terça-feira, 31 de agosto de 2010

O problema da autoria científica.

A autoria científica até pouco tempo atrás não era um problema relevante para a comunidade cientifica internacional. Entretanto, alguns autores vêm se manifestando de maneira veemente sobre suas participações em determinados artigos produzidos. Recentemente, perguntaram ao cientista britânico Ian Wilmut, mundialmente reconhecido como "pai da Dolly", o primeiro animal a ser clonado, se ele não tinha criado a Dolly. Sua resposta foi surpreendente para algumas pessoas fora do meio científico: "Sim, eu não criei a Dolly".



A partir daí esta história foi divulgada pela imprensa mundial de forma mais do que sensacionalista. Isto não tem nada com o cientista coreano Hwang Woo-suk, que confessou a fraude em seu artigo publicado pela revista "Science". Wilmut admitiu que pelo menos 66% do mérito de criar a Dolly foi de Keith Campbell, biólogo celular contratado por ele. Mas o cientista também argumentou que coordenou o trabalho, forneceu as condições laboratoriais e ensinou a Campbell a técnica de transferência nuclear. Keith que assinou o artigo da Dolly na revista "Nature" em 1997 em último lugar - Wilmut foi o primeiro nome no artigo - não foi reconhecido como o "pai da Dolly".



Entretanto, outros autores deste artigo estão também contando suas histórias. Angelika Schieke, a segunda autora, estudante de doutorado na época, disse que Wilmut obteve a "paternidade da Dolly" porque pediu, e os demais autores concordaram, para ser o primeiro autor, apesar de que esta posição não refletia sua contribuição ao trabalho. O artigo foi resultado da manipulação de centenas de óvulos e células, cujo único fruto foi a Dolly e, lamentavelmente, os demais autores não foram reconhecidos. Algo parecido ocorreu com Miodrag Stojkovic. Assim como Campbell, Stojkovic deixou a Universidade que trabalhava devido seu chefe Alison Murdoch receber o mérito por ter apresentado, prematuramente, a imprensa internacional, em 2005, o primeiro embrião humano clonado na Europa.



Normalmente é prática habitual no meio científico que o primeiro autor de um artigo seja o de maior destaque, inclusive seu sobrenome, quando são mais de três autores, é o citado no texto de um manuscrito científico. Na referência bibliográfica citam-se todos os autores que de alguma maneira participam numa ou mais etapas do trabalho. A realização de um trabalho científico necessita de várias etapas: formulação da idéia, orientação, infra-estrutura adequada para execução do trabalho, realização dos experimentos, elaboração dos dados e redação e submissão do artigo. Escolher a ordem dos autores no artigo nesta complexidade de etapas é um exercício difícil, de acordos e quase sempre nem todos ficam satisfeitos. Ainda mais nos tempos atuais da genômica e proteômica onde os artigos, por vezes, possuem dezenas de autores.



Algumas revistas científicas já aceitam esclarecer que tais e tais autores tiveram a mesma participação ou o mesmo papel de relevância na produção do artigo. No entanto, sem os líderes das equipes e chefes de laboratórios, que normalmente não realizam a maior parte do experimento, mas buscam recursos, definem, ensinam, orientam e dirigem as equipes, muitos autores não chegariam aos resultados de sucesso.



No fundo estes questionamentos são reflexos do mundo competitivo da investigação de alto nível, onde a posição do nome em um artigo pode significar uma bolsa a mais, mais recursos para o laboratório ou a fama no mundo científico.


Nota do Managing Editor: Eloi de Souza Garcia é Superintendente de Desenvolvimento Científico da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro, Membro da Academia Brasileira de Ciências e Ex-Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Esta matéria foi primeiramente veiculada no Boletim Eletrônico Secti On Line, de abril de 2006.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A educação na agenda dos candidatos

Publicado em 30/08/2010 Gazeta do povo

Embora com abordagens diferentes, é unânime a ênfase em três grandes temas que são caros à população brasileira: educação, saúde e segurança. Uma educação com qualidade, um sistema de saúde eficiente e extensível a todos e a geração de bons empregos formam o tripé que dá sustentação ao bem-estar e ao desenvolvimento socioeconômico de uma nação.

Em relação à educação, a Constituição de 1988 materializa em seu texto essa preocupação dos brasileiros ao expressar que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Assim, como instrumento de ascensão social e geração de riqueza, a educação é considerada individualmente como um bem intangível, embora possa ser metrificada por inúmeros índices e pela quantidade de recursos nela aplicados. Portanto, quando candidatos falam sobre investimentos em educação é sempre bom ter em mente algumas cifras para efeitos de comparação.

Nossa Constituição preconiza a aplicação em educação do porcentual mínimo de 18% pela União e de 25% por estados e municípios, tomando como base a receita resultante da arrecadação de impostos. Ao mesmo tempo, a lei orçamentária federal de 2010 (LOA n.º 12.214 de 26/01/10) estima a receita dos orçamentos fiscal e de seguridade social em cerca de R$ 1,76 trilhão. Em análise precipitada poderíamos imaginar que, baseados nos porcentuais estabelecidos pela Constituição, os recursos destinados à educação são vultosos. Ledo engano. Desse fabuloso montante, 54% são destinados à amortização da dívida pública, juros e encargos e demais despesas financeiras. Subtraindo-se ainda outras obrigações da União (entre elas 17% destinados à previdência social, 8% para transferências a estados e municípios e 10% para pagamento de pessoal e encargos sociais da União) restam apenas 10% (chamadas de despesas discricionárias) para distribuição entre todos os ministérios.

E é desse porcentual que saem minguados R$ 21 bilhões (pasmem!) para a educação e cerca de R$ 50 bilhões para a saúde. Portanto, é com esse montante relativamente pequeno que o governo financia as universidades e institutos federais de educação tecnológica, seu programa de expansão do ensino superior (Reuni), além de investimentos na educação básica e merenda escolar, entre outros.

Os candidatos não abordam detalhes técnicos e não dizem aos eleitores de onde sairão os recursos para ampliar os investimentos em educação e saúde. Mas dos dados acima é óbvio que poderiam nos dizer de que forma pretendem atacar a dívida pública ou tomar ações para reduzir o déficit nas contas da previdência, de forma a liberar mais recursos para áreas essenciais.

Não é difícil perceber que ajustes nas contas do Estado podem levar a grandes ganhos, inclusive com a duplicação dos recursos investidos em educação. Naturalmente, esse assunto parece ser muito técnico e enfadonho para a maioria dos eleitores, muito dos quais preferem se deixar levar pela propaganda grandiosa e artificial que é levada ao ar pelos partidos no horário político obrigatório.

Mas, se investimentos em educação devem ser considerados como prioridade, nunca é tarde para desejar que os candidatos sejam sinceros e nos expliquem os reais gargalos do Estado e o que pretendem fazer para resolvê-los, sob pena de continuarmos presos à mesmice que emperra o desenvolvimento sustentável do país.

