domingo, 17 de abril de 2011
Senador Aecio Neves pego pela lei seca
sexta-feira, 15 de abril de 2011
propaganda da ditadura militar
segunda-feira, 11 de abril de 2011
O massacre e a filosofia
Autor(es): :: Renato Janine Ribeiro
O Estado de S. Paulo - 10/04/2011
O massacre do Realengo deixa-nos, todos, estupefatos. Por que ele aconteceu? A filosofia tem algumas coisas, até conflitantes entre si, a dizer a respeito.
A primeira reação, a mais popular, consiste em achar que foi coisa do Mal - não necessariamente do diabo, mas de algo mau que haja no mundo. No pensamento mais sofisticado essa visão é minoritária, mas existe. Pois é difícil negar a presença de algo mau na vida. Contudo a principal tendência hoje, na filosofia como nos saberes que lidam com a sociedade ou a psique, é considerar que o mau é produzido, é resultado. Vejam o que se conta do assassino: uma pessoa com sérios problemas psíquicos, talvez de origem neurológica, que se agravaram pelas condições em que vivia e por, aparentemente, não ter sido tratada. Seus atos são maus, mas com adequado tratamento talvez ele pudesse ter-se socializado.
O mal não seria algo originário, mas efeito de condições anteriores. Há uma vasta gama de possíveis causas para o crime. Mas não interessa aqui qual explicação se dê. O que importa é que se deem explicações, talvez algumas delas genéticas, mas que terão sido ativadas por razões de convívio (ou sua falta) e por carência de tratamento especializado. Ou seja, o mal é produto de algo que, em si, não é mal. Não haveria "o Mal", menos ainda o demônio. Há problemas de ordem humana e que o homem, isto é, a sociedade, pode resolver.
Essa visão hoje predomina, nas ciências como na imprensa. A mídia procura especialistas que expliquem. Mais que isso, explicando o horrível, espera-se que ele não seja replicado. Como consegui-lo? Uns falam em detectores de metais e em guardas nas escolas, o que é pouco viável. Eu pensaria em mais atendimento social a pessoas em perigo, como era, até o crime, o futuro assassino. Choquei-me ao ver, 12 horas depois da chacina, a escola cheia de policiais, a essa altura desnecessários. O Realengo precisava, então, era de centenas de assistentes sociais, de psicólogos, de gente que pudesse ajudar as famílias e suas crianças a lidar com o trauma, que não afetou somente os parentes dos mortos, mas a comunidade inteira - e o Brasil também, porque nunca imaginamos nossas crianças como alvos de ataque tão perverso.
Essa visão tem, ainda que poucos o saibam, remota origem platônica. Platão entendia que só se faz o mal por se ignorar o Bem. A visão do Bem, o seu conhecimento, é tão forte que torna impossível praticar o mal. Ou seja, voltando a nossos estudiosos da sociedade e da psique, e a nossos proponentes de políticas públicas, todos poderão conviver razoavelmente se as condições que deflagram a agressão forem devidamente tratadas. Mas isso não é fácil. Embora saia mais caro construir cadeias e contratar policiais do que erguer escolas e apelar a especialistas no atendimento humano, a tendência é preferir reagir ao choque a prevenir males. Até porque, quando males ocorrem, são visíveis; quando são prevenidos, nunca se sabe deles. A prevenção do crime por suas causas não é notícia.
Vamos a uma terceira visão filosófica dessa chacina. Agora, o horrível é a impiedade. Como pode alguém massacrar inocentes? Ora, há um grande exemplo histórico nessa direção, que foi o nazismo. Muitos indagaram como a Alemanha, país tão civilizado, fora capaz de matar 6 milhões de judeus, bem como ciganos, em menor número, e eslavos, mais numerosos. Há explicações: a humilhação do Tratado de Versalhes, imposto aos alemães (em 1919, após a 1.ª Guerra Mundial), um antissemitismo presente em várias camadas da população, o autoritarismo prussiano. Mas não bastam. Outras culturas tiveram elementos comparáveis, separados ou reunidos, e nem por isso realizaram holocaustos. Daí que vários estudiosos digam que, em última análise, a análise não consegue explicar o horror. O que se poderia dizer é que pouco resta a dizer, sobre o Holocausto. Os testemunhos são mais poderosos do que as explicações. As causas e razões apontadas ficam muito aquém do sofrimento gerado. Daí que se possa e se deva contar o que aconteceu, mas sem jamais entender como tanto mal pôde ser feito pelo homem - ou tolerado por Deus, se Ele existe. Se o horror é inexplicável, que seja, então, narrado: que, pelo menos, não se torne inenarrável. E sabemos que contar o horror pode aumentá-lo, mas também pode aliviá-lo.
O curioso é que a piedade é um sentimento relativamente recente na vida social. Seu grande defensor é Jean-Jacques Rousseau, que, no século 18, afirmou que o sentimento mais básico no homem é a piedade, a comiseração, a capacidade de sofrer junto ("com+paixão") com qualquer vivente que também sofra. Rousseau talvez pensasse que descrevia o homem como ele é, e nisso pode ter errado. Por milênios, um dos espetáculos mais prestigiados - pelos pobres e pela elite - era ver a lenta agonia dos condenados, em público. Mas depois de Rousseau isso muda. Basta notar que a execução deixa de ser lenta para ser rápida, sai da praça pública para o interior das prisões e, finalmente, é suprimida em quase todos os países do mundo.
