguns estados e municípios têm adotado um sistema que envolve a realização de provas quaJificat6rias e, num momento seguinte, eleições. Parece-me um processo superior à eleição ou indicação política, mas ainda é preciso mais pesquisa sobre o tema.







Há um estudo apenas sobre remuneração do diretor no Brasil, e ele indica que o salário do diretor tem correlação com o aprendizado do seu aluno.







Questão importante: o número de horas-aula. Aqui, a pesquisa se divide: nos países desenvolvidos, o número de horas é insignificante para a aprendizagem. Nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, é importante. Como a diferença estatutária de número de horas-aula entre o Brasil e os países da OCDE não é muito significativa (800 horas/ano para nós versus 900, em média, para eles), creio que a conclusão mais importante a tomar é que é preciso fazer cumprir a jornada mínima de horas-aula no Brasil. Inês Miskalo, coordenadora de Educação Formal do Instituto Ayrton Senna, que atende milhões de alunos em todo o país (nota: este colunista é membro do Conselho do IAS), atesta que, na prática, a carga horária prevista em lei não é cumprida. “Há lugares em que ter 600, 650 horas-aula por ano é visto como um sucesso”, diz ela. Antes de pensarmos em ensino de tempo integral, portanto, devemos nos certificar de que a carga prescrita em lei seja cumprida. Já nos traria um bom salto no aprendizado. O problema do absenteísmo docente está relacionado a essa questão: as pesquisas são praticamente unânimes em mostrar que professores que faltam mais têm alunos que aprendem menos.







Por que os professores faltam às aulas ou, em última instância, abandonam o magistério? A pesquisa vem sugerindo que fatores não financeiros têm enorme importância na motivação dos professores de seguirem na carreira. Um fator importante é o “clima escolar”: em escolas em que há responsabilização coletiva por resultados, em que os professores se sentem partícipes de uma tarefa compartilhada e importante, os resultados são melhores. Outro resultado: em escolas em que os alunos aprendem mais e onde há menos alunos de minorias ocorre menos abandono de professores. Esse achado é triste porque contrasta com outro achado importante: o impacto de um bom professor é desproporcionalmente maior em um mau aluno e em alunos de baixo nível socioeconômico. A melhor política, portanto, seria alocar os melhores professores para as piores escolas, mas isso aumentaria o risco de que muitos deles abandonassem a carreira, especialmente os mais jovens e mais preparados. Além de melhorar o clima escolar, há outro recurso efetivo que pode ser usado pela direção de uma escola: programas de “mentoring”, em que os professores “em risco” e os mais jovens recebem a orientação de um menor: um professor mais experiente que ajudará nas frustrações e desafios que a carreira enseja. E importante que o bom professor não se sinta solitário e isolado, que seja constantemente amparado. A literatura mostra que os anos de carreira de um professor não têm relação com o aprendizado do seu aluno, mas os anos de permanência em uma mesma escola, sim.







Outro fator importante para o sucesso de uma escola é que o diretor tenha autonomia para contratar e demitir seus professores. As pesquisas revelam que é extremamente difícil identificar um bom futuro professor no momento de sua contratação, mas algumas características vêm se mostrando importantes: o professor ter estudado a área que vai ensinar na faculdade e ter cursado uma universidade concorrida produz efeito no aprendizado do aluno. Ter feito pós-graduação, não. Um estudo recente nos EUA indica que a utilização de um conjunto de variáveis cognitivas e não cognitivas dos futuros professores leva a resultados positivos. Em termos de regime de trabalho, ao contrário dos desejos dos sindicatos, a maioria das pesquisas mostra que não faz diferença, para o aprendizado do aluno, quantos empregos o professor tem, se trabalha em uma escola ou mais.







Finalmente, a meritocracia: os estudos vêm mostrando que planos que pagam bonificações a professores individuais não têm resultados significativos. Aqueles em que o pagamento é feito à escola, sim. Faz sentido: ensinar é tarefa sequencial e coletiva. Se o aluno teve uma péssima aula de matemática na segunda série, dificilmente se sairá bem na quarta.







Mas muito do que vai acima ainda não pode ser implantado na maioria das escolas brasileiras. Em primeiro lugar, porque, conforme o último levantamento do Inep sobre o tema, quase 60% dos diretores escolares são fruto de indicação política. Na maioria dos casos, são apadrinhados de políticos: “Chega ano eleitoral e é um terror, todos têm medo de ser demitidos. O diretor vira cabo eleitoral do seu padrinho”, diz Ilona Lustosa, da Fundação Lemann, focada na área de gestão escolar. “No primeiro ano (do mandato) não se faz nada, pois o governo está voltado a corrigir os erros do antecessor. No último, também não, pelo medo do que vai ocorrer depois. E, mesmo no meio, o diretor sofre o impacto da eleição da outra esfera (estado ou município), que frequentemente causa mudanças de pessoal”, confirma Inês Miskalo. Em segundo lugar, porque mesmo os bem-intencionados são despreparados: não há nenhum curso de graduação em administração escolar, e até na área de pós-graduação a oferta é mínima. Em terceiro, porque na maioria dos estados o diretor é um funcionário público com estabilidade na carreira, praticamente indemissível, sem nenhum incentivo lógico a ter grande performance no cargo. (Nos últimos cinco anos, por exemplo, só dezessete diretores foram exonerados em rodo o estado de São Paulo; na atual gestão da rede municipal de São Paulo, apenas dois.) Em quarto, porque o diretor de escola brasileiro é asfixiado por uma burocracia sem fim, e acaba sendo muito mais um preenchedor de formulários do que um líder pedagógico ou motivador de pessoas. Em quinto, porque na maioria dos sistemas o professor não tem incentivo para pensar no aprendizado do aluno, muito menos para ir ensinar em áreas de risco. E, finalmente, porque os diretores -não têm controle sobre a variável principal do processo educacional: não podem contratar bons professores ou demitir os incompetentes.







Esse quadro é assim porque a função mais importante de uma escola para as lideranças políticas é servir de cabide de empregos e fonte de poder político, através da influência que a escola tem sobre uma comunidade. O aprendizado dos alunos importa menos. Enquanto for assim, não haverá literatura empírica que resolva.

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