Alexandre de Almeida Prado Pohl, doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Técnica de Braunschweig, Alemanha, é professor associado da UTFPR

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

NA TRILHA DO CRESCIMENTO

Isto é - 16/08/2010



A premiação de "As Melhores da Dinheiro" é marcada pela certeza de que o Brasil está a caminho de se tornar um país desenvolvido

Enquanto a economia mundial ainda se recupera do impacto da crise financeira que abalou o planeta após a quebra do banco Lehman Brothers, o Brasil vai encerrar 2010 com uma das maiores taxas de crescimento do mundo. Esta foi a tônica da cerimônia de entrega da 7ª edição do prêmio As Melhores da Dinheiro, que reuniu mais de mil lideranças empresariais e políticas no Terraço Daslu, em São Paulo, na noite da quinta-feira 12. Em discurso na abertura do evento, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve fechar o ano com expansão de cerca de 7%, e será um dos maiores crescimentos do mundo, atrás apenas da China e, talvez, da Índia. Ao citar a criação este ano de 1,5 milhão de empregos no País, Mantega reforçou seu otimismo em relação à economia brasileira: O Brasil é um dos poucos países que saíram da crise melhor do que entraram.



O presidente executivo da Editora Três, Carlos Alzugaray, sintetizou o clima dominante no evento. A hora do Brasil chegou, afirmou Alzugaray. Estamos realmente encaixados no trilho para que, no futuro próximo, deixemos de ser um país emergente para nos tornarmos uma nação desenvolvida. No total, as 500 empresas listadas pela As Melhores da Dinheiro somaram em 2009 uma receita líquida de R$ 2,2 trilhões, o que corresponde a quase 80% do PIB brasileiro. No período, a maioria dessas companhias faturou entre R$ 1 bilhão e R$ 3 bilhões. O ranking das empresas premiadas foi montado a partir de dados das empresas tabulados e analisados pela BDO Trevisan e dividido em cinco categorias: sustentabilidade financeira, recursos humanos, inovação e qualidade, responsabilidade social e governança corporativa.

A grande vencedora deste ano foi a Brasil Foods. Com atuação em 110 países, a companhia nascida da fusão entre a Perdigão e a Sadia recebeu do presidente executivo da Editora Três o prêmio de Empresa do Ano. Em seus primeiros 12 meses, a Brasil Foods, que contabiliza 105 mil funcionários e 64 unidades industriais, teve um desempenho surpreendente: sua receita líquida subiu de R$ 11,3 bilhões em 2008 para R$ 20,9 bilhões em 2009, enquanto o lucro líquido saltou de R$ 54 milhões para R$ 228 milhões.

Questionado se o Brasil como um todo tem estrutura para crescer em ritmo similar ao da Brasil Foods, Luiz Fernando Furlan, co-presidente do conselho de administração da empresa, lembrou que há pouco tempo havia em certos setores a crença de que o País não poderia ultrapassar o índice de 3,5% de crescimento por causa do risco da inflação. Hoje, sabemos que o País pode crescer 5% tranqüilamente, ressaltou Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento. Resta mudar o patamar para cima. Temos de crescer mais, pular para o patamar de crescimento de 7%, 8%.

Ao lembrar a responsabilidade do atual governo na condução da política econômica do País, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, comemorou o excelente desempenho das empresas brasileiras em período de plena turbulência internacional. O País se faz com empresas inovadoras e produtivas que possam contribuir para a produção da riqueza econômica, disse o presidente do BC. Hoje, o Brasil pode se orgulhar de ter empresas brasileiras atuando no mundo.

Outras 30 empresas foram premiadas pela As Melhores da Dinheiro: cinco como campeões de gestão e 25 vencedores em seus setores de atuação. 2009 foi um ano desafiador para todos nós, resumiu o diretor-presidente da Natura, Alessandro Carlucci, que venceu na categoria farmacêuticos, higiene e limpeza. Além de Mantega e Meirelles, a cerimônia teve a presença dos ministros Miguel Jorge (Desenvolvimento) e Erenice Guerra (Casa Civil). Também participou da entrega da premiação boa parte da elite empresarial brasileira. Estiveram no Terraço Daslu os presidentes da Vivo, Roberto Lima; do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco; da Redecard, Roberto Medeiros; da Suzano, Antonio Maciel Neto; da Embraer, Frederico Curado; da Companhia Siderúrgica Nacional, Benjamin Steinbruch; e Nildemar Secches, co-presidente do conselho de administração da Brasil Foods, além de outros empresários.

Sobrou dinheiro e faltou educação

Autor(es): Wálter Nunes
Época - 16/08/2010




Fundação ligada à Igreja Renascer é acusada de desviar R$ 2 milhões que deveriam ter sido usados em programa de alfabetização de adultos

A Igreja Apostólica Renascer em Cristo está entre as instituições religiosas que mais crescem no país. Fundada na sala da casa de Sônia e Estevam Hernandes, bispa e apóstolo da igreja, tornou-se em 24 anos um conglomerado de mais de 800 templos (espalhados pelo Brasil, por países da América Latina e Estados Unidos), escola, gravadora e emissoras de rádio e TV. Os eventos promovidos pela igreja reúnem milhares de pessoas. Mas, assim como os fiéis, proliferam na Justiça as ações contra a Renascer e seus dirigentes. A última delas vem do Ministério Público Federal (MPF), que acusa a Fundação Renascer, uma entidade assistencial ligada à igreja, de desviar R$ 1.923.173,95 recebidos do governo federal graças a dois convênios celebrados com a Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação.

Os acordos foram assinados em 2003 e 2004 e previam a alfabetização de 23 mil jovens e adultos e a formação de 620 professores. As dúvidas começaram em 2007, quando auditores da FNDE e da Controladoria-Geral da União (CGU)investigaram a aplicação dos repasses das verbas do Ministério da Educação para ONGs integrantes do programa Brasil Alfabetizado. Ao ser submetida à auditoria, a Fundação Renascer, para justificar gastos, apresentou uma lista de nomes de professores e alunos que teriam participado do programa de alfabetização. A lista não continha, porém, nenhum número de documento, como CPF, que comprovasse a existência das pessoas mencionadas. Foi rejeitada pela auditoria.