No entanto, quase 200 anos depois de Rousseau, a pátria de Goethe e Kant chacinou milhões. Quinze anos atrás, hutus massacraram tutsis. E assassinos chacinam crianças. Falta piedade. O que dizer sobre isso? Temos a explicação pelo Mal, a explicação pelas causas sociais e psíquicas e a impossibilidade de explicar. Pessoalmente, mas sem conseguir descartar a primeira, eu oscilaria entre as duas últimas - apostando em mais políticas públicas, agora focadas talvez em impedir que pessoas que sofrem venham a causar sofrimento inenarrável a outras, e também no respeito de quem sente que, se nesta altura as razões não consolam das perdas, as palavras, pelo menos, podem não ser vãs. Isso se elas ajudarem a recuperar os sobreviventes - do Realengo e, pela televisão interposta, do Brasil inteiro -, que precisam voltar a viver com esperança e sem medo.
PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP
O Estado de S. Paulo - 10/04/2011
O massacre do Realengo deixa-nos, todos, estupefatos. Por que ele aconteceu? A filosofia tem algumas coisas, até conflitantes entre si, a dizer a respeito.
A primeira reação, a mais popular, consiste em achar que foi coisa do Mal - não necessariamente do diabo, mas de algo mau que haja no mundo. No pensamento mais sofisticado essa visão é minoritária, mas existe. Pois é difícil negar a presença de algo mau na vida. Contudo a principal tendência hoje, na filosofia como nos saberes que lidam com a sociedade ou a psique, é considerar que o mau é produzido, é resultado. Vejam o que se conta do assassino: uma pessoa com sérios problemas psíquicos, talvez de origem neurológica, que se agravaram pelas condições em que vivia e por, aparentemente, não ter sido tratada. Seus atos são maus, mas com adequado tratamento talvez ele pudesse ter-se socializado.
O mal não seria algo originário, mas efeito de condições anteriores. Há uma vasta gama de possíveis causas para o crime. Mas não interessa aqui qual explicação se dê. O que importa é que se deem explicações, talvez algumas delas genéticas, mas que terão sido ativadas por razões de convívio (ou sua falta) e por carência de tratamento especializado. Ou seja, o mal é produto de algo que, em si, não é mal. Não haveria "o Mal", menos ainda o demônio. Há problemas de ordem humana e que o homem, isto é, a sociedade, pode resolver.
Essa visão hoje predomina, nas ciências como na imprensa. A mídia procura especialistas que expliquem. Mais que isso, explicando o horrível, espera-se que ele não seja replicado. Como consegui-lo? Uns falam em detectores de metais e em guardas nas escolas, o que é pouco viável. Eu pensaria em mais atendimento social a pessoas em perigo, como era, até o crime, o futuro assassino. Choquei-me ao ver, 12 horas depois da chacina, a escola cheia de policiais, a essa altura desnecessários. O Realengo precisava, então, era de centenas de assistentes sociais, de psicólogos, de gente que pudesse ajudar as famílias e suas crianças a lidar com o trauma, que não afetou somente os parentes dos mortos, mas a comunidade inteira - e o Brasil também, porque nunca imaginamos nossas crianças como alvos de ataque tão perverso.
Essa visão tem, ainda que poucos o saibam, remota origem platônica. Platão entendia que só se faz o mal por se ignorar o Bem. A visão do Bem, o seu conhecimento, é tão forte que torna impossível praticar o mal. Ou seja, voltando a nossos estudiosos da sociedade e da psique, e a nossos proponentes de políticas públicas, todos poderão conviver razoavelmente se as condições que deflagram a agressão forem devidamente tratadas. Mas isso não é fácil. Embora saia mais caro construir cadeias e contratar policiais do que erguer escolas e apelar a especialistas no atendimento humano, a tendência é preferir reagir ao choque a prevenir males. Até porque, quando males ocorrem, são visíveis; quando são prevenidos, nunca se sabe deles. A prevenção do crime por suas causas não é notícia.
Vamos a uma terceira visão filosófica dessa chacina. Agora, o horrível é a impiedade. Como pode alguém massacrar inocentes? Ora, há um grande exemplo histórico nessa direção, que foi o nazismo. Muitos indagaram como a Alemanha, país tão civilizado, fora capaz de matar 6 milhões de judeus, bem como ciganos, em menor número, e eslavos, mais numerosos. Há explicações: a humilhação do Tratado de Versalhes, imposto aos alemães (em 1919, após a 1.ª Guerra Mundial), um antissemitismo presente em várias camadas da população, o autoritarismo prussiano. Mas não bastam. Outras culturas tiveram elementos comparáveis, separados ou reunidos, e nem por isso realizaram holocaustos. Daí que vários estudiosos digam que, em última análise, a análise não consegue explicar o horror. O que se poderia dizer é que pouco resta a dizer, sobre o Holocausto. Os testemunhos são mais poderosos do que as explicações. As causas e razões apontadas ficam muito aquém do sofrimento gerado. Daí que se possa e se deva contar o que aconteceu, mas sem jamais entender como tanto mal pôde ser feito pelo homem - ou tolerado por Deus, se Ele existe. Se o horror é inexplicável, que seja, então, narrado: que, pelo menos, não se torne inenarrável. E sabemos que contar o horror pode aumentá-lo, mas também pode aliviá-lo.
O curioso é que a piedade é um sentimento relativamente recente na vida social. Seu grande defensor é Jean-Jacques Rousseau, que, no século 18, afirmou que o sentimento mais básico no homem é a piedade, a comiseração, a capacidade de sofrer junto ("com+paixão") com qualquer vivente que também sofra. Rousseau talvez pensasse que descrevia o homem como ele é, e nisso pode ter errado. Por milênios, um dos espetáculos mais prestigiados - pelos pobres e pela elite - era ver a lenta agonia dos condenados, em público. Mas depois de Rousseau isso muda. Basta notar que a execução deixa de ser lenta para ser rápida, sai da praça pública para o interior das prisões e, finalmente, é suprimida em quase todos os países do mundo.
