Autor(es): Gustavo Ioschpe
Veja - 06/06/2011
Em um livro publicado por mim em 2004, idealizei um índice cuja aplicação permite dar notas de zero a 10 às escolas públicas com base em informações sobre o aprendizado dos alunos e suas taxas de aprovação medidas pelo Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. No mês de maio, tive a oportunidade de acompanhar uma equipe do JN no Ar - Blitz da Educação. Em cada cidade, escolhida por sorteio, visitei com a equipe do Jornal Nacional a pior e a melhor escola pública classificadas segundo aquele índice. Passamos por Novo Hamburgo (RS), Vitória (ES), Caucaia (CE), Goiânia (GO) e Belém (PA). Não se pode dizer que essas dez escolas visitadas são uma amostra representativa da educação brasileira, visto que a seleção não foi totalmente aleatória, mas creio que se aproximam bastante do quadro geral do país. As visitas não trouxeram nenhuma grande surpresa para quem é familiarizado com a educação brasileira, mas adicionam uma concretude que às vezes falta nas pesquisas citadas nestas páginas. Por isso, gostaria de compartilhar alguns aprendizados e experiências, resumidos abaixo.
A importância da direção/gestão – Quando falamos em educação, focamos na figura do professor, que é o ator principal do processo e é quem tem contato direto com os alunos. Mas, assim como em qualquer organização humana, por trás dos talentos individuais é preciso haver uma gestão que oriente os esforços e dê um sentido ao todo. Nas escolas, é o diretor. É impressionante como é possível notar grandes diferenças entre as escolas através de pequenas diferenças de discurso dos diretores. Nas escolas ruins, os diretores normalmente não sabiam quantos alunos estudavam lá. Diziam coisas como “uns 700”, “na faixa de 350”. Nas escolas boas, o diretor sabia o número exato e respondia sem titubear. Nas escolas ruins, há uma certa frouxidão sobre aquilo que deve ser ensinado e como. Os diretores, invocando a “democratização” ou o “processo coletivo” da “construção do saber”, deixam os professores à vontade para que definam o que é melhor para seus alunos. Nas escolas boas, há disciplina – sem repressão, apenas ordenamento. Nas ruins, é uma balbúrdia.
Envolvimento dos pais – As escolas boas se esforçam para atrair os pais para dentro da rotina escolar. Na escola de Novo Hamburgo alunos (E.M. Jacob Kroeff Neto), as reuniões com pais eram marcadas para as 7 da noite. Muitos pais faltavam. A diretora ligou para os faltantes para descobrir o porquê da ausência. Ouviu que as reuniões eram feitas muito cedo, não dava tempo de chegar do trabalho. As reuniões então passaram a acontecer uma hora mais tarde. O quórum aumentou. Na escola boa de Goiânia (E.M. Francisco Bibiano de Carvalho), a diretora espera os pais todos os dias, no portão da escola, tanto na entrada quanto na saída dos alunos, e conversa com quem ali estiver. Desde o 1º ano, a família recebe um boletim com notas e comentários extensos ao fim de cada bimestre. Na escola ruim de Belém, ao contrário, há um total descaso para com os pais. As reuniões são marcadas durante a manhã ou à tarde, horários impossíveis para qualquer trabalhador. A direção e os professores comunicam eventuais problemas dos filhos por bilhetes – mesmo sabendo que a maioria dos pais é de semianalfabetos. Cumprem os rituais, mas é só.
Cultura do sucesso versus tolerância ao fracasso – Já dizia Ambrose Bierce que o dicionário é o único lugar em que sucesso vem antes de trabalho. As boas escolas obtêm desempenhos mais altos porque trabalham duro para isso. E o primeiro passo dessa caminhada é ter a expectativa do sucesso, com metas ambiciosas. Os diretores e professores das escolas que funcionam esperam que seus alunos aprendam. Quando o aluno não aprende, eles chamam os pais, criam aulas de reforço, insistem. Chamam para si a responsabilidade. Já as escolas fracassadas aceitam o insucesso como normal – quando não põem a responsabilidade sobre um ente externo, fora do controle da escola. Pode ser “o sistema”, os políticos, os pais, os alunos ou a sociedade. Nunca é com eles. A terceirização da responsabilidade produz indolência. Na escola com Ideb baixo de Goiânia, os alunos estão praticamente analfabetos – no 4° ano! Perguntei se faziam algum trabalho de reforço. “Sim, três horas diárias!”, disse-me orgulhosa a diretora. Pedi para ver a aula. Ela era ministrada em área semicoberta por um tatame e compartilhada pelos alunos com alguns instrumentos musicais. Não havia lousa nem material didático. Perguntei pelo arranjo peculiar e me disseram que metade do tempo de aula era usada para lições de tae kwon do. Devotar metade da aula a atividade esportiva, com alunos analfabetos no 4° ano, é uma confissão de abandono.
Uso do material didático – Nas boas escolas, professor e alunos usam o material didático como apoio, o que dá uma organização ao processo de ensino. Na escola boa de Caucaia (E.M. Celina Sá Morais), usa-se um material de um programa do governo do estado para alfabetizar alunos na idade certa. Professor e alunos são conduzidos por um caminho que dá certo, sem a necessidade de reinventar a roda a cada dia. Nas más escolas, ou o material didático não é usado ou o professor o utiliza para substituir a aula. Na mesma Caucaia, na escola ruim, a atividade dos alunos consistia em ler o livro didático e responder às perguntas do próprio livro. A professora ficava ali olhando. Na escola ruim de Novo Hamburgo, o professor se limitava a entregar jornais aos alunos. A menina sentada ao meu lado ficou olhando as propagandas de clínicas de emagrecimento...
Monitoramento e avaliação – Nas boas escolas, há avaliação constante e formal.
O poder do bom professor – É impressionante a diferença que um professor faz, mesmo nas condições mais precárias. Em Vitória, entrei na turma do 1º ano, de uma professora chamada Alecsandra. Ela escrevia na lousa em ótima caligrafia. Falava baixo e atenciosamente com os alunos. Engajava-os, fazendo perguntas a todos. Com três meses de aula, muitos já estavam demonstrando sólidos sinais de alfabetização. Qualquer professor que culpe “o sistema” deveria passar por uma aula assim para voltar a acreditar em si mesmo.
PS. As escolas públicas do país deveriam ser obrigadas por lei a pôr seu Ideb em placa de 1 metro quadrado ao lado da porta principal, em uma escala gráfica mostrando sua nota de zero a 10. Na placa deveria aparecer também o Ideb médio do município e do estado. A maioria dos pais e professores hoje não sabe se a escola do filho é boa ou ruim, e, se esperarmos que consultem o site do MEC, seremos o país do futuro por mais muitas gerações. Mande um e-mail para seu deputado e exija essa lei.
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