O caso foi então remetido para o Ministério Público Federal em São Paulo. A Fundação Renascer enviou ao MPF um cronograma de aulas de educação religiosa recheado de erros de português para tentar atestar a existência do curso. O roteiro incluía temas como conhecer a Bíblia, a importância da fé e da fidelidade como filhos de Deus e a história de Neemias. Indicou também testemunhas, que foram ouvidas pelo Ministério Público. Somente duas conseguiram comprovar que houve um curso de alfabetização e mesmo assim para apenas 300 alunos, muito longe dos 23 mil estabelecidos pelos convênios assinados com a FNDE. Outras testemunhas disseram ainda que o dinheiro do convênio depositado na conta da Fundação Renascer era sacado em espécie por pessoas não identificadas. Na ação, o procurador Sérgio Suiama pede que os responsáveis pela Fundação Renascer sejam condenados a devolver à FNDE os R$ 2 milhões relativos ao convênio, percam os direitos políticos por cinco anos e não possam mais assinar contratos com a União.
Documentos apresentados pela igreja para comprovar gastos foram rejeitados por auditoria do governo

Eles não conseguiram comprovar que o dinheiro da FNDE realmente foi usado para alfabetizar adultos. Mesmo que uma pequena parte tenha frequentado aulas de religião, isso é irregular, diz Suiama. Segundo Suiama, os temas das aulas mostram que a Renascer pode ter usado verba pública para difundir as crenças da igreja. O cronograma das aulas de religião complica ainda mais a situação, pois o dinheiro do convênio nunca poderia ter sido usado para promover proselitismo religioso. A Constituição determina que o Brasil é um estado laico, não pode patrocinar nenhuma prática religiosa, diz Suiama.

O principal alvo da ação do Ministério Público é o deputado estadual bispo José Bruno (DEM-SP), que era vice-presidente da Fundação Renascer e assinou os convênios com a FNDE em 2003 e 2004. Hoje fora da Renascer para montar sua própria igreja, o deputado José Bruno diz que jamais trabalhou no programa de alfabetização da fundação e só assinou os convênios porque os verdadeiros responsáveis, a bispa Sônia (presidente da fundação) e o apóstolo Estevam Hernandes, estavam ausentes. Eu assinei os convênios porque Estevam e Sônia estavam fora do país, diz ele. Eu nunca toquei esse projeto e isso consta inclusive no depoimento de uma testemunha que diz que nunca tratou de assuntos desse programa comigo. Segundo a CGU, Bruno teria atrapalhado o trabalho dos fiscais que foram verificar o destino do dinheiro dos convênios e evitou fornecer documentos à auditoria.

A Renascer, em nota, refutou qualquer acusação de malversação de verbas públicas e disse ter havido apenas entendimentos errôneos da FNDE com relação a valores. Disse que alfabetizou mais de 15 mil pessoas e anexou fotos com cenas de salas que supostamente seriam a prova da realização do programa de alfabetização. Quanto ao ensino religioso, afirmou que as cartilhas baseadas em assuntos da Bíblia trouxeram resultados que superaram outras técnicas. Disse ainda que as dúvidas levantadas sobre o trabalho da fundação vêm de denúncias desleais, acusações sem provas feitas por pessoas sob suspeição absoluta que teriam claros interesses próprios em prejudicar a igreja.

A bispa Sônia e o apóstolo Estevam foram presos em 2007 ao tentar entrar nos Estados Unidos com US$ 56 mil escondidos em uma Bíblia e um porta-CDs eles haviam declarado ao Fisco americano que entrariam com apenas US$ 10 mil. Em dezembro do ano passado, eles foram condenados pela Justiça Federal a quatro anos de prisão e multa de R$ 150 mil cada um por evasão de divisas. Apresentaram recurso contra a condenação.

GOVERNO INCHA CURRÍCULO ESCOLAR COM SEIS TEMAS

EMENDAS INCHAM CURRÍCULO ESCOLAR COM 6 NOVOS CONTEÚDOS EM TRÊS ANOS
O Estado de S. Paulo - 18/08/2010




O currículo do ensino básico recebeu seis novos conteúdos desde 2007, inchaço que tira espaço de disciplinas tradicionais. Há conteúdos sobre cultura indígena, direito das crianças e trânsito.



Além de português, matemática, história, geografia e ciências, nos últimos três anos os alunos do ensino básico de todo o País se viram obrigados a estudar filosofia, sociologia, artes, música e até conteúdos como cultura afro-brasileira e indígena e direitos das crianças e adolescentes. Também incham o currículo escolar, tirando espaço das disciplinas tradicionais, temas como educação para o trânsito, direitos do idoso e meio ambiente.

De 2007 até o mês passado, emendas incluíram seis novos conteúdos na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação. Há ainda leis específicas, que datam a partir de 1997, que complementam a LDB. Outras dezenas de projetos com novas inclusões tramitam no Congresso.

Esses acréscimos representam um desafio a todos os gestores, mas em especial aos da rede pública, onde a maioria dos alunos não consegue aprender satisfatoriamente português e matemática.

Na rede estadual de São Paulo, por exemplo, a Secretaria da Educação teve de cortar aulas de história no ensino médio em 2008 para cumprir a lei e aumentar as de filosofia e incluir sociologia na grade. Na época, os estudantes do período diurno tiveram uma redução de cerca de 80 aulas de história, na soma dos três anos letivos do ensino médio.

Para a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Yvelise Arco-Verde, os legisladores podem ter boas intenções, mas muitos desconhecem a realidade da sala de aula. "Sobra para os gestores fazer concurso, contratar novos professores, criar material didático, organizar a grade", diz. Não há um levantamento exato, mas em vários Estados ainda faltam professores de sociologia e a disciplina acaba sendo dada por docentes de outras áreas.

Yvelise, que é secretária da Educação do Paraná, discorda da ideia de que se possa resolver problemas sociais com a inclusão de temas na grade escolar. "A escola tem de dar os fundamentos para que o aluno faça sua leitura de mundo. Não é o fato de ter uma disciplina sobre drogas que vai garantir que o jovem se afaste do vício."

Paula Louzano, pesquisadora da Fundação Lemann, defende a discussão do currículo do ensino básico de forma integral como forma de combater os remendos na LDB, muitas vezes com tendências corporativistas. "Cada vez mais a gente está entulhando coisas via emenda. Até respeito a intenção, mas como ninguém tem interesse em matemática, quem vai fazer o lobby por ela?", questiona. "Não sou contra as aulas de música, mas quero discutir o todo, não que cada grupo vá individualmente e faça pressão."

Membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), César Callegari concorda que o currículo escolar não pode ser definido por processos legislativos individuais. "O currículo não é matéria legislativa. A criação de muitas disciplinas gera uma desorganização e pode piorar a educação brasileira", diz. Callegari, porém, afirma que algumas das leis, como a que instituiu a filosofia, são importantes. "Não há nenhum mal em expandir o currículo, mas tem de ser de forma organizada e sustentável, respeitando a autonomia das escolas e das redes."

Durante pesquisa para seu doutorado, a professora Rosimar de Fátima Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), constatou que entre 1995 e 2003 foram apresentadas por deputados federais 545 propostas de lei para a educação. "Os parlamentares concebem o currículo como uma soma de disciplinas", explica. "Eles enxergam nesse procedimento um meio de intervir na dinâmica escolar, pretensamente alterando a realidade social via escolarização de determinados temas sociais considerados relevantes."


