terça-feira, 6 de março de 2012

“No Brasil, me sinto fora da jaula”, diz Camille Paglia

Ensaísta participa de congresso sobre jornalismo cultural e diz que quer levar a música brasileira para a TV americana

Entrevista, Vida Urbana - Regiane Teixeira - 17/05/2011



Camille Paglia quer se dedicar a pesquisa sobre música brasileira

Época São Paulo – Você começou a estudar português há algum tempo. Já fala a nossa língua?
Camille Paglia – Sim, eu gostaria de estudar de um jeito mais sistemático e focado, mas nos últimos anos estou tentando aprender tudo que posso. Eu sei muito vocabulário de ouvir música brasileira, mas ainda tenho problemas em entender e falar. Vou bem na hora de ler revistas, jornais e artigos na internet. Um dos meus objetivos é nos próximos anos aprender português e conseguir conversar.

Do que você mais gosta no Brasil?
Essa é a minha sétima viagem ao Brasil. Gosto das pessoas, me sinto muito em casa. A minha família é ítalo-americana. Meus avós e minha mãe nasceram na Itália. Na América você tem de ter cuidado com o que fala. É muito menos expressivo, emocional e livre. Quando eu vou para o Brasil, posso ser eu mesma, gesticulando, falando alto. Principalmente, quando estou no Nordeste. Tenho sorte de dar aulas em universidades de artes porque os alunos estão acostumados a um certo nível de energia. No Brasil, me sinto fora da jaula. A segunda coisa que mais gosto é da comida! Amo feijoada, moqueca, queijo de Minas, as frutas lindas.

Algo a incomoda aqui?
Todo mundo adora te ver, adora o momento, mas depois é muito difícil manter contato com os brasileiros. Vocês são muito do momento, do presente. Eu também gosto de que todo mundo é físico e dá abraços. Nos EUA, você tem que ter muito cuidado. Não há esse tipo de contato físico caloroso. Na América, as pessoas estão sempre analisando tudo, sua relação com os seus pais, com seus amigos, com o mundo. Igual ao programa da Oprah. Isso não faz parte da cultura brasileira. O que, provavelmente, é bom! Quando vocês tem um problema, se fala sobre isso, mas se segue para outra coisa. O estilo americano é muito neurótico.

Como é sua relação hoje com a cantora Daniela Mercury?
Eu a verei na semana do evento em São Paulo. Isso tudo começou há exatamente três anos quando participei de uma conferência na Bahia sobre arte. A Daniela estava em turnê na Europa, mas pessoas que trabalham com ela me deram um DVD dela. Quando voltei para a Filadélfia fiquei absolutamente eletrificada. Pesquisei sobre ela na internet, no YouTube, escrevi sobre ela. Depois ela me escreveu e me convidou para visitar o Carnaval de Salvador. Foi aí que eu a conheci juntamente com o seu namorado, Marco Scabia, que agora é seu marido. Desde então somos amigas e nos encontramos sempre que ela vem aos EUA. Fui ao casamento da filha dela no ano passado. Há alguns projetos de livros sobre os quais estamos conversando. Devo escrever a introdução de um livro. Ela é um tesouro do Brasil, mas quando leio os jornais acho que não há um senso sobre isso, sobre a grande artista que ela é.

Antes desse momento, há três anos, eu estava muito entediada com a arte contemporânea, filmes, artes visuais. Estava desiludida com o estado da cultura contemporânea até conhecer Salvador. Nunca tinha ouvido falar de artistas como a Elis Regina e descobri toda essa música muito rica. Estou terminando um livro sobre artes e depois disso quero voltar toda minha atenção à música brasileira. É simplesmente errado as pessoas do mundo não estarem expostas à música brasileira. As pessoas não deveriam viajar até Salvador para descobrir isso.

Esse seu projeto seria sobre música brasileira contemporânea?
Não. Eu gostaria de mostrar todo o “corpo” da música brasileira. Nos EUA, todo mundo tem TV à cabo e há muitos canais de músicas que vem automaticamente em qualquer plano. Há country, música eletrônica, seis tipos de rock, blues, rap. E música brasileira você só vê de vez em quando no canal de jazz. Os ritmos brasileiros tem de ser representados e deveriam estar aqui em seis canais diferentes, um para cada estilo. Esta é minha ambição. Colocar a música brasileira nos canais a cabo americanos. Só não tive tempo ainda de fazer isso como uma campanha. Talvez precise da ajuda do consulado brasileiro. Quando as pessoas tiverem contato com isso será uma revolução na música.