No entanto, quase 200 anos depois de Rousseau, a pátria de Goethe e Kant chacinou milhões. Quinze anos atrás, hutus massacraram tutsis. E assassinos chacinam crianças. Falta piedade. O que dizer sobre isso? Temos a explicação pelo Mal, a explicação pelas causas sociais e psíquicas e a impossibilidade de explicar. Pessoalmente, mas sem conseguir descartar a primeira, eu oscilaria entre as duas últimas - apostando em mais políticas públicas, agora focadas talvez em impedir que pessoas que sofrem venham a causar sofrimento inenarrável a outras, e também no respeito de quem sente que, se nesta altura as razões não consolam das perdas, as palavras, pelo menos, podem não ser vãs. Isso se elas ajudarem a recuperar os sobreviventes - do Realengo e, pela televisão interposta, do Brasil inteiro -, que precisam voltar a viver com esperança e sem medo.
PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP
Arminio: Brasil repete erros do milagre econômico
O Brasil na encruzilhada
Autor(es): agência o globo:Pedro Cavalcanti Ferreira e Arminio Fraga Neto
O Globo - 10/04/2011
O Brasil vive um bom momento de crescimento, a um ritmo de cerca de 4% ao ano nos últimos anos. Mas cabe avaliar se este processo vai ter continuidade, nos levando a um produto per capita semelhante ao dos países mais avançados, ou se vamos repetir a experiência de 1950 a 1980, quando acabamos batendo num teto e nos espatifando na Década Perdida.
Em 1950, o produto per capita brasileiro era de cerca de 12% do produto per capita americano. Em 1980, no ápice do milagre, nossa produtividade alcança 24% da americana. A partir daí nosso produto relativo caiu continuamente, chegando a 16% na década de 1990. Deste ponto em diante o país volta a crescer de forma contínua atingindo hoje algo em torno de 20% do produto per capita americano, sem dúvida um avanço, mas ainda modesto.
Aqueles mais nostálgicos dos tempos do milagre econômico tendem a apontar as políticas nacional desenvolvimentistas adotadas desde a década de 50 como a causa principal de nosso crescimento acelerado. Neste modelo o Estado ocupa papel central na economia, tanto como produtor direto quanto como indutor de investimentos privados via coordenação e incentivos fiscais e tributários. Há uma articulação entre interesses públicos e privados em setores entendidos como estratégicos e fortes gastos em infraestrutura e formação de capital por empresas estatais. Mais ainda, a produção nacional é protegida da concorrência internacional através de barreiras comerciais e outras.
Há em curso em nosso país, principalmente a partir de 2008, uma tentativa de ressuscitar este modelo. Isto pode ser visto nas largas transferências do Tesouro para o BNDES, que hoje financia uma fração crescente dos investimentos privados a uma taxa de juros muito abaixo do mercado. Isto pode ser visto nas mudanças no marco regulatório do petróleo, com a Petrobras assumindo um papel ainda maior na prospecção e investimentos do setor. (Note ainda o alto percentual de compras locais da estatal, o que não leva em conta inteiramente diferencial de custos). Pode ser visto também na acelerada expansão do crédito por parte dos bancos públicos. De uma maneira ou de outra, aumenta-se a participação do Estado em diversos setores da economia, ao mesmo tempo em que se implanta e aumenta a proteção e os subsídios para setores e empresas da iniciativa privada.
A crise de 2008 deu o estofo ou argumento ideológico para a reação nacional desenvolvimentista. Ela seria o sintoma claro da falência do modelo neoliberal e indicação da necessidade de uma presença maior do Estado. Afinal, deu certo até o fim dos anos setenta, por que não daria agora?
Um problema é que, o que deu certo até 1980 também foi responsável por grande parte dos desequilíbrios e problemas posteriores. Mais ainda, deu certo em termos de crescimento, mas deu errado em termos sociais. Isto pode ser percebido pela péssima distribuição de renda que este modelo nos legou, além das altas taxas de mortalidade infantil, a baixíssima escolaridade, o alto analfabetismo e índices de pobreza e indigência muito acima do que se esperaria de um país com nosso crescimento e renda per capita. Em certo sentido nada além do esperado de um modelo que privilegiava o investimento em capital físico em detrimento aos gastos em capital humano e educação.
A dimensão social, atualmente, está bem encaminhada. A pobreza vem caindo há vários anos de forma estável, a desigualdade de renda caiu para os níveis mais baixos desde 1960 e a renda de parcelas geralmente excluídas dos benefícios do crescimento, como os negros e as mulheres, vem crescendo a taxas chinesas. Há vários fatores por trás disto, destacando-se a estabilidade macroeconômica (que protege os mais pobres), a expansão da educação e uma agressiva política social ao longo dos últimos 16 anos.
Outro problema diz respeito ao próprio crescimento. Hoje sabemos que na fase final do Milagre os indicadores de produtividade (em queda) já indicavam um certo esgotamento do modelo. Faltou justamente ênfase em produtividade e educação. Ao mesmo tempo, a tentativa de manutenção de taxas aceleradas de crescimento começava a pressionar a inflação e o balanço de pagamentos, um sinal adicional de esgotamento. No fim do Milagre a incapacidade (ou falta de vontade política) do governo em ajustar a economia após inúmeros choques externos - ao contrário, o governo acelerou investimentos - e a extensão e a intensificação da proteção comercial explicam grande parte de nossa estagnação econômica e queda da produtividade posterior.
As semelhanças com o momento atual não são pequenas: passada a crise econômica que justificou aumento anticíclicos dos gastos, há grande resistência ao ajuste por parte de vários setores do governo e da sociedade. Há também enorme pressão por medidas protecionistas por parte de grupos que se sentem prejudicados pela concorrência chinesa e pela taxa de câmbio valorizada. Alguns sinais amarelos já são visíveis. A taxa de inflação se aproxima do teto da meta de inflação e, fora os preços administrados, a alta de preços é generalizada e atinge inclusive o setor de serviços. O saldo em conta corrente se reduziu em mais de quatro pontos do PIB, apesar de um ganho de 40% na relação entre preços médios de exportação e importação.
