Autor(es): Camila Guimarães
Época - 26/07/2010
A variação acima do normal no ranking deste ano mostra que é preciso cuidado ao usar as notas do exame do ensino médio para avaliar a qualidade do ensino das escolas
Há três anos, desde que seu filho Fernando entrou para o ensino médio, o publicitário Randal Soares, de 49 anos, checa anualmente o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O ranking das melhores escolas do país o ajudou a escolher em qual escola colocar Fernando. Quando me indicaram o Vértice, fui conferir sua colocação no Enem. E aí não houve mais dúvida, era uma das melhores do país, diz ele. Neste ano, Soares está convencido de que escolheu bem. O Vértice ficou em primeiro lugar entre as 25.484 escolas brasileiras.
O Enem é a única avaliação de escolas particulares feita no Brasil e costuma ter resultados consistentes nos últimos dois anos, houve poucas mudanças entre as 20 mais bem colocadas. Por isso, pais como Soares usam o ranking para escolher onde matricular seus filhos ou para fazer cobranças, caso a escola não apresente bom resultado. As escolas também já se acostumaram ao burburinho causado pela divulgação anual da lista. As melhores aproveitam para alardear seu desempenho (e quem sabe aumentar o preço da mensalidade), as que não foram tão bem procuram justificativas. O resultado de 2009, no entanto, trouxe algumas mudanças que evidenciam algumas fragilidades do ranking.
Com o vazamento das questões do Enem em dezembro, e o adiamento do exame por dois meses, muitas universidades desistiram de usá-lo em seus vestibulares. Desestimulados, cerca de 40% dos inscritos não fizeram a prova (eram de 25% a 30% em anos anteriores). Essa taxa afeta a média final das escolas. Por causa dela e não necessariamente por ter melhorado ou piorado podem subir ou descer muitas posições. Ou nem sequer receber uma nota final.
Foi o que aconteceu em São Paulo, com a desistência da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Campinas (Unicamp) de usar o Enem no vestibular (o que vai acontecer de novo neste ano). Sem o número mínimo de alunos dispostos a fazer a prova, colégios que tradicionalmente apareciam entre os 20 melhores da capital, como Magno (15º em 2009) e Augusto Laranja (20º), não aparecem no ranking de 2009, já que o MEC não divulga as notas das escolas com menos de dez alunos participantes. Tínhamos 38 alunos inscritos. Apenas sete fizeram a prova, afirma Myriam Tricate, diretora do Magno. Ao mesmo tempo, estrearam no topo escolas que deram um salto enorme, com baixa participação (leia o quadro abaixo). O colégio Batista Brasileiro foi do 116º lugar para o 17º. O Maria Imaculada passou de 92º para 7º no ranking estadual. Considerando todas as escolas de ensino médio regular particulares da lista nacional, 29% não receberam nota por participação mínima. Na capital paulista, 48%.
Não é de agora que educadores e especialistas em avaliação escolar criticam o uso das médias do Enem como medida de qualidade das escolas. Como só faz a prova quem quer, a amostra dos estudantes que participam do exame é pequena, o que pode tornar a nota média pouco representativa. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelas avaliações feitas pelo Ministério da Educação (MEC), mesmo nas escolas com alta taxa de participação o desempenho dos alunos que fazem a prova não necessariamente é o mesmo que a escola teria se todos comparecessem. Pode haver um viés na amostra, afirma o Inep. Isso pode, em parte, explicar a renovação da lista das 20 melhores particulares nacionais. Neste ano, dez são novatas, entre elas escolas do Piauí e de Campo Grande, cujos alunos foram estimulados a se empenhar mais na prova para conquistar vagas nas universidades federais que usam o Enem na seleção. O universo de alunos neste ano mudou por causa da adesão das federais, afirma Arthur Fonseca Filho, presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo.
As melhores escolas ficaram no topo por ensinar
mais ou por selecionar os melhores alunos?
Além desses desvios, o exame foi criado para avaliar alunos e não o desempenho da escola. Ele não leva em consideração a infraestrutura, o desempenho dos professores ou o histórico socioeconômico dos alunos, itens que fazem diferença no aprendizado. Não dá para saber o que a escola agregou a esse aluno, afirma Eduardo Andrade, economista e professor do Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper-SP). A análise fica mais difícil quando se sabe que a maioria das escolas seleciona seus alunos. As escolas ficaram no alto da lista porque ensinaram mais ou porque escolheram os melhores? Isso não dá para saber pelo Enem, que não mede o esforço das escolas para melhorar a qualidade do ensino, diz Jacques Schwartzman, diretor do Centro de Educação Superior da Universidade Federal de Minas Gerais.
Não quer dizer que o ranking do Enem deva ser ignorado. Além de ser a única referência disponível, há pontos positivos em tomá-lo como base. Estudar com um grupo selecionado de alunos, por exemplo. Estar entre os melhores pode ser benéfico para o aprendizado, diz Andrade, do Insper. Além disso, para o mercado de trabalho, ter estudado em escolas do topo rende boa reputação e rede de contatos. Mas o resultado do Enem deve ser relativizado. É praticamente unânime entre pedagogos que a escola ideal deve ter boa infraestrutura, ficar perto de casa, ter uma linha pedagógica de acordo com o perfil da família e, principalmente, combinar com o jeito do aluno. O ranking é importante mas fica em quinto lugar.
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