terça-feira, 31 de agosto de 2010

O problema da autoria científica.

A autoria científica até pouco tempo atrás não era um problema relevante para a comunidade cientifica internacional. Entretanto, alguns autores vêm se manifestando de maneira veemente sobre suas participações em determinados artigos produzidos. Recentemente, perguntaram ao cientista britânico Ian Wilmut, mundialmente reconhecido como "pai da Dolly", o primeiro animal a ser clonado, se ele não tinha criado a Dolly. Sua resposta foi surpreendente para algumas pessoas fora do meio científico: "Sim, eu não criei a Dolly".



A partir daí esta história foi divulgada pela imprensa mundial de forma mais do que sensacionalista. Isto não tem nada com o cientista coreano Hwang Woo-suk, que confessou a fraude em seu artigo publicado pela revista "Science". Wilmut admitiu que pelo menos 66% do mérito de criar a Dolly foi de Keith Campbell, biólogo celular contratado por ele. Mas o cientista também argumentou que coordenou o trabalho, forneceu as condições laboratoriais e ensinou a Campbell a técnica de transferência nuclear. Keith que assinou o artigo da Dolly na revista "Nature" em 1997 em último lugar - Wilmut foi o primeiro nome no artigo - não foi reconhecido como o "pai da Dolly".



Entretanto, outros autores deste artigo estão também contando suas histórias. Angelika Schieke, a segunda autora, estudante de doutorado na época, disse que Wilmut obteve a "paternidade da Dolly" porque pediu, e os demais autores concordaram, para ser o primeiro autor, apesar de que esta posição não refletia sua contribuição ao trabalho. O artigo foi resultado da manipulação de centenas de óvulos e células, cujo único fruto foi a Dolly e, lamentavelmente, os demais autores não foram reconhecidos. Algo parecido ocorreu com Miodrag Stojkovic. Assim como Campbell, Stojkovic deixou a Universidade que trabalhava devido seu chefe Alison Murdoch receber o mérito por ter apresentado, prematuramente, a imprensa internacional, em 2005, o primeiro embrião humano clonado na Europa.



Normalmente é prática habitual no meio científico que o primeiro autor de um artigo seja o de maior destaque, inclusive seu sobrenome, quando são mais de três autores, é o citado no texto de um manuscrito científico. Na referência bibliográfica citam-se todos os autores que de alguma maneira participam numa ou mais etapas do trabalho. A realização de um trabalho científico necessita de várias etapas: formulação da idéia, orientação, infra-estrutura adequada para execução do trabalho, realização dos experimentos, elaboração dos dados e redação e submissão do artigo. Escolher a ordem dos autores no artigo nesta complexidade de etapas é um exercício difícil, de acordos e quase sempre nem todos ficam satisfeitos. Ainda mais nos tempos atuais da genômica e proteômica onde os artigos, por vezes, possuem dezenas de autores.



Algumas revistas científicas já aceitam esclarecer que tais e tais autores tiveram a mesma participação ou o mesmo papel de relevância na produção do artigo. No entanto, sem os líderes das equipes e chefes de laboratórios, que normalmente não realizam a maior parte do experimento, mas buscam recursos, definem, ensinam, orientam e dirigem as equipes, muitos autores não chegariam aos resultados de sucesso.



No fundo estes questionamentos são reflexos do mundo competitivo da investigação de alto nível, onde a posição do nome em um artigo pode significar uma bolsa a mais, mais recursos para o laboratório ou a fama no mundo científico.


Nota do Managing Editor: Eloi de Souza Garcia é Superintendente de Desenvolvimento Científico da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro, Membro da Academia Brasileira de Ciências e Ex-Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Esta matéria foi primeiramente veiculada no Boletim Eletrônico Secti On Line, de abril de 2006.

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