Em boa parte estas tensões espelham desafios fundamentais que se colocam ao país. No topo da lista está a frustrante dificuldade em se aumentar a taxa de investimento do país, que vem evoluindo lentamente para os atuais 18,4% do PIB, apesar dos esforços e subsídios do BNDES. Trata-se talvez da maior frustração econômica do governo Lula, que com bom senso reduziu significativamente o risco político do país, mas assim mesmo não conseguiu mobilizar nossos "espíritos animais". A nosso ver a explicação para este fenômeno está no par ideologia (de raízes nacional desenvolvimentistas) e dificuldades de execução (enraizadas em um Estado loteado e ineficiente).
Além da baixa taxa de investimento, o Brasil vive hoje um início de crise no mercado de trabalho. A crise não é a tradicional e terrível falta de emprego, mas sim a falta de trabalho qualificado, em todas as faixas. Uma comparação com a Coreia do Sul pode ser útil.
Nos últimos 40 anos a Coreia foi de uma renda per capita 30% inferior à nossa a um nível hoje três vezes maior! Isto foi possível porque a Coreia investiu muito mais e educou mais e melhor do que nós. A escolaridade média subiu de 4,3 anos para cerca de 13 anos (igual à americana), enquanto a nossa foi de dois anos para em torno de sete anos. E a qualidade da educação coreana é excelente, enquanto aqui é, na média, sofrível. Uma resposta mais eficaz aqui é urgente, nas três esferas de governo.
O Brasil está, portanto, diante de uma encruzilhada. Do jeito que as coisas vão, parecemos caminhar para uma repetição do modelo nacional desenvolvimentista, mas com uma taxa de investimento inferior à versão original. Em que pese o maior foco atual no social, não custa lembrar que esta opção foi não só excludente socialmente, como gerou uma série de distorções que provocaram a estagnação posterior. Podemos ter alguns anos de vacas gordas, mas estamos fadados a parar longe de completar a convergência para os melhores padrões globais.
Não existe uma única alternativa a este caminho, mas alguns pontos são essenciais. Como bem indica a Coreia, o Brasil precisa investir e educar mais e melhor. O governo tem que promover as reformas necessárias para contribuir com a sua parte, investindo mais e gastando menos, e revalorizando a boa regulação para mobilizar o investimento privado. A promessa da presidente Dilma de aumentar a eficiência do Estado precisa ser cumprida através da ênfase na meritocracia por ela mesmo proposta. O atual cobertor curto no campo macroeconômico (inflação e juros altos, câmbio baixo) requer um ajuste fiscal mais convincente, que aborde com coragem as questões de longo prazo. Além de juros mais baixos, o setor privado precisa de um Custo Brasil menor, de uma estrutura tributária mais racional e de uma infraestrutura melhor, em vez de subsídios que não merece. Desta forma sobrará mais para programas sociais também. Enfim, há muito em jogo, muito a fazer, pouco tempo a perder. Repetir o passado parece-nos a pior das opções.
Autor(es): agência o globo:Pedro Cavalcanti Ferreira e Arminio Fraga Neto
O Globo - 10/04/2011
O Brasil vive um bom momento de crescimento, a um ritmo de cerca de 4% ao ano nos últimos anos. Mas cabe avaliar se este processo vai ter continuidade, nos levando a um produto per capita semelhante ao dos países mais avançados, ou se vamos repetir a experiência de 1950 a 1980, quando acabamos batendo num teto e nos espatifando na Década Perdida.
Em 1950, o produto per capita brasileiro era de cerca de 12% do produto per capita americano. Em 1980, no ápice do milagre, nossa produtividade alcança 24% da americana. A partir daí nosso produto relativo caiu continuamente, chegando a 16% na década de 1990. Deste ponto em diante o país volta a crescer de forma contínua atingindo hoje algo em torno de 20% do produto per capita americano, sem dúvida um avanço, mas ainda modesto.
Aqueles mais nostálgicos dos tempos do milagre econômico tendem a apontar as políticas nacional desenvolvimentistas adotadas desde a década de 50 como a causa principal de nosso crescimento acelerado. Neste modelo o Estado ocupa papel central na economia, tanto como produtor direto quanto como indutor de investimentos privados via coordenação e incentivos fiscais e tributários. Há uma articulação entre interesses públicos e privados em setores entendidos como estratégicos e fortes gastos em infraestrutura e formação de capital por empresas estatais. Mais ainda, a produção nacional é protegida da concorrência internacional através de barreiras comerciais e outras.
Há em curso em nosso país, principalmente a partir de 2008, uma tentativa de ressuscitar este modelo. Isto pode ser visto nas largas transferências do Tesouro para o BNDES, que hoje financia uma fração crescente dos investimentos privados a uma taxa de juros muito abaixo do mercado. Isto pode ser visto nas mudanças no marco regulatório do petróleo, com a Petrobras assumindo um papel ainda maior na prospecção e investimentos do setor. (Note ainda o alto percentual de compras locais da estatal, o que não leva em conta inteiramente diferencial de custos). Pode ser visto também na acelerada expansão do crédito por parte dos bancos públicos. De uma maneira ou de outra, aumenta-se a participação do Estado em diversos setores da economia, ao mesmo tempo em que se implanta e aumenta a proteção e os subsídios para setores e empresas da iniciativa privada.