Exemplo

PAULA LOUZANO PEDAGOGA DA FUNDAÇÃO LEMANN
"Os países mais desenvolvidos têm currículos abordando que competências e habilidades os alunos devem ter."

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Mudanças na demografia que ajudaram a economia

O Estado de S. Paulo - 13/08/2010




Uma palestra do professor José Eustáquio Reis sobre a situação demográfica do Brasil, na Federação do Comércio do Estado de São Paulo, permitiu avaliar como o governo do presidente Lula da Silva foi ajudado pela grande transformação da população brasileira nos anos recentes, e que poderá ser confirmada pelo Censo do IBGE.

Raramente os economistas dão atenção à demografia, que no Brasil sofreu rápida mudança de rumo, com efeito profundo na conjuntura econômica que explica, em parte, o sucesso da política econômica e social.

A grande transformação foi desencadeada quando a taxa de fecundidade caiu para 1,8, permitindo prever, a longo prazo, uma estabilização da população, cujo número no ano de 2050 deverá estar entre um mínimo de 182 milhões e um máximo de 254 milhões de habitantes.

Essa evolução demográfica teve, no entanto, efeitos mais imediatos sobre a economia do País. Um crescimento menor da população produz uma queda mais acentuada de nascimentos - isto é, de pessoas inativas -, sem que de imediato o contingente de pessoas idosas aumente a ponto de representar maior peso para a Nação, fenômeno que deverá aparecer, daqui a alguns anos, numa pirâmide demográfica em que a população idosa será sustentada por um número menor de pessoas economicamente ativas.

A redução do número de crianças nas famílias também tem o efeito de elevar o número de mulheres trabalhando. Em 2007 as mulheres já representavam cerca de 60% da força de trabalho. Isso teve duas consequência importantes: em primeiro lugar, um aumento do poder aquisitivo nos lares, que passam a ter duas fontes de renda, o que lhes permite aumentar a cesta média de compras. Em segundo lugar, aumenta a população economicamente ativa, que em 2007 chegou a 52,1% do total da população.

Verifica-se, assim, que o atual governo não enfrentou escassez de mão de obra, mas apenas de mão de obra qualificada, em razão das falhas no sistema de ensino, apesar do aumento da escolaridade com a elevação da renda. É que a qualidade do ensino não melhorou, mesmo com o número de crianças crescendo menos.

A questão social no novo quadro demográfico levanta problemas complexos. Com o Bolsa-Família, o número de pessoas em condições de extrema penúria diminuiu, mas aumentou o número de pessoas pobres. Um dado interessante é que a classe mais satisfeita com a sua própria situação (78%) é a das pessoas que recebem um salário mínimo. O que pode explicar a mudança no quadro eleitoral.

sábado, 7 de agosto de 2010

Votos da fé

Autor(es): Claudio Dantas Sequeira e Hugo Marques
Isto é - 02/08/2010

Contra a legalização do aborto, o casamento gay e a descriminalização da maconha, líderes de diferentes
religiões se engajam na campanha

Num país laico como o Brasil, misturar política e religião nunca deu certo. Nesta eleição, porém, candidatos e líderes religiosos resolveram contrariar a sabedoria popular, arriscando princípios e valores pessoais em acordos de sacristia para arregimentar o maior número possível de fiéis. O rebanho de eleitores potenciais é atraente: há mais de 30 milhões de evangélicos e quase 100 milhões de católicos. Em troca do apoio político, as igrejas cobram dos candidatos posição sobre temas fundamentais, como a legalização do aborto, a descriminalização da maconha e o casamento gay. O sectarismo é inevitável, como ocorreu quando o bispo católico de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, pediu aos fiéis que não votem em Dilma Rousseff porque ela defende o aborto. A declaração constrangeu a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas dias depois, num encontro com lideranças evangélicas, Dilma relativizou sua opinião: Sou a favor da vida.

A indefinição sobre temas tão delicados não é exclusividade da candidata do PT. Tanto José Serra (PSDB) como Marina Silva (PV) também não se posicionam claramente sobre as questões mais polêmicas. E assim muitas igrejas igualmente preferem ficar em cima do muro. É o caso da Convenção-Geral das Assembléias de Deus (CGAD), que reúne dez milhões de fiéis e sempre apoiou Serra. Agora, no entanto, considera votar maciçamente em Marina que era católica, mas se converteu em 1997. Tudo dependerá de como a candidata vai se comportar. O Serra é muito bem aceito, mas existe um movimento forte para que os fiéis votem em membros da própria igreja. O único senão está no fato de Marina pertencer a um partido que é contra o que nós defendemos, afirma o pastor Lelis Washington Marinhos, relator do conselho político da CGAD. Na opinião de Lelis, o PV estaria usando a Marina para crescer, mas seus dirigentes não estariam dispostos a ceder nesses princípios. Pelo sim, pelo não, num comício em Bauru (SP), na quinta-feira 29, a senadora do PV rezou conforme a cartilha da CGAD. Disse que é contra o casamento gay e defendeu um plebiscito sobre o aborto. Temos que fazer o debate de forma aberta, evitando satanizações, disse Marina.

Apesar de toda a cautela, a candidata verde tem perdido espaço para Dilma nas articulações com os evangélicos, como atesta o deputado federal Manoel Ferreira (PR-RJ). Pastor e presidente da Convenção Nacional das Assembleias de Deus (CNAD), corrente minoritária que reúne oito milhões de seguidores, Ferreira fechou acordo com o PT. Estamos satisfeitos com o atual governo e queremos sua continuação, diz. Para evitar suscetibilidades, seja com candidatos, seja com fiéis, o deputado acha que o Executivo não deve se intrometer em temas tabus. Dilma nos deu sua palavra de que todas essas questões polêmicas devem nascer no Congresso, pondera.
Outro fiel na balança eleitoral será a Igreja Universal do Reino de Deus, que congrega 13 milhões de membros. Seu fundador, o bispo Edir Macedo, apoiou Lula em 2002 e 2006. Agora, fará o mesmo com Dilma. Essa ligação entre igreja e partido foi costurada pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que se diz contra o aborto. Sou casado há 35 anos e minha mulher nunca tomou pílula anticoncepcional, diz ele.

Os bispos da Igreja Católica mais comprometidos com as causas sociais não fecharam posição em torno de um candidato. As opções são individuais. Por isso, as declarações do bispo de Guarulhos foram consideradas pela CNBB um excesso, como diz o ex-bispo de São Félix do Araguaia (MT) dom Pedro Casaldáliga. Se fôssemos aconselhar a não votar em candidatos que defendem a injustiça, seria uma lista longa, afirma. Mas dom Luiz Gonzaga, de Guarulhos, não é o único a ter opinião formada sobre a sucessão de Lula. O presidente da Comissão Pastoral da Terra e bispo emérito de Goiás, dom Tomás Balduíno, dará seu voto ao candidato nanico Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), que é a favor da descriminalização da maconha. Voto nele porque o Lula abandonou a defesa do homem e optou pelo crescimento econômico, explica.