Hoje, os jovens não sabem o que procurar na internet. Eu adoro seguir a Daniela no Google Alert. Ela é o único Google Alert que eu sigo. Quando o nome dela aparece na mídia eu sou informada por e-mail. Eu sei se ela teve um concerto ontem à noite num lugar escondido no Amazonas. E se alguém coloca um vídeo na internet, 12 horas depois eu já estou vendo.

Há algum artista brasileiro novo na música ou nas artes visuais que você tem acompanhado?
Não, um amigo me enviou CDs do Zeca Baleiro, Céu, Maria Rita e alguns outros. Eu gosto de acompanhar as divas da Bahia. Eu conheci a Margarete Menezes no trio da Daniela e a Ivete (Sangalo), que é a maior estrela pop de lá.

Não há como descrever como isso foi uma revolução para mim. Eu sempre me interessei por arte, filmes de Hollywood, rock. Depois de um momento achei que tudo tinha terminado e não veria mais nada criativo, mas quando cheguei a Salvador fiquei tão animada porque tem tanta coisa para aprender. Não sei o que está acontecendo em artes visuais aí agora. Mas quando estiver em São Paulo, irei aos museus e galerias.

Você sabe algo sobre o movimento gay no Brasil? O que pensa dele?
Eu soube da aprovação da união gay na semana passada. Eu adorei e fiquei surpresa. Esse é o caminho certo a seguir falando de união civil e não de casamento. Nos últimos 20 anos eu critiquei o ativismo gay nos EUA por causa da frase “casamento gay”. Aqui a religião é muito mais poderosa do que na Europa. O casamento gay gerou muitos problemas e o governo não deveria estar envolvido em casamentos, isso é um assunto de igrejas. O governo não deveria se envolver em nenhum tipo de casamento nem homossexual nem heterossexual. Mas a união civil é justa.

Na sua opinião, quais são hoje as diferenças sociais entre homens e mulheres?
As mulheres estão bem colocadas em políticas e negócios. Elas alcançaram o posto mais alto do governo de diversos países. O verdadeiro trabalho precisa ser feito no terceiro mundo, onde as mulheres ainda são tratadas como propriedade e são submetidas a violência doméstica. É muito complicado lidar com o mundo mulçumano. Há muitos conflitos e diferentes valores e princípios entre o Ocidente e o Oriente. O que está acontecendo na França com as mulheres mulçumanas, por exemplo, que foram proibidas de usar véus. É uma grande questão. Não sei o que irá acontecer.

Na semana passada o presidente americano Barack Obama afirmou que o mundo é um lugar mais seguro com a morte de Osama Bin Laden. Qual sua opinião sobre isso?
Estou feliz por eles terem pego o Bin Laden depois de dez anos, mas eu teria preferido que eles o tivessem capturado e o mandado a julgamento. Não sei como foi a situação na qual ele foi morto, mas o modo como ele foi enterrado, a coisa toda não faz sentido para mim. Todo o poder mítico dele teria sido diminuído se ele tivesse sido feito prisioneiro. Estou feliz por ele ter sido pego, mas não acho que muda nada. Não acho que ele estava controlando o movimento, há grupos pequenos pelo mundo todo. Não sei o que muda, só que agora temos que nos proteger de um ataque de vingança este ano, provavelmente próximo a data dos dez anos.

Como você vê o público nas conversas e palestras das quais você participa? Algumas opiniões ainda te surpreendem?
Claro, sempre. O Brasil não é só outro país, é outro universo. Estou tentando aprender tudo o que puder. Essa conferência é sobre jornalismo cultural e vendo o que acontece no Brasil acho que os jovens têm pouca informação histórica das coisas pela mídia. O jornalismo cultural poderia melhorar. Nos EUA, quando um jornal grande fala do lançamento do CD de um artista conhecido há informação histórica, com datas, um contexto para o novo álbum. Isso é muito útil para os jovens. Acredito na importância da história em todos os setores das nossas vidas.


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