A crise de 2008 deu o estofo ou argumento ideológico para a reação nacional desenvolvimentista. Ela seria o sintoma claro da falência do modelo neoliberal e indicação da necessidade de uma presença maior do Estado. Afinal, deu certo até o fim dos anos setenta, por que não daria agora?
Um problema é que, o que deu certo até 1980 também foi responsável por grande parte dos desequilíbrios e problemas posteriores. Mais ainda, deu certo em termos de crescimento, mas deu errado em termos sociais. Isto pode ser percebido pela péssima distribuição de renda que este modelo nos legou, além das altas taxas de mortalidade infantil, a baixíssima escolaridade, o alto analfabetismo e índices de pobreza e indigência muito acima do que se esperaria de um país com nosso crescimento e renda per capita. Em certo sentido nada além do esperado de um modelo que privilegiava o investimento em capital físico em detrimento aos gastos em capital humano e educação.
A dimensão social, atualmente, está bem encaminhada. A pobreza vem caindo há vários anos de forma estável, a desigualdade de renda caiu para os níveis mais baixos desde 1960 e a renda de parcelas geralmente excluídas dos benefícios do crescimento, como os negros e as mulheres, vem crescendo a taxas chinesas. Há vários fatores por trás disto, destacando-se a estabilidade macroeconômica (que protege os mais pobres), a expansão da educação e uma agressiva política social ao longo dos últimos 16 anos.
Outro problema diz respeito ao próprio crescimento. Hoje sabemos que na fase final do Milagre os indicadores de produtividade (em queda) já indicavam um certo esgotamento do modelo. Faltou justamente ênfase em produtividade e educação. Ao mesmo tempo, a tentativa de manutenção de taxas aceleradas de crescimento começava a pressionar a inflação e o balanço de pagamentos, um sinal adicional de esgotamento. No fim do Milagre a incapacidade (ou falta de vontade política) do governo em ajustar a economia após inúmeros choques externos - ao contrário, o governo acelerou investimentos - e a extensão e a intensificação da proteção comercial explicam grande parte de nossa estagnação econômica e queda da produtividade posterior.
As semelhanças com o momento atual não são pequenas: passada a crise econômica que justificou aumento anticíclicos dos gastos, há grande resistência ao ajuste por parte de vários setores do governo e da sociedade. Há também enorme pressão por medidas protecionistas por parte de grupos que se sentem prejudicados pela concorrência chinesa e pela taxa de câmbio valorizada. Alguns sinais amarelos já são visíveis. A taxa de inflação se aproxima do teto da meta de inflação e, fora os preços administrados, a alta de preços é generalizada e atinge inclusive o setor de serviços. O saldo em conta corrente se reduziu em mais de quatro pontos do PIB, apesar de um ganho de 40% na relação entre preços médios de exportação e importação.
Em boa parte estas tensões espelham desafios fundamentais que se colocam ao país. No topo da lista está a frustrante dificuldade em se aumentar a taxa de investimento do país, que vem evoluindo lentamente para os atuais 18,4% do PIB, apesar dos esforços e subsídios do BNDES. Trata-se talvez da maior frustração econômica do governo Lula, que com bom senso reduziu significativamente o risco político do país, mas assim mesmo não conseguiu mobilizar nossos "espíritos animais". A nosso ver a explicação para este fenômeno está no par ideologia (de raízes nacional desenvolvimentistas) e dificuldades de execução (enraizadas em um Estado loteado e ineficiente).
Além da baixa taxa de investimento, o Brasil vive hoje um início de crise no mercado de trabalho. A crise não é a tradicional e terrível falta de emprego, mas sim a falta de trabalho qualificado, em todas as faixas. Uma comparação com a Coreia do Sul pode ser útil.
Nos últimos 40 anos a Coreia foi de uma renda per capita 30% inferior à nossa a um nível hoje três vezes maior! Isto foi possível porque a Coreia investiu muito mais e educou mais e melhor do que nós. A escolaridade média subiu de 4,3 anos para cerca de 13 anos (igual à americana), enquanto a nossa foi de dois anos para em torno de sete anos. E a qualidade da educação coreana é excelente, enquanto aqui é, na média, sofrível. Uma resposta mais eficaz aqui é urgente, nas três esferas de governo.
O Brasil está, portanto, diante de uma encruzilhada. Do jeito que as coisas vão, parecemos caminhar para uma repetição do modelo nacional desenvolvimentista, mas com uma taxa de investimento inferior à versão original. Em que pese o maior foco atual no social, não custa lembrar que esta opção foi não só excludente socialmente, como gerou uma série de distorções que provocaram a estagnação posterior. Podemos ter alguns anos de vacas gordas, mas estamos fadados a parar longe de completar a convergência para os melhores padrões globais.
Não existe uma única alternativa a este caminho, mas alguns pontos são essenciais. Como bem indica a Coreia, o Brasil precisa investir e educar mais e melhor. O governo tem que promover as reformas necessárias para contribuir com a sua parte, investindo mais e gastando menos, e revalorizando a boa regulação para mobilizar o investimento privado. A promessa da presidente Dilma de aumentar a eficiência do Estado precisa ser cumprida através da ênfase na meritocracia por ela mesmo proposta. O atual cobertor curto no campo macroeconômico (inflação e juros altos, câmbio baixo) requer um ajuste fiscal mais convincente, que aborde com coragem as questões de longo prazo. Além de juros mais baixos, o setor privado precisa de um Custo Brasil menor, de uma estrutura tributária mais racional e de uma infraestrutura melhor, em vez de subsídios que não merece. Desta forma sobrará mais para programas sociais também. Enfim, há muito em jogo, muito a fazer, pouco tempo a perder. Repetir o passado parece-nos a pior das opções.