Oficialmente, a CNBB prefere não se manifestar contra ou a favor de quaisquer candidatos, como explica o assessor de imprensa padre Geraldo Martins. No entanto, a cúpula católica tem apostado forte num programa nacional de formação política entre os fiéis, respondendo à demanda de setores da própria Igreja Católica por mais espaço na política. Em algumas regionais, o trabalho lembra a ação da antiga Liga Eleitoral Católica, na década de 1930. Na Regional Sul 1 da CNBB, comandada pelo arcebispo de São Paulo dom Odílio Scherer, os bispos emitiram até uma lista com dez mandamentos sobre como votar bem. Veja se os candidatos e seus partidos estão comprometidos com o respeito pleno pela vida humana desde a concepção até a morte natural, sugere dom Nelson Westrupp, que assina a lista da CNBB. Ele também ataca indiretamente aqueles que apoiam a união gay. Ajude a promover com seu voto a proteção da família contra todas as ameaças à sua missão e identidade natural, defende. Apesar de divididas entre os principais candidatos, as igrejas fixam posições conservadoras.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O inimigo do Enem é o próprio Enem

Correio Braziliense - 06/08/2010

O vazamento dos dados de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) soma-se às trapalhadas que vêm comprometendo a seriedade do teste.

Milhões de pessoas que se inscreveram para se submeter à seleção em 2007, 2008 e 2009 tiveram as informações pessoais disponíveis na internet por três horas. Nome, RG, CPF, nome da mãe, perfil socioeconômico, matrícula e desempenho estavam à disposição de instituições de ensino. Com o descuido, tornaram-se públicos e, portanto, passíveis de serem usados por eventuais golpistas.

Problemas tornaram-se rotina na breve vida do Enem. Quebra de sigilo da prova, divulgação de gabaritos errados, cancelamento do exame do meio do ano e retirada de alunos da lista de aprovados criaram clima de suspeição sobre a capacidade do Ministério da Educação de assumir tão importante missão. Por causa das sucessivas confusões, em 2009 a USP e a PUC voltaram atrás na decisão de usar o Enem como parte do recrutamento.

Este ano, a USP e a Unicamp não vão aproveitar o resultado do exame. A causa: novembro, data da realização do concurso, foi considerado incompatível com a seleção particular das universidades.

É lamentável. O Brasil levou muito tempo para encontrar alternativa ao vestibular. Pais e educadores sabiam que o teste aplicado não era capaz de recrutar os melhores candidatos para os cursos universitários. Fatores emocionais e o formato da prova eliminam estudantes aptos a atravessar as portas das instituições de ensino superior. Apostam-se as fichas num jogo de tudo ou nada.

Mais do que premiar a meritocracia, o método contempla a sorte.

O acaso ocupa o lugar do saber.

O Enem, que mede a aprendizagem dos estudantes ao longo dos três anos do ensino médio, mostrou-se mais eficaz. Avalia o aprendiz em várias etapas. Como os conteúdos são cobrados segundo o currículo de cada ano, evitamse concentrações e as consequentes possibilidades de o azar falar mais alto que o conhecimento e a inteligência emocional. Até atingir o objetivo, o aluno terá subido diferentes degraus. A dedicação e competência o terão conduzido ao topo. Lá, encontra abertas as portas do ensino superior.

Comprometer tão importante conquista confirma o que vem se tornando chavão. O Enem não precisa de inimigos. Ele sozinho faz os estragos.

A revolução sem maquinetas

Observatório da Imprensa Por Alberto Dines em 3/8/2010


Certamente deverão explorar todas as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias da informação, mas o essencial é a mudança de foco, ampliação dos objetivos. Uma reviravolta de 180 graus na estratégia das empresas de comunicação centradas até agora na produção de entretenimento e doravante comprometidas com a difusão do conhecimento.

A compra do grupo Anglo pela Abril Educação e, dez dias depois, do grupo SEB pelos ingleses da Pearson (donos da Economist e do Financial Times) só foi registrado pelo diário Valor Econômico e pelos editorialistas do Estado de S.Paulo [ver aqui].

O resto da imprensa comeu mosca porque continua de pilequinho, inebriada pelos gadgets, enroscada em patéticas dúvidas sobre "modelos de negócios". Não quis reconhecer que nos últimos dez anos andou enganada e enganou o leitorado com bolhas ilusórias e falsos apocalipses.

Sentido e direção

Quem ameaça a mídia impressa não é a internet; o dragão da maldade está escondido e atende por um nome mais complicado: precariedade intelectual. O leitor migrante que não se incomoda em trocar o jornal ou revista pelo twitter ou pelo torpedo do celular, na verdade não foi estimulado a desenvolver uma curiosidade intelectual. Lê o que lhe oferecem, contenta-se com migalhas. E na medida em que a informação oferecida pela mídia impressa é cada vez mais simplificada (a nova página sobre eleições da Folha de S.Paulo oferece infográficos, e não textos), a capacidade de concentração deste leitor torna-se cada vez mais limitada e ele, como ser pensante, cada vez mais subalterno.

A solução não é midiática, é didática. Educacional. No lugar de produtos informativos lineares e precários, dirigidos a robôs de carne e osso, uma aposta na qualificação das novas gerações. E o futuro na esfera da educação é medido por módulos de oito anos (dois mandatos presidenciais).

Já que o poder público não consegue se fascinar por grandes investimentos em educação porque demoram a dar resultados, as empresas de comunicação mais sofisticadas perceberam uma oportunidade no ensino privado de alta qualidade para grandes contingentes. Esta reversão na formação da sociedade é capaz de dar sentido, direção e velocidade aos projetos de crescimento econômico para convertê-los em desenvolvimento real, sustentável. Sem passes de mágica.

Olhar adiante

Com leitores comprometidos permanentemente com a busca do conhecimento – e, portanto, fidelizados – as novas tecnologias deixam de representar catástrofes e se transformam em estímulos para avanços.

As empresas de mídia impressa, sobretudo aquelas que se submeteram às formulações dogmáticas oferecidas pelas entidades corporativas, iludiram-se com o Deus Mercado: ele prefere consumidores exigentes porque são cativos, menos volúveis.

O agora agonizante Jornal do Brasil criou e manteve ao longo de pouco mais de três décadas sucessivas levas de leitores qualificados. Foi o primeiro jornal brasileiro a adotar um programa de leitura na sala de aula (ainda na década de 1960). Mas se o jornal ou revista avilta o seu conteúdo deixa de ser uma ferramenta de trabalho do educador. Os suplementos infantis e juvenis da grande imprensa tornaram-se rigorosamente descartáveis porque espelham os cadernos ditos "nobres", banalizados pela obsessão com os apelos fashion.

Significa que o negócio do ensino privado de qualidade está intimamente vinculado à manutenção de uma imprensa de qualidade. Uma empresa que edita lixo jornalístico não terá credibilidade para atrair alunos para os seus estabelecimentos de ensino, em qualquer nível.

Uma escola pertencente ao grupo editorial espanhol Prisa (que edita El País, um dos melhores jornais do mundo) jamais poderá comprometer-se com um modelo de ensino autoritário, fundamentalista, antidemocrático.

Na beira do abismo, a imprensa descobriu que poderia se salvar. Em vez de olhar para o abismo fixou-se no horizonte.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Professores de elite

Autor(es): Camila Guimarães Luis Alvarenga
Época - 01/08/2010

Um programa vai selecionar os melhores alunos das melhores universidades para dar aula em escolas públicas

REFORÇO
Alunos assistem à aula em escola pública do Rio: eles terão aulas extras com professores selecionados entre os melhores

Em 1989, uma aluna do curso de relações internacionais da prestigiada Universidade Princeton, nos Estados Unidos, estava convencida de que muitos colegas se disporiam a promover mudanças significativas na sociedade especialmente no que dizia respeito à desigualdade da educação entre americanos ricos e pobres. Em sua tese de graduação, ela sugeriu formar uma rede de professores de elite, jovens selecionados entre os melhores alunos das melhores universidades, em qualquer área de conhecimento, que seriam treinados para dar aula para as escolas mais problemáticas do país, localizadas em áreas pobres e violentas. Vinte anos depois, a tese de Wendy Kopp virou uma organização de US$ 200 milhões, a Teach for America, que já formou 17 mil professores e ajudou a melhorar o desempenho de 500 mil alunos carentes.

Na semana passada, o programa desembarcou no Brasil (é o 14º país a adotá-lo). O projeto-piloto, de R$ 3,7 milhões, financiados principalmente pela iniciativa privada, será no Rio de Janeiro. Em agosto começa a seleção de 40 jovens recém-formados, que passarão os próximos dois anos ensinando alunos de escolas municipais localizadas em áreas violentas e pobres do Rio de Janeiro, cujos estudantes têm baixo desempenho de aprendizagem e alta evasão. Por R$ 2.500 por mês, darão aulas de reforço em português, matemática, ciências e inglês.

O programa tem dois objetivos. O primeiro: ajudar a melhorar o desempenho desse grupo de alunos. Os novos professores serão treinados por cinco semanas e aprenderão técnicas de ensino para usar em classe. Assim que assumirem suas turmas, serão orientados por um professor da própria escola. Eles trabalharão com metas e serão avaliados. O objetivo é melhorar a nota da classe, diz Maíra Pimentel, diretora do Ensina!, organização que toca o projeto no Brasil. As avaliações oficiais das redes públicas dos Estados Unidos mostram que os alunos que passam pelas mãos dos professores treinados pela Teach for America chegam a aprender 60% a mais, em um ano, que os que têm aulas com professores regulares.

Parte do segredo do sucesso desses professores é a seleção rigorosa dos candidatos, muito diferente dos concursos públicos, que falham ao medir conhecimento e habilidades práticas. Será assim também no Brasil. Quem quiser participar terá de apresentar seu currículo escolar, uma carta de recomendação e fazer uma prova escrita. Se passar dessa etapa, enfrentará dinâmicas de grupo, entrevistas e terá de planejar e apresentar uma aula.

O segundo objetivo a essência do programa criado por Wendy é fisgar a atenção de jovens de talento, futuros empresários, juízes, políticos para a educação. Somos um programa de formação de líderes, diz Wendy. Sua lógica é que esses líderes terão muito mais a dar para seu país se aprenderem algumas lições ensinando. Se, entre os que participarem do programa, uma parte decidir seguir carreira em educação, tanto melhor. Nos EUA, mais de 60% dos jovens profissionais da Teach optam pela área. Para quem decide seguir outra carreira, o currículo sai turbinado. Eles ganham experiência em gestão de conflitos e em trabalhar com metas, diz Maíra. Os jovens do programa estão em alta no mercado de trabalho americano, o que aumentou a disputa por uma vaga de professor. Neste ano, dos 46.300 inscritos, apenas 4.500 foram selecionados. Se der certo no Rio, o Ensina! será estendido para outras redes. E a educação do país poderá sair ganhando.

domingo, 1 de agosto de 2010

Um domingo marcante

Acompanhei dois fatos esportivos marcantes no último domingo: a nova marmelada da Ferrari e a bela vitória do Atlético. Sobre a Fórmula 1, tudo já se disse sobre esse subesporte. A ordem para Felipe Massa deixar Alonso ultrapassá-lo e a obediência tranquila que se seguiu são desses cinismos exemplares que falam por si. As justificativas que se ouvem, com um sorriso de malandragem ou suposta inteligência – a Fórmula 1 é assim mesmo, tem muito dinheiro na jogada, eles correm em equipe, o importante é quem está na frente somar pontos, e por aí vai – são ofensivas ao mais elementar senso moral que nos move. O mais inacreditável é que a milionária federação que gere esse esporte multou em um punhado de dólares a Ferrari. Sim, eles levaram uma multa! Que, aliás, a Ferrari já deve ter pago rindo. Isto é, reconhece-se que houve fraude, mas ela pode ser paga – e fica tudo por isso mesmo.

É incrível, mas talvez a legislação disciplinar do futebol tivesse algo a ensinar à turma que brinca de autorama. Num caso como esse, em que todos os detalhes da fraude estão documentados, retiram-se simplesmente os pontos ganhos pelos dois corredores, que além disso ficariam fora de uma ou duas corridas subsequentes. Não é o que acontece no futebol? Basta­­ria uma punição dessas para moralizar a coisa. O cronista é ingênuo? Acho que sim – mas é dessas ingenuidades simples e básicas que fazem bem.

Mas vamos falar de coisa boa: a maravilhosa recuperação do Atlético. Para quem vem sofrendo há muito tempo, ano a ano lutando para não cair, a partida contra o Santos já ficou marcada como uma das grandes alegrias da minha vida de torcedor. Que jogo bonito! E para não dizer que tudo era fogo de palha, a vitória mais difícil contra o Goiás mostrou mesmo que o Atlético está se encontrando e tem fôlego, time e categoria para muito mais.

Duas vezes dois a zero. Foram quatro belos gols, mais uma dúzia de gols perdidos, e pondo na conta um gol fantástico de Bruno Mineiro, depois de Alex Mineiro ajeitar a bola com a mão. Pena que não foi na Copa do Mun­­do: lá teria valido. E, milagre, não levamos nenhum gol. Contra o Santos, porque eles praticamente não conseguiam chegar; contra o Goiás, levamos uma boa dose de sorte, com bolas na trave e rebatidas inverossímeis na pequena área duas ou três vezes – mas estava mesmo na hora de o Atlético ter um pouco de sorte nos momentos difíceis do jogo. O fato é que o time foi consistente nas duas partidas.