Educação e situação fiscal criam riscos
O Globo - 11/04/2011
Economistas comentam artigo de Arminio Fraga e Pedro Cavalcanti, da FGV, e apontam desafios
A necessidade de se ampliar investimentos em educação e a preocupação com a trajetória da política fiscal nos próximos anos do governo Dilma, tratadas na edição de ontem do GLOBO em artigo de Pedro Cavalcanti Ferreira (FGV) e do ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga, encontram respaldo na opinião de economistas. O controle da inflação, também analisado no artigo "O Brasil na encruzilhada", é outro ponto considerado essencial por especialistas.
Entretanto, a avaliação de que o Brasil pode repetir erros cometidos no fim do milagre econômico, nos anos 70/80 - que levaram o país a viver a "década perdida" -, divide os especialistas, que enxergam um bom momento econômico com desafios menores que os vividos pelo país há 30 anos.
Carlos Langoni, ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, acredita que o desafio da educação no Brasil ainda é gigantesco:
- O Brasil continua investindo mais em capital físico que em capital humano. É necessário infraestrutura, mas o grande desafio é o capital humano, que vem desde a década de 70.
"Brasil precisa radicalizar na gestão fiscal", diz analista
Para ele, entretanto, os atuais desafios do país são bem menos complexos que os vividos nos anos 80, quando comandava o BC. Langoni lembra que naquele momento o país dependia de petróleo do exterior, tinha um déficit externo de cerca de 6% do PIB, não possuía estabilidade econômica e ainda vivia um conturbado processo político.
- Foram registrados muitos avanços, inclusive no modelo de Estado. Naquela época, o Estado liderava os investimentos da economia, hoje é coadjuvante neste processo - disse, afirmando que até o grande peso do BNDES na economia será transitório, diminuindo à medida que o mercado de capitais cresce e surgirem mecanismos de financiamento de longo prazo.
Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), afirma que a atual situação do país é muito diferente do período pós-milagre, pois o Brasil está muito mais sólido:
- Não temos um abismo à nossa frente - resume.
Em sua opinião, contudo, há necessidade de se ampliar e aperfeiçoar a educação no Brasil. E dois pontos merecem atenção especial do governo: a inflação, que pode começar a gerar um ciclo de reindexações, e a política fiscal, que deve continuar a ser austera nos próximos anos.
A situação fiscal também traz preocupação a Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios. Mas ele acredita que o momento é favorável ao Brasil. Diz que o país avançou nos últimos anos e há um contexto mundial que torna os atuais desafios mais fáceis de serem enfrentados:
- Mesmo o temor do grande peso do Estado na economia é algo para se ficar alerta, mas a sociedade evoluiu nos últimos anos e não aceitará retrocessos.
O economista Paulo Rabello de Castro, vice-presidente do Instituto Atlântico, não vê semelhanças entre os desafios atuais e os vividos pelo país no início dos anos 80. Mas ele diz que "o Brasil precisa radicalizar na gestão fiscal".
- Isso tanto na simplificação dos tributos como nos gastos dos recursos, para obter a eficiência e, por consequência, melhoria educacional - afirmou.
Economistas comentam artigo de Arminio Fraga e Pedro Cavalcanti, da FGV, e apontam desafios
A necessidade de se ampliar investimentos em educação e a preocupação com a trajetória da política fiscal nos próximos anos do governo Dilma, tratadas na edição de ontem do GLOBO em artigo de Pedro Cavalcanti Ferreira (FGV) e do ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga, encontram respaldo na opinião de economistas. O controle da inflação, também analisado no artigo "O Brasil na encruzilhada", é outro ponto considerado essencial por especialistas.
Entretanto, a avaliação de que o Brasil pode repetir erros cometidos no fim do milagre econômico, nos anos 70/80 - que levaram o país a viver a "década perdida" -, divide os especialistas, que enxergam um bom momento econômico com desafios menores que os vividos pelo país há 30 anos.
Carlos Langoni, ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, acredita que o desafio da educação no Brasil ainda é gigantesco:
- O Brasil continua investindo mais em capital físico que em capital humano. É necessário infraestrutura, mas o grande desafio é o capital humano, que vem desde a década de 70.
"Brasil precisa radicalizar na gestão fiscal", diz analista
Para ele, entretanto, os atuais desafios do país são bem menos complexos que os vividos nos anos 80, quando comandava o BC. Langoni lembra que naquele momento o país dependia de petróleo do exterior, tinha um déficit externo de cerca de 6% do PIB, não possuía estabilidade econômica e ainda vivia um conturbado processo político.
- Foram registrados muitos avanços, inclusive no modelo de Estado. Naquela época, o Estado liderava os investimentos da economia, hoje é coadjuvante neste processo - disse, afirmando que até o grande peso do BNDES na economia será transitório, diminuindo à medida que o mercado de capitais cresce e surgirem mecanismos de financiamento de longo prazo.
Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), afirma que a atual situação do país é muito diferente do período pós-milagre, pois o Brasil está muito mais sólido:
- Não temos um abismo à nossa frente - resume.
Em sua opinião, contudo, há necessidade de se ampliar e aperfeiçoar a educação no Brasil. E dois pontos merecem atenção especial do governo: a inflação, que pode começar a gerar um ciclo de reindexações, e a política fiscal, que deve continuar a ser austera nos próximos anos.
A situação fiscal também traz preocupação a Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios. Mas ele acredita que o momento é favorável ao Brasil. Diz que o país avançou nos últimos anos e há um contexto mundial que torna os atuais desafios mais fáceis de serem enfrentados:
- Mesmo o temor do grande peso do Estado na economia é algo para se ficar alerta, mas a sociedade evoluiu nos últimos anos e não aceitará retrocessos.
O economista Paulo Rabello de Castro, vice-presidente do Instituto Atlântico, não vê semelhanças entre os desafios atuais e os vividos pelo país no início dos anos 80. Mas ele diz que "o Brasil precisa radicalizar na gestão fiscal".