E o melhor: jogando bo­­nito, cadenciado, com elegância, sem pancadaria ou ataques de nervos. Foram dois jogos de poucas faltas – contra o Goiás, nenhum cartão amarelo. E a atenção permanente no jogo, que segura as vitórias até o último instante. Sim, sei que o futebol é a mais insegura das artes, as partidas se equilibram num fio de arame, mas aposto que esse Atlético vai longe neste ano.

O Brasil pelos olhos dos gringos

Samba, futebol, praias e florestas intermináveis. Boa parte do que é divulgado sobre o Brasil lá fora ainda se foca nesses clichês, mas, com o passar do tempo, outras oportunidades, e por que não problemáticas, têm atraído os estrangeiros para cá, o país emergente que tem tudo para dar certo. Nem o Ministério de Relações Exteriores ou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República têm pesquisas específicas a respeito da percepção da imagem do país.

A avaliação é mesmo um tanto subjetiva e passa pela conversa que a Gazeta do Povo teve com estrangeiros de diferentes gerações sobre o país. As poucas estatísticas disponíveis são do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur). Enquanto que os pontos negativos são a violência e a desigualdade social, o saldo positivo fica sempre com o simpático povo brasileiro.


Educação como meio
Há 20 anos, o economista uruguaio e professor da Universidade Federal do Paraná José Gabriel Porcile Meirelles, de 51 anos, veio para cá por uma oportunidade de estudo. Trabalhava em um órgão de pesquisas econômicas de Montevidéu que tinha convênio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Nos anos 1980, o país já tinha um esquema de pós bem montado e era um dos principais destinos dos uruguaios. Sair de uma ditadura ferrenha e chegar ao Brasil, que naquela época começava a construir sua democracia, foi uma experiência maravilhosa”. Fixando-se em Campi­nas, ele escapou dos cenários paradisíacos. “O fato de ser um ambiente altamente intelectualizado também foi fundamental para uma visão mais realista do país”.

Meirelles conheceu a esposa em Campinas e mora em Curitiba desde 1995, depois de cinco anos na Inglaterra, onde, confessa, não foi tão bem recebido quanto aqui. Hoje lamenta apenas o esmorecimento dos debates econômicos. “Naquele tempo as questões eram mais ideológicas, como divisão de riquezas. Hoje são mais práticas, como inflação. Mas isso não é só no Brasil.”

Novos atrativos

As mexicanas María del Refugio Boa Alvrado e Michelle Lee Valen­zuela, ambas de 21 anos, e o francês Justin Pageout, 23 anos, fazem o mesmo caminho que Meirelles fez na década de 1980, mas atraídos por um conceito de certa forma recente: a sustentabilidade.

María e Michelle farão um se­­mestre de Engenharia Ambiental e de Produção da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), respectivamente. O controle de resíduos sólidos – e daí a propaganda de Curitiba como cidade ecológica ainda funciona – é o interesse das duas. “Quero ver como funciona isso aqui e, talvez, levar alguma solução para o México. Lá não há essa preocupação com o lixo”, diz Michelle.

Também na PUCPR, Pageout, que é estudante de Engenharia Química na França, está fazendo estágio obrigatório e uma pesquisa com base no biodiesel brasileiro, “que pode ser uma solução para o futuro”. Fala pouco do português – não sabia nada quando chegou, há três meses – e diz ter confirmado o clichê do futebol. “Aqui o esporte é quase uma religião. Não sabia da rivalidade com a França. Quando o time francês foi eliminado da Copa todo mundo comemorou. Mas eu sei que isso é só no futebol”. Como potência emergente, o país é reconhecido por esses jovens como um lugar para experimentações que podem dar certo.

No caso do norteamericano Philip Michael Young, 70 anos, mais conhecido por Phil Young, da escola de inglês, o Brasil deu certo ainda na década de 1970. Viveu 35 anos aqui e há 13 anos voltou para casa, em Jacksonville, Flórida, de onde administra as seis escolas da rede. Diz admirar o amor do povo pelas coisas intelectuais, o conhecimento da história e a descrença nas regras – um elogio ao chamado jeitinho brasileiro. “Negativa­mente aponto o machismo, o racismo enrustido e o sistema que é mais de castas do que igualitário.”

Grande escala

A colombiana Maria del Pilar Angulo, 27 anos, e o venezuelano Alvaro Stangarone, 28 anos, se mudaram há pouco tempo para o Brasil. Ela chegou há um mês em São Paulo, para ficar com o namorado brasileiro. Stangarone chegou em janeiro, mas havia estado em São Paulo em 2005, para sete meses como trainee da AmBev, com passagens por Ribeirão Preto, Curitiba e São Paulo. Ambos estão no início de uma experiência mais profunda no país e têm perspectivas diferentes a respeito. Vindos de lugares da América Latina, reconhecem a violência e a desigualdade social como problemas comuns, mas que aqui são evidenciados por um gigante de dimensões continentais.

Pilar diz que conhecia um pouco do país pela vizinhança com a Colômbia. O Brasil sempre foi um ponto de referência para temas econômicos e de desenvolvimento regional. Também sabia que este é um país muito grande, formado por imigrantes diversos e uma cultura alegre. “A primeira impressão que tive quando cheguei ao país foi a escala das coisas. As ruas, os edifícios, a quantidade de pessoas. Realmente este país é gigante. Também vi, de uma só vez, a diversidade de pessoas, de cores de pele, de sotaque e de clima”. Aqui, porém, tem também mais oportunidades de cultura e consumo do que na Colômbia.

Stangarone admite não ter muito conhecimento prévio do país, além das coisas mais famosas, como o carnaval. Supreeendeu-se até agora com o povo. “Sempre tem alguém querendo ajudar, dando dicas para você estar bem”.

Experiência “social” no país do futebol

Ao contrário de María e Michelle, que conhecem, por enquanto, apenas o centro de Curitiba, os jovens ingleses do programa Global Fellowship, do British Council, estão tendo uma experiência brasileira bem mais intensa. Há pouco mais de uma semana no Rio de Janeiro, os jovens com média de idade de 19 anos, ainda passarão por São Paulo e, talvez, Curitiba até o fim do mês de agosto. Muitos vieram atraídos pelos “bons” clichês, como Ashvin Babar, de 19 anos. Ele toca na bateria da escola de samba Paraíso, de Londres, e veio para o Brasil por causa da música. “Por meio do samba meus olhos foram abertos para outros ritmos brasileiros, como a capoeira, o pagode e a bossa nova”. Mas com a programação – que inclui visitas a organizações não-governamentais, como o AfroReggae, em Vigário Geral, no Rio, e também a empresas que mantém projetos semelhantes – a visão desses jovens sobre o país está um tanto politizada e, talvez, mais realista do que a dos turistas de ocasião.