- Isso tanto na simplificação dos tributos como nos gastos dos recursos, para obter a eficiência e, por consequência, melhoria educacional - afirmou.
domingo, 10 de abril de 2011
JOÃO UBALDO RIBEIRO - Se reformarem, é para piorar
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 10/04/11
Desde que me entendo, ouço falar em reformas e as únicas que lembro ter visto efetivamente realizadas são as ortográficas. Já devo ter pegado umas quatro ou cinco e ainda encontrei muitos livros em orthographias extranhas, na bibliotheca de meu pae. Aprendi a ler no tempo em que a palavra "toda" se escrevia "tôda", para não ser confundida com o nome de uma tal ave, jamais vista por quem quer que seja. Jorge Amado perdeu a paciência, depois de fazer força para se adaptar a diversas ortografias. Uma vez, quando ele estava acabando de redigir um artigo ou prefácio, como sempre incentivando algum escritor novato, eu cheguei e ele me disse, datilografando as últimas palavras do texto, arrancando o papel da máquina e o entregando a mim:
- Ah, ótimo que você apareceu. Bote os acentos nessa merda aí, que eu não tenho mais saco para reaprender a soletrar de cinco em cinco anos.
Talvez eu esteja sendo injusto e tenha presenciado a realização e implantação de alguma reforma não ortográfica. Mas não aquelas que antigamente eram chamadas de "reformas de base" e consideradas essenciais para o desenvolvimento ou até a sobrevivência do País. Reforma agrária, reforma tributária, reforma judicial, reforma administrativa, reforma educacional e por aí se desfiam as benditas reformas, um longuíssimo rosário, impossível de recitar de cor. Ao mencionar-se sua necessidade ou urgência, todos assentem com ares graves - sim, sim, naturalmente, as reformas.
Contudo, passar da anuência à ação é aparentemente impossível. Reforma é uma coisa na qual se fala, mas não se faz. É excelente para comícios e entrevistas, mas não para agir. De vez em quando, um governante diz que fez uma reforma. Se não me engano, o ex-presidente Lula anunciou que fez uma ou duas reformas. Não lembro quais e provavelmente nem ele, são coisas do passado e ninguém viu reforma nenhuma mesmo.
Tenho uma teoria simples a respeito desse assunto. Todas as reformas, de todos os tipos, iriam prejudicar os que ganham com a manutenção do que está aí. Como o País, de cabo a rabo, em todos os níveis, em todas as classes e categorias, é essencialmente corrupto, a corrupção não deixa. Não existe setor da administração pública, novamente em todos os níveis e dimensões, que não seja território de uma ou diversas máfias, algumas das quais institucionalizadas e quase todas alimentadas por uma burocracia pervertida e feita para ensejar propinas, vender influência e fazer proliferar os despachantes e seus equivalentes mais graduados, os chamados consultores - entre estes últimos constando o hoje injustamente esquecido filho de d. Erenice.
Diante da realidade de que há quadrilhas em ação em todos os poderes, tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora, não se vai acreditar que os beneficiários de determinado estado de coisas abdicarão de suas vantagens pelos belos olhos de quem quer que seja. Ouso mesmo dizer que, em muitas das áreas mafiosas, quem for fundo demais na investigação e na reforma corre o risco de morrer. São muitas as histórias de assassinatos realizados a mando de algum esquema de corrupção, pelo Brasil afora. Não escapa área nenhuma, a começar, simbolicamente, pelas próprias polícias.
E não escapa, naturalmente, o Congresso Nacional, onde, segundo as más línguas (observem meu uso copioso do adjetivo "alegado", ou quem vai preso sou eu) há alegados ladrões, alegados estelionatários, alegados salafrários e outros alegados, em tamanha fartura que desafia a contagem. Agora o Congresso está entregue à tarefa de realizar a reforma política, todo mundo fingindo que acredita que algo que prejudique os interesses imediatos dos congressistas será aprovado. E que o nosso sistema eleitoral está sendo aperfeiçoado.
Aperfeiçoado para eles. O que eles pretendem chega a parecer brincadeira, mas, infelizmente, não é. Querem, como se sabe, instituir o que já chamam afetuosamente de "listão". O eleitor não votará mais em um candidato, mas na lista elaborada pelo partido, na ordem estabelecida pelo partido. Atualmente, com a lista aberta, pelo menos o eleitor escolhe uma pessoa e essa pessoa, se bem votada, fatalmente se elege. Mas não vai haver mais esse direito. De agora em diante, com a lista fechada, o eleitor escolhe o partido com que se identifica e lhe entrega a escolha dos nomes que serão eleitos.
Só pode ser deboche. Que significa um partido político no Brasil, senão a conglomeração temporária de interesses que raramente são os da nação, mas de grupos, categorias ou indivíduos? Até os programas partidários não passam de florilégios de frases vagas e altissonantes, tais como o combate à desigualdade e a injustiça social, os projetos de inclusão, o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e outras generalidades, quem ouve um, ouve outro e, se o nome do partido fosse apagado, não haveria quem o distinguisse. Apareceu até um partido que se declara não ser de esquerda, nem de direita, nem de centro. Talvez seja o mais honesto deles todos, por mostrar que reconhece a realidade política brasileira. Aqui nenhum partido quer dizer nada mesmo e podiam usar todos a mesma sigla: PPPPP, Partido Pela Predação do Patrimônio Público, porque tudo o que seus membros aqui almejam é abocanhar a parte deles.
Agora vêm com essa novidade da lista fechada. Se já não nos é permitido dar palpite no uso do nosso dinheiro, daqui a pouco nos tirarão o direito de escolher nossos governantes. Ou seja, seremos mandados pelas organizações oligárquicas e caciquistas dos partidos. Seremos uma "democracia" governada por conluios e manobras escusas. Ou por 171, como queiram.
O Estado de S.Paulo - 10/04/11
Desde que me entendo, ouço falar em reformas e as únicas que lembro ter visto efetivamente realizadas são as ortográficas. Já devo ter pegado umas quatro ou cinco e ainda encontrei muitos livros em orthographias extranhas, na bibliotheca de meu pae. Aprendi a ler no tempo em que a palavra "toda" se escrevia "tôda", para não ser confundida com o nome de uma tal ave, jamais vista por quem quer que seja. Jorge Amado perdeu a paciência, depois de fazer força para se adaptar a diversas ortografias. Uma vez, quando ele estava acabando de redigir um artigo ou prefácio, como sempre incentivando algum escritor novato, eu cheguei e ele me disse, datilografando as últimas palavras do texto, arrancando o papel da máquina e o entregando a mim:
- Ah, ótimo que você apareceu. Bote os acentos nessa merda aí, que eu não tenho mais saco para reaprender a soletrar de cinco em cinco anos.
Talvez eu esteja sendo injusto e tenha presenciado a realização e implantação de alguma reforma não ortográfica. Mas não aquelas que antigamente eram chamadas de "reformas de base" e consideradas essenciais para o desenvolvimento ou até a sobrevivência do País. Reforma agrária, reforma tributária, reforma judicial, reforma administrativa, reforma educacional e por aí se desfiam as benditas reformas, um longuíssimo rosário, impossível de recitar de cor. Ao mencionar-se sua necessidade ou urgência, todos assentem com ares graves - sim, sim, naturalmente, as reformas.
Contudo, passar da anuência à ação é aparentemente impossível. Reforma é uma coisa na qual se fala, mas não se faz. É excelente para comícios e entrevistas, mas não para agir. De vez em quando, um governante diz que fez uma reforma. Se não me engano, o ex-presidente Lula anunciou que fez uma ou duas reformas. Não lembro quais e provavelmente nem ele, são coisas do passado e ninguém viu reforma nenhuma mesmo.
Tenho uma teoria simples a respeito desse assunto. Todas as reformas, de todos os tipos, iriam prejudicar os que ganham com a manutenção do que está aí. Como o País, de cabo a rabo, em todos os níveis, em todas as classes e categorias, é essencialmente corrupto, a corrupção não deixa. Não existe setor da administração pública, novamente em todos os níveis e dimensões, que não seja território de uma ou diversas máfias, algumas das quais institucionalizadas e quase todas alimentadas por uma burocracia pervertida e feita para ensejar propinas, vender influência e fazer proliferar os despachantes e seus equivalentes mais graduados, os chamados consultores - entre estes últimos constando o hoje injustamente esquecido filho de d. Erenice.
Diante da realidade de que há quadrilhas em ação em todos os poderes, tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora, não se vai acreditar que os beneficiários de determinado estado de coisas abdicarão de suas vantagens pelos belos olhos de quem quer que seja. Ouso mesmo dizer que, em muitas das áreas mafiosas, quem for fundo demais na investigação e na reforma corre o risco de morrer. São muitas as histórias de assassinatos realizados a mando de algum esquema de corrupção, pelo Brasil afora. Não escapa área nenhuma, a começar, simbolicamente, pelas próprias polícias.
E não escapa, naturalmente, o Congresso Nacional, onde, segundo as más línguas (observem meu uso copioso do adjetivo "alegado", ou quem vai preso sou eu) há alegados ladrões, alegados estelionatários, alegados salafrários e outros alegados, em tamanha fartura que desafia a contagem. Agora o Congresso está entregue à tarefa de realizar a reforma política, todo mundo fingindo que acredita que algo que prejudique os interesses imediatos dos congressistas será aprovado. E que o nosso sistema eleitoral está sendo aperfeiçoado.
Aperfeiçoado para eles. O que eles pretendem chega a parecer brincadeira, mas, infelizmente, não é. Querem, como se sabe, instituir o que já chamam afetuosamente de "listão". O eleitor não votará mais em um candidato, mas na lista elaborada pelo partido, na ordem estabelecida pelo partido. Atualmente, com a lista aberta, pelo menos o eleitor escolhe uma pessoa e essa pessoa, se bem votada, fatalmente se elege. Mas não vai haver mais esse direito. De agora em diante, com a lista fechada, o eleitor escolhe o partido com que se identifica e lhe entrega a escolha dos nomes que serão eleitos.
Só pode ser deboche. Que significa um partido político no Brasil, senão a conglomeração temporária de interesses que raramente são os da nação, mas de grupos, categorias ou indivíduos? Até os programas partidários não passam de florilégios de frases vagas e altissonantes, tais como o combate à desigualdade e a injustiça social, os projetos de inclusão, o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e outras generalidades, quem ouve um, ouve outro e, se o nome do partido fosse apagado, não haveria quem o distinguisse. Apareceu até um partido que se declara não ser de esquerda, nem de direita, nem de centro. Talvez seja o mais honesto deles todos, por mostrar que reconhece a realidade política brasileira. Aqui nenhum partido quer dizer nada mesmo e podiam usar todos a mesma sigla: PPPPP, Partido Pela Predação do Patrimônio Público, porque tudo o que seus membros aqui almejam é abocanhar a parte deles.
Agora vêm com essa novidade da lista fechada. Se já não nos é permitido dar palpite no uso do nosso dinheiro, daqui a pouco nos tirarão o direito de escolher nossos governantes. Ou seja, seremos mandados pelas organizações oligárquicas e caciquistas dos partidos. Seremos uma "democracia" governada por conluios e manobras escusas. Ou por 171, como queiram.
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