Economia

Tatenda “Tee” Nyandoro, de 19 anos, veio por sorte e curiosidade. “O destino do programa era o Brasil, que também era uma escolha minha”. Como estudante de economia, ele tem uma perspectiva alinhada com a área sobre o país. “O Brasil é uma das economias que mais crescem e esta é uma grande oportunidade de ver na prática todas as coisas que vi na teoria.”

A cultura vibrante, as bonitas paisagens e o povo receptivo foram as razões da vinda da colega Siobhan Jacqueline Randell, de 18 anos. Até agora, ela diz ter se supreendido com a diversidade natural e também de classes do país e, é claro, com o povo brasileiro, muito mais “feliz em ajudar”, segundo ela, que os ingleses de Londres. No Rio, Siobhan também percebeu a desigualdade social, a praia como um espaço democrático e a periferia da capital fluminense, vejam só, como um lugar “belíssimo”.

O caderninho pela última vez JOÃO UBALDO RIBEIRO

Domingo, Agosto 01, 2010

O Globo
Sei que não tenho o direito de abusar da paciência de vocês com as caturrices que anoto no meu caderninho, tanto assim que resolvi livrar-me dele, convertendoo num caderno de receitas culinárias, muito mais útil. Mas não resisto a comentar algumas anotações que me são particularmente caras, sempre na esperança de encontrar quem se solidarize, não é possível que eu seja o único chato a se incomodar com essas coisas.

Ninguém, falando, diz “no outro dia eu vi você na praia”; diz “outro dia eu vi você na praia”. No entanto, quando se escreve, ou se fala com a relativa formalidade dos noticiários de TV, essa e outras locuções adverbiais, como “este ano”, “este mês” ou “outra hora”, hoje ganham a preposição “em”, no caso redundante e mal usada, de uma forma que, se persistir, gerará muitas ambiguidades indesejáveis. Nas outras línguas (e todas as línguas ocidentais, com exceção do basco, são parentas e ligadas de mil formas) isso não acontece. Em inglês, por exemplo, não se diz “in this year”, diz-se “this year”, assim como, no mesmo caso, não se usa “dans” em francês.

Mas o sujeito diz, com propriedade, que este ano vai passar as férias em Búzios e, no entanto, quando escreve ou fala formalmente, resolve que o certo é “neste ano”. Daqui a pouco se escreve “numa vez eu vi um cometa”, em lugar de “uma vez”. Ou “num dia eu visitei Paris”, não se sabendo aí se a visita foi numa certa data ou durou apenas um dia. Se a frase fosse “um dia eu visitei Paris”, não haveria ambiguidade.

De forma análoga, há quem escreva “toda vez que” e “do mesmo jeito que” com uma preposição antes do “que”, por uma questão “lógica”. Mas são locuções consagradas e a lógica da língua amiúde é mais embaixo.

E por que tanto “você”, meu Deus do céu? Tem também gente, inclusive comentaristas, cuja fala é um enxame sufocante de “vocês”, praga que vem piorando muito. “Você adiantar os volantes a esta altura é temerário”, diz o falante.

“Para você segurar o placar, você precisa tentar manter o mesmo nível de marcação que você tinha no primeiro tempo.” Os primeiros dois “vocês” aí podiam ser simplesmente suprimidos e os restantes substituídos por uma maneira de falar menos neandertalesca, que, além de ser feia e revelar pobreza de expressão, faz a língua lembrar a que Tarzan usava para se comunicar precariamente com a Jane, no tempo do “me Tarzan”. Construção típica: “Você ingerir frutas que você não lavou bem traz riscos para a saúde. A fruta, ela pode estar sendo uma via de contaminação e você lavar faz a diferença.” Botei (modernamente, coloquei) essa “diferença” aí de propósito. Antigamente, as coisas faziam diferença. Podiam até fazer certa diferença, alguma diferença ou muita diferença. Mas a diferença não era determinada pelo artigo definido, como hoje, suspeito eu que por influência do inglês, já que muitos jornalistas e resenhistas literários leem bem mais em inglês que em português. “Ser cumprimentado por um bom trabalho faz diferença”, dizia-se antigamente.

Agora é “faz a diferença”.

A ausência do artigo definido, da mesma forma que em inglês, persiste na negativa “não faz diferença” (“makes no difference”), mas daqui a pouco é bem possível que se comece a dizer “isso para mim não faz a diferença”. Ou, para ficar mais de acordo com o inglês, “não faz uma diferença” (“does not make a difference”). Não duvido nada e assim, vamos prosseguir incorporando (o que, no ver de alguns, pode ser uma boa e não discuto) o gênio de outra língua à nossa, na forma mais radical de colonização que pode existir, a do idioma. Ubicumque lingua romana, ibi Roma — onde quer que esteja a língua romana, aí estará Roma, é isso mesmo.

No departamento do adeus-adeus, ao qual já se degredou o quase finado “cujo”, devemos também apontar “jovial”.

Antigamente — e ainda nos dicionários — jovial era alegre, comunicativo, afável. Hoje não é mais. Ou, por outra, não precisa ser, porque virou juvenil e parece que não tem volta.

Outro dia li numa revista que não sei quem se traja jovialmente e fiquei imaginando que essa pessoa se veste em meio a grande efusão e se cumprimentando ao espelho o tempo todo. E uma saudação jovial, é de supor-se, passa a ser algo como “valeu”, ou qualquer das palavrasocirc;nibus hoje em uso pela juventude. Num caminho parecido, o venerando adjetivo “difícil”, conosco desde os albores da língua, está sendo demitido, porque agora nada mais é difícil, é complicado.

O pessoal que pretende falar como se escreve também continua ativo e sua mais conspícua manifestação é ainda o “umaum” com que vários narradores esportivos anunciam um marcador igualado em um gol. Já ouvi também “umotel”, entendi “um motel” e, no decorrer da reportagem, vi que era um hotel. Um olho será um molho e um achado será um machado.

Esse pessoal é perigoso e, se a moda prosperar, ficará impossível falar português no futuro sem um bom preparo físico, para fazer todos os gestos tornados indispensáveis ao bom entendimento.

Acaba-se o espaço, sobram notas, nada a fazer. Bem, só mais estas duas, que tirei de uma revista e vejo muito por aí: “broxura” sexual é com x e “benfeito” é particípio passado do verbo “benfazer”, não quer dizer “bem-feito”. Pronto, acho que o caderninho, ele acabou.

Comunicado à praça: Segundo me contaram, eu integro diversas redes sociais na internet, como o Twitter e o Facebook.

Para mim foi surpresa, porque nunca ingressei em nenhuma dessas redes e nem sei como elas funcionam.

Mas já me garantiram que tem gente se fazendo passar por mim. Devo, portanto, enfatizar que não sou eu e lembrar que não posso responsabilizar-me pelo que me atribuam falsamente.